Abdelmassih e Gilmar Mendes x Joaquim Barbosa e Ação Penal 470, o médico monstro e os "mensaleiros".

Um Judiciário de dois pesos e duas medidas

01/07/2014 às 16:49
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A disparidade de tratamento conferida pelo STF a casos como o do médico Roger Abdelmassih e a execução penal dos condenados na Ação Penal 470,desmoraliza e desacredita o judiciário, fazendo com que o Brasil tenha uma justiça de dois pesos e duas medidas.


            A Rede Record exibiu,na noite deste último domingo, 15 de junho, no programa Domingo Espetacular, comandado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim,  uma reportagem acerca da caçada desenvolvida pela polícia brasileira e pela Interpol, no esforço de capturar o médico paulista Roger Abdelmassih.

Abdelmassih, para quem não se recorda, vem a ser aquele famoso médico, ginecologista, que era considerado uma das maiores autoridades mundiais em reprodução humana, tendo em sua imensa lista de mais de dez mil pacientes, diversas celebridades, entre atrizes renomadas, esposas de atletas, empresários e políticos famosos, e que chocou o país ao ser denunciado por haver estuprado dezenas de pacientes, aproveitando-se dos efeitos dos sedativos dos quais se utilizava, nos procedimentos, realizados em sua clínica.


            Ele foi preso e posteriormente condenado em Primeira Instância pela Justiça do Estado de São Paulo, a uma sentença de 278 anos de reclusão. O médico recorreu e deveria, em especial pela hediondez das acusações, pelo fato de já haver se esgotado a fase instrutória, não se admitindo, portanto, falar-se em decurso de prazo, e, em consonância com o entendimento doutrinário preponderante na jurisprudência brasileira, ter sido mantido preso, enquanto aguardava o julgamento da sua apelação criminal e o consequente trânsito em julgado do processo penal.


            Além disso, sendo o acusado de origem libanesa ( Abdelmassih é filho de imigrantes oriundos daquele país árabe) e o Líbano não possuindo tratado de extradição com o Brasil, reforçava-se a necessidade da manutenção do seu encarceramento, em razão da razoável suposição de que ele poderia evadir-se do país, no intuito de frustrar a aplicação da pena.

Reforçava ainda mais tal imperiosa necessidade de manutenção da custódia preventiva do acusado, ainda que não tivesse ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória, o fato de que Abdelmassih, possui dupla cidadania, brasileira e libanesa, o que, ainda que a República do Líbano tivesse firmado tratado de extradição com o nosso país, inviabilizaria a extradição do foragido, tornando, portando totalmente inviável o cumprimento da execução penal.

Como se não bastasse, a esposa do réu era Procuradora da República e pediu exoneração da função que exercia junto ao Ministério Público Federal, pouco após o marido haver obtido o benefício da liberdade provisória, devendo presumir-se, por óbvio raciocínio, que o fez no intuito de acompanhar o esposo na fuga que o mesmo empreenderia, para frustrar o cumprimento da execução penal.

 Mesmo diante de tantas e tamanhas evidências fáticas e fundamentos jurídicos desfavoráveis a libertação de tão infame cidadão, o Ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF, concedeu uma medida liminar em Habeas Corpus, interposto pela defesa do médico monstro, determinando a soltura de um criminoso condenado judicialmente  a quase 300 anos de prisão, pela prática de dezenas de crimes considerados hediondos, à luz do que reza a Lei 8.072/90, desconsiderando-se todas as evidências de que Abdelmassih acabaria se evadindo do Brasil para escapar de  tão severa reprimenda legal .


                O resultado, evidentemente esperado, concretizou-se: Roger Abdelmassih fugiu do país, em fevereiro de 2011 e nunca mais foi encontrado, estando desaparecido desde então, figurando na lista dos criminosos mais procurados do mundo pela Interpol.


                 É inteiramente inaceitável que a nossa mais alta corte de justiça conceda o direito a recorrer em liberdade a um acusado, condenado a uma sanção penal tão elevada, e que todas as evidências levavam a crer que iria fugir do Brasil, frustrando com isso o cumprimento da execução penal.


                 Enquanto isso, José Dirceu continua preso ilegalmente em regime fechado. O pedido de prisão domiciliar de José Genuíno, continua sem ser julgado, inobstante a já haver parecer favorável emitido pelo Ministério Público, tendo, inclusive, o seu advogado tido a sua palavra ilegalmente cerceada, enquanto pleiteava o julgamento de tal postulação, contrariando totalmente a Constituição Federal e a Lei 8.904 ( Estatuto da OAB). Daniel Dantas e Paulo Maluf (também procurado pela Interpol) continuam soltos. O chamado "Mensalão do PSDB" continua sem ser julgado e tantos outros desmandos continuam a ser praticados por alguns membros do nosso pretório excelso, desmoralizando a Justiça e desacreditando o Judiciário, enquanto parcela significativa do nosso povo, continua acreditando na "hombridade", na "ética" e na "coragem", do Ministro Joaquim Barbosa, alienado pelos mitos, lendas e factóides criados por uma grande imprensa, comandada por poucas e riquíssimas famílias de oligarcas da mídia, porta vozes da mesma elite corrupta, tosca e recalcada com o fato dos dois últimos governos federais, haverem feito muito mais pelo nosso país, sobretudo no campo social, em pouco mais de uma década, do que eles, em mais de quinhentos anos de uma história tragicômica, marcada por enormes contradições e por injustiças sociais gritantes.

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                  Há que ser questionado, portanto, quais são os critérios e qual é a legitimidade que possui uma Suprema Corte que insiste em agir de maneira tão tendenciosa e tão desatrelada do verdadeiro espírito da Justiça, parecendo-se, mesmo e tristemente, que alguns dos membros do Supremo Tribunal Federal, manipulam a balança de Themis, de acordo com os interesses pessoais e políticos dos poderosos de sempre, afrontando os princípios da imparcialidade e da impessoalidade no exercício da função jurisdicional do estado, fragilizando a democracia e fazendo efetivamente com que a nossa justiça possua dois pesos e duas medidas.

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Sobre o autor
Mario Trajano

Mário Trajano é advogado militante e professor universitário, lecionando no quadro efetivo do Curso de Direito da UFRN-Campus Caicó, aonde ministra a disciplina Direito Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo ora enviado foi escrito em razão da profunda irresignação do autor, advogado e professor de Direito Penal da UFRN, diante da absurda contradição e do flagrante casuísmo entre certas decisões prolatadas pelo STF, evidenciadas pela disparidade de tratamento conferida pelo nosso pretório excelso ao caso do médico Roger Abdelmassih e a execução das penas dos condenados na Ação Penal nº 470.

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