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A ilegalidade e inconstitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária patronal das empresas que contratam serviços de microempreendedores individuais (MEIS)

12/10/2014 às 15:35
Leia nesta página:

A Instrução Normativa 1453 da Receita Federal viola diversas normas de Direito Tributário. Cria novos contribuintes para a contribuição previdenciária patronal sem lei e ainda retroage para atingir fatos anteriores à data da sua publicação.

Foi publicada no Diário Oficial da União do dia 25 de fevereiro de 2014 a Instrução Normativa RFB nº 1.453/2014, que alterou a Instrução Normativa RFB nº 971/2009, a qual estabelece as normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social.

As empresas contratantes de Microempreendedo­res Individuais (MEIs), até a edição desta nova Instrução Normativa, apenas tinham a obrigatori­edade de pagamento da contribuição previdenciá­ria patronal nos casos em que o MEI prestasse serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alve­naria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos. Neste sentido, aliás, era a redação original do art. 201[1]da Instrução Normativa RFB nº 971/2009.

Porém, a Instrução Normativa RFB nº 1.453/2014 alterou a redação do art. 201 da Instrução Norma­tiva RFB nº 971/2009, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 201. (…)

§1º Nos termos do § 1º do art. 18-B da Lei Complementar nº 123, de 2006, com redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011, aplica-se o disposto no ca­put:

I - em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pin­tura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos a partir de 1º de julho de 2009;

II - em relação aos demais serviços prestados por intermédio do MEI, a partir de 9 de feve­reiro de 2012.

§2º A obrigação da empresa de reter a contri­buição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva re­muneração, e a recolher na forma do art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003, não se aplica a este artigo.” (Grifou-se).

Como se pode ver, a nova Instrução Normativa ampliou significativamente o rol dos contribuintes da contribuição previdenciária patronal, já que determinou a obrigatoriedade do recolhimento de tal contribuição a todas as empresas contratantes de MEIs, seja qual for a modalidade de prestação de serviço deste MEI.

A redação do §1º da mencionada norma dá a en­tender que a sua alteração se deveu à modificação do §1º do art. 18-B da Lei Complementar nº 123/2006, o qual foi alterado pela Lei Complemen­tar nº 139/2011, passando a ter a seguinte reda­ção:

“Art. 18-B. A empresa contratante de serviços executados por intermédio do MEI mantém, em relação a esta contratação, a obrigatorie­dade de recolhimento da contribuição a que se refere o inciso III do caput e o §1º do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e o cum­primento das obrigações acessórias relativas à contratação de contribuinte individual. 

§1º Aplica-se o disposto no caput em relação ao MEI que for contratado para prestar servi­ços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvena­ria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.

§2º O disposto no caput e no §1º não se aplica quando presentes os elementos da relação de emprego, ficando a contratante sujeita a todas as obrigações dela decorrentes, inclusive tra­balhistas, tributárias e previdenciárias.”

Interessante notar que a alteração promovida pela Lei Complementar nº 139/2011 na referida norma do §1º foi peculiar, limitando-se a apenas retirar a palavra “exclusivamente” do então parágrafo único da norma, que assim previa:

“Parágrafo único: Aplica-se o disposto neste ar­tigo exclusivamente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.” (Grifou-se).

Seria a referida modificação legislativa suficiente para a ampliação dos contribuintes da contribui­ção previdenciária patronal, por meio de Instrução Normativa, tal como realizado pela Receita Federal do Brasil? A simples retirada do termo “exclusiva­mente” faria com que a interpretação do §1º fosse a de que a partir de então, todas as empresas que contratam MEIs prestadores de serviços devem fazer o recolhimento da contribuição previdenciá­ria patronal?

A toda evidência, a resposta deve ser negativa, por inúmeras razões.

A primeira delas é de ordem puramente semân­tica, pois a lei, ao especificar os tipos de serviços que estariam sujeitos à norma do caput, já expli­cita quais seriam os destinatários da norma, sendo desnecessário o vocábulo “exclusivamente”, que poderia ser considerado até mesmo um pleo­nasmo. Desta forma, a sua retirada do texto não implica em nenhuma alteração no sentido da norma jurídica.

Quando a norma determina quem deve fazer ou deixar de fazer algo, diferenciando-o dos demais destinatários da norma, já se direciona de forma exclusiva a este grupo. Do contrário, não faria a diferenciação, pois a norma seria geral.

Logo, o sentido do parágrafo único da antiga reda­ção do art. 18-B da Lei Complementar nº 123 e o sentido do §1º da atual redação da mesma norma (alterada pela Lei Complementar nº 139) é rigoro­samente o mesmo.

Além disso, já nas razões do campo jurídico para a invalidade da norma, a IN 1.453/2014 acabou por criar novos contribuintes para a contribuição previdenciária das empresas, prevista no art. 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República.

Anteriormente, como visto, somente estavam sujeitos a esta contribuição aquelas empresas que contratassem MEI que prestassem serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.

Portanto, ao elastecer o rol de serviços sujeitos à contribuição por parte da empresa que contrata o MEI, a IN 1.453/2014 criou novos contribuintes para o tributo, que antes não estavam sujeitos ao recolhimento da contribuição previdenciária sobre o valor do serviço prestado pelo MEI.

Ocorre que o art. 195, §4º, da Constituição prevê que “a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguri­dade social, obedecido o disposto no art. 154, I”.

E o art. 154, inciso I, da Constituição exige, por sua vez, lei complementar para tal mister, pois o au­mento do rol dos contribuintes da contribuição previdenciária das empresas sobre os serviços prestados por MEI, seria uma nova fonte desti­nada a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social.

Sem adentrar à controvérsia doutrinária e juris­prudencial sobre a necessidade ou desnecessidade de lei complementar para a criação ou alteração de normas sobre contribuição social, certo é que ao menos lei ordinária seria necessário para tanto.

Mas nem mesmo uma lei ordinária tratou da ma­téria. Há, pois, evidente mácula ao Princípio da Legalidade, já que está sendo exigido tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I, do texto constitu­cional). Como visto, foi por meio de uma Instrução Normativa que a Receita Federal tratou de incluir todos os serviços prestados por MEI como passíveis de gerarem o ônus da contribuição previdenciária para as empresas.

Aliás, prevê o Código Tributário Nacional, em seu art. 97, III, que “somente a lei” pode estabelecer a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e “do seu sujeito passivo”. A reserva de lei foi solenemente ignorada pela Receita Federal.

E a Instrução Normativa não para por aí. Não con­tente em criar novos contribuintes para a contri­buição previdenciária do art. 195, I, a, da Consti­tuição, como visto acima, determinou também que seria a contribuição exigível desde 9 de feve­reiro de 2012, ou seja, pouco mais de dois anos antes da publicação da censurável norma, ocorrida no dia 25 de fevereiro de 2014.

As empresas que contratavam MEIs prestadores de serviços no período compreendido entre 9 de fevereiro de 2012 e 25 de fevereiro de 2014, por­tanto, já eram contribuintes da contribuição do art. 195, I, “a”, da Constituição sem nem mesmo saberem disso!

Flagrante é a violação do Princípio da Irretroativi­dade neste caso, já que é exigido o tributo em período anterior à própria edição da norma que o estabeleceu.

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportuni­dade de proclamar a inconstitucionalidade de lei com base na violação da irretroatividade[2], pelo que, mais uma vez, somente se pode concluir pela ilegalidade da Instrução Normativa em comento.

No caso da IN 1.453/2014, as empresas que contrataram MEIs prestadores de serviços (diver­sos de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veícu­los) foram incluídas na obrigatoriedade de reco­lhimento da contribuição previdenciária em perí­odo anterior à própria publicação da norma.

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Aparentemente, a razão para a escolha da data para início da exigibilidade da contribuição previ­denciária das empresas seria o suposto respeito à anterioridade nonagesimal, com base na data da publicação da Lei Complementar nº 139, a qual foi publicada em 10 de novembro de 2011.

Assim, considerando ser este o entendimento adotado pela Receita Federal, contados 90 (noventa) dias da data da publicação da Lei Complementar nº 139, que retirou a palavra “exclusivamente” da Lei Complementar nº 123, estaria autorizada a cobrança das contribuições previdenciárias das empresas que contratam MEIs que prestam serviços diversos de hidráulica, eletricidade, pintura, alve­naria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.

Ora, a toda evidência o entendimento da Receita Federal plasmado na IN 1.453/2014 não se sustenta, eis que viola, de uma só vez, princípios e regras elementares de Direito Tributário.

Desta forma, revela-se patente a inconstitucionalidade e ilegalidade da nova redação do art. 201 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, com a alteração promovida pela Instrução Normativa RFB nº 1.453/2014.

Apesar disso, a cobrança da mencionada contribuição vem sendo realizada e autos de infração poderão ser lavrados pela Receita Federal em virtude do descumprimento da referida norma, até que seja ela revogada ou invalidada, seja ad­ministrativa ou judicialmente.


[1]IN 971/09, RFB: “Art. 201. A empresa contratante de serviços executados por intermédio do MEI mantém, em relação a esta contratação, a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição a que se referem o inciso III e o §5º do art. 72, bem como o cumprimento das obrigações acessó­rias relativas à contratação de contribuinte individual. Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste ar­tigo exclusivamente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hi­dráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, car­pintaria e de manutenção ou reparo de veí­culos.” (Grifou-se).

[2]“(...) ao determinar, porém, o artigo 8º da Lei 7.689/88 que a contribuição em causa já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violou ele o princípio da irretroatividade contido no artigo 150, III, "a", da constituição federal, que proíbe que a lei que institui tri­buto tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes do início da vigência dela. (...)” (RE 146733, Relator: Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1992, DJ 06-11-1992, PP-20110 EMENT VOL-01683-03 PP-00384 RTJ VOL-00143-02 PP-00684). (Grifou-se)

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Sobre o autor
Fernando Lima Gomes

Advogado sócio do escritório Carreira Machado & Gomes Advogados<br>Bacharel em Ciências Econômicas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Fernando Lima. A ilegalidade e inconstitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária patronal das empresas que contratam serviços de microempreendedores individuais (MEIS). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4120, 12 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29819. Acesso em: 22 dez. 2024.

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