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Incentivos fiscais e seus efeitos colaterais nocivos

28/08/2014 às 14:33
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Desonerações tributárias irregulares e gastos ilegais geram déficits orçamentários que conduzem a artifícios técnico-contábeis e práticas ilegais de apropriação de receitas públicas.

Os incentivos fiscais não deixam de ser uma forma de intervir indiretamente na atividade econômica.

De fato, dispõe o art. 174 da CF, in verbis:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”

Os incentivos fiscais constituem gênero de que são espécies a isenção, a não incidência juridicamente qualificada, a moratória, a redução de alíquota ou da base de cálculo, o subsídio, a remissão, a anistia,  a concessão de crédito fiscal etc.                

Esses incentivos podem ser de natureza nacional, regional ou setorial. Os primeiros são concedidos no âmbito de todo o território nacional; os segundos, para determinadas regiões; e os últimos abarcam apenas determinados setores da atividade econômica. Estes não se confundem com os incentivos locais outorgados pelos municípios. Aliás, os incentivos regionais, também, normalmente são conferidos pelo governo central que detém o poder de realizar  o planejamento macroeconômico  mediante concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País, como prescreve o art.151 in fine da Constituição Federal. Sem essa finalidade o incentivo fiscal perde sua legitimidade e passa a ofender o princípio da isonomia.

Esses incentivos fiscais devem ser concedidos exclusivamente por lei específica correspondente ao tributo parcial ou totalmente exonerado, de conformidade com o princípio da especialidade previsto no § 6º, do art. 150 da CF. Essa exigência constitucional surgiu da necessidade de evitar surpresas legislativas decorrentes de inserção de norma de exoneração tributária, para atender interesse de determinado parlamentar, no bojo de um projeto legislativo em discussão, versando sobre matéria que nada tem a ver com a política tributária.

Visando expurgar os incentivos setoriais indevidamente outorgados por via de emendas casuísticas estranhas à matéria discutida no projeto legislativo aprovado,  o art. 41 do ADCT prescreveu que os Executivos das três esferas políticas avaliem esses incentivos, muitas vezes, ofensivos aos princípios da isonomia e da livre concorrência. O seu § 1º dispôs, ainda, que considerar-se-ão revogados após dois anos a contar da vigência da Constituição (a de 1988) os que não tiverem sido confirmados por lei.

Inúmeros incentivos setoriais não foram reavaliados, nem confirmados por lei, porém eles continuam vigorando, mantidos que são por interesses políticos. Por isso, escrevemos que “não vemos com bons olhos a utilização de tributos como instrumentos regulatórios, em razão dos conhecidos desvios de finalidade.”[1]

No nível infraconstitucional, a Lei de Responsabilidade Fiscal, pelo seu art. 14, condicionou a concessão ou a ampliação de incentivo fiscal à prévia estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deve iniciar a sua vigência e nos dois seguintes atendendo a pelo menos uma das seguintes condições: (a) demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas na lei de diretrizes orçamentárias; (b) estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

No caso do incentivo estar fundamentado na hipótese da segunda alternativa ele só poderá entrar em vigor após implementadas as medidas aí previstas, conforme prescreve o § 2º, do art. 14. Já assinalamos que o § 3º “excepciona do âmbito de incidência do art. 14 os impostos federais de caráter regulatório que, por isso mesmo, por expressas disposições constitucionais, não se submetem ao princípio da legalidade tributária no que tange à alteração de alíquotas.” [2]

Como as disposições constitucionais e legais sobre os requisitos da outorga de incentivos fiscais não são observadas pelos governantes surgem as inevitáveis situações de desequilíbrio das finanças públicas. Via de regra qualquer incentivo fiscal implica favorecimento de um em detrimento de outro. Como vimos, a própria LRF exige a compensação do tributo arrecadado a menor por força do incentivo. Essa compensação pode se dar de forma ampla, atingindo o universo maior de contribuintes, ou de forma a atingir apenas um determinado segmento da economia, tornando discutível a sua constitucionalidade.    

Sabe-se que a chamada desoneração da folha que vem sendo implementada gradualmente com fundamento nos §§ 12 e 13, do art. 195 da CF, apesar de exacerbar a carga tributária em relação a determinados contribuintes da contribuição incidente sobre a folha, o contingente de contribuintes aliviados pela substituição da contribuição sobre a folha pela contribuição incidente sobre a receita bruta é infinitamente maior, resultando na queda de arrecadação tributária como um todo.

Outrossim, os incentivos fiscais por meio de recursos financeiros provenientes de fundos específicos como os que alimentam o Programa Nacional de Apoio a Cultura – Pronac – instituído pela Lei nº 8.313/91, mais conhecida como Lei Rouanet, dificultam sobremaneira a aplicação e fiscalização das normas concernentes à outorga de incentivos, contribuindo para aumentar o desequilíbrio orçamentário.

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Ao invés de combater as causas desses desequilíbrios o governo vem ultimamente camuflando a realidade da situação financeira por meio de artifícios técnico-contábeis, ora apresentando receitas na realidade inexistentes,[3] ora percebendo efetivamente essas receitas com violação de normas legais, como no caso de percepção antecipada de dividendo das empresas estatais, causando um rombo financeiro nessas empresas do governo.[4]

A última sangria dos recursos financeiros da Petrobrás que perdeu o monopólio do petróleo com  o advento da Lei nº 9.478/97 foi perpetrado dias atrás com a concessão de quatro áreas do pré-sal para exploração, sem licitação, em troca de pagamentos de 2 bilhões no presente exercício e mais 13 bilhões ao longo os exercícios de 2015 e 2018.

É certo que o art. 23 da Lei nº 9.478/97 permite a outorga da exploração de áreas petrolíferas mediante contrato de concessão por meio de licitação regular, ou por critério de partilha de produção nas áreas do pré-sal e nas áreas estratégicas. Essa partilha governamental consiste em: bônus de assinatura do contrato; royalties e participação especial.

Contudo, o governo não poderia ter feito essa concessão direta, com dispensa de certame licitatório, sem autorização do Conselho de Administração da Petrobrás, implicando essa omissão uma afronta aos direitos dos acionistas minoritários da empresa estatal. Nada garante que a Petrobrás, com a exploração dessas quatro áreas obtidas a custos elevadíssimos, venha encontrar resultados positivos compensadores.

Esta última irregularidade do governo é mais um sinal de sua incapacidade em conter, de um lado,  a concessão de incentivos fiscais nos limites das normas legais e constitucionais, e de outro lado, os gastos públicos que fugiram do seu sistema de controle interno. A falta de eficiência de outros órgãos de controle e fiscalização da execução orçamentária a cargo do Poder Legislativo com o auxílio do TCU vem agravando o desequilíbrio das contas públicas que, por sua vez, vem gerando outras irregularidades e ilegalidades, numa sucessão de causas e efeitos.

Pelo jeito está difícil de conter o efeito dominó. Desonerações tributárias irregulares e gastos ilegais geram déficits orçamentários que conduzem a artifícios técnico-contábeis e práticas ilegais de apropriação de receitas públicas.  A manutenção artificial da situação de equilíbrio financeiro, por sua vez,  implica manipulação de dados e de índices econômicos que, por sua vez, implica ingerência governamental nos institutos de pesquisas como no IBGE, por exemplo. A continuar nesse ritmo corre-se o risco de perdermos o referencial em tudo e não ser mais possível ter certeza de  coisa alguma.


Notas

[1] Cf nosso Direito financeiro e tributário. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 8

[2] Cf nosso Responsabilidade fiscal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 64.

[3] Vendas de Plataformas da Petrobrás seguidas de seu arrendamento, por exemplo.

[4] BNDS e CEF no ano de 2012 adiantaram dividendos nos valores respectivos de 12,9 bilhões e de 7,7 bilhões quando os lucros apurados no balanço final foram de 8,1 bilhões e 6,4 bilhões, respectivamente.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais e seus efeitos colaterais nocivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4075, 28 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31327. Acesso em: 19 dez. 2024.

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