3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que foi amplamente exposto, observe-se que não há necessidade de previsão legal (lei ordinária) para que a concessionária de serviço público de distribuição possa proceder na constatação de irregularidade no fornecimento de energia elétrica, haja vista que o legislador ordinário delegou a competência de regulação e fiscalização à ANEEL, com fulcro no art. 3º da Lei nº 9.427/96 e art. 3º, inciso II, do Decreto nº 2.335/97.
Caso não houvesse tal delegação, até poder-se-ia dizer que haveria a necessidade de previsão legal, sob pena de afronta à competência do Poder Legislativo de criar direitos e obrigações. Isso ocorre em função do princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88[29]), onde não compete ao Poder Executivo a edição de normas de caráter autônomo, isto é, sem autorização ou permissivo legal, na forma do que prevê o art. 84, IV, da CF/88[30].
Todavia, não há que se falar em delegação indevida, porquanto a resolução normativa da ANEEL possui respaldo nos arts. 6º, 7º, 29 e 30 da Lei nº 8.987/95. Ainda, à ANEEL compete dispor acerca da fiscalização e regulação dos respectivos procedimentos de fornecimento de energia elétrica, no caso, serviço público de distribuição de energia elétrica. Assim, tal procedimento, pois, reveste-se de natureza autorizada por permissivo legal, mediante delegação de competência à ANEEL para dispor sobre o assunto. Em decorrência disso, o TOI reveste-se de procedimento legal e legítimo sob a égide dos arts. 129 e 130 da REN ANEEL nº 414/2010.
Entretanto, nada impede que o legislador ordinário edite lei para dispor acerca dos procedimentos de fiscalização de irregularidade no equipamento de medição de consumo dos agentes de distribuição de energia elétrica. Neste caso, se reduziria consideravelmente entendimentos equivocados do Poder Judiciário que pretendessem desconstituir a presunção de veracidade e legitimidade da fiscalização devidamente procedida pela distribuidora.
Caso assim se decida, é precípuo que a novel legislação traga disposição expressa no sentido de conferir (i) presunção de veracidade e legitimidade ao ato unilateral de lavra do TOI pela distribuidora, notadamente (ii) se cumpridos todos os requisitos necessários à garantida da ampla defesa e o contraditório, inerentes à constatação técnico-pericial de irregularidade no equipamento de medição de consumo.
Notas
[1] Este procedimento não é a constatação imediata de irregularidade no fornecimento de energia elétrica, mas tão somente a presença de indícios de irregularidade no equipamento de medição de consumo na unidade consumidora.
[2] Parecer da Procuradoria Geral da ANEEL nº 158/2004-PF/ANEEL.
[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[4] Art. 129, §2º, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[5][5] Art. 129, §3º, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[6] Art. 129, §4º, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[7] Art. 129, §5º, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[8] Art. 129, §8º, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[9] Art. 129, §9º, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[10] Art. 129, §11 c/c art. 137, § 10, ambos da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010.
[11] Art. 25. À fiscalização caberá a organização de instruções sôbre ligações aos consumidores, correção de irregularidades nos fornecimentos, e outras relativas à execução dos serviços, bem como colaborador nas relações entre consumidores e concessionários.
Parágrafo único. Competirá, ainda, à Fiscalização, constatar as infrações cometidas pelos consumidores, autorizando ao concessionário, quando fôr o caso, a aplicação das penalidades previstas nos contratos de concessão ou nos regulamentos em vigor.
[12] A Lei nº 8.987/95 assim prevê em seu art. 6º, § 1º: “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”
[13] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
[14] Art. 7º, inciso IV, da Lei nº 8.987/95.
[15] Art. 7º, inciso VI, da Lei nº 8.987/95.
[16] XVII - estabelecer mecanismos de regulação e fiscalização para garantir o atendimento à totalidade do mercado de cada agente de distribuição e de comercialização de energia elétrica, bem como à carga dos consumidores que tenham exercido a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995; (Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004)
[17] Art. 3º A ANEEL orientará a execução de suas atividades finalísticas de forma a proporcionar condições favoráveis para que o desenvolvimento do mercado de energia elétrica ocorra com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade, observando as seguintes diretrizes:
II - regulação e fiscalização realizadas com o caráter de simplicidade e pautadas na livre concorrência entre os agentes, no atendimento às necessidades dos consumidores e no pleno acesso aos serviços de energia elétrica;
[18] Art. 31, incisos I e IV, da Lei nº 8.987/95.
[19] Art. 21. Compete à União:
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
[20] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 558.
[21] Todos os atos da administração pública devem pautar-se segundo a legalidade estrita, na forma do que preconiza o art. 37, da Constituição Federal, sob pena de incorrer em desvio de finalidade e abuso de direito.
[22] CARVALHO FILHO, José dos santos. Manual de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 120.
[23] Ibid.
[24] CARVALHO, Raquel Melo Urbano. Curso de direito administrativo. Salvador: Editora Jus Podium, 2008, pg. 390.
[25] Sob este equivocado entendimento, assim já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, in verbis:
DIREITO DO CONSUMIDOR. TERMO DE OCORRÊNCIA DE IRREGULARIDADE. ATO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO DE DESVIO DE CONSUMO. Na hipótese, a concessionária ré lavrou ato de forma unilateral, retirando o medidor de consumo de energia elétrica da unidade consumidora e substituindo-o por outro, o que impossibilitou a realização de prova técnica no aparelho e aferição quanto ao consumo registrado, ou análise para verificação de possível fraude. A simples alegação de irregularidade na unidade consumidora não é meio idôneo para se inferir pela ocorrência de desvio, pois como bem ressaltou o Ilustre Juízo, a atuação da demandada não tem presunção de veracidade ou de legitimidade. Não se evidencia a prática de má-fé pela parte ré, pois entendia que praticava exercício regular de um direito que lhe foi conferido pelo ordenamento legal. Autor que tem direito somente à repetição simples do que pagou em excesso, consoante previsão expressa do artigo 42, parágrafo único, in fine, Código de Defesa do Consumidor. Recurso a que se dá parcial provimento.
(3ª Câmara Cível da Comarca do Rio de Janeiro. Apelação Cível n° 0022909-44.2005.8.19.0038. Relator: Des. Adolpho Andrade Mello. Publicado em: 19-11-2010).
[26] (...) Não sendo possível definir sobre a existência de irregularidade ou não no local, bem como qual seria a razão da falha na prestação sem a produção de prova pericial, resta somente a extinção do presente feito, sem resolução do mérito. Por fim, cabe ressaltar que a autora não traz aos autos qualquer fatura de energia demonstrando consumo em momento anterior ao TOI, tendo a utilização de energia aumentado expressivamente após o TOI, conforme laudo técnico e documentos trazidos pela ré. Logo, verificada a ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, diante da evidente necessidade de perícia, inadmissível em sede de JUIZADOS ESPECIAIS, reconheço a preliminar explicitada. Isto Posto JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM FUNDAMENTO NO ART. 267, I e IV, DO CPC, c/c ART. 51, II DA LEI 9.099/95. Sem ônus sucumbenciais, consoante o art. 55 da Lei 9.099/95.
(TJRJ. Processo nº 0167629-11.2011.8.19.0001. XXIII Juizado Especial Cível. Juiza Leiga: Sabrina de Borba Britto. Julgado em: 15-08-2011).
[27] TJRJ. Processo Administrativo nº 0026906 08.2012.8.19.0000. Relator: Des. Mario Robert Manheimer. Julgado em 10-09-2012.
[28] Art. 170. A distribuidora deve suspender imediatamente o fornecimento quando for constatada deficiência técnica ou de segurança na unidade consumidora que caracterize risco iminente de danos a pessoas, bens ou ao funcionamento do sistema elétrico.
(...)
§ 1o Incorrem na hipótese prevista no caput.
(...)
II - a prática dos procedimentos descritos no art. 129, quando não seja possível a verificação e regularização imediata do padrão técnico e de segurança pertinente.
[29] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
[30] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;