1. INTRODUÇÃO
Com o objetivo de recuperar a receita oriunda das irregularidades no consumo de energia elétrica no país, as concessionárias de serviço público de distribuição são amparadas pelo disposto na Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010, mediante constatação de irregularidade na medição do consumo, que tem por escopo recuperar as perdas comerciais provocadas pelo agente consumidor que pratica irregularidades visando consumir de energia elétrica sem o pagamento devido.
Contudo, em alguns casos, o Judiciário tem entendido que este procedimento não goza de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto praticado de forma unilateral, não garantindo, nesse sentido, o exercício da ampla defesa e contraditório ao consumidor quanto à análise técnico-pericial do equipamento de medição do consumo.
Na prática, os agentes de consumo tem se beneficiado deste posicionamento jurisprudencial, na medida em que se consegue a anulação do procedimento, e garante-se ao consumidor o direito à reparação civil pelos danos morais causados pela distribuidora.
Neste contexto, investiga-se qual seria a solução jurídico-regulatória para o enfrentamento desta questão, mais especificamente (i) acerca da necessidade (ou não) de criação de lei ordinária para dispor acerca da legalidade no procedimento de constatação de irregularidade na medição de consumo, bem como (ii) a legitimidade e legalidade do atual procedimento versado na Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010. Em decorrência, passa-se a abordar, na presente análise, os aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre este tema.
2. ANÁLISE JURÍDICO-REGULATÓRIA
2.1. O procedimento de constatação de irregularidade na medição do consumo
Inicialmente, conceitua-se como Termo de Ocorrência de Irregularidade – TOI1 o procedimento regulatório, segundo os artigos 129 e 130 da Resolução Normativa – REN nº 414/2010 da ANEEL, necessário para configurar a legalidade e legitimidade do agente prestador de serviço público de distribuição de energia elétrica quanto à caracterização da irregularidade no fornecimento de energia elétrica e a respectiva recuperação desta receita dos agentes de consumo.
Veja-se que estar perdas comerciais desta natureza reflete em toda a sociedade. Há a (i) diminuição de tributos que deveriam ser arrecadados pela prestação do serviço público de distribuição, o (ii) aumento do valor da tarifa de energia elétrica. Tais fatores se prejudicam os demais consumidores, contrariando o interesse de toda a coletividade.2
Infringem, pois, o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal de 19883), mais especificamente no que tange à isonomia na contraprestação do serviço público prestado. Neste caso, dispõe o art. 139. da REN ANEEL nº 414/2010 que “a distribuidora deve observar o princípio da isonomia nas relações com os consumidores.” Em suma, em sedo o consumidor pertencente à mesma categoria de consumidores, deve haver tratamento equânime entre os mesmos.
Segundo o disposto no §1º do art. 129. da REN ANEEL nº 414/2010, a distribuidora deve formalizar um conjunto probatório segundo regras previamente definidas pela Agência Reguladora, nos moldes dos seguintes procedimentos que passa a expor, in verbis:
§ 1º A distribuidora deve compor conjunto de evidências para a caracterização de eventual irregularidade por meio dos seguintes procedimentos:
I – emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, em formulário próprio, elaborado conforme Anexo V desta Resolução;
II – solicitar perícia técnica, a seu critério, ou quando requerida pelo consumidor ou por seu representante legal;
III – elaborar relatório de avaliação técnica, quando constatada a violação do medidor ou demais equipamentos de medição;
III – elaborar relatório de avaliação técnica, quando constatada a violação do medidor ou demais equipamentos de medição, exceto quando for solicitada a perícia técnica de que trata o inciso II;
IV – efetuar a avaliação do histórico de consumo e grandezas elétricas; e
V – implementar, quando julgar necessário, os seguintes procedimentos:
a) medição fiscalizadora, com registros de fornecimento em memória de massa de, no mínimo, 15 (quinze) dias consecutivos; e
b) recursos visuais, tais como fotografias e vídeos.
Seguindo este proceder, a distribuidora há de emitir uma cópia do TOI e entregar ao consumidor, ou a quem o represente quando da inspeção, mediante recibo de emissão e entrega4. Em caso do consumidor recusar-se a receber o documento, a distribuidora deverá encaminhar o TOI, no prazo de 15 (quinze) dias, mediante qualquer modalidade que possa comprovar devidamente o recebimento.5
Cabe ao consumidor, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir do recebimento do TOI, comunicar à distribuidora notificante a opção pela perícia em seu medidor e demais equipamentos, “quando for o caso, desde que não se tenha manifestado expressamente no ato de sua emissão.”6 Trata-se de um procedimento que permite a ampla defesa e o contraditório, onde ao consumidor assiste o direito de optar pelo agente que irá periciar o seu medidor ou demais equipamento de medição de consumo.
Em caso de haver a necessidade de retirar o medidor de consumo ou demais equipamentos, a distribuidora deverá “acondicioná-los em invólucro específico, a ser lacrado no ato da retirada, mediante entrega de comprovante desse procedimento ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção”, e encaminhar, mediante transporte adequado, para realização da respectiva avaliação técnica.7
Notadamente, a grande controvérsia gira em torno da legalidade no disposto nos §§ 6º e 7º. Senão vejamos, in verbis:
§ 6º A avaliação técnica dos equipamentos de medição pode ser realizada pela Rede de Laboratórios Acreditados ou pelo laboratório da distribuidora, desde que com pessoal tecnicamente habilitado e equipamentos calibrados conforme padrões do órgão metrológico, devendo o processo ter certificação na norma ABNT NBR ISO 9001, preservado o direito de o consumidor requerer a perícia técnica de que trata o inciso II do § 1º. (Redação dada pela Resolução Normativa ANEEL nº 479, de 03.04.2012).
§ 7º Na hipótese do § 6º, a distribuidora deve comunicar ao consumidor, por escrito, mediante comprovação, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência, o local, data e hora da realização da avaliação técnica, para que ele possa, caso deseje, acompanhá-la pessoalmente ou por meio de representante nomeado.
Isto ocorre porque a perícia técnica pode ser realizada pela própria distribuidora ou por terceiro agente, desde que realizado por técnico devidamente habilitado e o uso de equipamentos calibrados, segundo padrões estabelecidos pelo órgão metrológico, e, em todo caso, facultado ao consumidor requerer a respectiva perícia técnica nos equipamentos de medição de consumo. A Portaria INMETRO nº 066/2005 define a certificação de Posto de Ensaio Autorizado – PEA, conferida às distribuidoras, mediante unidades próprias ou contratadas, para proceder ao respectivo reparo, instalação e recondicionamento dos equipamentos de medição de consumo.
Segundo o procedimento acima destacado há, ainda, a possibilidade do consumidor, em única oportunidade, previamente à data informada pela distribuidora, requerer “novo agendamento para realização da avaliação técnica do equipamento.”8 Caso o consumidor não esteja presente na data previamente designada e formalmente comunicada, segundo o procedimento disposto no §7º, poderá a distribuidora “seguir cronograma próprio para realização da avaliação técnica do equipamento”.9
Caso seja comprovada a irregularidade nos equipamentos de medição de consumo, o agente consumidor deverá ser responsabilizado “pelos custos de frete e da perícia técnica, caso tenha optado por ela, devendo a distribuidora informá-lo previamente destes custos, vedada a cobrança de demais custos.”, com a limitação do frente segundo o valor da encomenda PAC (encomenda econômica) definida pelos Correios.10
Por sua vez, vejam-se os critérios para apuração de recuperação de receita pela constatação de irregularidade nos medidores de consumo, na forma do que prescreve o art. 130, da referida Resolução, in verbis:
Art. 130. Comprovado o procedimento irregular, para proceder à recuperação da receita, a distribuidora deve apurar as diferenças entre os valores efetivamente faturados e aqueles apurados por meio de um dos critérios descritos nos incisos a seguir, aplicáveis de forma sucessiva, sem prejuízo do disposto nos arts. 131. e 170:
I – utilização do consumo apurado por medição fiscalizadora, proporcionalizado em 30 dias, desde que utilizada para caracterização da irregularidade, segundo a alínea “a” do inciso V do § 1º do art. 129;
II – aplicação do fator de correção obtido por meio de aferição do erro de medição causado pelo emprego de procedimentos irregulares, desde que os selos e lacres, a tampa e a base do medidor estejam intactos;
III – utilização da média dos 3 (três) maiores valores disponíveis de consumo mensal de energia elétrica, proporcionalizados em 30 dias, e de demanda de potências ativas e reativas excedentes, ocorridos em até 12 (doze) ciclos completos de medição regular, imediatamente anteriores ao início da irregularidade;
IV – determinação dos consumos de energia elétrica e das demandas de potências ativas e reativas excedentes, por meio da carga desviada, quando identificada, ou por meio da carga instalada, verificada no momento da constatação da irregularidade, aplicando-se para a classe residencial o tempo médio e a frequência de utilização de cada carga; e, para as demais classes, os fatores de carga e de demanda, obtidos a partir de outras unidades consumidoras com atividades similares; ou
V – utilização dos valores máximos de consumo de energia elétrica, proporcionalizado em 30 (trinta) dias, e das demandas de potência ativa e reativa excedentes, dentre os ocorridos nos 3 (três) ciclos imediatamente posteriores à regularização da medição.
Parágrafo único. Se o histórico de consumo ou demanda de potência ativa da unidade consumidora variar, a cada 12 (doze) ciclos completos de faturamento, em valor igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) para a relação entre a soma dos 4 (quatro) menores e a soma dos 4 (quatro) maiores consumos de energia elétrica ativa, nos 36 (trinta e seis) ciclos completos de faturamento anteriores à data do início da irregularidade, a utilização dos critérios de apuração para recuperação da receita deve levar em consideração tal condição. (Redação dada pela Resolução Normativa ANEEL nº 479, de 03.04.2012)
2.2. Precedentes históricos e normativos
Historicamente, o procedimento acerca da constatação de irregularidades e a respectiva imposição de penalidades eram de competência do Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAEE. Ao que pese tratar-se de norma de caráter genérico e incipiente, foi neste momento que se iniciaram as análises de tais mecanismos de recuperação de receita, conforme previsto no art. 25. do Decreto nº 41.019/5711 (Regulamento dos serviços de Energia Elétrica).
Com o advento da Lei Geral de Concessões – Lei nº 8.987/95, surgiram disposições importantes, tais como a (i) definição de serviço público adequado12, segundo permissivo legal preconizado no art. 175, parágrafo único, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 – CF/8813; a (ii) obrigação dos usuários de serviço público de “levar ao conhecimento do Poder Público e da Concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado”14; (iii) bem como “contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.”15
2.3. Competências legais
Na espécie, a competência legalmente conferida ao Poder Concedente para regulamentação e fiscalização do serviço público de distribuição de energia elétrica, vem expressamente definida nos arts. 29. e 30 da Lei nº 8.987/95, que, por sua vez, foram legalmente delegadas à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.
Em se tratando de fornecimento de energia elétrica, na forma do que prevê o art. 3º, inciso XVII, da Lei nº 9.427/9616, com redação dada pela Lei nº 10.848/2004, veja-se que (i) compete à ANEEL estabelecer mecanismos regulatórios e fiscalizatórios para garantir o fornecimento de energia elétrica aos consumidores, e art. 3º, inciso II, do Decreto nº 2.335/9717, bem como (ii) garantir o necessário equilíbrio entre agentes e em benefício da sociedade na regulação e fiscalização para garantir o pleno acesso e atendimento no fornecimento de energia elétrica aos consumidores.
No que pertine a legalidade e legitimidade dos agentes de serviço público de distribuição de energia elétrica, veja-se que o art. 31. da Lei nº 8.987/95 prevê a obrigação da concessionária (i) “prestar serviço adequado, na forma prevista nesta lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato”; (ii) “cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão”, bem como (iii) “zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente” 18.
Isto implica que a concessionária deve cumprir as normas previstas na legislação ordinária (lei ordinária), nas normas regulamentares (decretos e portarias definidas pelo Poder Executivo) e regulatórias (resoluções) definidas pela ANEEL (delegatária do Poder Concedente) e nas cláusulas contratuais (Contrato de Concessão de Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica). Por essa razão é que a fiscalização exercida pelas distribuidoras reveste-se de competência legalmente definida.
Em outros termos, a Concessionária age em detrimento de uma Resolução Normativa editada pela ANEEL, que por sua natureza de ato administrativo, está plenamente erigida sob os comandos regulamentares e legais, sempre em atenção às competências legalmente definidas. Ao legislador ordinário, dispor sobre regras gerais e abstratas, ao administrador, regulamentar as disposições legais mediante Decretos e Portarias, e, à Agência Reguladora, por sua vez, dispor regular as especificidades técnico-científicas inerentes ao setor, segundo as normas então vigentes.
2.4. Presunção de veracidade e legitimidade dos atos de fiscalização da concessionária
O procedimento que constata a irregularidade no fornecimento de energia elétrica reveste-se de procedimento legal e legítimo, haja vista que tem o condão de buscar a constatação da conduta ilícita perpetrada pelo agente de consumo ou usuário. Nestes termos, a concessionária, no exercício legal de direito legalmente conferido pelo Poder Público, goza de presunção de veracidade e legalidade no ato de fiscalização acerca da irregularidade nos equipamentos de medição de consumo, da mesma forma que todos os demais atos praticados pela Administração Pública.
Tal ocorre em decorrência da delegação para prestação de serviço público de fornecimento de energia elétrica, conforme as previsões legais acima referidas, bem como pela previsão na Lex Maxima, conforme assim definido no art. 21, inciso XII, alínea “b”, da CF/88.19 Não se trata, pois, de atividade eminentemente privada, mas de prestação de serviço público delegado, onde os atos praticados pelos agentes pertencentes ao quadro de empregados das concessionárias gozam das mesmas prerrogativas dos agentes públicos.
Sobre este ponto, veja-se doutrina de Marçal Justen Filho, in verbis:
(...) a prestação de serviço público corresponde a uma função pública, diversamente do que se passa no tocante a empreendimentos privados. Por isso, muitas restrições ou limitações impostas ao consumidor do serviço público pode justificar-se em face do interesse público, o que usualmente não ocorre no âmbito das atividades econômicas privadas.20
Acerca dos aspectos jurídicos da presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo, saliente-se que na edição de qualquer ato administrativo há a percepção dos administrados quanto à presunção de legalidade21 e legitimidade do ato praticado, mormente ao caso quando praticado por autoridade competente e sem vício de formalidade. Tal condição independe de lei expressa, na medida em que o ato emanado por agente integrante da administração pública, ainda que delegado, decorre da própria natureza do ato administrativo.
José dos Santos Carvalho Filho pontua precisamente a presunção de legitimidade, nos seguintes termos:
Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. (...) O fundamento precípuo, no entanto, reside na circunstância de que se cuida de atos emanados por agentes detentores de parcela do Poder Público, imbuídos, como é natural, do objetivo de alcançar o interesse público que lhes compete proteger. Desse modo, inconcebível seria admitir que não tivessem a aura de legitimidade, permitindo que a todo momento sofressem algum entrave oposto por pessoas de interesses contrários. Por esse motivo é que se há de supor que presumivelmente estão em conformidade com a lei.22
Acerca dos efeitos da presunção de legitimidade, assevera o autor:
Efeito da presunção de legitimidade é a autoexecutoriedade, que, como veremos adiante, admite seja o ato imediatamente executado. Outro efeito é o da inversão do ônus da prova, cabendo a quem alegar não ser o ato legítimo a comprovação da ilegalidade. Enquanto isso não ocorrer, contudo, o ato vai produzindo normalmente os seus efeitos e sendo considerado válido, seja no revestimento formal, seja no seu próprio conteúdo. Das mais relevantes é a característica da autoexecutoriedade. Significa ela que o ato administrativo, tão logo praticado, pode ser imediatamente executado e seu objeto imediatamente alcançado.23
Mais especificamente, veja-se as seguintes ponderações:
Observe-se que esse atributo não impede que terceiro prejudicado com uma ação administrativa faça prova em sentido contrário ao que decorre da presunção de legitimidade. Mas, na medida em que se presume legítimo o motivo e o fundamento normativo do ato administrativo, cabe ao terceiro interessado realizar tal prova, mesmo porque a presunção relativa autoriza que, de imediato, se produzam as consequências do ato, o que só se interrompe com pronunciamento posterior administrativo ou judicial.”24
Nestes termos, a executoridade do ato administrativo, neste caso, permite a imediata execução das sanções impostas quando revestido das formalidades previamente definidas. Na espécie, cumpridos os requisitos previstos na REN ANEEL nº 414/2010, norma revestida de legalidade, conforme delegação conferida pelo legislador ordinário à Agência, em sendo constatada irregularidade no equipamento de medição de consumo, a distribuidora está autorizada a suspender o fornecimento caso o consumidor negue-se a adimplir tempestivamente com o pagamento dos valores cobrados.
Ademais, caso o consumidor queira desconstituir a presunção de veracidade e legitimidade do TOI, o mesmo poderá apresentar solicitação tempestiva da respectiva contraprova pericial no equipamento de medição de consumo, atendendo, portanto, aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Trata-se, pois, de exercício regular do direito exercitável por parte do agente distribuidor de energia elétrica, amparado pela delegação para prestação de serviço público pelo Poder Concedente, mediante respectivo contrato de concessão.
2.5. Análise Jurisprudencial
Este também é o entendimento exarado nas seguintes jurisprudências, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DESVIO DE ENERGIA. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DA CELESC. É lícito à concessionária suspender o fornecimento de energia elétrica quando constatada a existência de desvio de energia. LAUDO EXARADO PELA CONCESSIONÁRIA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. "Por se tratar de ato administrativo, os documentos expedidos pela concessionária encontram-se revestidos de presunção de legitimidade e veracidade. Dessa forma, até que se faça prova em contrário, os fatos ali expostos presumir-se-ão verdadeiros." (TJSC, AC n. 2007.029354-1, rel. Des. Volnei Carlin, j. 16.8.07). APELO DESPROVIDO.
(165974 SC 2010.016597-4, Relator: Francisco Oliveira Neto, Data de Julgamento: 15/07/2011, Terceira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n. 2010.016597-4, de Laguna)
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AÇÃO DECLARATÓRIA. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE FRAUDE NO MEDIDOR. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. AÇÃO A SER JULGADA IMPROCEDENTE. RECURSO PROVIDO. Em razão da presunção de veracidade do ato administrativo, Termo de Ocorrência de Irregularidade realizado na presença do Requerido que o assinou, que se tem, em conseqüência, como ato jurídico perfeito, facultando à Concessionária a suspensão imediata do fornecimento de energia em conformidade com as normas estabelecidas pela Agência Reguladora. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AÇÃO DECLARATÓRIA. FRAUDE DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO. Ante a constatação das irregularidades no medidor de consumo do Requerente, não há que se falar em inexistência de débito.
(47689620118260223 SP 0004768-96.2011.8.26.0223, Relator: Armando Toledo, Data de Julgamento: 31/07/2012, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/08/2012)
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO.FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.RECURSO 1: FRAUDE. PERÍCIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. ÔNUS PROBATÓRIO.CONSUMIDOR. O termo de ocorrência de irregularidade (TOI) emitida pela concessionária de serviço público goza de presunção de veracidade e legalidade juris tantum, porquanto cabe ao consumidor a prova da ausência de irregularidade no medidor, bem como diante do disposto no art. 333, inc. I, do Código de Processo Civil.RECURSO 2: MEDIDOR. DANOS.RESPONSABILIDADE. EQUIPAMENTOS DE MEDIÇÃO. CONSUMIDOR. DÉBITO.EXIGIBILIDADE. CÁLCULO. LEGALIDADE. SUSPENSÃO DE ENERGIA. 333. I Código de Processo Civil1. Os consumidores são responsáveis pelos equipamentos de medição de energia elétrica, a teor dos artigos 104 e 105 da Resolução nº 456/2000 da ANEEL. 2. A forma de cálculo para a cobrança da complementação das faturas de energia elétrica está prevista no art. 72. da Resolução nº 456/2000 da ANEEL. 3. É entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça a ilegalidade de suspensão de fornecimento de energia quando o débito proveniente de fraude no medidor de energia elétrica é referente a período pretérito e está sendo discutido em juízo. RECURSO DESPROVIDO.
(9195862 PR 919586-2 (Acórdão), Relator: Vilma Régia Ramos de Rezende, Data de Julgamento: 24/10/2012, 11ª Câmara Cível)
Em conformidade com as decisões supracitadas, a constatação unilateral de irregularidade, mediante lavratura do TOI, segundo as normas regulatórias (Resolução Normativa nº 414/2010), goza de presunção de veracidade e legitimidade iuris tantum. Entretanto, a suspensão do fornecimento, em face deste débito oriundo da recuperação de receita, enseja condenação da concessionária de distribuição de energia elétrica na reparação por danos morais.
Contrariamente à jurisprudência acima colacionada, que trata da presunção de veracidade e legitimidade da irregularidade constatada unilateralmente pela distribuidora, o Enunciado nº 51/2011, reiterado na Súmula nº 256, ambos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, afirma que “o termo de ocorrência de irregularidade, emanado de concessionária, não ostenta o atributo da presunção de legitimidade, ainda que subscrito pelo usuário.”25
Ora, certo que tal Enunciado/Súmula é frontalmente contrário à orientação pacificada no Superior Tribunal de Justiça, na medida em que o ato praticado pela distribuidora, segundo as disposições da REN ANEEL nº414/2010, goza de presunção de veracidade e legitimidade iuris tantum, segundo a delegação constitucional de competência exaustivamente já declinada em linhas volvidas.
Contudo, este entendimento foi superado pelo E. TJRJ, segundo pode-se constatar pelo seguinte julgado, in verbis:
AGRAVO INTERNO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, C/C INDENIZATÓRIA. Decisão monocrática que negou seguimento ao apelo. Recurso que pretende a procedência dos pedidos, reeditando as alegações postas na exordial e na apelação.Autora da ação que não comprovou os fatos constitutivos do seu direito, consoante determina o artigo 333, I, do Código de Processo Civil. Recorrente que poderia comprovar a falta de veracidade da imputação de existência de ligação direta, bastando que requeresse a realização de perícia técnica, o que não fez, preferindo, ao revés, apresentar fatos de forma distorcida e em confronto com a documentação dos autos. Razões do recurso que não subsistem, mostrando-se perfeitamente legal a lavratura do TOI e, diante da constatação de irregularidades, estava à concessionária autorizada, pela lei e pelo regulamento, a proceder à suspensão do fornecimento de energia elétrica, não se cogitando, portanto, na existência de dano moral a ser reparado. A pretensão aqui deduzida, mostra-se, em verdade, em tentativa de se utilizar da legislação consumerista para amparar o “calote” que pretende impor à agravada, posto que em nenhum momento afirma que paga pela energia que realmente consome, buscando, na realidade, se esquivar do seu pagamento, ao argumento de que o TOI não preenche os requisitos necessários, o que beira as raias da má-fé.
(TJRJ. 15ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 0127732- 10.2010.8.19.0001. Relator: Des. Sergio Lucio Cruz. Publicado em: 29-06-2011).
Há também decisões do Juizado Especial Cível do TJRJ26, no sentido de que há a necessidade de produção de prova pericial para desconstituição de prova unilateralmente produzida pela distribuidora. Neste caso, houve sentença, sem resolução de mérito, em face da incompetência material dos Juizados Especiais para dirimir questões que imprescindem de produção de prova pericial, ou seja, ausência de pressuposto essencial ao desenvolvimento válido do processo.
Doravante observa-se que o entendimento do TJRJ aperfeiçoou-se quando da edição da respectiva Súmula nº 285/2012, segundo a qual “qualquer interrupção de prestação de serviço essencial decorrente de ligação clandestina não configura dano moral”, sob a justificativa de que “rompe-se o nexo causal da responsabilidade em virtude do fato exclusivo da vítima” e, “por outro lado, não se pode considerar afrontado em sua dignidade, quem, anteriormente, praticou ato ilícito e, em tese, delituoso.”27
Neste contexto, veja-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, in verbis:
AGRAVO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA FRAUDE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. APURAÇÃO UNILATERAL DA CONCESSIONÁRIA. CORTE NO FORNECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83. DA SÚMULA DO STJ.- A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que é ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica se o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia elétrica, apurada unilateralmente pela concessionária de serviço público, uma vez que a suspensão pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês de consumo, devendo a concessionária utilizar-se dos meios ordinários de cobrança. Incidência, na espécie, do enunciado n. 83. da Súmula do STJ.Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 101624/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 22/03/2012)
Veja que esta decisão encontra-se eivada de ilegalidade, na medida em que o art. 170, §1º, inciso III, da REN ANEEL nº 414/201028, prevê a possibilidade de suspensão imediata do fornecimento de energia elétrica nos casos descritos no citado art. 129. do mesmo dispositivo regulatório. Ademais, não há que se aventar a possibilidade desta norma não ser válida, porquanto a ANEEL, conforme exposto, goza de legitimidade legal para editar resoluções sobre fiscalização e procedimento de punição.