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Da TR como índice de correção monetária na Justiça do Trabalho

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22/03/2015 às 16:21
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A aplicação de outro índice de correção monetária que não a TR malfere o disposto nas Leis 8.177/91 e 8.660/93, as quais dão ampla legitimidade à Resolução 8/2005, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

RESUMO: O Conselho Superior da Justiça do Trabalho pacificou o tema da correção monetária na esfera do processo do trabalho. Através da Resolução 08/2005, consolidou-se o entendimento de ser a TR o índice a ser utilizado na correção dos débitos trabalhistas. Não obstante, após decisão do Supremo Tribunal Federal envolvendo o tema de compensação tributária em precatórios, a matéria deixou de ser uníssona em alguns Tribunais Regionais. Há quem defenda a utilização de índices diversos do acima exposto. No decorrer do presente artigo, demonstrar-se-á a imperiosidade de manutenção da TR para o consectário em apreço.

Palavras-chave: Processo do trabalho. Correção monetária. TR. INPC.


Introdução

O presente estudo tem por desiderato traçar algumas considerações iniciais sobre a correção monetária, bem como destacar a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nas ADIs 4.357 e 4.425 e a sua influência (ou não) sobre os rumos da correção monetária no âmbito da Justiça do Trabalho.

Tem-se por fito demonstrar que a aludida decisão do Supremo versava sobre precatórios, não tendo qualquer correlação lógica com a sistemática hoje existente na esfera trabalhista. O tema enfrentado possui importante relevo na execução trabalhista, pois já está sendo objeto de debates nos Tribunais Regionais, em especial no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região.


1 Breves considerações sobre a correção monetária

A correção monetária nem sempre existiu em nosso sistema jurídico, mas exsurgiu da história inflacionária brasileira, em decorrência da desvalorização sistemática da moeda. Para o Ministro Moreira Alves (apud ASSIS, 2011, grifos nossos), a correção monetária é um dos grandes vilões da inflação:

Esse foi o grande mal que se fez ao Brasil com a adoção da correção monetária institucionalizada. Criou-se a mentalidade de que onde há inflação não se pode sobreviver sem correção monetária, embora não haja nenhum País do mundo que tenha adotado essa política. A Alemanha, na segunda década do século, quando a inflação era muito mais grave do que a nossa, não adotou correção monetária institucionalizada, até porque os alemães sabiam que isto é a pior das pragas, pela circunstância de que a correção monetária é fator realimentador da inflação, além de criar estado psicológico favorável a ela, com a falsa sensação de enriquecimento que ela propicia. Para combater a inflação, para se sentir na carne os males da inflação, de imediato, é preciso acabar com a correção monetária. Então combate-se a inflação, porque todos sofrem; só não sofre o devedor relapso. A correção monetária é um jeitinho de convivência com a inflação. A desindexação total torna indispensável o efetivo combate à inflação, sem que os menos favorecidos sejam engodados com a ilusão do enriquecimento pelas cadernetas de poupança, nem que o capital seja desviado para a ‘ciranda financeira’. Ademais, a verdadeira atualização monetária só se faz com um índice que dela mais se aproxime e não, evidentemente, com diversos como tivemos, pois a simples multiplicidade mostra que ou todos são falsos pelos métodos e expurgos que se adotam para chegar a eles, ou só um é que se aproxima da realidade e os demais são elementos de manobra (ADIn 493-0/91, RT 690/187).

Segundo Assis (2011), a correção monetária foi criada para preservar o valor real do crédito. Wald (1959, p. 81) obtempera, verbo ad verbum:

Na realidade, nenhuma dessas cláusulas garante, de modo absoluto, o credor contra a desvalorização da dívida. Não é só a moeda nacional que oscila, também pode oscilar o valor do ouro e das moedas estrangeiras. A cláusula de escala móvel, que fixa o quantum da dívida, em relação ao índice de variação do custo de vida ou dos salários ou de algumas mercadorias, atenderia melhor ao anseio de dar certa estabilidade à dívida monetária, de manter o seu poder aquisitivo, ou seja, o seu valor. Como o valor da moeda varia em proporção inversa aos preços, a cláusula de escala móvel, que fizesse variar certa obrigação de acordo com o índice de custo de vida, alcançaria o seu objetivo, que é a estabilidade e a segurança.

A correção monetária restou instituída em nosso país através da Lei Federal nº 4.357, de 16 de junho de 1964, ocasião em que foi criada a ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional). Dias (2000) alude:

Nesse quadrante, as construções pretorianas sempre explicitaram que a correção monetária não constitui parcela que se agrega ao principal, mas simples recomposição do valor e poder aquisitivo do mesmo. Trata-se, na verdade, de adequação numérica do valor monetário aviltado pela inflação.

Por conseguinte, a correção monetária surgiu no Brasil em decorrência da inflação, objetivando preservar o poder aquisitivo da moeda.


2 Da adoção da TR como índice de correção monetária pelo CSJT

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), com o desiderato de pacificar a jurisprudência, unificar procedimentos e proporcionar segurança jurídica, editou a Resolução 08/2005, a qual, em síntese, determina ser a TR (Taxa Referencial) o índice de correção monetária a ser adotado nos processos trabalhistas.

Pela Resolução mencionada, foi criada e aprovada a Tabela única para atualização e conversão dos débitos trabalhistas, a ser utilizada em todos os cálculos de débitos trabalhistas no âmbito da Justiça do Trabalho. Essa tabela é atualizada, mensalmente, pela TR. Reza a norma:

Art. 1º. É aprovada a Tabela Única para Atualização e Conversão de Débitos Trabalhistas, constante do Anexo I, que será aplicada na elaboração de todos os cálculos de débitos trabalhistas no âmbito da Justiça do Trabalho. § 1º: A Tabela Única será disponibilizada a todos os interessados nos sítios da internet do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. 2º. Caberá à Assessoria Econômica do Tribunal Superior do Trabalho: I - promover a atualização da Tabela Única, até o terceiro dia útil de cada mês, de acordo com a variação da TR, ou mediante outro índice por que venha a ser substituída, do dia 1º ao último dia de cada mês; II - incorporar os novos coeficientes de atualização monetária à Tabela Única disponibilizada na forma do § 1º. Art. 2º. É aprovado, integrado pela Tabela Única a que se refere o art. 1º, o Sistema Único de Cálculos da Justiça do Trabalho - SUCJT (versão 2.4), que será disponibilizado a todos os interessados nos sítios da internet do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. Art. 3º. A Tabela Única para Atualização e Conversão de Débitos Trabalhistas vigerá a partir de 1º de novembro de 2005 e sucederá a todas as demais tabelas afins editadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

Indubitavelmente, a Resolução em testilha recebe amparo no artigo 39 da Lei Federal nº 8.177/91 (publicada em 01 de março de 1991), que estabelecia a TRD (Taxa Referencial Diária) como índice de correção monetária dos débitos trabalhistas. A TRD foi substituída pela TR, com supedâneo na Lei Federal nº 8.660/93 (publicada em 28 de maio de 1993). A TR é aplicada na Tabela de Fatores de Atualização e Conversão de Débitos Trabalhistas (FACDT), a qual se constitui em lista de atualização diária dos débitos trabalhistas. Outrossim, consoante dispôs o Ministério Público Federal no parecer de lavra do eminente Procurador da República Dr. André Pimentel Filho:

Declarar o direito à determinada correção monetária, como cláusula ínsita ao direito de propriedade, e assim incentivar a indexação de preços, é abrir espaço para a insegurança jurídica e para a desvalorização disfuncional da moeda. Deveria o Poder Judiciário reconhecer que o assunto é intrinsecamente complexo, naturalmente da esfera de especialistas, deixando para o legislador a tarefa de dispor sobre os índices, prima facie válidos desde que não patente abuso consistente na expropriação de valores ou no desrespeito a direitos adquiridos. Afora essas hipóteses, em que seria cabível intervenção jurisdicional para a preservação de axiomas constitucionais, ao legislador deveria ser facultado, livremente, a escolha de índice de atualização da moeda, mesmo porque não é raro em determinadas situações, para o bem comum da economia, a imposição de medidas de restrição de liquidez (e de redução dos níveis de indexação), para salvaguardar a moeda. A primeira dificuldade do Judiciário se arvorar em definidor do melhor índice de correção monetária é a própria e imanente intangibilidade de seu conceito e congêneres, como as distintas espécies de juros. Os índices de inflação são sempre imperfeitos, relativos, na medida em que são uma média, tendo cada qual uma metodologia. Gandra Martins, falando sobre as diferenças entre juros e correção monetária, reconhece que “não há conceito definitivo e absoluto na doutrina sobre juros, visto que o nominalismo da moeda, cujo empréstimo é remunerado por juros, pode ser atingido por variados fatores”, e que “não há forma fiel e absoluta para se medir a inflação, de tal maneira que são inúmeros os indexadores capazes de, setorialmente, apresentar soluções parciais, convivendo o País com inúmeros indexadores relativos, como o IPC, INVV, INPC, OTN, FGV, URP etc.” (parecer prolatado em 07/02/2014, nos autos da ação coletiva nº 2013.50.01.107229-7, que tramita perante a 4ª Vara Federal de Vitória, grifos nossos).

Dessa feita, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, objetivando segurança jurídica, pacificação social e decisões equânimes para os jurisdicionados, pacificou o tema da correção monetária na esfera trabalhista. Não obstante, tal decisão vem sendo infundadamente questionada, em razão da decisão proferida nas ADIs 4.357 e 4.425.


3 Da inaplicabilidade da decisão do STF ao processo do trabalho

Em julgamento conjunto das ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, no Supremo Tribunal Federal, os Ministros declararam, em 2013, a parcial procedente das ações, julgando inconstitucional o regime de compensação de precatórios da forma prevista na Emenda Constitucional 62/2009 e determinando, quanto aos precatórios de natureza tributária, que fossem “aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário”. Sem dúvida, a decisão proferida não guarda qualquer relação lógica ou fático-jurídica com o processo do trabalho, pois trata de direito tributário. Efetivamente, ficou assentada, no acórdão, a inaplicabilidade da TR apenas no tocante à compensação tributária através dos precatórios. Ademais, a decisão do STF objetivou acabar com a distorção que estava ocorrendo. Enquanto credor, os créditos da Fazenda Pública estavam sendo corrigidos pela SELIC e, enquanto devedor, as dívidas da Fazenda eram corrigidas pela TR. Ineludivelmente, havia grande distorção nesse critério, havendo quebra do princípio da isonomia e do igual tratamento entre as partes. Assim, com razão o Pretório Excelso. E importa destacar que a TR e a SELIC são instrumentos bem distintos; enquanto o primeiro é um índice de correção monetária, o segundo é um índice híbrido, que abarca correção monetária e também juros. O que se percebe, diante desses fatos, são situações jurídicas distintas as tratadas na decisão do Supremo e a correção dos débitos trabalhistas. E, como bem asseverou a advogada Bianca Zoehler Baumgart Crestani nas razões de recurso de revista apresentadas na RT 0124000-13.2008.5.04.0016, em 14 de julho de 2014:

Verifica-se que as pretensões abarcadas pela Resolução fustigada não se tratam [sic] de uma relação jurídicotributária como no precedente da Corte ventilado. O discrímen fundamental e motivador da decisão do STF é que o crédito de precatórios poderá ser utilizado como instrumento de compensação de dívidas tributárias, cujos índices de correção monetária alcançam patamares manifestamente superiores aos de correção dos precatórios. Tal fato importava na quebra da isonomia entre o credor e o devedor, repita-se, para fins de compensação, mote da decisão do Supremo.

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O grande erro da aplicação destemperada dessa decisão do STF aos demais casos decorre da aplicação de situação sui generis do regime de compensação de precatórios ao regime distinto e próprio da Justiça do Trabalho. Gize-se: a decisão do STF não revogou, não declarou a ilegalidade nem a inconstitucionalidade da TR, apenas a sua não aplicação a um caso peculiar, em que dois sistemas distintos de correção de valor de débito eram utilizados. Assim, incorre em grave erro dizer que a TR foi afastada do ordenamento jurídico.

Transcreve-se parte do voto do Relator Ayres Britto1 na ADI 4.425 (p. 19):

14. Prossigo neste voto para assentar, agora, a inconstitucionalidade parcial do atual § 12 do art. 100 da Constituição da República. Dispositivo assim vernacularmente posto pela Emenda Constitucional nº 62/2009: “§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.” (Grifou-se) [...] 16. Observa-se, então, que, em princípio, o novo § 12 do art. 100 da Constituição Federal retratou a jurisprudência consolidada desta nossa Corte, ao deixar mais clara: a) a exigência da “atualização de valores de requisitórios, após sua expedição [e] até o efetivo pagamento”; b) a incidência de juros simples “para fins de compensação da mora”; c) a não incidência de juros compensatórios (parte final do § 12 do art. 100 da CF). Mas o fato é que o dispositivo em exame foi além: fixou, desde logo, como referência para correção monetária, o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, bem como, “para fins de compensação de mora”, o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança. E contra esse plus normativo é que se insurge a requerente.

Considerando a importância e relevância da decisão da ADI 4.425 para o estudo do tema proposto, passa-se a transcrever o inteiro teor da ementa:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. [...] INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA” A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEITO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DESRESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5º XXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PARTICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE.

1. A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira.

2. O pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009.

3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento.

4. O regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).

5. A atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).

6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.

7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios, incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.

8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).

9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.

De outra banda, impende destacar que o próprio STF, no Recurso Extraordinário nº 226.855, já se manifestara pela legalidade da TR como índice de correção monetária no regime do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), como se verifica na decisão abaixo:

EMENTA: Fundo de Garantia por [sic] Tempo de Serviço - FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Correções monetárias decorrentes dos planos econômicos conhecidos pela denominação Bresser, Verão, Collor I (no concernente aos meses de abril e de maio de 1990) e Collor II. - O Fundo de Garantia por [sic] Tempo de Serviço (FGTS), ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e por ela ser disciplinado. - Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico. - Quanto à atualização dos saldos do FGTS relativos aos Planos Verão e Collor I (este no que diz respeito ao mês de abril de 1990), não há questão de direito adquirido a ser examinada, situando-se a matéria exclusivamente no terreno legal infraconstitucional. - No tocante, porém, aos Planos Bresser, Collor I (quanto ao mês de maio de 1990) e Collor II, em que a decisão recorrida se fundou na existência de direito adquirido aos índices de correção que mandou observar, é de aplicar-se o princípio de que não há direito adquirido a regime jurídico. Recurso extraordinário conhecido em parte, e nela provido, para afastar da condenação as atualizações dos saldos do FGTS no tocante aos Planos Bresser, Collor I (apenas quanto à atualização no mês de maio de 1990) e Collor II.

A Súmula 459 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por analogia, afiança a legalidade da TR como índice de correção monetária:

SÚMULA 459/STJ - A Taxa Referencial (TR) é o índice aplicável, a título de correção monetária, aos débitos com o FGTS recolhidos pelo empregador mas não repassados ao fundo.

Nessa seara argumentativa, podemos mencionar informação contida no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho – TST (http://www.tst.jus.br/web/guest/tabela-unica-debitos-trabalhistas):

A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da lei 8.177/91, que não sofreu alteração com a lei 12.703/12: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária.

De outra banda, impende destacar a OJ 300 do SDI-1 do TST:

OJ-SDI1-300 EXECUÇÃO TRABALHISTA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. LEI Nº 8.177/91, ART. 39, E LEI Nº 10.192/01, ART. 15 (nova redação) - DJ 20.04.2005. Não viola norma constitucional (art. 5°, II e XXXVI) a determinação de aplicação da TRD, como fator de correção monetária dos débitos trabalhistas, cumulada com juros de mora, previstos no artigo 39 da Lei nº 8.177/91 e convalidados pelo artigo 15 da Lei nº 10.192/01.

De clareza solar, não houve revogação nem cancelamento da TR como índice oficial de correção monetária. Deixar, pois, de aplicar a taxa em apreço se configura em incorreção e ilegalidade, consoante se exporá na seção seguinte.

4 Da violação ao princípio da legalidade

Ineludivelmente, a aplicação de outro índice de correção monetária que não a TR malfere o disposto nas Leis 8.177/91 e 8.660/ 93, as quais dão ampla legitimidade à Resolução 8/2005, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Assim, as decisões que não aplicam a TR ferem o princípio da legalidade, insculpido no artigo 5º, inciso II, da Constituição da República, in verbis: “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Da alínea pétrea da Constituição, observamos ser a lei a criadora de obrigações, deveres e vedações, aos quais os indivíduos ficam adstritos. No caso, é direito do devedor efetuar o pagamento de seus débitos com a observância dos índices corretivos previstos em lei; especificamente, nas Leis 8.177/91 e 8.660/93. Alguns reclamantes sustentam a adoção do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em substituição à TR. O Tribunal Regional da Quarta Região, através da Orientação Jurisprudencial nº 49, adotou tese mista, isto é, TR até a data da decisão da ADI mencionada e, após, INPC, in verbis:2

ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS TRABALHISTAS. A partir de 14 de março de 2013, o índice a ser utilizado para atualização monetária dos débitos trabalhistas deve ser o INPC, diante da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4357, do uso da TR como fator de atualização monetária.

Para Aristóteles: “A paixão perverte os magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão, eis a lei”. Assim, na lição do filósofo, a norma (in casu, a Resolução 08/2005) é a inteligência sem paixão, devendo, pois, ser respeitada, sob pena de arbítrio.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Da TR como índice de correção monetária na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4281, 22 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37348. Acesso em: 22 dez. 2024.

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