O presente artigo apresenta uma proposta de reestruturação concernente ao modo pelo qual os serviços de assistência à saúde têm sido prestados no Brasil. Em face dos recorrentes problemas existentes na prestação dos serviços nesta área, tanto em sede de atendimento público, quanto privado, e para que estes sistemas não entrem em colapso em um futuro próximo, urge trazer à baila parâmetros para que uma reforma abrangente possa ser realizada. Para tal, perquire-se quanto à extinção dos operadores de planos de saúde, cujo comprometimento é com o lucro, substituindo-os por sociedades médicas fundamentalmente embasadas na ética profissional, aptas a formarem associações para atuarem como parceiros privados em contratos de parcerias público-privadas no setor de saúde pública. Nestes contratos, os usuários de planos de saúde podem ser alçados ao patamar de cotistas dos fundos através de modelos de securitização. Desta forma, como participantes ativos na gestão do novo modelo de assistência à saúde, torna-se factível atingir o equilíbrio quanto ao financiamento adequado da saúde pública no futuro. A metodologia empregada na abordagem acerca do sistema público de saúde e da saúde suplementar cinge-se no método hipotético-dedutivo. As parcerias público-privadas na área da saúde são analisadas de acordo com o método indutivo.
Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Saúde suplementar. Parcerias público-privadas.
Introdução
Os estudos relacionados à presente proposta tiveram início em 2005 e culminaram com a publicação de um artigo em 2006[1], no qual houve a análise do arcabouço jurídico do Sistema Único de Saúde e de problemas existentes em seu âmbito devido à sua precariedade, com o escopo de propor uma reestruturação através das parcerias público-privadas. Desde 2006, muitos acontecimentos ocorreram neste cenário e fatores referentes à coexistência da prestação de serviços de saúde na área privada, em contraposição ao subfinanciamento desta prestação na área pública, deram ensejo à premente necessidade de delimitar a presente proposta de modo a propiciar um novo paradigma nesta evolução.
De acordo com dados fornecidos pelo Conselho Federal de Medicina[2], há aproximadamente 391 mil médicos em atividade no Brasil. Consoante informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)[3], o número de usuários de planos de assistência médica no Brasil é de 50 milhões (dados de dezembro de 2013). Em contrapartida, a população residente no Brasil é de cerca de 200 milhões. Portanto, 150 milhões dependem do Sistema Único de Saúde (assistência pública à saúde) no Brasil. Em face da má gestão dos recursos públicos na área da assistência à saúde,[4] inúmeros problemas concernentes aos modelos de planos de saúde privados existentes[5] e insegurança jurídica advinda de atos jurídicos flagrantemente inconstitucionais[6], cumpre destacar a importância do presente tema.
Com a defesa e o alargamento dos direitos subjetivos dos particulares como fundamento de um relacionamento jurídico entre a Administração e o setor privado, assim como na forma de realização do interesse público através da participação dos particulares (quer como contratado, quer como terceiro diretamente ou indiretamente afetado pelo contrato), as parcerias público-privadas surgem como o instrumento capaz de viabilizar este entendimento. Através delas, é possível, de acordo com os ensinamentos de Maria Paula Dallari Bucci[7]:
Reafirmar as categorias do direito público, propondo para elas um novo eixo de ordenação, que coloque ênfase nos fins da atuação do Estado e, em especial da Administração Pública, para a realização dos interesses públicos, eixo que é dado pelas políticas públicas.
Sua importância advém do fato de submeter à égide contratual, com todos os princípios a ela inerentes, a manifestação justa do direito como meio de equilíbrio entre as partes, num plano antecedente, e entre toda a sociedade, como consequência, para que serviços públicos possam ser oferecidos em pleno atendimento ao bem comum. Daí advém a relevância do presente estudo, especificamente em uma área de prestação de serviços na qual há evidente demanda por aperfeiçoamento.
Portanto, objetiva-se situar a parceria público-privada como instrumento capaz de efetivar a redefinição da prestação de serviços de assistência à saúde na atualidade. Tal premissa se faz necessária preponderantemente porque os recursos públicos sofrem desvios quanto à sua aplicação na área da saúde de forma reiterada. Destarte, primeiramente torna-se necessário implementar um sistema no qual coexistam diversos atores comprometidos com sua infalibilidade. Neste jaez, perscruta-se a respeito da insatisfação da parcela da população que possui planos de saúde privados devido aos constantes reajustes nos valores cobrados e demais problemas concernentes à própria prestação do serviço. Cumpre destacar a captura do órgão regulamentador nesta seara pelos interesses privados, para evidenciar a falácia do atual sistema com o objetivo de inserir este modelo de prestação de serviços privados em um novo contexto, no qual os usuários se tornem cotistas de planos estruturados através de parcerias público-privadas e possuam condições plenas de atuação quanto às questões de seu interesse.
Assistência pública à saúde: Sistema Único de Saúde (SUS)
A descentralização determinada pela Constituição Federal de 1988 enfatizou o papel dos municípios quanto à prestação de serviços de assistência à saúde pública. Houve a necessidade de criação de redes sistêmicas de atendimento para uma estruturação adequada do atendimento. No entanto, com o constante aumento da demanda, não é possível atingir uma cobertura que satisfaça todo o território nacional. A ineficiência quanto à gestão de repasses efetuados por transferências governamentais aos entes federativos estaduais e municipais e principalmente quanto à efetiva fiscalização referente ao uso dos recursos públicos, traz à tona situações calamitosas que revelam constantes falhas cuja consequência é a inadequação do atendimento que propicia até mesmo o óbito de uma grande parcela da população.
O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde revela sua incompatibilidade com o que se espera de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Revela também a falácia do sistema de medicina socializada[8] preconizada pela Constituição Federal. Neste sentido, é imperioso salientar a concepção de gestão compartilhada para a defesa dos interesses públicos. Ao se perquirir acerca das redes sistêmicas que funcionam como instrumentos descentralizados para a prestação dos serviços, houve a necessidade de inclusão de novas organizações como, e.g., as organizações sociais (OSs) que atuam como entidades filantrópicas na esfera municipal. Em localidades onde haja restrições quanto ao controle social em face da grande influência do poder executivo municipal sobre as decisões do legislativo, a fiscalização se torna insuficiente ou inexistente.
Com vistas à superação do fisiologismo ínsito a estas relações, Jairnilson Silva Paim e Carmen Fontes Teixeira[9] tecem as seguintes considerações:
Os avanços conquistados na descentralização e a engenharia política exercitada para garantir o comando único em cada esfera de governo, diante da especificidade da Federação brasileira, não devem obscurecer a vulnerabilidade do sistema às mudanças de governos, de gestores e de partidos.
O debate em torno de mudanças na estrutura organizacional do sistema como um todo, com eventual redefinição das relações intergovernamentais, assim como a introdução de mudanças na estrutura organizacional do Ministério de Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde é, portanto, o ponto de partida para a adoção de medidas que resultem no fortalecimento da capacidade de governo das instituições gestoras do SUS em seu respectivo âmbito de atuação.
O debate reflete a tensão originada pela alteração da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos), quanto à dispensa de licitação, especificamente em seu art. 24, XXIV, in verbis: “para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão” (alteração incluída pela Lei 9.648/1998). Em situações nas quais são constituídas entidades com a roupagem de organizações sociais com o objetivo de distanciamento das regras preconizadas pelo regime jurídico de direito público, sem limitações salariais aos empregados destas entidades, cria-se um modo através do qual o fisiologismo ocorre sob o respaldo da lei. Maria Sylvia Zanella Di Pietro[10] é peremptória, ao afirmar:
A ideia é que os próprios servidores da entidade a ser extinta constituam uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e se habilitem como organizações sociais, para exercerem a mesma atividade que antes exerciam e utilizem o mesmo patrimônio, porém sem a submissão àquilo que se costuma chamar de “amarras” da Administração Pública.
Além deste aspecto, há sérias preocupações acerca da insuficiência de médicos no Brasil. As próprias organizações sociais não possuem médicos suficientes para o atendimento adequado da população. Recentemente, surgiu o Programa Mais Médicos, implementado pelo Governo Federal para melhorar o atendimento aos usuários do SUS. O referido Programa tem sido objeto de inúmeros questionamentos acerca de sua legalidade. Miguel Srougi[11], ao discorrer a seu respeito, classifica-o como “iniciativa empulhadora” e apresenta as seguintes explanações para esta classificação:
Iniciativa empulhadora porque atribui a ruína da saúde à falta de médicos nos rincões, quando na verdade a indecência instalou-se porque o Brasil tem sido dirigido por governantes desonestos e de uma inépcia inabalável.
Governo cujo Ministério da Saúde promoveu, nos últimos cinco anos, o fechamento de 286 hospitais ligados ao SUS e deixou de utilizar, em 2012, R$ 17 bilhões dos parcos recursos a ele destinados. Valor com o qual teriam sido construídas e equipadas 18 mil unidades básicas de saúde e com o qual menos corpos estariam despencando diante das portas impenetráveis dos hospitais públicos.
Assistência privada à saúde: saúde suplementar
Como a própria denominação indica, a saúde suplementar tem como objetivo suprir a demanda por serviços de assistência à saúde da população através de atores privados aptos ao fornecimento destes serviços. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é o órgão regulador responsável pelo credenciamento, normatização, controle e fiscalização das empresas fornecedoras de planos de saúde privados. Trata-se de uma autarquia especial sob a égide do Ministério da Saúde.[12]
A Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. A Lei 13.003, de 24 de junho de 2014, alterou a Lei 9.656, trazendo importantes modificações no arcabouço legal da matéria, no sentido de tornar obrigatória a existência de contratos escritos entre as operadoras e seus prestadores de serviços. Tal modificação fez-se necessária devido a uma série de regulamentações implementadas pela ANS para atenuar vários conflitos entre as operadoras e os prestadores de serviços. Estes conflitos advêm de interferências sistematicamente compiladas pelo Conselho Federal de Medicina[13], in verbis:
- O médico que trabalha com planos ou seguros de saúde atribui, em média, nota 5 para as operadoras, em escala de zero a dez. Ressalta-se que 5% dos médicos deram nota zero para os planos ou seguros saúde brasileiros e apenas 1% atribuiu notas 9 ou 10.
- 92% dos médicos brasileiros que atendem planos ou seguros saúde afirmam que sofreram pressão ou ocorreu interferência das operadoras na autonomia técnica do médico.
- Entre as interferências no trabalho médico, glosar procedimentos ou medidas terapêuticas e impor a redução de número de exames ou procedimentos são as práticas mais comuns das operadoras. (Grifos no original).
A contratualização das relações entre operadoras e prestadores de serviços, sob o respaldo da nova Lei, ainda deverá ser reavaliada pela ANS em face da vacatio legis de cento e oitenta dias após sua promulgação. Nesta seara, impende ressaltar não somente a pressão exercida nos profissionais da área médica que efetivamente prestam o serviço, mas principalmente o viés financeiro ínsito à questão, suportado inexoravelmente pelos usuários de planos de saúde, o polo hipossuficiente da relação jurídica. A análise financeira abarca fatores trazidos à baila pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)[14], que assevera:
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) estipula um teto anual de reajuste para os contratos individuais. Já os reajustes dos contratos coletivos não são submetidos a essa regulação. E os planos individuais não podem ser rescindidos unilateralmente pela operadora, ao contrário dos coletivos. Quando um contrato coletivo deixar de ser vantajoso à operadora, ela pode “liquidar a fatura” e expurgar os consumidores.
Por outro lado, quando uma carteira de clientes (individuais ou coletivos) fica desvantajosa para uma operadora de saúde, ela pode vendê-la para outra.
O que se observa, na realidade, são contratos completamente apartados do equilíbrio econômico-financeiro sob o qual deveriam ter sido pactuados e cumpridos. Tanto em sede de contratação individual como coletiva, são pactuados contratos leoninos, que favorecem abusivamente as operadoras, em detrimento dos usuários dos planos de saúde. Além deste importante fator financeiro, há outros que atestam o grande desequilíbrio neste universo. Diversas reportagens[15] veiculadas pela mídia reberveram a aplicação de multas às operadoras de planos de saúde pela ANS, devido às reclamações dos usuários quanto aos reajustes abusivos em seus planos. As multas não foram pagas até então porque há a possibilidade de recorrer em várias instâncias.
Um outro fator que compromete a viabilidade financeira da prestação dos serviços de assistência privada à saúde diz respeito a um truque simples, trazido à lume por Elio Gaspari[16]: “a rede privada fatura e, quando o freguês adoece, as linhas finas do contrato mandam-no para a rede pública”. Como não existe um mecanismo eficaz de ressarcimento para o sistema público de saúde, as operadoras locupletam-se ilegalmente cada vez mais. Neste absurdo cenário, cumpre salientar que a busca por meios adequados e dignos para a prestação de serviços de assistência à saúde da população deve ser insistentemente perpetrada. As parcerias público-privadas exsurgem como um instrumento hábil para uma completa reordenação deste sistema.
Parcerias público-privadas no setor da saúde
Atual cenário e exemplo de implementação
Em 30 de dezembro de 2004 foi sancionada a Lei 11.079, decretada pelo Congresso Nacional, que dispõe acerca das normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública[17]. Desde então, este instrumento tem sido aplicado em diversas áreas nas quais serviços públicos são disponibilizados. Dentre estas áreas, situa-se a prestação de serviços de assistência à saúde. As especificidades relacionadas ao regime jurídico aplicável na esfera das parcerias público-privadas na área da saúde estão inseridas no arcabouço teórico do regime jurídico de direito público, consoante as explanações de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[18]:
Evidentemente, a fuga do direito administrativo não pode e não será total, em primeiro lugar, porque o próprio contrato de parceria público-privada é de natureza pública e tem que ser precedido de licitação, estando sujeito aos controles da Administração Pública, inclusive o exercido pelo Tribunal de Contas; em segundo lugar, porque, da mesma forma que ocorre na concessão de serviço público tradicional, o regime jurídico a que se submete o parceiro privado é híbrido.
Após aproximadamente dez anos de promulgação da Lei das PPPs e a partir da análise de um exemplo de implementação na área da saúde, torna-se possível perquirir acerca de suas vantagens e seu grau de falibilidade (esta última análise será realizada em item subsequente: desafios a serem enfrentados). Em linhas gerais, a Lei 11.079/2004 define a parceria público-privada como contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada (concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei 8.987/1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado) ou administrativa (contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens).
A Lei veda expressamente a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor do contrato seja inferior a vinte milhões de reais e cujo período de prestação do serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. As cláusulas dos contratos de parceria público-privada devem prever, dentre outros itens, o prazo de vigência do contrato (não inferior a cinco nem superior a trinta e cinco anos, incluindo eventual prorrogação), as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, a repartição dos riscos entre as partes, os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado (o contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato[19]) e a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos.
Antes da celebração do contrato, deve ser constituída sociedade de propósito específico, cuja incumbência é a de implantar e gerir o objeto da parceria (tal sociedade poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado). A União, seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes estão autorizadas a participar (no limite global de seis bilhões de reais) em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que tem por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias. Nas disposições finais da Lei 11.079/2004 há dois pontos relevantes. O primeiro se refere à autorização para que a União conceda incentivo às aplicações em fundos de investimento, criados por instituições financeiras, em direitos creditórios provenientes dos contratos de parcerias público-privadas. O segundo estabelece a limitação de gastos correntes com PPPs dos entes federativos em 5% (cinco por cento) da Receita Corrente Líquida (RCL).
As vantagens da implementação das PPPs na área da saúde são analisadas por Tomas Anker e Bruno Ramos Pereira[20], os quais as classificam da seguinte maneira:
- O “empacotamento de serviços” (ou bundling) centraliza sob a liderança de um único provedor de serviços a responsabilidade pela entrega de vários escopos necessários à oferta de um dado bem ou serviço;
- O estabelecimento de indicadores de desempenho output-based, ou seja, baseados em metas e resultados;
- Maior longevidade da PPP vis-à-vis um contrato tradicional;
- O parceiro privado não pode por contrato invocar a necessidade de mais recursos financeiros por alegações de sobrecusto ou ainda alegar a necessidade de maior prazo;
- Atratividade de outros segmentos da economia que, tradicionalmente, não possuem interesse em outros contratos da administração pública;
- A tônica da uma PPP é alocar o risco ao parceiro que o melhor administra;
- Pode ser exigida a adoção de sistemas de informação com o recorte que se desejar e com maior riqueza de análise, inclusive com uma apropriação mais apurada dos custos operacionais;
- A PPP permite a manutenção, conservação e renovação do parque tecnológico dos equipamentos clínicos dentro de um mesmo contrato.
Os autores supramencionados[21] trazem à baila um exemplo de implementação de PPP na área da saúde, ao esclarecerem que o “Hospital do Subúrbio, com contrato já assinado e em plena execução, foi a primeira PPP em saúde do Brasil dentro dos moldes da Lei Federal nº 11.079/04, a Lei Federal de PPPs”. Em alusão a este importante marco no Estado da Bahia e por se tratar de um exemplo bem sucedido, é importante aludir a algumas características desta implementação apontadas por José Fucs[22]:
- Desafio: abrir um novo hospital público, com serviços de qualidade e baixo investimento do governo;
- Solução: conceder à iniciativa privada a administração, operação e o equipamento do hospital;
- Resultado: bom padrão de atendimento à população e custo 10% inferior a outros hospitais públicos para o Estado.
Desafios a serem enfrentados
Tomas Anker e Bruno Ramos Pereira[23] tecem relevantes considerações acerca dos desafios para a utilização de PPPs em saúde. O primeiro desafio se refere à própria estruturação das PPP, no que tange a Sociedade de Propósito Específico (SPE):
Se, por um lado, a SPE permite que a sua constituição se dê por meio de um Project Finance, o que pode, a depender da estruturação financeira, neutralizar o endividamento dos seus acionistas, por outro lado, faz desta SPE uma estrutura de direito privado sujeita ao regime tradicional de tributação de uma sociedade comercial de direito privado.
Especificamente quanto às PPPs na área da saúde, os autores[24] salientam a desvantagem referente à bitributação, ao aduzirem:
Como a PPP enquadra-se na construção e prestação do serviço ao usuário final – na saúde, portanto, a construção de um hospital e a operação dos seus serviços clínicos e/ou não clínicos -, há tributos federais que incidem diretamente sobre a construção (e, portanto, sobre a empresa de construção que entrega o ativo à SPE operadora) e, logo, também, sobre a receita da prestação de serviço e da contraprestação pública que lhe é devida a partir da efetiva prestação do serviço.
Um dos principais desafios a serem enfrentados, no entanto, diz respeito ao número crescente de organizações sociais (OSs) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCs) que atuam como prestadoras de serviços de assistência à saúde na atualidade. Antes de adentrar especificamente em sua atuação nos contratos de PPPs, cumpre apresentar alguns pontos da matéria para melhor compreeensão desta temática. A lei de regência das organizações sociais é a Lei 9.637/1998, enquanto as organizações da sociedade civil de interesse público são regidas pela Lei 9.790/1999. Ambas podem atuar na área da saúde, conforme permissivo legal contido nas Leis de regência. Maria Sylvia Zanella Di Pietro[25] diferencia suas características da seguinte maneira:
Em relação às organizações da sociedade civil de interesse público, o Poder Público exerce verdadeira atividade de fomento, ou seja, de incentivo à iniciativa privada de interesse público. Ao contrário do que ocorre na organização social, o Estado não abre mão de serviço público para transferi-lo à iniciativa privada, mas faz parceria com a entidade, para ajudá-la, incentivá-la a exercer atividades que, mesmo sem a natureza de serviços públicos, atendem a necessidades coletivas.
O marco regulatório das organizações da sociedade civil foi sancionado recentemente. Trata-se da Lei 13.019/2014[26] (promulgada em 31 de julho, com vacatio legis de noventa dias), que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público, define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil e institui o termo de colaboração e o termo de fomento. Sua atuação nos contratos de PPPs na área da saúde é desestimulada em face do regime tributário existente. Tomas Anker e Bruno Ramos Pereira[27] relatam estas desvantagens nos seguintes termos:
O modelo de PPP torna-se especialmente oneroso às empresas filantrópicas, que representam parte significativa do mercado de operadores hospitalares no país, já que as PPPs, operadas necessariamente por meio de SPEs, não conseguem carregar o regime de imunidade tributária a que estas filantrópicas teriam direito.