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A redefinição da prestação de serviços de assistência à saúde através das parcerias público-privadas

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Proposta de reestruturação da prestação de serviços de assistência à saúde no Brasil

A atual proposta tem por objetivo apresentar estágios de implementação para uma nova modelagem quanto à prestação de serviços de assistência à saúde no Brasil. Partindo da classificação apresentada por Tomas Anker e Bruno Ramos Pereira[28] a seguir, é possível delinear contratos de parceria público-privada nos quais os atores contratantes pertençam a três polos de atuação: o setor público, o setor privado e as entidades filantrópicas. Ocorre, destarte, a extinção da figura do operador de plano de saúde cuja motivação está calcada estritamente na obtenção de lucro. Os autores apresentam três formas de desenvolvimento de PPP na área da saúde, in verbis:

  • A PPP pode ser desenvolvida dentro de uma forma menos intervencionista, em que somente são transferidas as atividades não clínicas, tal como os serviços de hotelaria e a construção, aquisição e a manutenção da infraestrutura hospitalar;
  • De forma intermediária, pode-se pensar também em transferir os serviços “meio”, como o de logística de medicamentos e materiais, parcelas importantes da cadeia de prestação de serviços;
  • Aos que desejam uma transformação mais integral, podem ser pensados contratos de PPP de forma completa, em que são transferidas também as atividades clínicas para além das atividades de apoio, ao que a literatura convenciona chamar de um projeto “bata-blanca”.

Por intermédio da atualização de dados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), que disponibiliza as atuais condições de infraestrutura e funcionamento dos estabelecimentos de saúde em todas as esferas, é possível realizar uma política pública de abrangência nacional para o fomento de parcerias público-privadas na área de saúde nos moldes preconizados pela experiência bem sucedida ocorrida no Hospital do Subúrbio no Estado da Bahia, em regiões nas quais hospitais públicos sejam indispensáveis.

Em regiões nas quais estão concentradas as maiores parcelas da população com renda suficiente para arcar com custos de planos de saúde, é necessário implementar paulatinamente contratos de PPPs nos quais os usuários dos serviços tornem-se associados, com a possibilidade de se tornarem cotistas dos fundos de investimento, criados por instituições financeiras, em direitos creditórios provenientes dos contratos de parcerias público-privadas. Tal necessidade advém do sub-financiamento do sistema, gerado pela ineficiência de sua gestão. Quanto a esta relevante questão, Rafael Andreazza Daros[29] tece as seguintes considerações a respeito do Sistema Único de Saúde:

A maneira como o sistema é financiado empobrece justamente aqueles a quem ele visa ajudar e derruba a qualidade do serviço, uma vez que o dinheiro disponível para cada tratamento se torna mais escasso a cada paciente atendido. Para agravar, as regulações para impedir o êxodo dos médicos para o sistema privado impedem a concorrência e encarecem os tratamentos.

Outro efeito nefasto de todo esse paternalismo é a destruição do estímulo à caridade e também do senso de cidadania e de responsabilidade dos cidadãos.

Através de um sistema no qual os usuários sejam estimulados a contribuir com valores acessíveis para custeio da prestação dos serviços e com a possibilidade de fiscalização, controle e participação nesta gestão, torna-se possível manter estabelecimentos geridos por sociedades médicas com o suporte de entidades filantrópicas, em contratos de parceria público-privadas efetuados de acordo com a classificação supramencionada. Com o repasse de recursos públicos a estes estabelecimentos, eles deverão necessariamente prestar serviços de assistência médica à população hipossuficiente, em cooperação com a rede de estabelecimentos públicos existentes na localidade.

Todos os estabelecimentos de saúde do país deverão estimular o uso do Cartão Nacional de Saúde para um adequado monitoramento do sistema. Objetiva-se estender este Cartão aos usuários de planos de saúde para que o próprio sistema possa identificar a situação de cada paciente ao ser atendido, com vistas à eficiência referente ao ressarcimento dos estabelecimentos privados quanto aos serviços prestados aos usuários da rede pública. É possível criar um sistema de atendimento no qual haja incentivo às práticas saudáveis e campanhas de prevenção, caso a população tenha conhecimento dos custos dos serviços prestados e possa optar por se tornar usuária de planos de saúde com preços módicos, possibilitando o direcionamento do investimento público na área de saúde para regiões do país nas quais ele seja imprescindível.

Com a devida superação dos desafios representados por questões prementes como o obstáculo da bitributação e a partir da possibilidade de se conferir imunidade tributária às entidades filantrópicas no âmbito das PPPs, abrem-se mecanismos para almejar, a longo prazo, a conquista de um sistema de assistência à saúde da população nos moldes de sistemas como o alemão[30], por ter sido o primeiro sistema do mundo em caráter universal. Seu financiamento ocorre por meio de fundos mistos (públicos e privados) e é operacionalizado através de seguros obrigatórios. Oitenta e cinco por cento da população alemã possui seguro-saúde público. O remanescente recorre ao setor privado.


Considerações finais

Com o propósito de situar a parceria público-privada como instrumento capaz de efetivar a redefinição da prestação de serviços de assistência à saúde na atualidade, o presente trabalho delineou, primeiramente, os contornos do Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pelo sistema público de saúde no Brasil. Sua ineficiência e subfinanciamento surgem como questões que afetam a população diuturnamente, sendo que a saúde é a área sobre a qual pairam as piores avaliações e a que demanda uma urgente necessidade de reestruturação.

As proclamadas “amarras” do modelo de direito administrativo brasileiro advêm do descompasso entre a dogmática francesa na qual se inspirou sem, no entanto, sua principal característica: o contencioso administrativo. O SUS reflete este descompasso na prestação dos serviços e nos modos pelos quais os legisladores representam os interesses do setor privado de assistência à saúde no país.

A extinção dos operadores de planos de saúde, imbuídos única e exclusivamente por sua avidez quanto à obtenção de lucros, proporciona um novo patamar capaz de impulsionar sociedades médicas aptas a representar a competitividade e eficiência adequadas para a prestação de serviços de assistência médica para a coletividade.

Por derradeiro, cumpre trazer à baila exemplos nos quais existem comprovações cabais quanto à viabilidade da implementação de parcerias público-privadas na área da saúde como o modelo representado pelo Hospital do Subúrbio no Estado da Bahia, assim como o mega-hospital de Campo Largo[31], na região metropolitana de Curitiba, no Estado do Paraná, no qual um grupo de médicos se uniu para atendimento quase exclusivo do SUS. A iniciativa privada também tem prestado importantes contribuições para as Santas Casas[32]. Neste universo, o papel das doações é de extrema relevância. Em Fortaleza, a Santa Casa conta com o apoio de benfeitores que têm a possibilidade de descontar o valor das doações em suas contas de energia elétrica.

Estes exemplos e mecanismos corroboram a tese de que é factível remodelar o sistema com a aplicação do modelo de parceria público-privada, cujo financiamento advindo do setor privado e da população usuária, participantes nos fundos mistos de custeio, seja suficiente para fornecer um modelo de governança para um setor primordial à própria vida de todos os brasileiros.

O cerne de todos os desafios se encontra substancialmente no intervencionismo estatal. Hodiernamente, é possível observar a inexistência de concorrência em um dos setores mais altamente regulamentados da história do país: a saúde suplementar. Neste sentido, jamais se observará o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. O setor público, cujo dever seria o de zelar pela adequada e eficiente prestação de serviços na área de assistência à saúde, subverte este dever e coloca-se à disposição de setores privados motivados pelo lucro desenfreado. Os objetivos primordiais almejados no mundo se referem à redução de custos, expansão da cobertura com preços acessíveis, preservação das escolhas pessoais e da portabilidade, com vistas à promoção da concorrência e manutenção da excelência na medicina. De acordo com a literatura internacional, estes objetivos não serão conquistados em sistemas de prestação de serviços de saúde fornecidos diretamente pelo setor público[33].


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Sobre a autora
Fernanda Kellner De Oliveira Palermo

Pós-graduada em Master of Laws (LL.M.) na The George Washington University Law School, em Washington, D.C., EUA,(2007/2008);Mestre em Direito Administrativo, com ênfase em Obrigações Públicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Bolsista da Organização dos Estados Americanos (OEA) para estudos acadêmicos de Pós-Graduação, advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALERMO, Fernanda Kellner Oliveira. A redefinição da prestação de serviços de assistência à saúde através das parcerias público-privadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4352, 1 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39658. Acesso em: 20 mai. 2024.

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