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A união homoafetiva e sua regulamentação no Brasil

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A homossexualidade é fruto da contemporaneidade? Quais foram as lutas empreendidas pelos homossexuais e quais direitos eles conquistaram? Como o direito deve se portar diante do novo conceito de família?

Resumo: O presente artigo trata da temática da homossexualidade analisando a origem do termo e perpassando pela forma como o tema era encarado nas civilizações grega e romana. Ele tem por objetivo apresentar as lutas e os direitos garantidos pelos homossexuais no Brasil, bem como afirmar que os movimentos sociais são capazes de modificar determinadas visões estereotipadas, tidas muitas vezes como corretas. Destaca, ainda, as lutas empreendidas pelos homossexuais em defesa de seus direitos, até conseguirem conquistas como o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. Tenta mostrar, além disso, que apesar dos avanços já obtidos é preciso muito mais para que os homossexuais conquistem plenamente o seu lugar ao sol. 

Palavras-chave: Homossexualidade. União Homoafetiva. Reconhecimento jurídico.

Sumário: Introdução. 1. Conceito e aspectos históricos da homossexualidade. 2. As lutas e as conquistas dos homossexuais no Brasil. 2.1. O atual conceito de família. 2.2. União homoafetiva como entidade familiar. Conclusão.


INTRODUÇÃO

Esse tema foi escolhido em virtude das grandes polêmicas e discussões que ele tem gerado no meio social, especialmente no campo jurídico. Afinal, a sexualidade em si já causa no indivíduo certa dose de estranheza, vergonha e proibição, principalmente quando é trabalhada com o público jovem. Mas quando ela se desdobra e dá lugar especificamente à homossexualidade, o diálogo toma outras proporções, os comportamentos descritos anteriormente se ampliam. O que se observa é que a homossexualidade constitui um assunto muito complexo e delicado, que deve ser discutido com muita cautela.

Muito é discutido sobre as causas e a época em que surgiu a homossexualidade.  Existem teorias e especulações[1] a respeito de sua causa que foram construídas historicamente, mas, até hoje, a ciência ainda não conseguiu provar que alguma delas é realmente verdadeira.

É difícil, para os jovens e também adultos, que percebem em si a homossexualidade, assumir para a família e também para a sociedade essa orientação sexual. O medo de sofrer punições físicas e principalmente psicológicas predomina em suas mentes. Entretanto, mesmo sendo uma tarefa árdua, muitos homossexuais enfrentam o desafio e lutam pela garantia de seus direitos. Nesse processo, extremamente difícil, são alvos de preconceitos e discriminações advindas de pessoas homofóbicas.

Através de lutas e movimentos, os homossexuais chegaram a conquistar notáveis direitos, sendo um dos principais o casamento civil[2]. Em termos internacionais, alguns países como a Nova Zelândia, Holanda, Bélgica, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal, Islândia, Argentina, Uruguai, Dinamarca, Espanha e França já legalizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Este trabalho é de suma importância para se compreender a real história, as lutas e os direitos que os homossexuais brasileiros conquistaram até a atualidade. Ademais, será refutada e combatida a ideia de que a homossexualidade é fruto da modernidade, visto que estudos comprovam que até mesmo antes de cristo era observado esse tipo de relação.


1 CONCEITO E ASPECTOS HISTÓRICOS DA HOMOSSEXUALIDADE

O termo homossexualidade tem sua origem na junção da palavra grega “homo”, que significa “semelhante” ou “igual”, com a palavra latina “sexus”, que se refere a “sexo”, e expressa uma característica existente nos seres humanos, que é atração física, espiritual ou emocional que determinada pessoa sente por outra de sexo igual. De acordo com Maria Berenice Dias (DIAS, 2000, p. 31), a palavra homossexualidade “exprime tanto a idéia de semelhante, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, como também significa a sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo.”

O termo homossexualismo ainda é utilizado para designar esse tipo de orientação sexual.  Entretanto, sua utilização tem sido criticada ao passar dos tempos, pois o sufixo "ismo" transmite a ideia de doença. Nesse sentido, na última revisão do Código Internacional de Doenças (CID, art. 302), realizada no ano de 1995, o sufixo "ismo", que significa doença, foi substituído pelo sufixo "dade", que significa modo de ser, deixando de constar no mencionado código como uma doença mental.

Segundo o advogado Fernando Quaresma:

Homossexualismo é uma expressão errônea e considerada pejorativa nos dias atuais. O sufixo “ismo” sempre se refere à doença. A homossexualidade deixou de ser considerada doença na década de 40 pela sociedade médica e é proibido ser tratada como distúrbio ou como doença pelos psicólogos. Já o termo homossexualidade, transsexualidade é o termo correto que traduz a orientação sexual, ou seja por quem é seu desejo. (QUARESMA, Acesso em: 22 maio 2015.)

A homossexualidade caracteriza-se pelo desejo profundo e contínuo que um indivíduo sente por outro de sexo igual. Nesta perspectiva, aquela pessoa que venha eventualmente a fazer sexo com outra procurando um prazer momentâneo ou inovação sexual não comprova que ela realmente seja homossexual, mas sim possuidora de comportamento homossexual.

O psicólogo Luiz Batista Meira, em sua obra “Sexos”, destaca que:

Há uma clara distinção entre homossexualidade e comportamento homossexual. A homossexualidade é algo mais profundo que um simples contato entre duas pessoas do mesmo sexo, tem a ver com o desejo, atração, afeto e o amor entre pessoas do mesmo sexo. Não é uma criação de momento, é uma força impulsiva, forte e dominante que conduz nesta direção. (MEIRA, 2002, p. 35)

A homossexualidade não tem sua origem recente, como muitos imaginam. Ela acompanha a humanidade desde seus primórdios, estando presente em boa parte das civilizações e épocas. Sua prática é bem antiga e comum e pode ser verificada também entre variadas espécies de animais. Estudos a respeito[3] apontam que existiam homossexuais até mesmo antes de cristo e que os mesmos eram concebidos como algo natural em determinadas sociedades.

A mais notável sociedade a tratar naturalmente a homossexualidade foi a Grega. Aqui, indivíduos de mesmo sexo praticavam relações sexuais sem nenhuma complicação ou punição. Neste período, as mulheres detinham status de inferioridade em relação aos homens e, por isso, eram utilizadas geralmente apenas para reproduzir e realizar trabalhos domésticos. Sendo assim, era algo totalmente normal um homem adulto escolher um adolescente para educá-lo e introduzi-lo na vida social, em contrapartida o educando (eromenos) oferecia seu corpo ao erastes, com quem tinha relação sexual. Segundo Berenice Dias (2009, p.36-37), a homossexualidade fazia parte da vida comum, vista como privilégio de pessoas cultas e intelectualizadas, possuindo um caráter pedagógico. É interessante ressaltar que não existiam as denominações homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, etc., mas sim a pederastia.

A pederastia era bastante difundida e aceita na sociedade grega, no entanto, não era exercida de qualquer forma. O homem que teria a função de educar o adolescente, por exemplo, deveria passar pelo crivo deste e de sua família.

Francisco Carlos Moreira Filho e Daniela Martins Madrid preceituam que

É importante frisar, que esta relação pederastica era aprovada pela família, porém não era qualquer um que seria o Erastes (homem mais velho), já que o candidato passava pelo crivo de aprovação da família e também dependia de aceitação do Erômenos (adolescente), para que então o Erastes viesse a servir como amigo e educador deste adolescente, que neste processo de aprendizado, o Erômenos se submetia como uma mulher a esta relação. (FILHO; MADRID, Acesso em: 23 maio 2015)

Com a chegada do Império Romano a cultura grega foi incorporada à Romana, incluindo a pederastia, que sofreu algumas modificações. Neste momento, a relação entre um cidadão romano e um jovem liberto não era bem aceita, sendo esta prática passível de punição. No entanto, a relação de um romano com um escravo era plenamente admitida.

Ambos os autores afirmam ainda que

É de se dizer que no inicio do Império Romano, o desejo sexual que se tinha dos jovens era altamente aceitável, mas tal aceitação sofreu mudanças durante a existência do Império Romano. O amor entre um romano e um jovem livre não era bem aceita, ainda que popular, sendo que este tipo de relação era punido com multa, contudo, o amor de um romano e um escravo não sofria nenhum tipo de restrição. (FILHO; MADRID, Acesso em: 23 maio 2015)

No fim do Império Romano, especificamente no governo de Justiniano, essa concepção a respeito da relação entre pessoas de mesmo sexo foi sendo modificada. Aqui, a Peste Bubônica assolava a cidade e causava transtornos tanto econômicos como psicológicos. As pessoas achavam que Deus os punia com esta praga por pecarem muito, assim, recorriam à igreja procurando proteção divina. Justiniano, por ser altamente religioso e considerar a pederastia uma forma de pecado, criou uma legislação coibindo esta prática. As pessoas que de alguma forma burlassem a referida lei recebiam como punição a morte.

Segundo Michael Angold,

Nada podiam fazer para combater a doença. As pessoas se aglomeravam dentro das igrejas como a melhor esperança de proteção. Apesar de fugir para áreas mais seguras a aproximação da peste, outro historiador da época perdeu quase toda a família em surtos bubônicos; sua imprevisibilidade deixou-lhe apenas Deus a quem recorrer. Foi tomado por um sentimento de que Deus punia seu povo pelos pecados cometidos. Justiniano baixou legislação contra o homossexualismo, a qual prescrevia a pena de morte. (ANGOLD, Acesso em: 25 maio 2015)

Com o desenvolvimento do cristianismo a relação entre pessoas de mesmo sexo passou a ser extremamente proibida e quem ousassem e se opusessem as decisões, eram queimados ou então castrados. Neste período, passou a ser aceito apenas a relação heterossexual, isto é, entre homem e mulher.


2 AS LUTAS E AS CONQUISTAS DOS HOMOSSEXUAIS NO BRASIL

Quando um indivíduo exerce algo tido como anormal pela sociedade, ele é impiedosamente punido por ter cometido um desvio social, isto é, por não corresponder às normas hegemônicas de uma determinada cultura. A punição que falo não se refere somente àquela exercida pelo Estado quando, por exemplo, tira o indivíduo que comete algum crime do convívio social, encarcerando-o em um presídio. Mas me refiro, também, àquelas punições que podem ser exercidas por qualquer pessoa, pertencentes ao órgão estatal ou não, tais como: a piada, o xingamento, a exclusão do grupo e até mesmo a violência física que é cometida por aqueles que não aceitam de maneira alguma outras pessoas com opiniões, ideais, comportamentos, culturas, desejos, orientações sexuais, etc. diferentes.

Conforme os ensinamentos de Miskolci,

Desvio é um termo apreciativo e relacional, só pode ser aplicado quando se pressupõe o que é “reto”. O desvio é sempre relativo a uma das características do homem considerado padrão por nossa sociedade, ou seja, o homem branco, heterossexual e burguês. O desvio da raça branca o tornaria fraco segundo as teorias eugênicas e psiquiátricas, ou ainda infértil, como atesta o termo utilizado para se referir ao filho de um branco e um negro: mulato, diminutivo para o termo espanhol mulo, ou seja, a cria estéril de um cruzamento de égua com jumento. O desvio da heterossexualidade era visto como uma forma de insanidade ou degeneração sexual. Por fim, qualquer que fosse o desvio da normalidade, o indivíduo afastar-se-ia do padrão burguês e, portanto, da ordem social na qual ele tinha que se inserir. (MISKOLCI, 2003)

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Na maior parte da história, a homossexualidade foi tratada como uma anormalidade, algo que deveria ser combatido, uma degradação. Muitos homossexuais foram mortos, outros mutilados. Para tentar reverter esta situação e combater a homofobia, em vários países foram desenvolvidos movimentos e manifestações em prol da causa homo. Até hoje, através de muita luta e insistência, muitos direitos foram conquistados.

No que se refere ao Brasil, o movimento homossexual surgiu no final da década de 1970, exercido majoritariamente por homens homossexuais. Tempos depois, as Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais aderiram ao movimento, dando a este mais força.

O movimento brasileiro nasce no final dos anos 1970, predominantemente formado por homens homossexuais. Mas logo nos primeiros anos de atividade, as lésbicas começam a se afirmar como sujeito político relativamente autônomo; e nos anos 1990, travestis e depois transexuais passam a participar de modo mais orgânico. No início dos anos 2000, são os e as bissexuais que começam a se fazer visíveis e a cobrar o reconhecimento do movimento. (FACCHINI, Acesso em: 25 maio 2015)

No Brasil, o Grupo de Afirmação Homossexual (SOMOS) foi o primeiro grupo no país a ser criado para lutar na busca e em defesa dos direitos dos homossexuais. Na efervescência da Ditadura Militar (1964-1985), juntou-se com outros grupos, como o movimento das feministas e dos negros, para obter mais visibilidade e alcançar seus objetivos. Anos depois foi criada a sigla LGBT que quer dizer Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros.

A homossexualidade foi considerada por muito tempo uma doença ou um desvio. Vários métodos foram utilizados em vários países objetivando reverter ou extinguir a homossexualidade, tais como: a forca, prisão, hipnose, choques, castração, aversão, lobotomia, dentre outros. Nenhum destes métodos apresentou uma solução. No Brasil, a homossexualidade deixou de ser considerada um desvio no ano de 1985[4], no fim da Ditadura Militar. Além disso, 14 anos depois, o tratamento psicológico objetivando a “cura” da homossexualidade passou a ser proibido pelo Conselho Federal de Psicologia por meio da resolução CFP 01/99, argumentando que a homossexualidade não se trata de uma doença, por isso, não poderia haver uma cura.

2.1 O ATUAL CONCEITO DE FAMÍLIA

O Direito tem a sua base na sociedade e, por isso, não pode ficar apartado dela, visto que ambos estão intrinsecamente ligados. As mudanças sociais são diversas e cada vez mais rápidas, desse modo, os legisladores, juristas e operadores do direito não podem ficar omissos e ignorar as transformações que ocorrem no seio da sociedade, cabendo-lhes trabalhar em prol da oxigenação das normas, através de sua atualização e adequação aos comportamentos sociais em voga. 

Para atender às peculiaridades de uma sociedade que se encontra em constante mudança e que nos apresenta novas modalidades de grupos familiares, in casu a união entre pessoa de mesmo sexo, o conceito de família tem se aprimorado. Dessa forma, tal conceito sofreu grandes evoluções, tanto no ordenamento jurídico brasileiro quanto no de outras nações.

Conforme preleciona Angelita Maria Maders,

Com a transformação da sociedade as estruturas familiares ou família natural se modificaram e surgiram novos modelos, como o casamento religioso, o civil, a união estável, a entidade familiar e, entre essas, podemos incluir aquela decorrente de relações homossexuais. As diferentes formas de união familiar existem não só no meio social, mas algumas, também, no campo jurídico, que forçosamente tem de acolhê-las. Do contrário estaria o Direito formando uma barreira inútil contra um fato social concreto. (MADERS, Acesso em: 25 maio 2015)

No Brasil, o conceito de família se alargou e atualmente prevalece o entendimento de que ele não mais coaduna com o modelo convencional de família constituída basicamente pelos sagrados laços do matrimônio. Nesse sentido, para abarcar uma multiplicidade de conformações familiares, o atual conceito de família passou pelo casamento, pela união estável, pelas relações de parentesco e, além disso, pelas relações por afinidade, sendo estas compreendidas como um grupo de pessoas ligadas por vínculos jurídicos e afetivos. Assim sendo, como bem destacou Dias no XIII Congresso Internacional de Direito de Família, realizado em 19/10/2004, em Sevilha - Espanha, “diante dessa nova realidade, o elemento identificador das várias formas de viver, está em sua origem, ou seja, é o vínculo afetivo que se encontra presente em todas as formas de convívio.” Ou seja, segundo Dias o afeto tornou-se elemento estruturante da família contemporânea. É nele em que a família está alicerçada merecendo, por isso, a tutela jurídica.

Seguindo o mesmo raciocínio de Dias, Luiz Roberto Barroso (BARROSO, 2007, p. 24) preleciona que “a afetividade é o elemento central desse novo paradigma, substituindo a consangüinidade e as antigas definições assentadas em noções como normalidade e capacidade de ter filhos”.

2.2 UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR

A Constituição Federal de 1988 não possui nenhuma posição expressa em seu texto a respeito dos relacionamentos homoafetivos e da orientação sexual das pessoas. Esta omissão por parte do legislador acabou provocando uma série de discussões e posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes. O Código Civil de 2002, seguindo a mesma linha, não supriu essa lacuna ao regular as uniões estáveis.   

Conforme a regra do § 3° do art. 226 da Carta Magna, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, tendo a lei obrigação de facilitar sua conversão em casamento. Algumas pessoas se filiaram ao mencionado artigo, empregando ao mesmo uma interpretação restrita. Desse modo, afirmavam que os militantes homossexuais jamais poderiam pretender o reconhecimento da união estável, a não ser por uma reforma constitucional.

Contrariando aqueles que defendem ser a união estável aplicada somente a pessoas heterossexuais, o constitucionalista Barroso (BARROSO, 2007, p. 27) esclarece que a referência do legislador a homem e mulher não caracteriza uma vedação da extensão do mesmo regime às relações homoafetivas. Segundo ele, não se deve interpretar uma regra constitucional contrariando os princípios constitucionais e os fins que a justificaram, visto que tal referência foi introduzida na Constituição Federal unicamente para superar a discriminação que, historicamente, recaia sobre as relações entre homem e mulher que não decorressem do casamento. Desse modo, utilizar a expressão “união estável entre o homem e a mulher” não implica uma proibição à aplicação do mesmo regime às uniões entre pessoas de sexo igual. A interpretação em sentido antagônico, segundo Barroso, seria preconceituosa e inconstitucional.

Com o intuito de amenizar os efeitos causados pela omissão do legislador e sanar as divergências até então existentes, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº. 4.277/DF, de relatoria do Ministro Ayres Britto, consagrou interpretação favorável aos homossexuais, ampliando o vocábulo de família.  Segue, a título de ilustração, o entendimento jurisprudencial:

Ementa: 1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Perda parcial de objeto. Recebimento, na parte remanescente, como Ação Direta de Inconstitucionalidade. União homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações de natureza abstrata. Julgamento conjunto. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconceito como capítulo do constitucionalismo fraternal. Homenagem ao pluralismo como valor sócio-político-cultural. Liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula pétrea. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. Tratamento constitucional da instituição da família. Reconhecimento de que a Constituição Federal não empresta ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. A família como categoria sócio-cultural e princípio espiritual. Direito subjetivo de constituir família. interpretação não-reducionista. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. União estável. Normação constitucional referida a homem e mulher, mas, apenas para especial proteção desta última. Focado propósito constitucional de estabelecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia entre as duas tipologias do gênero humano. Identidade constitucional dos conceitos de “entidade familiar” e “família”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. Divergências laterais quanto à fundamentação do acórdão. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. Interpretação do art. 1.723 do Código Civil em conformidade com a Constituição Federal (técnica da “interpretação conforme”). Reconhecimento da união homoafetiva como família. Procedência das ações. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADI 4277, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219- PP-00212)” (BRASIL; STF, acesso em 31 mai. 2015)

Observa-se então, que a conquista dos homossexuais que mais se destacou ocorreu no dia 05 de maio de 2011, momento em que foi aprovado pelo STF o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, podendo, assim, consolidar a relação por meio da união estável.

Com a decisão, os homossexuais passaram a ter alguns direitos que por muito tempo eram exclusivos dos heterossexuais, tais como: direito de comunhão parcial de bens; direito a pensão alimentícia no caso de separação; direito a pensão do INSS em caso da morte do parceiro; direito de colocar o companheiro como dependente em Planos de Saúde; direito a mencionar o parceiro como dependente ao declarar o Imposto de Renda; direito a adotar crianças, não dando, agora, preferência apenas a casais heterossexuais; etc.

Conforme o posicionamento de Paulo Lobo, presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (CORREIO DA BAHIA, 2011), “o Supremo Tribunal Federal fez o que o Congresso Nacional não fez. A união entre pessoas do mesmo sexo se equipara à união estável heterossexual, com todos os direitos e proteções legais garantidos”. Lobo lembra ser inquestionável a decisão da suprema corte, de modo que todos os tribunais e juízes, mesmo não concordando, terão que observá-la ao analisar o caso concreto.

É interessante destacar, ainda, que o STF igualou a união estável homossexual à heterossexual, mas não o casamento.  No entanto, a nossa Carta Magna, em seu Art. 226, estabelece que e lei deve facilitar a conversão de uniões estáveis em casamento. Para fortificar ainda mais a decisão do STF e o Art. 226 da Constituição, no dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por 14 votos a favor e 1 contra, aprovou uma resolução obrigando todos os cartórios brasileiros a realizarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Contudo, no Brasil não é estabelecido em lei, de forma taxativa, o casamento homoafetivo.

É perfeitamente possível, com base na resolução do CNJ, a aplicação do § 3° do art. 226 da Lei Maior, bem como o artigo 1.726 do Código Civil, podendo os companheiros, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, através de pedido dirigido ao juiz e assento no Registro Civil.

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Sobre os autores
Hélio de Sousa Costa

Discente do 6º semestre do curso de direito da Faculdade Luciano Feijão, e-mail: [email protected]

Francisco Edilson Loiola Filho

Defensor Público do Estado do Ceará; Especialista em Direito Constitucional e Processo Constitucional pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA); Professor do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Hélio Sousa ; FILHO, Francisco Edilson Loiola. A união homoafetiva e sua regulamentação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4361, 10 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39874. Acesso em: 19 abr. 2024.

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