Processo nº 1067497-20.2014.8.26.0100
Um casal que havia adquirido um imóvel da incorporadora EZ TEC no empreendimento Royale, na Cidade de Santo André/SP, viu-se obrigado a ingressar com uma ação de rescisão contratual na Justiça de São Paulo, após tentativa, sem sucesso, em obter o distrato amigável perante a incorporadora, que simplesmente argumentava que seu contrato era irretratável e irrevogável, motivo pelo qual devolveria somente o equivalente a 30% (trinta por cento) dos valores pagos em Contrato.
Mote da situação: No momento da aquisição do imóvel na planta, nas dependências de um estande de vendas com a marca EZ TEC, foi combinado por escrito com o vendedor que o imóvel possuía um depósito. Após discutirem sobre as condições da aquisição, os pretensos compradores decidiram por fechar o negócio.
As parcelas foram pagas regularmente durante anos até o tão sonhado momento da entrega das chaves. Mas ali houve uma ingrata surpresa para os adquirentes, pois o imóvel não tinha o depósito prometido e informado por escrito no momento da compra.
Inconformados, os compradores procuraram insistentemente pela incorporadora, a fim de pedir explicações. E esta veio na forma mais absurda possível. Um funcionário da Ez Tec simplesmente afirmou que houve um erro de digitação no preenchimento do Quadro Resumo e que aquele imóvel de fato não tinha direito à depósito e a incorporadora nada poderia fazer a respeito, em que pese os compradores terem documentos que demonstrassem a existência do depósito.
Após muita dor de cabeça, os compradores solicitaram a rescisão do negócio por erro cometido pela própria incorporadora no momento da venda. A vendedora recusou qualquer ocorrência de culpa e afirmou que o Contrato de Promessa de Venda e Compra deveria ser cumprido religiosamente e, caso os adquirentes realmente desejassem o distrato, este ocorreria por ato dos próprios compradores, aplicando-se a eles as altíssimas retenções do contrato.
Sem alternativa na via extrajudicial amigável, os adquirentes decidiram então pelo ingresso de ação judicial de rescisão do negócio por culpa exclusiva da vendedora. Em primeira instância (4ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo), a ação foi JULGADA PROCEDENTE, para o fim de declarar a rescisão do negócio por ato da vendedora que entregou imóvel diverso do adquirido, conforme prova material produzida pelos adquirentes, além da condenação da incorporadora na restituição INTEGRAL dos valores pagos, inclusive sobre comissão de corretagem e taxa SATI, bem como impôs-se contra a incorporadora indenização por danos morais arbitrados pelo Juiz de primeira instância em R$ 10.000,00 para cada autor.
Previsivelmente a incorporadora não aceitou a condenação sofrida e interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado em 28 de abril de 2015 pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de relatoria do Desembargador José Aparício Coelho Prado Neto.
Analisando a tese defendida pela incorporadora, no sentido de que os compradores haviam se arrependido da aquisição pelo nascimento de um segundo filho e que o imóvel ser-lhes-ia pequeno e por isso tentaram uma aventura jurídica alegando divergências entre o que foi comprado e o que foi entregue, por votação unânime, a 9ª Câmara de Direito Privado NEGOU PROVIMENTO ao recurso da incorporadora.
Vale informar, por ser no mínimo inusitado, que a incorporadora ainda alegou que os compradores não teriam condições financeiras para ingressar no financiamento imobiliário do saldo devedor do contrato e que teria havido mero erro de digitação no momento da confecção do Quadro Resumo. A empresa ainda tentou defender que a área do depósito seria ínfima e que isso não seria motivo suficiente para o pleito de rescisão contratual.
Simplesmente absurdo, pois a incorporadora acabou por confessar o erro havido no momento da compra e ainda desfez da área de depósito por ela vendido a inúmeros outros adquirentes como um diferencial.
Erros de estratégia à parte, correto afirmar que quem adquire determinado bem, especialmente um IMÓVEL, não aceitará em sã consciência que o vendedor entregue algo diferente ou menor do que foi comprador.
Com esse pensamento em mente, o Desembargador Relator afirmou que no “Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra de Unidade Autônoma e Outras Avenças”, de fato constava claramente que o empreendimento contaria com “unidades autônomas-depósitos” ou “492 depósitos”.
Nas palavras do Relator: “Não pode, portanto, a ré, alegar um simples erro de digitação quando da confecção do contrato, uma vez que constou em todas as partes do documento, a existência do aludido depósito, integrante do imóvel adquirido pelos autores. Outrossim, incabível a suposição da ré de que os autores teriam desistido do negócio por conta do nascimento de um segundo filho ou por conta de incapacidade econômica para pleitear a obtenção de um financiamento imobiliário por conta de aumento de gastos com a família, notadamente diante dos apelados se encontrarem adimplentes com todas as parcelas avençadas até o momento do pedido de rescisão.”
Sem necessidade de prolongamento da discussão, sentenciou o Desembargador:
“Caracterizada a culpa exclusiva da ré, portanto, diante da presente rescisão contratual, tendo em vista ter compromissado à venda um imóvel para os autores e tentado entregar outro, diverso daquele escolhido por eles, é de seu dever restituir o valor integralmente pago, de uma só vez e sem direito a qualquer retenção.”
Sobre o cabimento de indenização por danos morais, o Relator afirmou que:
“Cabível, ainda, a indenização por danos morais, pois presente o nexo de causalidade entre a conduta da ré e o dano sofrido pelos autores. O fato da unidade não ter sido entregue nos termos pactuados, demonstra o ato ilícito praticado pela ré, tendo como vítima os autores.
Note-se que não se trata de mero inadimplemento contratual, mas da frustração, dor e angústia dos autores de não receber a sonhada casa própria de acordo com o prometido pela ré.
Ademais, há de se ressaltar a função punitiva que tal indenização caracteriza para quem é condenado a pagar, principalmente, quem atua no mercado usando o ato ilícito como meio de operação, hipótese “sub judice”.
Desse modo, o valor fixado a título de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autor, se afigura dentro dos limites razoáveis da reparação, que se de um lado deve se prestar a inibir a reiteração do ato ilícito, de outro não pode se constituir em instrumento de enriquecimento sem causa, cumprindo acrescentar, apenas, que como já judiciosamente decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, citada verba “não pode contrariar o bom senso, mostrando-se manifestamente exagerado ou irrisório”.”
Ao final, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve integralmente a decisão de primeira instância, registrando a correta condenação da incorporadora EZ TEC na restituição à vista de todos os valores pagos pelos compradores a título de parcelas do Contrato no montante de R$ 160.956,00, acrescidos de correção monetária desde cada um dos pagamentos (correção retroativa) e juros de 1% a.m., além da indenização por danos morais de R$ 10.000,00 para cada autor.
Fonte: Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário).