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A nova política nacional de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca

Resumo:


  • A Lei n. 13.153/2015 estabelece a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, definindo desertificação como a degradação da terra em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas devido a fatores climáticos e atividades humanas.

  • A legislação diferencia "fatores" e "vetores" da desertificação, onde fatores são condições naturais que tornam ambientes suscetíveis à degradação e vetores são forças atuantes, incluindo ações humanas diretas e desastres naturais agravados pela intervenção humana.

  • A nova lei introduz conceitos que podem ser usados para responsabilização por danos ambientais relacionados à desertificação e estabelece medidas para prevenção, combate e recuperação de áreas degradadas, além de promover pesquisas científicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O principal propósito da nova Lei 13.153 é estabelecer mecanismos de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca, introduzindo conceitos que provavelmente serão invocados para responsabilização por danos ambientais.

Esta é a definição de desertificação na nova Lei brasileira n. 13.153, que entrou em vigor no último dia 31 de julho de 2015 e estabelece a nova Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (art. 2º, inciso I): “Desertificação é a degradação da terra, nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de vários fatores e vetores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas” (nossos grifos).

A nova Lei brasileira n. 13.153 diferencia “fatores” de “vetores” da desertificação. Então, de acordo com esta lei, fatores de desertificação são as condições naturais originais que tornam os ambientes mais frágeis susceptíveis a diversos processos de degradação (art. 2º, inciso II). De outro modo, vetores de desertificação são forças que atuam sobre o ambiente e a sociedade, incluindo interferências humanas diretas e desastres naturais cuja ocorrência seja agravada pela ação antrópica (art. 3º, III).

Assim, muito embora o principal propósito da nova Lei 13.153 seja estabelecer mecanismos de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca no Brasil, esta lei introduz conceitos, especialmente este devetores de desertificação”, que serão provavelmente invocados para responsabilização de indivíduos, empresas e outros por danos ambientais relacionados à desertificação. Não apenas por causa da Lei nº 13.153, mas também em razão de algumas outras leis já adotadas nas esferas municipal, estadual e federal para garantir o desenvolvimento sustentável.

Por exemplo, a Lei Federal n. 10.228, de maio de 2001, acrescentou o artigo 21-A à Lei n. 8.171/1991, que, por sua vez, dispõe sobre a política agrícola, a fim de estabelecer procedimentos relativos ao cadastramento e à recuperação de áreas desertificadas, com seguinte redação:

“Art. 21-A. O Poder Público procederá à identificação, em todo o território nacional, das áreas desertificadas, as quais somente poderão ser exploradas mediante a adoção de adequado plano de manejo, com o emprego de tecnologias capazes de interromper o processo de desertificação e de promover a recuperação dessas áreas.

§ 1º O Poder Público estabelecerá cadastros das áreas sujeitas a processos de desertificação, em âmbito estadual ou municipal.

§ 2º O Poder Público, por intermédio dos órgãos competentes, promoverá a pesquisa, a geração e a difusão de tecnologias capazes de suprir as condições expressas neste artigo.”

O dispositivo, veja-se, determinou que as autoridades públicas identificassem terras em processos de desertificação em todo o território nacional, com cadastramento e exploração submetida à adoção de adequado plano de manejo, com o emprego de tecnologias capazes de (i) interromper o processo de desertificação e (ii) promover a recuperação dessas áreas.

A UNCCD (ver abaixo) também já havia incluído as “atividades humanas” no conceito de desertificação. Esta Convenção da ONU foi ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 28, de junho de 1997 e recebeu promulgação pelo Decreto Presidencial n. 2.741, de agosto de 1998.

A Constituição brasileira de 1988 dispõe em seu artigo 225, caput, no Capítulo VI (“Do Meio Ambiente”) do Título VIII (“Da Ordem Social”):

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (nossos grifos)

E, no parágrafo terceiro do art. 225, a Constituição determina:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Como se sabe,  desertificação não se refere à expansão de desertos existentes. Está acontecendo em ecossistemas secos que cobrem cerca de um terço das terras do planeta. Uso inapropriado ou exploração excessiva de tais áreas vulneráveis podem levar à desertificação, na definição de “desertificação” trazida acima, como degradação da terra nas áreas subúmidas, semi-áridas e áridas, caracterizada como a redução ou perda, nestas áreas, da biodiversidade, da produtividade biológica e da complexidade das terras agrícolas, em razão dos sistemas de utilização da terra e de ocupação do território (Lei n. 13.153/15, art. 2º, inciso V). E quando ações humanas violam leis formalizadas, isso transforma a desertificação em um problema ambiental legal.

Isso significa que auditorias ambientais (environmental compliance) são cruciais para bons resultados, notavelmente nas atividades agrícolas e em obras de significativo impacto ambiental que estejam em desenvolvimento ou venham a desenvolver-se no Brasil em Áreas Suscetíveis à Desertificação. E é relevante realçar que o conceito legal de “Áreas Suscetíveis à Desertificação” inclui não só os territórios vulneráveis à desertificação, mas também seu entorno (Lei n. 13.153/15, art. 2º, inciso VIII).

Ainda, a desertificação é um problema socioeconômico que afeta a todos os níveis sociais, principalmente a parcela mais pobre da população, já que está relacionada à diminuição da produtividade da terra.

Tudo isso explica porque, já na Cúpula da ONU de 1992 (Eco-92, no Rio de Janeiro), a desertificação foi mencionada como um dos maiores desafios ao desenvolvimento sustentável, juntamente com mudanças climáticas e perda de biodiversidade.

A "Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África" (UNCCD, em inglês, acima já mencionada) entrou em vigor em dezembro de 1996 (adotada no Brasil em junho do ano seguinte), e nota-se que as Partes, nesta Convenção, editaram-na originalmente,

“Tendo em mente que a desertificação e a seca afetam o desenvolvimento sustentável através das suas inter-relações com importantes problemas sociais, tais como a pobreza, a má situação sanitária e nutricional, a insegurança alimentar e aqueles que decorrem da migração, da deslocação forçada de pessoas e da dinâmica demográfica.”

A nova lei brasileira 13.153 é também sobre mitigação dos efeitos da seca, como dissemos acima. Assim, no seu artigo terceiro constam os objetivos da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, estabelecidos para:

  1. "prevenir e combater a desertificação e recuperar as áreas em processo de degradação da terra em todo o território nacional;
  2. prevenir, adaptar e mitigar os efeitos da seca em todo o território nacional;
  3. instituir mecanismos de proteção, preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais;
  4. integrar socioambientalmente de forma sustentável a produção e o uso dos recursos hídricos, a produção e o uso da infraestrutura de captação, de armazenamento e de condução hídrica com as ações de prevenção, adaptação e de combate à desertificação e à degradação da terra;
  5. estimular as pesquisas científicas e as tecnológicas;
  6. promover mecanismos de fomento para pesquisas e a ampliação do conhecimento sobre o processo de desertificação e a ocorrência de secas no Brasil, bem como sobre a recuperação de áreas degradadas;
  7. promover a segurança ambiental, alimentar, hídrica e energética nas áreas susceptíveis à desertificação;
  8. promover a educação socioambiental dos atores sociais envolvidos na temática do combate à desertificação;
  9. coordenar e promover ações interinstitucionais com a parceria das organizações da sociedade civil no âmbito temático;
  10. fomentar a sustentabilidade ambiental da produção, incluindo ecoagricultura, silvicultura e sistemas agroflorestais, com a diversificação e o beneficiamento da produção na origem;
  11. melhorar as condições de vida das populações afetadas pelos processos de desertificação e pela ocorrência de secas;
  12. apoiar e fomentar o desenvolvimento socioambientalmente sustentável nas áreas susceptíveis à desertificação;
  13. apoiar sistemas de irrigação socioambientalmente sustentáveis em áreas que sejam aptas para a atividade, levando em consideração os processos de salinização, alcalinização e degradação do solo;
  14. promover infraestruturas de captação, armazenagem e condução hídrica, a agricultura irrigada e a prática de uso eficiente e reúso da água na modalidade agrícola e florestal nas áreas susceptíveis à desertificação." (nossos grifos)
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Obviamente, várias iniciativas já foram tomadas no Brasil no combate à desertificação, tais como o PAN-Brasil, de 2004, e aquelas do INSA, e também outras iniciativas referentes à mitigação dos efeitos da seca, como aquelas realizadas pelo Ministério da Integração Nacional.

Tais são apenas exemplos. O grande ponto é que agora existe esta importante lei estabelecendo uma Política Nacional para estes assuntos e esta legislação deve ser implementada na prática. E isso certamente terá influências sobre atividades agrícolas e licenciamentos ambientais de grandes projetos. Também, espera-se que a nova lei fomente investimentos em pesquisas científicas e tecnológicas para criação de novas ferramentas para o desenvolvimento sustentável, de um ponto de vista mais otimisita. Finalmente, a nova lei pode gerar contratos de infraestrutura e renda. 

Esta nova lei também permite que o Poder Executivo Federal estabeleça a Comissão Nacional de Combate à Desertificação – CNCD (Lei n. 13.153/15, art. 7º a 9º). Vejamos:

"Art. 7º O Poder Executivo poderá criar a Comissão Nacional de Combate à Desertificação - CNCD, órgão colegiado da estrutura regimental do Ministério do Meio Ambiente, de natureza deliberativa e consultiva, tendo a finalidade de:

I - deliberar sobre a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, em articulação com as demais políticas setoriais, programas, projetos e atividades governamentais sobre o combate à desertificação e à degradação da terra e a mitigação dos efeitos da seca;

II - promover a articulação da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca com o planejamento em âmbito nacional, regional, estadual e municipal;

III - orientar, acompanhar e avaliar a implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca;

IV - deliberar sobre as propostas advindas dos comitês e grupos de trabalho criados no âmbito da CNCD;

V - estabelecer estratégias de ações de governo para o combate à desertificação e à degradação da terra e a mitigação dos efeitos da seca, com vistas ao desenvolvimento sustentável em todo o território nacional;

VI - promover a construção de pactos para o combate à desertificação e à degradação da terra e a mitigação dos efeitos da seca.

Art. 8º Compete à CNCD:

I - acompanhar e avaliar a gestão do combate à desertificação, da recuperação de áreas degradadas e da mitigação dos efeitos da seca mediante a abordagem integrada dos aspectos físicos, biológicos, socioeconômicos e culturais;

II - promover a integração das estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à desertificação e à degradação da terra e da mitigação dos efeitos da seca;

III - propor ações estratégicas para o combate à desertificação e à degradação da terra e a mitigação dos efeitos da seca;

IV - acompanhar e avaliar a execução do Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca e propor providências necessárias ao cumprimento de seus objetivos, bem como apresentar propostas para o seu aperfeiçoamento;

V - analisar propostas de alteração da legislação pertinente ao combate à desertificação, à recuperação de áreas degradadas e à mitigação dos efeitos da seca, bem como à Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca;

VI - propor medidas para o cumprimento pelo poder público federal dos princípios e diretrizes para implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, estimulando a descentralização da execução das ações e assegurando a participação dos setores interessados;

VII - identificar a necessidade e propor a criação ou modificação dos instrumentos necessários à plena execução dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca;

VIII - estimular a cooperação interinstitucional e internacional para a implementação dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca e da UNCCD no País;

IX - elaborar e aprovar seu regimento interno.

Art. 9º A CNCD será presidida pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente e terá sua composição e funcionamento fixados no seu regulamento."

A nova Lei nº 13.153 aplica-se na esfera federal, assim como nas esferas dos Estados, Municípios e Distrito Federal, com as especificidades próprias.


This article is also available in English, here.

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Sobre o autor
Thiago Cássio D'Ávila Araújo

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (PGF/AGU) em Brasília/DF. Foi o Subprocurador Regional Federal da Primeira Região (PRF1). Ex-Diretor Substituto e Ex-Diretor Interino do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONT/PGF), com atuação no STF e Tribunais Superiores; Ex-Coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (NAEst/DEPCONT/PGF); Ex-Coordenador-Geral de Matéria Finalística (Direito Ambiental) e Ex-Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA); Ex-Consultor Jurídico Adjunto da Matéria Administrativa do Ministério da Educação (MEC); Ex-Assessor do Gabinete da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça. Desempenhou atividades de Procurador Federal junto ao Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dentre outras funções públicas. Foi também Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2001) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/2010). Em 2007, aos 29 anos, proferiu uma Aula Magna no Supremo Tribunal Federal (STF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Thiago Cássio D'Ávila. A nova política nacional de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4420, 8 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41542. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Neste texto estão as opiniões pessoais do Prof. Thiago D’Ávila, que NÃO NECESSARIAMENTE são as opiniões de qualquer entidade ou organização a que esteja vinculado.

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