Sumário: Introdução; 1 Considerações gerais sobre o Conselho Nacional de Justiça; 2 Atribuições do Conselho Nacional de Justiça após decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4638; 3 Considerações gerais sobre a Lei Orgânica da Magistratura; 4 Atuação do Conselho Nacional de Justiça na reformulação da Lei Orgânica da Magistratura; 4.1 Possibilidade de substituição da aposentadoria compulsória como pena máxima aos magistrados; Conclusão; Referências.
RESUMO:O presente artigo pretende verificar a possibilidade de atuação do Conselho Nacional de Justiça na reformulação da Lei Orgânica da Magistratura, com o intuito de modificar as sanções aplicadas aos magistrados que cometem desvios de conduta. Inicialmente, discorrer-se-á sobre as características do Conselho Nacional de Justiça, bem como o seu surgimento e natureza. Posteriormente, serão analisadas as novas atribuições do Conselho Nacional de Justiças concedidas após decisão do Supremo Tribunal Federal. A seguir, são feitas considerações gerais sobre a Lei Orgânica da Magistratura, assim como a sua origem e a inclusão da aposentadoria compulsória no rol das penalidades. Por fim, serão levantadas hipóteses de alteração de punições aplicadas aos magistrados, tendo em vista a modificação dos valores sociais entre o período da Ditadura Militar e os atuais.
PALAVRAS-CHAVE: Conselho Nacional de Justiça. Lei Orgânica da Magistratura. Aposentadoria Compulsória.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão do Poder Judiciário criado para supervisionar a atuação do próprio Poder judicante, tanto no aspecto administrativo financeiro, quanto no aspecto correicional de seus membros. Trabalha em prol da efetividade e da eficiência da ação jurisdicional no Brasil e tem sempre como finalidade o benefício da sociedade, sendo considerado uma vitória do povo brasileiro na luta pelo desenvolvimento e transparência do Judiciário. É sabido também que a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) é o estatuto que rege a atuação dos magistrados, estabelecendo deveres e garantindo direitos, devendo ser respeitada e zelada pelo CNJ.
Entretanto, é necessário perceber que a LOMAN apresenta em seu instituto uma série de privilégios aos magistrados brasileiros que os coloca numa situação desproporcional em relação aos outros membros do governo brasileiro e à toda sociedade. Um exemplo é o fato de não existirem penalidades que possuam verdadeiro caráter punitivo e preventivo, sendo a branda aposentadoria compulsória a pena máxima prevista, uma vez que a demissão não pode mais ser hipótese de punição para juízes vitalícios. Isso porque, conforme disposto no art. 47 da LOMAN, a demissão seria aplicada aos juízes vitalícios nos casos previstos no art. 26 e aos juízes que não adquiriram vitaliciedade nos moldes do art. 56, ocorrendo, entretanto, que o art. 26 fora vetado e o art. 56 não faz menção alguma sobre demissão e, sim, sobre aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Destarte, é imperioso que haja uma efetiva mudança nesse cenário para impor aos magistrados brasileiros maiores restrições e atender aos apelos sociais que clamam punições mais justas aos juízes infratores.
Assim, pretende-se analisar as atribuições e limites do CNJ como o agente capaz de modificar tal situação, tendo em vista que é sua função zelar pelo desenvolvimento do Poder Judiciário e servir de elo entre o referido Poder e a sociedade brasileira, uma vez que esta não controla a atuação dos magistrados assim como ocorre nos demais poderes. O CNJ seria, por conseguinte, o órgão brasileiro que teria a prerrogativa de pleitear a inserção de novas penas para os magistrados e, principalmente, extinguir a aposentadoria compulsória como pena máxima, substituindo-a por penas mais justas e severas.
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão do Poder Judiciário brasileiro, atuante em todo o território nacional, que possui como principais finalidades o controle administrativo do Judiciário e o controle disciplinar dos magistrados. Tem seu surgimento a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, que previu, em seu art. 5º, a instalação do CNJ no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulgação desta Emenda.
Sabe-se que o Conselho Nacional de Justiça, apesar de ter sido instaurado no século XXI, obteve suas primeiras raízes na segunda metade do século XX, através dos primeiros Conselhos de Magistratura europeus, que inspiraram os países da América do Sul, inclusive o Brasil. Os referidos Conselhos de Magistratura tem sua relação com o CNJ baseada na similitude de estrutura e funções existente entre ambos, como por exemplo, o fato de serem órgãos pertencentes ao Poder Judiciário, exercerem função administrativa dos órgãos deste Poder, e serem consonantes na busca pela transparência e aperfeiçoamento da justiça. Ainda em relação às suas origens, o CNJ teve o que podemos denominar de seu embrião no chamado Conselho Nacional da Magistratura. Isto é assim porque o Conselho Nacional da Magistratura foi um órgão que deteve muitas das funções que o atual CNJ possui, além de ter possuído também grandes bendizeres enquanto instituição. Tal Conselho surgiu da “necessidade de um órgão judiciário de alta hierarquia para disciplinar o comportamento dos magistrados” (NEDER, 1979, apud SAMPAIO, 2007, p. 240), como pode ser evidenciado pelas palavras do então presidente do Supremo, o ministro Antônio Neder, proferidas na inauguração do Conselho:
Para concretizar o moralizador objetivo de impedir que as deficiências humanas conspirem contra o magistrado, que tais deficiências possam conduzir o juiz a cometer abusos, idealizaram os juristas europeus (...) um órgão judiciário superior e disciplinar, para o julgamento do juiz que não haja cumprido a sua missão. Esse órgão, no Brasil, é o Conselho Nacional da Magistratura (NEDER, 1979, apud SAMPAIO, 2007, p. 240).
Assim, percebe-se que o Conselho Nacional da Magistratura possuía um papel correicional que visava combater atos de indisciplina administrativa e de corrupção (SAMPAIO, 2007), algo que notoriamente foi herdado pelo CNJ. Entretanto, sua atuação não foi exatamente como esperada e o Judiciário adentrou a década de 1980 atuando de forma autônoma e sem maiores intervenções do Conselho. Nos citados anos 1980, no período que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve uma movimentação por parte de um grupo de juristas e estudiosos que ficaram encarregados de compor o anteprojeto constitucional, onde foi colocada em pauta a criação de um conselho que exercesse o controle externo da atividade judiciária (SAMPAIO, 2007). De acordo com o disposto pelo doutrinador José Adércio Leite Sampaio (2007, p. 241):
O apoio de alguns segmentos, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil, e de nomes como Nelson Jobim, Nilo Batista e Márcio Thomaz Bastos, levou a inclusão no artigo 151 do Projeto A de Constituição, elaborado pela Comissão de Sistematização, do Conselho Nacional de Justiça como órgão de controle da atividade administrativa e desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário e do Ministério Público, cabendo à lei complementar definir a sua organização e o seu funcionamento.
Entretanto, a possível criação do Conselho sofreu duras contraposições dos magistrados da época, que não aprovaram a ideia de um órgão para controlar os seus atos dentro do Poder Judiciário, colocando como justificativa um ataque ao princípio federativo e uma ameaça à independência deste Poder. Dessa maneira, a Constituição de 88 terminou por privilegiar a autonomia do Judiciário dando fim à tese de criação do Conselho. Os tempos que se sucederam, como atesta Sampaio (2007), amargaram a falta de um controle social e democrático, às vezes externo, que pudesse inspecionar um Judiciário que se apresentava lento, dominado pela política neoliberal e, o pior de tudo, corrupto. Dessa forma, os anos 90 cresceram com o anseio da Reforma do Judiciário, e foi exatamente nesse cenário que se deu o ponto de partida para o nascimento do atual CNJ. Foi pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 96/1992, de autoria do deputado Hélio Bicudo, que surgiu novamente a tese de criação de um conselho que trabalhasse para o real aperfeiçoamento do Poder Jurisdicional brasileiro. A PEC n. 96/1992 atravessou um longo caminho no Congresso Nacional, sendo arquivada e desarquivada várias vezes, tendo inúmeras emendas acrescentadas, até que foi finalmente aprovada em 2004 sendo convertida em Emenda Constitucional (EC), a EC n. 45/2004.
Por conseguinte, a EC n. 45/2004 criou, finalmente, o CNJ, que foi instalado em 14 de junho de 2005, tendo sede em Brasília. O Conselho possui em sua composição 15 membros com mandato de dois anos, sendo admitida a recondução. É formado pelo Presidente do STF, que também será o presidente do CNJ; um ministro do Supremo Tribunal de Justiça; um ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um desembargador do Tribunal de Justiça; um juiz estadual; um juiz de Tribunal Regional Federal; um juiz federal; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho; um juiz do trabalho; um membro do Ministério Público da União; um membro do Ministério Público estadual; dois advogados; e dois cidadãos de notável saber e reputação ilibada. Dentre suas atribuições, segundo Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (BRANCO; MENDES 2011, p. 1036), pode-se destacar as principais:
a) zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, e recomendar providências; b) zelar pelo art. 37 da Constituição e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário (...); c) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (...), sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (...) e) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano.
Dessa forma, percebe-se que com a Emenda Constitucional 45/2005 foi possível a instalação do Conselho Nacional de Justiça como um órgão fiscalizatório do Poder Judiciário brasileiro. Além das atribuições anteriormente citadas, o CNJ ainda pode propor as providências que julgar necessárias para o real aperfeiçoamento do Poder Jurisdicional, dentre as quais, cita-se a oportuna propositura de reformulação da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) e as novas atribuições concedidas a ele após a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4638, a serem tratadas no item subsequente.
2 ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA APÓS DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4638
No julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 4638, na data de 08 de fevereiro de 2012, o STF, em votação acirrada, se posicionou de forma favorável à manutenção e ampliação dos poderes atribuídos ao CNJ. Com isso, na ADI 4638, além das prerrogativas que este órgão já possuía, novas atribuições a ele foram concedidas. Anteriormente ao julgamento do STF, a função fiscalizatória do CNJ havia sido suspensa por uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, do STF. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) alegava que quem possuía competência para fiscalizar e punir eventuais magistrados por condutas inadequadas eram as corregedorias estaduais. Porém, em declaração à Revista ISTOÉ, de 08 de fevereiro de 2012, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se trata de investigar os próprios pares” (ISTOÉ, p.38, 2012). Dessa forma, a partir de então, o CNJ, independentemente das corregedorias dos Tribunais de Justiça, tem o direito de instaurar processos contra juízes acusados de corrupção ou outros desvios de conduta.
A AMB propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4638) para que o STF declarasse a inconstitucionalidade da Resolução 135 do CNJ. Dentre as matérias que a AMB visava impugnar, encontrava-se a possibilidade do CNJ aplicar penas aos magistrados. Para tanto, alegavam que a competência para disciplinar os magistrados com censura e advertência era privativa dos tribunais e a punição de remoção, disponibilidade e aposentadoria são de competência privativa do legislador complementar, tendo-se como base o art. 93 caput, incisos VIII e X da Constituição Federal. Entretanto, tal pretensão da AMB não foi concedida pelos ministros do Supremo, conforme previsto em informativo vinculado pelo STF no julgamento da referida ADI:
Por 6 votos a 5, os ministros mantiveram a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar magistrados, prevista no artigo 12 da Resolução 135/2011, do CNJ. O dispositivo, que havia sido suspenso na decisão liminar do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4638, ministro Marco Aurélio, diz que "para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça".[4]
Como exemplo dessa prerrogativa do CNJ, pode se destacar alguns casos em que o Conselho agiu utilizando-se dos seus poderes para garantir o correto funcionamento jurisdicional brasileiro e disciplinar os magistrados que não cumpriram o seu dever de reputação ilibada:
Um dos juízes punidos foi Abrahão Lincoln Sauáia, do TJ/MA. O magistrado foi aposentado compulsoriamente, com vencimentos proporcionais, em razão de conduta negligente no julgamento de um pedido de indenização feito a uma seguradora em 2008. É a terceira vez que o juiz é condenado pelo CNJ. Outro magistrado, José Lopes da Silva Neto, do TJ/AL, também recebeu a penalidade administrativa máxima aplicada pelo CNJ, por conta de uma série de irregularidades na condução de processos cometidas quando ele esteve à frente do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de União dos Palmares[5].
Além de permitir que o CNJ instaure processo contra os magistrados antes mesmo das corregedorias estaduais, ainda foi derrubada a proposta de votação secreta para o julgamento de magistrados, interposta pela AMB (ISTOÉ, p. 39. 2012). Essa proposta da AMB, cuja intenção seria “defender a preservação da imagem do Judiciário”, é contrária ao Regimento Interno do CNJ, que em seu art. 116 prevê que “As sessões serão públicas, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na Constituição Federal e de proteção do direito à intimidade”. Diante disso, observa-se que os anseios sociais em busca de transparência e clareza em relação à obscuridade do Poder Judiciário foram concedidos com tal decisão do Supremo.