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Apropriação indébita de empréstimo consignado: mais uma pedalada

19/11/2015 às 09:49
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O artigo discute a questão da noticiada falta de repasses dentro dos empréstimos consignados.

Noticia-se que com a arrecadação em baixa por causa da crise econômica, estados e municípios lançaram mão de expediente nada convencional para reforçar o caixa: descontaram parcelas de crédito consignado dos servidores e não repassaram o dinheiro aos bancos. É mais um tipo de “pedalada fiscal” no país. Essa manobra, que engorda o caixa dos entes públicos, já foi parar na Justiça, como no Amapá. No Piauí, o governo reconhece atrasos nos repasses, mas alega razões operacionais.

Muitos governos renegociaram as condições com os bancos, tornando oficial um parcelamento da dívida, ou repactuaram o pagamento com um mês de atraso. Algumas unidades da federação ainda estão em dívida.

No Amapá, houve bloqueio cautelar de bens do ex-governador Camilo Capiberibe e de seus secretários no valor da dívida até o fim do ano passado, de R$ 54,8 milhões. 

Trata-se de improbidade administrativa, na forma dos artigos 10 e 11 da Lei 8.429/92 além de ser a pauta do crime previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal e no Código Penal.

O Executivo com essa conduta flertou com a improbidade (artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa), por violação ao disposto no artigo 36 da Lei Complementar 101/00, devendo ainda ser apurada a responsabilidade penal no que concerne a incidência do artigo 168 do Código Penal, pois agiria sob a forma de conduta da apropriação indébita.

Por sua vez, a apropriação indébita(artigo 168 do Código Penal e  165 do Anteprojeto), que é crime, cujo objeto de tutela jurídica é a inviolabilidade do patrimônio, no particular aspecto da proteção da propriedade contra a apropriação ilícita de quem tem a posse de coisas móveis alheias, tem ação que consiste em apropria‐se de coisa alheia móvel, de que o agente tem a posse ou detenção. Pressuposto do fato é que o agente tenha, anteriormente à ação criminosa, a posse lícita da coisa. É nessa circunstância que reside que se distingue a apropriação indébita do furto e do estelionato. O furto consiste em subtração, com a qual o agente viola a posse alheia, tirando a coisa contra a vontade do possuidor. No estelionato, a coisa é entregue ilicitamente ao agente pelo lesado, induzindo em erro em consequência da fraude.

Não se exige, na apropriação indébita, que a coisa tenha sido confiada ao agente, não se constituindo elemento essencial do crime o chamado abuso de confiança. O certo é que na apropriação indébita a posse do agente deve ser exercida em nome alheio, em nome de outrem, seja ou não em beneficio próprio.

Deverá haver o chamado dolo genérico.

O fato deve ser objeto de investigação pelo Ministério Público Federal para análise da materialidade e autoria delituosa em todas as suas circunstâncias. Com a investigação feita deverá se  concluir se houve ou não conduta criminosa e suas consequências no Direito Penal.

As condutas referenciadas exigem na prática da conduta o dolo.

Não há dúvida alguma com relação a aplicação do dolo direto. Somente se realiza o tipo penal através do resultado.

No entanto, surgem dúvidas com relação ao chamado dolo eventual.

No dolo direto ou determinado, o agente prevê o resultado(consciência) e quer o resultado(vontade). No dolo eventual o agente prevê o resultado(consciência), não quer, mas assume o risco(vontade). O dolo eventual, espécie de dolo indireto ou indeterminado(dolo alternativo ou dolo eventual) distingue-se da culpa consciente, quando o agente não prevê o resultado(que era previsível) e não quer, não assume risco e pensa poder evitar.

Fala-se em “cegueira deliberada”, que “seria uma espécie de dolo eventual, onde o agente sabe possível a prática de ilícitos no âmbito em que atua e cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar a sua representação dos fato”. A doutrina lançou o exemplo do doleiro que suspeita que alguns de seus clientes possam lhe entregar dinheiro sujo para operações de câmbio e, por isso, toma medidas para não ter ciência de qualquer informação mais precisa sobre os usuários de seus serviços ou sobre a procedência do objeto de câmbio.

Assim é possível equiparar a cegueira deliberada ao dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos. Dessa forma é essencial que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer. Se ele incorrer em desídia ou negligência, na formação dessas barreiras, não haverá dolo eventual, podendo haver culpa consciente.

Pode ainda o gestor se utilizar da fórmula da inexigibilidade de conduta diversa, trazendo, se possível, farta prova documental e pericial, para comprovar que não agiu dentro do quadro da culpabilidade, e, com isso, deve ser absolvido.

É mais um exemplo de pedalada fiscal, onde o lesado agora é o servidor em suas dívidas para com o crédito consignado e as instituições financeiras no recebimento de seu crédito.

Com caixa apertado, assim, Estados e Municípios descontam consignado no contracheque, mas atrasam o repasse a bancos. Mas isso é ilícito e deve ser objeto de apuração e punição.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Apropriação indébita de empréstimo consignado: mais uma pedalada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4523, 19 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44623. Acesso em: 22 dez. 2024.

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