Entre as competências da Justiça Federal, está inserida aquela destinada ao julgamento de causas fundadas em contratos internacionais ou tratados firmados pela União, prevista no art. 109, III, da Constituição Federal de 1988.
É preciso ter em mente que, para a aplicação deste artigo, com atribuição de competência à Justiça Federal, é necessário que o Tratado Internacional seja a única fonte normativa aplicável ao caso, ou seja, somente as causas que tenham por objeto essencial as obrigações derivadas de disposições constantes nos Tratados Internacionais, firmados pelo país, é que se sujeitam a esta competência.
A ação de alimentos internacionais, envolvendo sujeitos que estejam em países diversos, insere-se nesse âmbito de competência, consistindo em executar a decisão que fixou o valor dos alimentos, proferida pelo juiz do país onde vive o alimentando, no país do alimentante. Isto é, transitada em julgado a sentença que arbitrou os alimentos no juízo onde reside o beneficiário, residindo o provedor em estado estrangeiro, cumpre ao país signatário do Tratado fazer cumprir essa decisão.
Essa ação será proposta pela Procuradoria da República, que detém as respectivas atribuições na Justiça Federal, na Seção ou Subseção Judiciária do Município em que o alimentante está domiciliado. O Ministério Público Federal sempre intervém em nome do alimentando e deverá encaminhar as informações pertinentes à Autoridade estrangeira para o devido acompanhamento.
Em se tratando de alimentando residente no Brasil e alimentante residente no exterior, o procedimento é inverso, com a exceção de que a Autoridade Remetente é o procurador-geral da República. Sendo assim, o alimentando, dirigindo-se ao Ministério Público Federal, entrega a documentação, que é encaminhada ao procurador-geral da República. Posteriormente, essa documentação é enviada à Instituição Interveniente estrangeira do país em que reside o alimentante, e a ação é proposta pela referida Instituição, que acompanhará todo o trâmite e remeterá as informações ao MPF no Brasil.
Na aplicação do decreto número 56.826/65, que promulgou a Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, a qual regula a cooperação internacional em matéria de alimentos, complementado pelo art. 26 da Lei 5.478/68, está clara a atuação do Ministério Público Federal como Instituição Intermediária, quando está envolvido interesse de credor residente no exterior, representando, assim, os interesses do alimentando do Estado estrangeiro aqui no Brasil.
Nessas causas em que o alimentando reside no exterior e o alimentante no Brasil, aplica-se a regra do artigo 109, III, da CF/88, qual seja, a atribuição da competência à Justiça Federal. Assim, o alimentando entrega toda a documentação necessária à Autoridade Remetente do outro país que, por sua vez, encaminha essa ao Ministério Público Federal para a propositura da ação. A documentação deve ser traduzida para o português, por tradutor juramentado.
Em se tratando da Autoridade Remetente, sua função é encaminhar o pedido de alimentos, ou execução da sentença que arbitrou os alimentos, ao país signatário da Convenção. A Instituição Intermediária é aquela que receberá o pedido e promoverá a homologação da sentença ou o ajuizamento da ação.
Desse contexto, extrai-se a conclusão de que a Autoridade Remetente tem função de natureza administrativa, e a Instituição Intermediária representa processualmente os interesses do credor de alimentos, devendo estar legalmente habilitada a atuar na defesa do demandante.
No Brasil, o Ministério Público Federal atua, processualmente, em nome do credor estrangeiro. Quando o credor for brasileiro a sua atuação será administrativa, como Autoridade Remetente, enviando os documentos para que ocorra a cobrança do devedor que reside fora do país.
A Lei 5.478/68, em seu art. 26, preceitua:
“Art. 26. É competente para as ações de alimentos decorrentes da aplicação do Decreto Legislativo nº 10, de 13 de novembro de 1958, e Decreto nº 56.826, de 02 de setembro de 1965, o Juízo Federal da Capital da Unidade Federativa Brasileira em que reside o devedor, sendo considerada instituição intermediária, para os fins dos referidos decretos, a Procuradoria-Geral da República.”
De acordo com a lei, se o devedor reside em nosso país, sendo aqui onde a obrigação deva ser cumprida, a Procuradoria-Geral da República atua como Instituição Intermediária, representando o credor de alimentos que se encontra no estrangeiro, devendo o processo tramitar na Justiça Federal.
O credor residente em país estrangeiro pode optar, também, por propor a ação no Brasil. Nesse caso a competência também será da Justiça Federal. Segundo Cahali, “a Autoridade Intermediária atua apenas quando o credor se encontra em território jurisdicional da Parte estrangeira, encontrando-se o devedor sob a jurisdição territorial brasileira, ali se instaurando a demanda que será remetida pela Autoridade Remetente à Autoridade Intermediária, acompanhada das provas e documentos pertinentes, com autorização para que esta proceda em nome do credor.”
No caso de o credor residir no Brasil e objetivar propor ação de alimentos contra devedor que resida em outro país, a ação deverá ser proposta no Brasil, perante a Justiça Estadual. Após a sentença que arbitrar os alimentos, deverá ser encaminhado o pedido à Procuradoria-Geral da República para que esta, atuando como Autoridade Remetente, envie a documentação à Instituição Intermediária do país signatário, que deverá tomar as medidas necessárias para fazer cumprir a decisão.
O procedimento a ser utilizado pela parte credora dos alimentos deve observar algumas formalidades. O pedido do demandante deve estar acompanhado dos documentos listados no art. III, §§ 3º. e 4º., da Convenção de Nova York. Deverá ser remetida, também, qualquer decisão provisória ou definitiva emanada do juízo que determinou o pagamento. Todos esses documentos serão necessários para instruir a peça inicial a ser proposta no Estado estrangeiro.
O país que receber a documentação encaminhada deverá deixar a Autoridade Remetente ciente de todas as providências que estão sendo tomadas pela Instituição Intermediária. Caso não possa atuar, deverá notificar as razões do impedimento e devolverá os documentos, de acordo com o art. 6º, § 2, da Convenção de Nova York.
Quanto ao polêmico tema do sequestro Internacional de Crianças, compreendido como sendo aquele praticado com a violação ao direito de guarda, com a transferência irregular da criança para território estrangeiro, o mesmo artigo 109, inciso III, da Constituição Federal aplica-se ao caso, atribuindo o julgamento desses casos à Justiça Federal.
A Convenção sobre os aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980, e da qual o Brasil é signatário, prevê em seu artigo 1º., dentre seus objetivos, “assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente”.
Em sendo o Brasil signatário da Convenção de Haia, qualquer caso que envolva a transferência irregular de menores, no âmbito internacional, quer seja amparado por esta Convenção ou pela Convenção sobre o Direito das Crianças, deve ser processado e julgado por juízes federais, aos quais cabe determinar se houve o sequestro e se a criança deve ser devolvida ao seu país de origem.
O genitor que violar o direito de guarda, conduzindo ilicitamente a criança a outro país que não seja o país de residência habitual do menor, contrariando o direito do outro guardião, deverá discutir a guarda da criança no país onde ela por último houver residido.
Por se tratar de questão de cooperação jurídica internacional, a União deverá buscar solucionar o conflito, requerendo a devolução da criança ao país onde ela possui residência habitual, para que lá seja solucionada a guarda definitiva.
Muito se discute acerca da aplicação dessa solução nos casos em que o menor possui dupla nacionalidade, sendo também brasileiro. Nesses casos, a jurisprudência é bastante divergente, tendo em vista que, para alguns, o interesse maior seria o de manter as crianças que são brasileiras em território nacional.
Em que pese esse entendimento, ocorrendo a transferência de maneira ilícita, a doutrina vem entendendo que, quando a criança residia naquele local imediatamente antes da sua transferência ou retenção, é clara a indicação como sendo competente a autoridade do país de onde ela veio, onde possuía residência habitual, compreendida esta como sendo o local onde vivia a criança nos doze meses anteriores à transferência.
Por essas razões, os países cooperadores devem atender ao convencionado, providenciando o imediato retorno do menor ao seu país de origem para que lá seja regulamentada a guarda.
Sendo assim, não pode ser analisada a questão da guarda no Brasil, pois não é da competência do Poder Judiciário brasileiro essa decisão, conforme citado no art. 16 da Convenção sobre os Aspectos do Sequestro Internacional de Crianças.
Existindo conflito entre os pais sobre a guarda e o retorno do menor, caberá ao Ministério Público Federal, a pedido da Autoridade do país estrangeiro, dar início ao processo de busca e apreensão na Justiça Federal, visando, assim, garantir o retorno da criança ao país de origem, onde deverá ser decidida a guarda.
Nesse contexto, podemos observar que, através da cooperação jurídica internacional e da cooperação administrativa no direito privado, principalmente na proteção às crianças e às famílias, os países signatários da Convenção de Haia, buscam dar efetividade aos procedimentos previstos na Convenção de Nova York, reduzindo um grave problema humanitário e buscando favorecer muitos que se veem privados de seus direitos, por existirem diferenças entre os diversos sistemas jurídicos no âmbito internacional.