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Sigilo bancário e administração tributária:

do libertarismo à Constituição Federal de 1988

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15/03/2016 às 14:24
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V – EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STF

Historicamente, o Supremo Tribunal Federal sempre adotou entendimento refratário ao compartilhamento de informações bancárias diretamente com o Fisco, indo ao encontro do viés libertário retratado no início deste artigo.

Desse modo, gize-se que, anteriormente à vigência da Lei Complementar 105 de 2001, a Suprema Corte decidiu que a quebra do sigilo bancário se tratava de tema sujeito à reserva de jurisdição. Os seguintes precedentes esboçam tal entendimento: Inq-QO 732/DF e Pet-QO 577/DF.

Posteriormente à vigência da Lei Complementar 105, no entanto, o único julgado da Suprema Corte que havia tratado a questão corresponde ao RE 389.808/PR, de relatoria do Min. Marco Aurélio. Em tal precedente, assentou-se, por apertada maioria de cinco votos a quatro, que o fornecimento ao fisco de informações protegidas por sigilo bancário se submete à existência de ordem judicial prévia que assim determine.

Nesse sentido, a Suprema Corte, inicialmente, interpretou o art. 6° da Lei Complementar 105 de 2001 sob o viés eminentemente libertário, deixando de lado a própria literalidade dos dispositivos contidos na Constituição Federal de 1988.

Recentemente, no entanto, por maioria de 9 votos a 2, o STF houve por bem declarar a constitucionalidade da previsão, com eficácia vinculante e “erga omnes”, no bojo do julgamento conjunto do RE 601314 e das ADIS 2390, 2386, 2397 e 2859, superando o antigo entendimento jurisprudencial veiculado no julgamento do RE 389.808/PR.

O novel entendimento assentado pela Suprema Corte, enfim, abandonou o viés libertário adotado anteriormente, indo ao encontro da transparência tributária e da ideia de tributo como receita pública. Nesse sentido, a Corte asseverou, com maestria, que o compartilhamento de dados bancários com o Fisco não depende de ordem judicial prévia, posto que não se trata, a bem da verdade, de quebra de sigilo; e sim, de compartilhamento de informações no interesse da arrecadação, com preservação de sigilo, sob pena de responsabilização do servidor que desborde dos limites impostos pela legislação.


VI – CONCLUSÃO

Verifica-se, portanto, ao cabo desse artigo, que o Supremo Tribunal Federal agiu acertadamente ao abandonar seu entendimento jurisprudencial inicial. A Constituição Federal de 1988 não adota expressamente o viés libertário, como se depreende da intelecção do art. 145, §1°, da CF/88; sendo vedado ao intérprete, portanto, subverter o sentido literal de tal dispositivo constitucional. Ademais, a Carta Magna também não prevê, de forma expressa, o sigilo bancário como matéria sujeita à reserva de jurisdição. Não se submete ao azo, portanto, que o sigilo bancário seja tratado como princípio absoluto, sobretudo quando em conflito com princípio de igual hierarquia constitucional (transparência fiscal).

Outrossim, o art. 6°, da Lei Complementar 105 de 2001, a rigor, não encerra hipótese de quebra de sigilo bancário. A bem da verdade, trata-se de mera previsão de compartilhamento de informações bancárias no estrito interesse da arrecadação fiscal. Nesse sentido, é curial rememorar que o servidor que tomar contato com as informações disponibilizadas tem dever de sigilo, sob a coima de sofrer responsabilização criminal, civil e administrativa (art. 10 e 11 da LC 105), tal como já ocorre com o sigilo fiscal (art. 198, CTN), que também corresponde a sigilo de dados, não havendo razão crível para tratamento constitucional distinto em relação a ambos. 

Por fim – e isso não se pode deixar de olvidar -, com o novel entendimento, a Suprema Corte, em última análise, promoveu alteração da própria noção de como a Corte enxerga o conceito de tributo. Mediante o abandono da ideia libertária inicial de tributo como imposição restritiva de liberdade individual, passou-se a tratá-lo, devidamente, como receita pública, recurso fundamental à preservação da ordem social e da satisfação das necessidades públicas. Passa-se a reconhecer, portanto, que, em sua ausência, a Seguridade Social (art. 195, caput, CF/88) não é assegurada; os direitos sociais são insatisfeitos (art. 6°, CF/88 c/c art. 198, §§ 1° e 2°, CF/88 c/c art. 212, CF/88); a promoção do bem de todos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, CF/88) restam significativamente comprometidas.

Nesse diapasão, o julgamento conjunto do RE 601314 e das ADIS 2390, 2386, 2397 e 2859 representa verdadeiro marco paradigmático no tratamento da satisfação das necessidades públicas e da transparência fiscal. Felizmente, o libertarismo não mais venceu a Constituição Cidadã de 1988. A moral não mais venceu o direito. E o direito de inadimplir as obrigações tributárias em paz, enfim, não venceu a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; tudo isso, com a ajuda do Supremo Tribunal Federal. 


VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF: Teoria e Jurisprudência. 17 edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Método, 2014.  

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 de fev. 2016.

BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 de fev. 2016.

BRASIL. Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 24 de fev. 2016.  

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MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9ª Edição rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

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Sobre o autor
Guilherme Rossini Martins

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Aluno especial da Pós-Graduação em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Guilherme Rossini. Sigilo bancário e administração tributária:: do libertarismo à Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4640, 15 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46836. Acesso em: 22 dez. 2024.

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