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Delação premiada: uma análise sobre a sua validade e eficácia no curso do processo penal

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08/04/2016 às 23:22
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2. A DELAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Como já analisado, o instituto da Delação Premiada está previsto no ordenamento jurídico pátrio há aproximadamente 25 anos, quando foi introduzido com o advento da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), fruto de inspiração do direito alienígena, mais precisamente por influência do direito italiano da década de 1980, instalando-se aqui no início dos anos 90. Vale ressaltar que aqui no Brasil, tal instituto foi invocado ante o reconhecimento, por parte das instituições, acerca da impossibilidade de combater a crescente violência dos grupos criminosos através dos meios convencionais de investigação, diferentemente da Itália, que instituiu um prêmio legal ao "Colaborador da Justiça" que ajudasse o Estado com a finalidade, exclusivamente, de combater o terrorismo e desmantelar o sistema das máfias.

Com supedâneo no direito penal do inimigo, que defende uma política criminal mais severa, a Lei dos Crimes Hediondos foi um marco histórico no direito penal brasileiro, eis que passou a estabelecer penas e mecanismos capazes de intimidar e repudiar tais condutas delituosas. Surgia, então, o instituto da Delação Premiada no Brasil.

Estimulado com a efetividade do instituto, o legislador brasileiro passou a introduzir a delação premiada em várias outras leis. No entanto, não houve uniformidade do instituto entre as normas, eis que, em cada instrumento legal, a delação apresenta requisitos distintos e sede de aplicação própria, isto é, se restringe àquela situação legal descrita.

Ante a diversidade de diplomas legais e diferentes maneiras de aplicação da delação premiada, a doutrina é uníssona no que diz respeito à criação de uma legislação própria que estabeleça regras gerais sobre o instituto da delação premiada, a fim de que haja uma padronização em sua aplicação e que a ratifique como um direito subjetivo do réu, delimitando os prêmios legais e os requisitos de admissibilidade. De sorte que, sejam seus requisitos analisados e valorados com base na relevância das informações prestadas, espontaneidade da colaboração, personalidade do delator e efetividade das suas declarações, tornando, dessa forma, o instituto mais simples, acessível e eficaz no combate ao avanço da criminalidade.

Portanto, faz-se necessário analisar os principais diplomas legais do ordenamento jurídico brasileiro em que o instituto da delação premiada está inserido.

2.1. Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90)

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 (associação criminal) do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

A Lei 8.072/90 "dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal de 1988".(BRASIL, Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990).

Considerados os mais graves e repudiados delitos do ordenamento jurídico brasileiro, a lei dos crimes hediondos impõe aos infratores penas mais severas. Dentre os crimes, são classificados como hediondos os elencados no artigo 1º da referida lei, independendo sua consumação ou tentativa. É mister frisar que o rol do art. 1º é taxativo.

Além disso, a Lei 8.072/90 inaugurou o instituto da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro moderno, em que seu art. 8°, parágrafo único, estabelece um prêmio legal, na modalidade de causa de diminuição de pena, no percentual de um a dois terços, ao participante ou associado que denunciar os seus ex-comparsas de uma infração penal. É pressuposto importante, neste tipo penal, a possibilidade do desmantelamento da associação criminosa, pois tem a finalidade de evitar possíveis novos crimes praticados pelo mesmo grupo.

Nesse posicionamento e em consonância com a jurisprudência do STJ, Renato Brasileiro (2014, p.733) defende que somente se aplica a delação premiada:

(...) aos casos em que, praticados os delitos de que cuidam a referida lei, doravante por meio de associação criminosa, esta seja desmantelada em razão de denúncia feita por um de seus integrantes. Logo, demonstrando-se que não havia uma associação criminosa para o fim de praticar crimes hediondos ou equiparados, ou seja, que um crime de tal natureza foi praticado em mero concurso eventual de agentes, não se admite o reconhecimento da delação premiada, mesmo que as informações prestadas pelo delator sejam eficientes para a identificação dos demais coautores e partícipes.

Em síntese, a lei exige dois requisitos para a incidência do instituto, sendo o primeiro, a existência de quadrilha ou bando(lembrando que hoje são tratados como associações criminosas) formadas com a finalidade de praticar crimes hediondos ou equiparados. Já o segundo requisito seria o ato, realizado por um dos participantes da associação criminosa, de denunciar e fornecer todas as informações aos integrantes do grupo, bem como dos atos criminosos praticados, devendo ser capazes de auxiliar às autoridades no efetivo desmantelamento da determinada associação criminosa.

2.2. Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86)

Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado).

(...)

§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)

A Lei 7.492/86 "define os crimes contra o sistema financeiro nacional".(BRASIL, Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986).

Com redação dada pela Lei 9.080/95, o art. 25, § 2°, estabelece a delação premiada no âmbito desses crimes próprios. Dessa forma, o coautor ou partícipe que confessar espontaneamente todas as informações pertinentes ao crime praticado às autoridades competentes, terá, em contrapartida, o benefício legal consubstanciado na redução de sua pena, que variará entre os percentuais de um a dois terços.

Dentre os requisitos legais para a concessão do prêmio legal por parte do réu delator, temos dois, sendo o primeiro, a prática de um crime, previsto na lei, em concurso de agentes e, o segundo, a prestação espontânea de informações às autoridades, por parte de um coautor ou participe da infração penal, sobre toda a trama delituosa do grupo criminoso.

Há bastante crítica por parte da doutrina em relação à expressão "trama delituosa", utilizada pelo legislador, eis que tal expressão não define os atos praticados pelos agentes tampouco os limites objetivos do instituto neste texto legal.

Dessa forma, o que seria "toda a trama delituosa"? Trata-se de expressão subjetiva de difícil delimitação jurídica, que deveria ter adotado parâmetros objetivos para a delimitação das consequências da delação premiada, principalmente no que concerne ao iter criminis praticado pelo grupo criminoso. Portanto, ante a falta de uma definição legal desta expressão, caberá ao juiz, no caso concreto, analisar se este requisito foi respeitado. (GUIDI, 2006).

2.3. Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei 8.137/90)

Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)

A Lei 8.137/90 "institui os crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo".(BRASIL, Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990).

Assim como na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86), a Lei 8.137/90, ora analisada, foi alterada pela Lei 9.080/95, que instituiu nesses dois diplomas legais o instituto da delação premiada. Com isso, além de ter objeto semelhante, tais leis são idênticas quanto ao instituto da delação premiada, eis que fora utilizada a mesma redação legal para os dois diplomas, suportando, inclusive, as mesmas características, críticas e funções.

Portanto, nesta lei, a delação premiada tem como requisito a confissão espontânea do réu, bem como que, com tais confissões, seja possível desvendar toda a trama do crime, tendo o réu delator, a título de prêmio legal, uma redução da sua pena no percentual de um a dois terços.

2.4. Lei 9.269/96 (Lei que dá nova redação ao § 4º, do art. 159, do Código Penal)

Extorsão mediante sequestro:

Art. 159. - Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:

Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

(...)

§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)

A Lei 9.269/96 "dá nova redação ao § 4º, do artigo 159, do Código Penal", que trata do tipo penal extorsão mediante sequestro.(BRASIL, Lei nº 9.269, de 02 de abril de 1996).

De início, o § 4°, do art. 159, do Código Penal, foi inserido por força da Lei dos Crimes Hediondos, onde se exigia que o delito de extorsão mediante sequestro fosse praticado por quadrilha ou bando para que o réu delator pudesse obter a benesse da delação premiada, na modalidade de atenuante da pena. Entretanto, a lei 9.269/96 impôs essa nova redação, que corrigiu uma falha técnica legislativa, substituindo as expressões "quadrilhas ou bando" por "concurso", eis que era alvo de várias críticas por parte da doutrina, porquanto o uso dos termos "quadrilha ou bando" exige-se a presença de, no mínimo, quatro pessoas.

A nova redação usa a expressão "concurso", que remete ao concurso de pessoas de que trata o art. 29, do Código Penal, que se aplica aos delitos praticados por mais de uma pessoa. Dessa forma, se o crime em apreço for praticado por dois ou mais agentes, configurar-se-á o concurso de pessoas e, consequentemente, com a presença de mais alguns requisitos, já será possível a incidência da delação premiada.

Após a configuração do concurso de agentes, faz-se necessário uma denúncia,por parte de um dos concorrentes, iminente delator, às autoridades competentes, e que tal denúncia, facilite a liberação da vítima, ora sequestrado, em perfeitas condições de vida. Todavia, conforme a pacífica jurisprudência do STJ, para aplicação do benefício da delação premiada, além dos requisitos já citados, há mais um, qual seja: a libertação da vítima deve anteceder qualquer vantagem, condição ou preço de que trata o tipo penal, ou seja, se a liberação do sequestrado for precedida por algum pagamento, mediante vantagem, condição ou preço, não seria razoável conceder um benefício a um agente criminoso que, além de violar a ordem jurídica, teve seu desiderato satisfeito. Portanto, respeitados e atendidos os requisitos, o réu gozará do prêmio legal na forma de circunstância atenuante da pena no percentual de um a dois terços. (LIMA, 2014).

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2.5. Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98)

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

(...)

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

A Lei 9.613/98 "estabelece os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, dispõe sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro os ilícitos previsto nesta lei", bem como "cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras".(BRASIL, Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998).

Na lei de lavagem de capitais, o legislador também inseriu o instituto da delação premiada. Aqui, não há necessidade de concurso de pessoas, eis que na redação do próprio § 5º, do art. 1º, há os termos "autor", "coautor" ou "partícipe", o que faz presumir que, no caso de o crime de lavagem de dinheiro ser praticado somente por um agente, o autor poderia fazer jus às benesses da delação premiada.

Dessa forma, como previsto na legislação em análise, basta o autor ou o concorrente colaborar espontaneamente com as autoridades responsáveis pela persecução criminal e, dessa colaboração, seja possível a apuração de todo o processo criminal, que seria o ato de fornecer dados suficientes para comprovação da autoria e materialização do crime, assim como o auxílio na localização do bem, direito ou valor, objeto do crime.

Em relação aos benefícios legais, a lei 9.613/98 inovou, eis que foi o primeiro diploma legal a prever a possibilidade do perdão judicial ao réu delator. Após a efetiva colaboração, o delator poderá furtar-se do benefício de redução da pena, sob o percentual de um a dois terços, e, ainda cumprir a pena em regime aberto ou semiaberto, a ser decidido pelo juiz, quando da prolação da sentença condenatória. Será, ainda, facultada ao juiz a possibilidade de conceder o perdão judicial ou, em caso negativo, substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos.

2.6. Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99)

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

A Lei 9.807/99 "estabelece as normas para organização e manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas ameaçadas", bem como "dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e processo criminal".(BRASIL, Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999).

Diferentemente de todas as outras leis que dispõem sobre a delação premiada, a lei de proteção às vítimas e testemunhas, por não se tratar de lei que define ou institui crimes, não tem sede de aplicação restrita, o que dá à delação, pela primeira e, até então, única vez, caráter democrático e genérico, assim como direito subjetivo do delator, eis que possibilita sua aplicação a qualquer crime, desde que cumprido os seus requisitos legais.

A lei de proteção às vítimas e testemunhas oferta ao delator a possibilidade de dois prêmios legais, quais sejam: o perdão judicial, com a consequente extinção da punibilidade, instituído no art. 13, ou a redução da pena, no percentual de um a dois terços, definido no art. 14. Através da redação destes dois artigos, percebe-se ainda, que a delação poderá ocorrer tanto na fase investigatória (pré-processual) como na fase da ação penal (processual).

Para a concessão da benesse do perdão judicial, primeiramente exige-se o requisito pessoal da primariedade do delator. Em seguida, faz-se necessário os requisitos objetivos, que se consubstanciam na prestação de uma colaboração efetiva e voluntária no curso das investigações e/ou do processo criminal, bem como que desta colaboração resulte a identificação dos demais concorrentes do crime praticado, a localização da vítima com a sua integridade física preservada, e a recuperação do objeto do crime. É imperioso destacar que, conforme a doutrina de Renato Brasileiro (2014, p. 736), atualmente predominante, não é primordial a cumulação desses pressupostos, eis que tal exigência acabaria com o caráter genérico da lei, pois o único delito que seria possível à incidência de todos esses requisitos seria o crime de extorsão mediante sequestro, praticado em concurso de pessoas cujo pagamento para libertação da vítima já tenha sido realizado. Por conseguinte, faz-se necessário a existência dos requisitos subjetivos, quais sejam: a personalidade do delator e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do delito, que serão valorados pelo juiz, quando da sentença de mérito.

Já o benefício da redução da pena, tem aplicação subsidiária ao prêmio legal do perdão judicial, pois exige os mesmos requisitos objetivos que têm o perdão judicial; acima já explorados. Dessa forma, se no caso concreto o delator cumprir apenas os requisitos objetivos de que tratam os art. 13. e 14, da lei em análise, este fará jus à benesse da atenuação da pena, pois, nesta hipótese, sendo a delação efetiva, o instituto se torna direito subjetivo do delator. Por fim, vale ressaltar que a diminuição da pena será aplicada sob o percentual de um a dois terços.

2.7. Lei Antidrogas (Lei 11.343/06)

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

A Lei 11.343/06 "institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes químicos", estabelecendo, ainda, "normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, bem como define os crimes de drogas".(BRASIL, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006).

O art. 41, da prefalada lei, instituiu a delação premiada no âmbito dos crimes de drogas. De sua redação legal, fica claro que somente se aplica o instituto em análise quando houver a prática de um crime, definido na lei, e, ainda, que esse crime tenha sido praticado em concurso de pessoas, eis que há necessidade de identificação dos demais coautores ou partícipes. É exigido, também, que da colaboração, seja possível a recuperação, total ou parcial, do produto do crime.

A expressão "produto do crime" utilizada pelo legislador deve ser analisada através de uma interpretação extensiva, pois ora a droga, propriamente dita, será o produto e objeto do crime, ora será apenas objeto material, tendo como produto o valor/dinheiro proveniente dela, como nos casos em que o verbo do tipo penal é "vender", por exemplo.

Vale ressaltar que o acordo de delação premiada pode ser celebrado tanto na fase pré-processual como na fase processual. O procedimento será o mesmo, mudam-se somente os sujeitos e o momento, pois na fase pré-processual o pacto é realizado entre o indiciado e o delegado de policia, com manifestação positiva do Ministério Público, devendo o indiciado colaborar com a investigação policial. Já na fase processual, o acordo é celebrado entre o acusado, pretérito indiciado, e o membro do parquet, com certa supervisão do juiz, visto que o réu delator deve colaborar com todo o processo criminal.

Em suma, o indiciado ou réu de crimes definidos na lei antidrogas que colaborar espontaneamente com as autoridades judiciais no curso da persecução criminal e que, dessa colaboração, resulte na identificação dos demais concorrentes e recuperação do produto do delito, terá o benefício legal de atenuante da pena, no percentual de um a dois terços.

2.8. Do Programa de Leniência da Lei 12.529/11

A Lei 12.529/11 "institui o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica".(BRASIL, Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011).

O instituto da delação premiada na lei 12.529/11 é tratado sob o manto da expressão Acordo de Leniência, que se trata de um acordo celebrado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e um autor de infração contra a ordem econômica, podendo este ser pessoa física ou jurídica.

Neste acordo, o infrator, pessoa física ou jurídica, deve colaborar com as investigações e com o processo administrativo. Com isso, espera-se que seja possível a identificação dos demais infratores, bem como a obtenção de elementos informativos ou provas que constatem a infração praticada.

Realizado o acordo de leniência, constatada a efetiva colaboração e preenchidos, cumulativamente, os requisitos de que trata o art. 86, da lei sub oculis, o infrator terá, como prêmio legal, a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução, no percentual de um a dois terços, da penalidade aplicável ao caso concreto.

Já no âmbito penal, de acordo com o que estabelece o art. 87, os infratores que praticarem crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo (Lei 8.137/90), assim como crimes relacionados à prática de cartel (definidos na Lei das Licitações) e crime de associação criminosa (art. 288, do Código Penal), poderão celebrar Acordo de Leniência, que, por si só, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia em relação ao infrator beneficiário do Acordo.

Realizado e cumprido o Acordo de Leniência, o parágrafo único, do art. 87, determina a extinção automática da punibilidade para o infrator dos crimes de que trata o caput, do art.87.

2.9. Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/13)

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

A Lei 12.850/13 "define o que é organização criminosa e os crimes a ela correlatos, bem como dispõe sobre a investigação criminal, meios de obtenção de prova e o procedimento criminal" (BRASIL, Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013).

Preliminarmente, é importante destacar que a lei das organizações criminosas aborda o instituto da delação premiada sob o pálio da expressão colaboração premiada.

Há quem defenda serem institutos sinônimos e quem sustente ser a colaboração gênero, da qual a delação seria uma de suas espécies. Nesta perspectiva, Renato Brasileiro(2014, p. 730) defende que a colaboração se dá com fornecimento de qualquer informação, acerca do delito, que auxilie o judiciário no deslinde da investigação ou processo criminal, ou seja, é a colaboração processual lato sensu, enquanto que a delação se configura somente quando o réu confessa sua participação no delito, bem como delata os demais concorrentes. No entanto, trata-se de discussão meramente didática, eis que essencialmente, delação e colaboração têm, na prática, objetivos e resultados semelhantes, que se consubstanciam na possibilidade do desmantelamento da organização criminosa, ou seja, tem a finalidade de combater o crime organizado. A título de exemplo, assim como há essas nomenclaturas, existem autores que tratam o tema com a terminologia "chamamento de corréu”, “confissão delatória”, "traição bonificada" etc. Superado esse debate quanto à terminologia, continuará a ser utilizada a expressão delação premiada, embora a referida lei a trate apenas com o termo colaboração premiada.

Embora o instituto da delação premiada já integre o ordenamento jurídico pátrio há mais de duas décadas, foi com o advento da lei 12.850/13 que se estabeleceu de fato sua definição, o procedimento, os direitos e as garantias do réu colaborador, bem como ratificou ao Ministério Público a titularidade para propositura do acordo, modelo fortemente influenciado pelo direito americano da "plea bargaining".

Faz-se necessário definir o que seja organização criminosa, que conforme o § 1º, do art. 1º, da lei 12.850/13, é a "associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas (...) com objetivo de obter vantagem de qualquer natureza".

O art. 4º, da lei 12.850/13 elenca os benefícios que poderão ser ofertados ao indiciado ou réu, após sua efetiva e voluntária colaboração no deambular da fase investigatória ou processual. Tais benefícios legais poderão se materializar através do perdão judicial ou da redução da pena privativa de liberdade no percentual de até dois terços ou da substituição da pena restritiva de liberdade em restritiva de direitos. A escolha do prêmio ficará a cargo do juiz, por ocasião da sentença, e variará de acordo com a efetividade da colaboração.

Importante inovação se deu com a possibilidade de o Ministério Público deixar de ofertar a denúncia. Conforme estabelece o § 4º, do art. 4º, o representante do Ministério Público "poderá deixar de oferecer a denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou se ele for o primeiro a prestar efetiva colaboração". (BRASIL, Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013).

Exige-se do delator que, de sua colaboração, seja possível advir como resultado objetivo a identificação dos demais concorrentes da organização delituosa e dos crimes pelo grupo já realizados ou sobre os futuros já articulados, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão das tarefas, a recuperação total ou parcial do produto ou proveito dos delitos, e a localização da eventual vítima com a sua integridade física preservada. É valido salientar, que a lei não exige a cumulação de tais requisitos, pois de sua redação fica claro que o legislador optou pelo uso da conjunção ou, que tem caráter de alternância. Dessa forma, obtido um dos requisitos citados, fará jus o colaborador ao benefício legal da colaboração premiada. Entretanto, a concessão de qualquer dos prêmios passará, ainda, pelo crivo subjetivo da personalidade do colaborador, da natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do delito praticado, bem como da eficácia da colaboração.

As partes que integram o acordo dependerão da fase em que o processo, no seu sentido amplo, se encontre, eis que, sendo na fase inquisitória, será celebrado pelo Delegado de Polícia, com aval do Ministério Público, e o indiciado, devidamente assistido por advogado. Já na fase processual, em sentido estrito, será realizado pelo Ministério Público e o acusado, devidamente assistido por advogado. Denota-se, portanto, que neste modelo de delação premiada, o juiz não participa da celebração do acordo, cabendo a ele, todavia, homologá-lo. (LIMA, 2014).

A referida lei inovou, mais uma vez, ao definir os direitos e as garantias do colaborador, que estão elencados no art. 5º, in verbis:

Art. 5º São direitos do colaborador:

I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;

III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

Por fim, o acordo de colaboração premiada deverá conter alguns requisitos procedimentais, conforme art. 6º, da lei, eis que deve ser formal e solene, assim como relatar a colaboração, prêmios, seus possíveis resultados e as condições impostas pelo Ministério Público ou Delegado de Polícia (LIMA, 2014).

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Sobre o autor
Iury Jim Barbosa Lobo

Advogado inscrito na OAB/CE sob o nº 33153, militante na comarca de JUAZEIRO DO NORTE/CE e Região na área criminal; Formado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP - Juazeiro do Norte/CE; Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri - URCA - Crato/CE; Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE, Subsecção Juazeiro do Norte/CE (Triênio: 2016 - 2018); Membro da Comissão de Apoio ao Advogado em Início de Carreira da OAB/CE, Subsecção Juazeiro do Norte/CE (Triênio: 2016 - 2018).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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