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Delação premiada: uma análise sobre a sua validade e eficácia no curso do processo penal

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08/04/2016 às 23:22
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3. ANÁLISE ACERCA DA VALIDADE E EFICÁCIA DA DELAÇÃO PREMIADA NO CURSO DO PROCESSO PENAL

O instituto da delação premiada é objeto de bastante divergência por parte da doutrina e de seus estudiosos em geral. Como tudo na vida, e, em especial no Direito, há correntes favoráveis e contra em quase todas as matérias. Com o instituto premial não é diferente. Ante as controvérsias, muitos indagam: será que os fins justificam os meios, já que o instituto premia um traidor? Quais são os alcances e limites desse instrumento?

Quem se mostra contra, procura, quase sempre, fundamentar sua posição com base na questão ética, cujo Estado se rebaixa às práticas criminosas, premiando quem entregar seus comparsas de crime. No outro lado do campo, há quem defenda o instituto premial, fundamentando sua existência, na eficácia no combate à crescente criminalidade que atormenta a sociedade.

Estas discussões são fundamentais para a necessária evolução do instituto em análise. Nessa perspectiva, faz-se necessário analisar o instituto da delação premiada através das vertentes éticas e principiológicas, bem como sob crivo de sua validade e eficácia no curso do processo penal, de acordo com a Lei 12.850/13 (Lei das Organizações Criminosas), que, como já exposto, regulamenta o instituto da colaboração premiada no Brasil, interligando-o, quando possível, com o atual processo da Operação Lava Jato, que está investigando e processando os diversos crimes contra a Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes de lavagem de dinheiro, organização criminosa, dentre outros no âmbito da Empresa Estatal Petrobrás, com especial análise ao Termo de Acordo de Colaboração Premiada, do ex-diretor de abastecimento da Petrobras - Paulo Roberto Costa, formulado com o Ministério Público Federal.

3.1. Da Questão Ética

Nas lições de Eugênio Pacelli (2014, p. 804) "ética, em sentido mais comum, é ciência da moral, de fundo eminentemente axiológico, fundando, desde a Grécia do período clássico, na idéia do bem e do justo".

A questão ética é o argumento de grande parte dos que são desfavoráveis ao instituto da delação premiada, os quais defendem tratar-se de um instituto antipedagógico, eis que incentiva diretamente a traição, ofendendo os preceitos morais que imperam na sociedade.

Nessa perspectiva, o delator, antiético confesso, teria respaldo para prestar informações sobre todas as nuances do crime praticado pela organização do qual fazia parte a bem pouco tempo, sob o qual ainda há a possibilidade de obtenção de um benefício legal, em troca dessas informações? Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt (2014) é claro, quando afirma que "não se pode admitir a premiação de um delinquente que, para obter determinada vantagem, 'dedure' seu parceiro". Bitencourt complementa sua crítica ao instituto, mostrando que não merece confiança e nem respaldo, quando defende que:

Ainda que seja possível afirmar ser mais positivo moralmente estar ao lado da apuração do delito do que de seu acobertamento, é, no mínimo arriscado apostar em que tais informações, que são oriundas de uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras em seu conteúdo. Certamente aquele que é capaz de trair, delatar ou dedurar um companheiro movido exclusivamente pela ânsia de obter alguma vantagem pessoal, não terá escrúpulos em igualmente mentir, inventar, tergiversar e manipular as informações que oferece para merecer o que deseja. Com essa postura antiética, não se pode esperar que o delator adote, de sua parte, um comportamento ético e limite-se a falar a verdade às autoridades repressoras; logicamente, o beneficiário da delação dirá qualquer coisa que interesse às autoridades na tentativa de beneficiar-se. Essa circunstância retira eventual idoneidade que sua delação possa ter, se é que alguma delação pode ser considerada idônea em algum lugar.

Muitos autores afirmam que, além do instituto em si, ser um instrumento legal antiético instigado pelo Estado, sua nomenclatura carrega consigo essa carga aética, como se vê nas suas várias denominações, como, por exemplo, extorsão premiada, traição bonificada, dentre outros. Daí a tentativa da doutrina moderna, a maioria afeta à delação premiada, em substituir o termo delação por colaboração, dando, assim, um caráter menos pejorativo.

Dessa forma, a traição bonificada, denominação usual por parte de seus opositores, é justificada, pelos seus patronos, em face da flagrante inoperância do Estado, o qual prefere destacar o desenvolvimento, a organização e a sofisticação dos grupos criminosos a tentar desenvolver meios capazes de combater as organizações em seu princípio e não no seu desfecho, com o uso da delação premiada.

De sorte, os seus defensores comungam não haver nenhuma violação aos valores éticos ou morais, eis que em se tratando de confessos criminosos, sua vida é repleta de delinquência, não havendo qualquer elemento ético. Nesse sentido, Renato Brasileiro (2014, p.731) defende:

Não haver qualquer violação à ética, nem tampouco à moral. Apesar de tratar de uma modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instrumento de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso (omertà), além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, falar-se em ética de criminosos é algo extremamente contraditório, sobretudo se considerarmos que tais grupos, à margem da sociedade, não só têm valores próprios, como também desenvolvem suas próprias leis.

Ainda assim, há quem defenda ter havido um rompimento dos valores éticos e morais. Para Sergio Marques (2014), no entanto, nada mais seria que um retorno à ética e moral impostas pela sociedade, ou seja, primeiramente o delinquente rompe com os valores éticos da sociedade, isto é, o Pacto Social preconizado por Rousseau. Em seguida, ao se prestar à delação, o criminoso rompe com a ética do mundo delitivo, que não deve ser tratado como um ato aético, mas sim, como uma volta para o Pacto Social, restabelecendo, portanto, a ética, a moral e a justiça social.

Apesar das controvérsias acerca da ética, a doutrina moderna, e, atualmente, majoritária, entende que essa questão não configura óbice na aplicação do instituto, pois, diante da ineficiência do Estado, não haveria outra ferramenta senão o instituto da delação premiada, capaz de auxiliá-lo no combate ao crime organizado.

3.2. Princípio do Direito ao Silêncio

É constitucionalmente assegurado a todos os acusados o direito ao silêncio, conforme estabelece o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal de 1988. Trata-se do Princípio do “nemo tenetur se detegere”, que se traduz no direito de não produzir prova contra si mesmo, e inclusive está implicitamente elencado no rol dos direitos fundamentais, sendo, portanto, inalienáveis, irrenunciáveis e intransmissíveis.

Em uma interpretação restritiva, a Lei das Organizações Criminosas, traz em seu bojo uma afronta a esse direito fundamental, já que o § 14, do art. 4º, da referida lei, determina que o colaborador renunciará o seu direito de silêncio e ficará obrigado ao compromisso legal de dizer a verdade. Nessa linha de raciocínio, Cezar Roberto Bitencourt (2014) é totalmente contra essa disposição legal, pois defende tratar-se de um texto absolutamente inconstitucional, senão vejamos:

Ora, o dispositivo legislativo é claramente inconstitucional enquanto obriga (ou condiciona, o que dá no mesmo) o réu a abrir mão de um direito seu consagrado não apenas na constituição, como em todos os pactos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.

Cezar Roberto Bitencourt (2014) é tão duro ao criticar o instituto da delação premiada em geral, que chega a classificá-lo como uma tortura psicológica, porquanto defende que o réu não tem, em hipótese alguma, obrigação de produzir prova contra si. Do contrário, por meio de uma coação psicológica, abdicar-se-á do seu direito fundamental de não produzir prova em seu desfavor, pois estão em jogo benefícios legais muito atrativos para o iminente colaborador.

Entretanto, como defende a doutrina moderna e majoritária, não há direitos absolutos em nosso ordenamento jurídico pátrio, devendo, todavia, prevalecer alguns sobre outros, com base em cada caso concreto. É tanto, que nem mesmo a vida, maior bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio, é direito absoluto, pois, em casos excepcionais, a nossa própria Carta Magna de 1988, excepcionalmente, admite a pena de morte, no caso de guerra declarada, conforme art. 5º, XLVII, da Constituição Federal de 1988.

Dessa forma, através de uma interpretação sistemática, o mesmo § 14, do art. 4º, das Leis das Organizações Criminosas, pode ser entendido como uma opção pelo não exercício do direito ao silêncio em vez de uma renúncia, propriamente dita. Esse é o entendimento de Renato Brasileiro (2014, p.371/372), que complementa defendendo que a colaboração premiada da lei 12.850/13 "é plenamente compatível com o princípio do 'nemo tenetur se detegere' ". Tanto é que, a própria lei, no § 10, do próprio art. 4º, ao permitir a possibilidade de retratação da proposta de acordo pelas partes, veda a utilização das provas incriminadoras produzidas pelo réu colaborador em seu desfavor.

Na prática esse dispositivo é imposto ao colaborador no termo do acordo, podendo este aceitar ou não. No caso em que resolva aceitar, estará o colaborador optando pelo não exercício do seu direito ao silêncio. Isso fica claro no Termo de Acordo de Colaboração Premiada pactuado entre o Ministério Público Federal e Paulo Roberto Costa, que investiga os crimes de corrupção na Petrobras, bem como instrui os seus referidos processos. A saber:

Parte V - Garantia contra a auto incriminação, direito ao silêncio e direito a recurso

Cláusula 17. Ao assinar o acordo de colaboração premiada, o colaborador, na presença de seu advogado, está ciente do direito constitucional ao silêncio e da garantia contra a auto incriminação. Nos termos do art. 4º, § 14, da Lei 12.850/2013, o colaborador renuncia, nos depoimentos em que prestar, ao exercício do direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. O colaborador renuncia ainda, ao exercício do direito de recorrer das sentenças penais condenatórias proferidas em relação aos fatos que são objeto deste acordo, desde que elas respeitem os termos aqui formulados.

Neste caso, é importante destacar que, além da opção pelo não exercício do direito ao silêncio e da obrigação do compromisso legal de dizer a verdade, o pactuado, ora colaborador, optou, da mesma forma, pelo não exercício do direito de recorrer das sentenças condenatórias em relação aos fatos que são objeto do acordo de colaboração premiada.

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3.3. Voluntariedade ou Espontaneidade e Motivação do Agente

Colaboração: espontânea ou voluntária? De acordo com Renato Brasileiro (2014, p. 739) o "ato espontâneo é aquele cuja intenção de praticá-lo nasce exclusivamente da vontade do agente, sem qualquer interferência alheia". Já o "ato voluntário é aquele que nasce da sua livre vontade, desprovido de qualquer tipo de constrangimento".

As leis 7.492/86, 8.137/90 e 9.613/98 ao especificarem o ato para a delação utilizam o termo "espontânea". No entanto, a doutrina é uníssona ao entender que a espontaneidade apontada na redação legal não deve ser interpretada restritivamente, eis que prevalecerá a vontade do agente. Tanto é que, o fato do indiciado ou réu ser informado pelas autoridades judiciais sobre a possibilidade de aplicação do instituto da delação premiada não desconfiguraria a sua incidência.

Já a lei 9.807/99, que trata genericamente da delação premiada, bem como a lei 12.850/13, usam a expressão "colaboração efetiva e voluntária", que se traduz na vontade de fato do delator/colaborador. Ainda assim, a lei 12.850/13, no § 7º, do art. 4º, estabelece que, quando da homologação do acordo, o juiz deverá analisar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo determinar, inclusive, o comparecimento do colaborador, acompanhado de seu advogado, para, através de sua oitiva, constatar tais elementos, que será realizada por meio de procedimento sigiloso.

Portanto, embora algumas legislações acerca da delação premiada utilizem as expressões colaboração ou confissão espontânea, deve-se levar em conta somente a efetividade da colaboração, não importando ser ela voluntária ou espontânea, ressalvados, no entanto, os casos que envolvem qualquer tipo de coação.

Quanto à motivação do agente, tanto a legislação como a doutrina, não se preocupam com sua origem, pouco importando se ela deriva do remorso, vingança ou interesse na obtenção dos prêmios legais, por exemplo. O instituto atenda-se, todavia, quanto à efetividade da colaboração, devendo, pois, ser eficiente no curso das investigações e do processo criminal.

3.4. Momento para Celebração do Acordo

Foi a Lei de Lavagem de Capitais, após redação dada pela lei 12.683/12, que primeiro dispôs sobre o momento de aplicação do instituto da delação premiada. Fica claro da leitura do § 5º, do art. 1º que o juiz pode aplicar as benesses da delação premiada prevista na lei a qualquer tempo, desde que haja efetiva colaboração do autor, coautor ou partícipe e que elas auxiliem o Estado na apuração das infrações penais.

Por se tratar de uma técnica especial de investigação, fica evidente a possibilidade de sua aplicação na fase investigatória e na fase da ação penal, eis que tem a finalidade de instruir o processo na obtenção de provas. A Lei das Organizações Criminosas, ao se referir sobre o momento da celebração do acordo, no § 2º, do art. 4º, deixa claro essa perspectiva, já que chancela ao Ministério Público a faculdade de requerer, a qualquer tempo, a aplicação da colaboração premiada, bem como autoriza à autoridade policial, no curso do inquérito policial aliado a uma manifestação favorável do Ministério Público, a possibilidade de celebrar o acordo. É imperioso destacar que, qualquer que seja o momento da celebração do acordo é fundamental a presença do advogado/defensor do acusado ou réu.

Apesar de a Lei de Lavagem de Capitais utilizar a expressão "a qualquer tempo", necessário se faz atentar-se para o disposto no § 5º, do art. 4º, da lei 12.850/13, que faz referência à aplicação do instituto mesmo após a sentença transitada em julgado. Neste caso, o colaborador poderá ter sua pena reduzida até a metade ou uma flexibilização dos requisitos para possibilitar sua progressão de regime.

De acordo com Renato Brasileiro (2014, p. 756), essa possibilidade jurídica se justifica "na hipótese de o produto direto ou indireto da infração penal não ter sido objeto de medidas assecuratórias durante a persecução penal, inviabilizando ulterior confisco". Dessa forma, conclui ainda que, com a efetiva colaboração do condenado, nada obstaria a "recuperação total ou parcial do produto ou proveito" do crime.

Quanto ao mecanismo adequado para requerer a colaboração premiada após o trânsito em julgado de sentença condenatória, há quem defenda ser através da revisão criminal (art. 621, do Código de Processo Penal), com fulcro no seu inciso III, ou através de requerimento ao Juízo da Execução, com fundamento na Lei de Execução Penal. (LIMA, 2014).

Inobstante o mecanismo a se usar, é plenamente possível à incidência da delação/colaboração premiada em qualquer fase do processo penal, abrangendo, portanto, desde a fase pré-processual até a execução da pena.

3.5. Do Valor Probatório

Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2013, p.482) prova "é tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento do magistrado, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio direito discutido no litígio".

Em relação ao valor probatório da delação premiada, partindo do principio de que se trata de um meio de obtenção de prova, que inclusive é assim classificada pela Lei das Organizações Criminosas, conforme seu art. 3º, inciso I, não teria por si só valor probatório suficiente para justificar uma sentença condenatória, necessitando, pois corroboração com a instrução probatória. Nesse sentido, Paulo Quezado e Jamile Virginio (2009, p. 173):

Em nossa opinião, a contenda apoia-se na discussão da necessidade de elementos que corroborem as acusações do réu-colaborador, do modo de realização do contraditório e da fixação de parâmetros capazes de auxiliar o magistrado na apreciação da credibilidade das informações inculpatórias.

Renato Brasileiro (2014, p.747) vai além, e o compara ao valor probatório do instituto da confissão, definido no art. 197, do Código de Processo Penal, ipsis litteris:

Em sede de sentença condenatória, todavia, se nem mesmo a confissão do acusado, auto incriminando-se, é dotada de valor absoluto, não mais sendo considerada a rainha entre as provas (CPP, art.197), o que dizer, então, da colaboração premiada? Ante a possibilidade de mendacidade intrínseca à colaboração premiada, a jurisprudência firmou-se no sentido de que, isoladamente considerada, esta técnica especial de investigação não pode respaldar uma condenação, devendo estar corroborada por outros elementos probatórios.

Tal entendimento jurisprudencial pode-se ver, por exemplo, através do julgamento do Habeas Corpus 75.226/MS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio (STF, 1997), quando decide que "se de um lado a delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas", bem como no julgamento do Habeas Corpus 90.708/BA, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence (STF, 2007),o qual determina que "a chamada de corréus, retratada ou não em juízo, não pode servir como fundamento exclusivo da condenação”.

Dessa forma, sob a influência do pacífico entendimento, tanto doutrinário como jurisprudencial, de que a delação/colaboração premiada não tem força probatória capaz de fundamentar uma sentença, o legislador, na lei 12.850/13, tratou de positivar esse entendimento, consoante § 16, do art. 4º, o qual estabelece que "nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador". Portanto, para que a delação/colaboração tenha validade e, consequentemente, o colaborador possa fazer jus aos benefícios legais, o agente deve se respaldar em elementos informativos e trazer provas que corroborem sua colaboração.

3.6. Do Sigilo do Acordo

Muito se questiona acerca do sigilo que impera sob os termos do acordo de delação premiada. No entanto, estes questionamentos têm esbarrado na pacífica jurisprudência dos tribunais superiores, que mesmo antes do advento da lei 12.850/13, entendem que o acordo de delação/colaboração premiada deve ser sigiloso até o recebimento da peça acusatória. Nesse sentido, temos o julgamento do Habeas Corpus90.688/PR, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski (STF, 2008), in verbis:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE COOPERAÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. DIREITO DE SABER QUAIS AS AUTORIDADES DE PARTICIPARAM DO ATO. ADMISSIBILIDADE. PARCIALIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUSPEITAS FUNDADAS. ORDEM DEFERIDA NA PARTE CONHECIDA. I - HC parcialmente conhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem, sob pena de supressão de instância. II - Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. III - Sendo fundadas as suspeitas de impedimento das autoridades que propuseram ou homologaram o acordo, razoável a expedição de certidão dando fé de seus nomes. IV - Writ concedido em parte para esse efeito.(Grifo nosso).

Com isso, mais uma vez, o legislador da lei 12.850/13 resolveu positivar tal entendimento, conforme se vê no § 3º, do art. 7º. Assim, recebida a denúncia, tem-se o fim do sigilo e, consequentemente, inicia-se o direito ao Contraditório e à Ampla Defesa para o investigado e seu advogado. Para Renato Brasileiro (2014, p. 757), trata-se do "contraditório diferido", isto é, após conclusão das diligências referentes à colaboração premiada, abre-se vistas de todo o conteúdo do acordo para o(s) corréu(s), ora delatado(s), e seu(s) advogado(s), facultando-lhes exercerem seu direito de defesa conforme convierem.

A título de exemplo prático, tem-se a cláusula que estabelece o sigilo no Acordo de Colaboração Premiada pactuado entre o Ministério Público Federal e Paulo Roberto Costa, que investigam as fraudes no âmbito da Operação Lava Jato, nestes termos:

Parte VII - Cláusula de Sigilo

Cláusula 19. Nos termos do art. 7º, § 3º, da Lei 12;850/2013, as partes comprometem-se a preservar o sigilo sobre a presente proposta e o acordo dela decorrente, até que o termo seja juntado aos autos.

§ 1º. O acusado se compromete ainda a preservar o sigilo a respeito da existência e do conteúdo das investigações apontadas nos Anexos, perante qualquer autoridade (fiscal, bancária etc.) distinta do Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia Federal responsáveis pela administração do acordo de colaboração, enquanto o Ministério Público não entender que a publicidade não prejudicará a efetividade das investigações.

§ 2º. Após o recebimento da denúncia, eventuais acusados incriminados em virtude da cooperação de colaborador poderão ter vista deste termo, mediante autorização judicial, sem prejuízo dos direitos assegurados ao colaborador, nos termos do art. 5º da Lei 12.850/2013, bem como do Anexo respectivo que tenha embasado a investigação que ensejou a denúncia. Os demais anexos, não relacionados ao feito, serão mantidos em sigilo enquanto for necessário para a preservação do sigilo das investigações, nos termos da Súmula Vinculante 14 do STF.

É, portanto, com o recebimento da denúncia e devida instauração da ação penal que se inicia a publicidade dos eventuais acordos de delação/colaboração premiada. Ressalte-se, no entanto, que esta publicidade, conforme inclusive dispõe a parte final do § 3º, do art. 7º, deve-se ater ao que disciplina o art. 5º, da lei 12.850, que versa sobre os direitos e garantias do colaborador, que, por exemplo, poderá ter seu "nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados", (art.5º, inciso I).

3.7. Da Eficácia

Ao analisar a eficácia de uma matéria jurídica deve-se, primeiramente, atentar a que fim tal matéria se presta para, em seguida, observar se ela está cumprindo com sua finalidade.

Preliminarmente, faz-se necessário subdividir este tópico sobre a eficácia da delação premiada, eis que abordar-se-á a eficácia quanto às colaborações do delator, bem como a eficácia do instituto jurídico propriamente dito.

3.7.1. Eficácia das Colaborações

Como já fartamente discutido, as colaborações configuram-se em uma técnica especial de investigação que busca obter elementos de prova. Dessa forma, a eficácia das colaborações do delator, isto é, o resultado que se espera das informações prestadas pelo acusado ou réu, se confundem, a grosso modo, com o valor probatório do instituto da delação premiada, eis que, para ser eficaz, é necessário que tais colaborações estejam respaldadas com elementos de prova. Assim, segundo Renato Brasileiro (2014, p.739), para a colaboração ser eficaz, é necessário, além da confissão voluntária, está "acompanhada do fornecimento de informações que sejam objetivamente eficazes, capazes de contribuir para a identificação dos comparsas ou da trama delituosa", por exemplo.

É importante destacar que, comprovada a eficácia da colaboração, os prêmios legais tornam-se direito subjetivo do agente, restando ao juiz, apenas, valorar a colaboração e escolher qual benefício melhor se adéqua ao caso concreto.

Em suma, as informações prestadas pelo colaborador, seja na fase investigativa, seja na fase processual, devem ser eficazes e capazes de produzir algum dos resultados por ela esperado. Portanto, realizada a colaboração de forma eficaz, torna-se importante instrumento processual capaz de dá efetividade e celeridade na ultimação do processo.

3.7.2. Eficácia do Instituto da Delação Premiada

Partindo do entendimento de que o instituto da delação premiada propriamente dito tem como finalidade o desmantelamento das organizações criminosas, estará ele cumprindo com a sua finalidade?

Mesmo antes do advento da lei 12.850/13, a delação premiada já se mostrava eficaz no combate ao crime organizado, no entanto, com poucas repercussões. Porém, com a promulgação da Lei das Organizações Criminosas, que regulamentou e estabeleceu um procedimento para a delação premiada, tudo indica para um novo paradigma no curso da persecução penal, eis que, em tese, mostra-se um instituto de grande valia para a Ciência Criminal, que está sempre em busca da verdade real e de um processo mais célere e objetivo.

Atualmente, com as constantes investigações, e processamento, da Força Tarefa Lava Jato, operada pela Policia Federal e Ministério Público Federal em face de crimes no âmbito da Petrobras, muito se fala sobre o instituto da delação premiada. Nessa perspectiva, foram celebrados vários acordos com pessoas ligadas à estatal, os quais têm se mostrado eficazes no desvendamento de um gigante esquema de desvios de recursos perante a Petrobras, delatando as relações delituosas de pessoas ligadas à administração da empresa brasileira de petróleo com políticos e empreiteiras contratadas, muitas vezes ilicitamente, pela Petrobras para realização de obras.

Embora não ultimada, a Operação Lava Jato tem, até então, registrado resultados bastante satisfatórios no curso das investigações através da delação premiada, eis que, segundo o Procurador da República Deltan Dallagnol, sem a delação premiada, provavelmente não seria possível à revelação do esquema fraudulento que assola a Petrobras. Tanto é que já foram formalizados mais de 15 acordos de delação no âmbito da Operação Lava Jato.

Dessa forma, partindo da premissa de que a colaboração prestada pelo delator é eficaz, ou seja, é corroborada por elementos de provas, trata-se de um instituto de bastante relevo no ordenamento jurídico brasileiro, eis que se presta a auxiliar o Estado no combate às organizações criminosas e que, até então, vem se mostrando bastante eficaz no caso da Operação Lava Jato.

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Sobre o autor
Iury Jim Barbosa Lobo

Advogado inscrito na OAB/CE sob o nº 33153, militante na comarca de JUAZEIRO DO NORTE/CE e Região na área criminal; Formado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP - Juazeiro do Norte/CE; Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri - URCA - Crato/CE; Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE, Subsecção Juazeiro do Norte/CE (Triênio: 2016 - 2018); Membro da Comissão de Apoio ao Advogado em Início de Carreira da OAB/CE, Subsecção Juazeiro do Norte/CE (Triênio: 2016 - 2018).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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