A política brasileira, tal qual nosso sistema penitenciário, não tem nada de desastre quando enfocada a partir da visão das oligarquias neocolonialistas endinheiradas que dominam a nação. As serviçais oligarquias políticas (os poucos que governam, sob o “co-mando” da casta bilionária), se bem “financiadas” com propinas convertidas em “doações eleitorais”, funcionam a contento (e não falham). Assim é a política no regime neocolonialista. Os senhores do dinheiro mandam e desmandam na democracia porque “compram” os políticos, que ademais são, em regra, os únicos expostos à ira da população. Os políticos também cumprem o papel de anteparo dos seus corruptores (não os intimando para deporem em CPIs, por exemplo).
Se o programa do Temer é “Uma Ponte para o Futuro”, como justificar que o novo ministério não tenha a representatividade do negro nem da mulher? Como construir uma ponte conciliatória para o futuro estando ancorado no passado neocolonialista patriarcal e racista (que aqui foi fundado um pouco antes do neocolonialismo europeu do final do século XIX)? Continuamos escravizados pelas velhas crenças mesmo quando anunciamos um novo jogo político e social (onde o passado não passa)? O neocolonialismo está mais presente na nossa vida do que imaginamos.
A velha oligarquia sempre foi convicta de que a política, o sistema educacional e a penitenciária estão cumprindo muito bem suas funções: a primeira fundada na máxima mediocridade e servilismo do político às oligarquias econômicas dominantes; a segunda de péssima qualidade (porque não há interesse em formar “cidadãos”); a terceira com a demarcação e o isolamento do delito nas classes marginalizadas – Foucault -, pouco importando se são ou não violentas. Para as oligarquias abonadas, não há nada de inadequado com tais instituições. Estão cumprindo o papel que lhes foi traçado. Políticos ridículos e medíocres, sistema de ensino deplorável e prisões medievais. Tudo faz parte do neocolonialismo.
Se se pergunta, então, se a política, a educação e a penitenciária estão enfermas, a resposta é a seguinte: depende do ângulo de visão. Do ponto de vista da cidadania, são ridículas e absurdas[1]. Da perspectiva do clube dos donos oligarcas do poder, fazem parte da engrenagem do sistema e gozam de perfeita saúde. Quanto mais mediocridade nos políticos, melhor; quanto mais ignorância nas escolas, mais solidez para o sistema; quanto mais desumanidade nas instituições carcerárias, mais vingativas elas são. E a vingança é sempre um prazer (já dizia Nietzsche).
O que todo brasileiro deveria entender é o seguinte: o Brasil está em crise (econômica, política, ética) e o povo sofre suas consequências. Mas esse não é o caso do sistema de poder neocolonialista, que agora voltou a governar sem a indigesta companhia do parceiro inimigo e corrupto (lulopetismo), que muito contribuiu com suas estrepolias e megalomanias para levar vários dos “honoráveis bandidos plutocratas” do clube da cleptocracia para a cadeia (no mensalão, na Lava Jato etc.). Algo que nunca tinha ocorrido em quase 200 anos de história do neocolonialismo nacional (fundado em 1822), que sempre desfrutou da devida impunidade.
O lulopetismo, no decênio de 2003-2013, depois de aproveitar a maré boa e melhorar os índices socioeconômicos dos pobres e dos estratosfericamente endinheirados (mais de 30 milhões de pessoas deixaram a miséria, nasceu a classe “C” e chegamos a quase 60 bilionários na revista Forbes em 2014), impregnou-se da podridão corrosiva dos seus antecessores neocolonialistas. Tornaram-se imitadores e sócios das oligarquias corruptas e se mimetizaram, na tentativa de perpetuar um projeto de poder conjunto, fundado na roubalheira e nas pilhagens.
As deploráveis relações entre Eike Batista (EBX) e o lulopetismo servem de exemplo do quanto o poder econômico e o político vivem entrelaçados, sugando ambos o Estado brasileiro. A Veja (18/1/12), endeusando o personagem empreendedor, disse: “trabalha muito, compete honestamente, orgulha-se de gerar empregos e não se envergonha da riqueza”[2]. Muito menos se envergonha da breguice de comprar um carro milionário e colocá-lo em exposição na sala do seu apartamento. Hoje ele está praticamente falido e respondendo a vários processos criminais (com alto risco de ir para a cadeia).
O conúbio entre as oligarquias bilionárias bem posicionadas dentro do Estado e as oligarquias políticas (recorde-se: oligarquias são os poucos que dominam e governam a nação) fabrica leis e medidas provisórias ad hoc, permite que os bilionariamente endinheirados sequestrem as rendas dos contribuintes assim como dos acionistas minoritários, que promovam o cassino financeiro, que paguem menos impostos, que burlem as agências regulatórias de fiscalização, que enganem a morosa Justiça, que esvaziem os fundos de pensão, que deem tombos no BNDES, que tenham informações privilegiadas, que mandem seu patrimônio para paraíso fiscal sem pagar impostos, que aprovem leis de anistia do dinheiro no exterior, que lavem seus dinheiros sujos nas redes bancárias nacionais e internacionais etc.
Tudo isso é facilitado, claro, nos países licenciosos e cleptocratas, historicamente desiguais, cujas instituições frágeis (políticas, econômicas, jurídicas, sociais, midiáticas) se enviesam em favor das oligarquias econômicas com seríssimos prejuízos para o crescimento econômico do país (não foi por acaso que o PIB per capita do Brasil entre 1985 e 2012 cresceu apenas 1,4% ao ano)[3]. O número é ridículo, sobretudo se comparado com os países emergentes. Mas é o resultado do funcionamento do neocolonialismo.
Que lição sobra: quanto mais desigualdade mais corrupção e mais o clube das oligarquias podres de endinheiradas parasitam o Estado (licencioso) e a nação. Se as novas políticas (da era Temer) não acertarem o alvo correto e, ademais, se agravarem a extrema desigualdade, não haverá mesmo nenhum risco de o Brasil dar certo.
Notas
[1] Ver http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2016/05/1770391-acorda-congresso.shtml, consultado em 12/5/16.
[2] Citado por MENDES, Marcos. Por que o Brasil cresce pouco? Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 111.
[3] Citado por MENDES, Marcos. Por que o Brasil cresce pouco? Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 23 e 114.