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As contratações sustentáveis no Estatuto da Empresa Pública e da Sociedade de Economia Mista

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No atual cenário, não mais se pode antagonizar a atividade econômica com a sustentabilidade ambiental. Se a superação e harmonização se colocam presentes no mercado privado, com muito mais ênfase deveriam compor o cenário das empresas estatais.

1.Introdução

A Constituição Federal firmou, no art. 173, § 1º, a obrigatoriedade de edição de lei que estabelecesse o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias exploradoras de atividade econômica[1]. Passadas quase duas décadas do mandamento constitucional dirigido à União, o referido estatuto foi sancionado.[2]

Esse artigo abordará a situação das contratações ambientalmente sustentáveis na nova norma, com o objetivo de instruir gestores, empresas e sociedade em sua aplicação. Busca-se, ainda, por meio de análise crítica, provocar reflexões acerca da tímida atuação do legislador e do controle externo no incentivo a essas contratações. 


2.Da importância das compras públicas para o desenvolvimento nacional sustentável

A Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, além de determinar que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.[3]

Ainda em sede constitucional, define-se como um dos princípios da ordem econômica a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.[4]

Firme nesses preceitos, a Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, acresceu às finalidades da licitação a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, ao alterar a redação do art. 3º da Lei[5] nº 8.666, de 21 de junho de 1993.   

Nessa mesma linha, o estatuto em análise elenca o desenvolvimento nacional sustentável como um dos princípios a serem observados nas licitações realizadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista:

Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto,[6] e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo. 

Essas inserções legislativas revelam-se fundamentais tendo em vista que, para movimentar a máquina estatal, é necessária a compra de grande quantidade de produtos, além da execução de diversas obras e serviços. O Estado é, portanto, consumidor em larga escala e maior indutor do processo produtivo nacional.

Nesse cenário, a relevância dos contratos administrativos ultrapassa a seara econômica e o atendimento aos objetivos imediatos da Administração Direta e Indireta, devendo ser instrumento de efetivação das políticas públicas ambientais, com a consequente melhoria da qualidade de vida das gerações futuras[7].

Diante disso, a jurisprudência pacífica do Tribunal de Contas da União – TCU legitima a inclusão de critérios objetivos que permitam a realização de contratações sustentáveis[8] nos instrumentos convocatórios e, inclusive, tem cientificado as unidades jurisdicionadas de que a ausência desses critérios constitui impropriedade a ser sanada[9].


3.Do princípio da motivação e das exigências de caráter ambiental

Nada obstante, as vantagens da exigência desses critérios devem ser esclarecidas nos autos do processo licitatório, de maneira explícita, clara e congruente, indicando-se os dispositivos legais justificadores da demanda, como consequência da aplicação dos arts. 2º e 50 da Lei[10] nº 9.784/1999.

Outrossim, o TCU indica que a motivação deve ser levada a efeito por meio de parecer técnico.[11]

Dessa forma, ao tempo em que exerce a função de proteger o meio ambiente, o gestor protege-se de eventuais questionamentos dos órgãos de controle a respeito de eventual restrição à competitividade.


4.Da conjunção de normas sobre contratações sustentáveis no estatuto das estatais

Antes da edição do estatuto das empresas públicas e sociedades de economia mista, as contratações sustentáveis já eram objeto de preocupação do legislador pátrio, o que se pode observar, em especial, nas seguintes normas:

  1. Lei nº 8.666, de 19 de junho de 1993 – Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências;
  2. Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012 -Regulamenta o art. 3º da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal, e institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP;
  3. Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de 2010 - Dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências;
  4. Lei nº 12.462, de 04 de agosto de 2011 - Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC.

Ocorre que, por questão de competência legislativa, a aplicabilidade desses normativos às empresas públicas e sociedades de economia mista era debatida nos Tribunais de Contas, notadamente quanto às exploradoras de atividade econômica.[12]

Tais embates ultrapassam o objeto deste artigo. O que se pode afirmar é que o estatuto, além de solucionar esse vazio legal, abarca a conjunção de dispositivos dessas quatro normas, denotando a preocupação com o meio ambiente, tema de crescente preocupação mundial.

Há, todavia, algumas críticas a serem feitas.

4.1. O estatuto das estatais e a Política Nacional de Resíduos Sólidos

Existe, por exemplo, equívoco de ordem conceitual no art. 32, § 1º, inc. I, do estatuto, que afirma que as licitações e contratos devem respeitar as normas relativas à “disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas”. Explica-se adiante.

A Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, após duas décadas de trâmite legislativo, pôs fim a discussões sobre a conceituação de resíduos sólidos. O art. 3º deixou claro:

XVI – resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível; 

Por sua vez, a mesma Lei define rejeitos como resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada[13]. 

Nessa senda, a Lei nº 12.305/2010 ainda diferencia destinação final ambientalmente adequada e disposição final ambientalmente adequada.

A primeira é a destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas para evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, bem como minimizar os impactos ambientais adversos[14].

A segunda é a distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas para evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, bem como minimizar os impactos ambientais adversos[15]. 

Compreendidas essas delimitações, verifica-se que o estatuto em exame confunde os institutos ao dispor que os resíduos sólidos gerados nas obras contratadas devem ser enviados à disposição final ambientalmente adequada – aterros[16].

Ao contrário, o ideário ambiental e a Política Nacional de Resíduos Sólidos reclamam o encaminhamento dos resíduos à destinação final ambientalmente adequada, por meio de seu reaproveitamento – por exemplo, mediante reutilização ou reciclagem, enquanto for técnica e economicamente viável. Aos aterros – disposição final – devem ser enviados somente os rejeitos.

Apesar da impropriedade conceitual, a atenção ao correto destino de descartes é um avanço na legislação referente às compras públicas. Anteriormente, a temática era alcançada de forma expressa e detalhada por meio da IN nº 01/2010, do antigo MPOG, espécie normativa secundária, desprovida de grau de generalidade e abstração, bem como de legitimidade democrática, próprios das leis – espécies normativas primárias.

4.2.Da eficientização energética e da redução do consumo de recursos naturais

Outro ponto importante do estatuto encontra-se no art. 32, § 1º, inc. III, o qual dispõe que as licitações e contratações efetivadas pelas estatais devem atentar-se à utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e de recursos naturais.

A eficientização energética e de recursos naturais já era diretriz a ser observada nas contratações realizadas pela administração direta, autárquica e fundacional, bem como pelas empresas estatais dependentes, de acordo com o estatuído no art. 4º, inc. III, do Decreto nº 7.746, de 5 de junho de 2012.

Especificamente no que concerne à contratação de obras e serviços de engenharia, o mesmo Decreto dispunha que as especificações de demais exigências do projeto básico ou executivo deveriam proporcionar a redução do consumo de energia e água por meio de tecnologias, práticas e materiais que reduzissem o impacto ambiental. 

É possível extrair ideias de como realizar essa eficientização em rol exemplificativo disposto no art. 4º da IN nº 01/2010, do antigo MPOG[17]. Apesar de regular especificamente as contratações celebradas por órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, mencionada Instrução Normativa indica boas possibilidades ambientalmente sustentáveis em obras e serviços de engenharia. 

4.3.Da remuneração variável com base em critérios de sustentabilidade ambiental

O estatuto aponta a possibilidade de se estabelecer remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, inclusive com base em critérios de sustentabilidade ambiental:

Art. 45. Na contratação de obras e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato.

Parágrafo único. A utilização da remuneração variável respeitará o limite orçamentário fixado pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista para a respectiva contratação.

A regra também já existia no sistema jurídico pátrio, notadamente no art. 10 da Lei nº 12.462/2011, que instituiu o RDC[18].  

4.4.Da forma de exigência de critérios de sustentabilidade ambiental

Pelo exposto, nota-se a ausência de novidades substanciais nas licitações e contratações públicas se analisado o ordenamento jurídico como um todo.

Nesse sentido, constata-se a perda de oportunidade ao estímulo às contratações sustentáveis, inclusive por meio de regras mais incisivas e transparentes que poderiam, inclusive, sanar debates ainda latentes no âmbito do controle externo, causadores de insegurança jurídica aos gestores.

Por exemplo, apesar de os critérios de salvaguarda dos interesses ambientais serem bem-vindos nas licitações, a forma de exigência desses critérios tem sido objeto de discussão no TCU. A celeuma não foi resolvida pelo estatuto.

Para ilustrar o imbróglio, serão analisadas, a seguir, duas decisões divergentes proferidas pela Corte em curto espaço de tempo.

4.4.1.D Acórdão nº 1375/2015 – Plenário

Por meio do Acórdão nº 1.375/2015 – Plenário, proferido em junho de 2015, o Tribunal entendeu que os critérios e práticas de sustentabilidade não deveriam constar como condição de habilitação do licitante, mas como especificação técnica do objeto ou como obrigação da contratada[19].

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O posicionamento é justificado pela literalidade do art. 3º do Decreto[20] nº 7.746/2012, e coaduna-se com deliberações anteriores do TCU, que assentam que os requisitos de habilitação elencados na Lei nº 8.666/1993 devem ser interpretados de forma restritiva[21].

Ou seja, o Tribunal entendeu que inexiste regra legal autorizadora da inclusão de exigências de caráter ambiental como condição de habilitação, em especial em virtude do que consta do § 5º do art. 30 da Lei nº 8.666/1993, que veda “a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação”[22].

Na linha desse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça — STJ já decidiu que “o interesse público reclama o maior número possível de concorrentes, configurando ilegalidade a exigência desfiliada da lei básica de regência e com interpretação de cláusulas editalícias impondo condição excessiva para a habilitação”[23].  

Verifica-se, portanto, a preocupação com eventuais restrições à ampla competitividade e à isonomia, zelo esse que ainda encontra amparo nos seguintes dispositivos:

  1. art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, que estabelece que a licitação pública somente permitirá “as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”;
  2. art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei[24] nº 8.666/1993;
  3. parágrafo único do art. 2º do Decreto nº 7.746/2012, que ressalva a necessidade de se “preservar o caráter competitivo do certame”.

Nesse norte, o TCU ponderou que as exigências de caráter ambiental estariam diretamente vinculadas à execução do objeto contratado, e não à aptidão técnica do licitante.

Por isso, os critérios e as práticas de sustentabilidade deveriam ser objeto de análise na fase de julgamento das propostas, momento em que é feito o cotejo entre o objeto cotado e os requisitos de sua aceitabilidade definidos no edital – em especial aqueles delimitados nas especificações técnicas.

4.4.2.Do Acórdão nº 6.047/2015 – 2ª Câmara

Em agosto do ano de 2015 – 2 meses após a decisão anterior –, entretanto, verifica-se mudança de entendimento externada por meio do Acórdão nº 6.047/2015 – 2ª Câmara.[25]

O julgado deixa claro que permanece o entendimento do TCU de que os requisitos de habilitação elencados na Lei nº 8.666/1993 devem ser interpretados de forma restritiva,[26] abrindo-se exceção apenas quanto aos parâmetros de sustentabilidade ambiental que objetivem o cumprimento da obrigação e não representem discriminação injustificada entre os licitantes. Ou seja, atendidos esses requisitos, os parâmetros de sustentabilidade podem ser exigidos na análise de qualificação técnica.

As bases normativas desse posicionamento seriam:

  1. os já citados arts. 170, inc. VI, e 225 da Constituição;
  2. a Política Nacional de Mudança do Clima[27];
  3. a Política Nacional de Resíduos Sólidos[28];
  4. o art. 3º, caput, da Lei[29] nº 8.666/1993;
  5. o art. 3º, § 6º, da Lei nº 8.666/1993, uma vez que, nos exatos termos do Voto do Ministro Relator, “a regularidade ambiental, requerida de forma indistinta de todos os licitantes, pode ser vista como uma necessidade essencial para que o objeto da licitação seja executado sem o comprometimento ambiental”;
  6. o art. 2º do Decreto[30] nº 7.746/2012; e
  7. a Instrução Normativa nº 01/ 2010, do antigo MPOG[31].

Ponderou-se no Acórdão, ainda, que está legitimamente em voga o tema da sustentabilidade, ao tempo em que a sociedade exerce papel cada vez mais ativo ao demandar respeito ao meio ambiente. Apontou-se também que diversas obras públicas vêm sendo paralisadas por falha ou falta de licenciamento ambiental.

Nesse sentido, a unidade técnica afirmou que:

[...] o momento em que se deve exigir a comprovação do licenciamento ambiental é importante para a definição da postura do contratante. Se por um lado ao se exigir a certificação após a homologação do certame e antes da assinatura do concreto amplia o rol de possíveis participantes, pois que uma eventual desclassificação só ocorrerá ao término do julgamento das propostas, por outro a aferição de regularidade ambiental das jazidas que irão fornecer o material já na fase da habilitação obriga que todos os interessados em contratar com a administração assuma previamente uma postura ambiental correta.

Ademais, eleger as fases finais da licitação como o momento para se exigir o licenciamento ambiental pode frustrar o certame, porquanto há a possibilidade de que nenhum participante disponha do mencionado licenciamento.

O Supremo Tribunal Federal também se alinha a esse entendimento, conforme manifestou em excerto de decisão a seguir transcrito:

[...] no que diz respeito à exigência de apresentação de licenciamento ambiental para a compra de produtos derivados de madeira e insumos pela Administração Pública Direta e Indireta do Estado de Minas Gerais, prevista no Decreto nº 44.122/05 e no Edital do Pregão em tela, o acórdão recorrido assim assentou:  “Na verdade, foi lançado mão desta competência que o Estado expediu o Decreto impugnado pela apelante, que sem estipular exigências discriminatórias, mas no intuito de conferir segurança e eficácia ao projeto de política ambiental, afinando-o com o interesse público, dispôs que a Administração Pública Estadual somente poderá adquirir produtos derivados de madeira se o fornecedor demonstrar certidão de regularidade ambiental. Tal exigência não ofende a igualdade de condições entre os concorrentes, permite a competitividade entre os interessados, imprescindível na licitação, e abarca os princípios da impessoalidade e igualdade ou isonomia, a serem observados pelo administrador público. Sendo assim, a exigência hostilizada pela apelante não atenta contra os princípios que regem a atividade licitatória; pelo contrário, tende a promover a defesa e preservação do meio ambiente, que é um dever precípuo do Poder Público e da coletividade (art. 225 da CF/88), de competência comum a todos os entes federados (art. 23, VI da CF/88)”. O acórdão recorrido, portanto, está em sintonia com a jurisprudência da Corte, no sentido de que exigências de qualificação técnica e econômica podem ser estipuladas, desde que indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Nesse sentido: ADI nº 2716, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe 7.3.2008 e ADI nº 3070, Rel. Min. Eros Grau, DJe 19.12.2007.[32]

Com lastro nesses argumentos, no caso concreto, foram afastadas multas aplicadas aos gestores em razão da exigência, como requisito de qualificação técnica dos licitantes, de apresentação de termo de fornecimento de CBUQ por usina legalmente licenciada, na falta de usina própria. 

4.4.3.Da indefinição da forma de inclusão de critérios ambientais nos instrumentos convocatórios no estatuto das estatais

Como anteriormente afirmado, oportunizou-se ao legislador aprimorar a normatização das contratações sustentáveis pela edição do estatuto, em virtude dos atuais debates sobre o tema, decorrentes da aplicação da Lei 8.666/1993.

Para resolver questões interpretativas e prestigiar as contratações sustentáveis, bastava incluir, nos requisitos de habilitação, os critérios de sustentabilidade ambiental, sempre que econômica e tecnicamente viável.

De maneira oposta, o art. 58 do estatuto limita a qualificação técnica, de forma expressa, a parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes.

Art. 58. A habilitação será apreciada exclusivamente a partir dos seguintes parâmetros: I – exigência da apresentação de documentos aptos a comprovar a possibilidade da aquisição de direitos e da contração de obrigações por parte do licitante; II – qualificação técnica, restrita a parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes, de acordo com parâmetros estabelecidos de forma expressa no instrumento convocatório; III – capacidade econômica e financeira; IV – recolhimento de quantia a título de adiantamento, tratando-se de licitações em que se utilize como critério de julgamento a maior oferta de preço. [...]

Fica a dúvida: a qualificação técnica inclui a aptidão do contratado para executar o objeto de forma ambientalmente sustentável?

4.4.3.1.Da ponderação entre o princípio do desenvolvimento sustentável e da economicidade

Ademais, a referência expressa à limitação da qualificação técnica a parcelas do objeto economicamente relevantes vai contra a moderna hermenêutica jurídica, que traz a licitação como instrumento de efetivação de políticas públicas ambientais.

Ora, em alguns casos, a contratação menos lesiva ao meio ambiente pode acarretar maior dispêndio econômico por parte da Administração. Verificam-se, nesse cenário, dois valores conflitantes, ambos refletindo o interesse público: a economicidade e a proteção ao meio ambiente.

Se porventura esse conflito se configurar, a visão teleológica das licitações e o enfoque macroeconômico das contratações públicas autorizam a ponderação entre os dois valores, por meio do princípio da proporcionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, mesmo analisando caso que não envolvia licitação e em época anterior à alteração legislativa promovida pela Lei nº 12.349/2010, manifestou que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por razões meramente econômicas:

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasi­leiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, à invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamen­tais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.[33] 

É claro que cada caso deve ser analisado individualmente, de modo a evitar a oneração desproporcional das estatais, razão pela qual é mister que se fundamentem, nos autos do processo licitatório, os motivos pelos quais a demanda ambiental justifica a menor economicidade da contratação, se for o caso, conforme anteriormente explanado.

Trata-se, então, de outro tema que poderia ter sido normatizado de maneira clara, mas permanece aberto a discussões jurisprudenciais, intimidando a atuação dos gestores.

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Sobre a autora
Sofia Rodrigues Silvestre Guedes

Consultora e Advogada da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, autora de diversos artigos em gestão pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUEDES, Sofia Rodrigues Silvestre. As contratações sustentáveis no Estatuto da Empresa Pública e da Sociedade de Economia Mista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4780, 2 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51056. Acesso em: 21 nov. 2024.

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