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Processo jurisdicional e política na democracia constitucional: parte 4

12/02/2017 às 08:13
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O presente texto, que se divide em cinco partes, pretende abordar as interações e tensões entre o constitucionalismo e a democracia e entre o processo jurisdicional e a política, mormente em face do atual tema da judicialização da política.

Dando sequência ao ponto em que paramos na parte anterior do texto, finalmente merece registro uma terceira fonte, que se pode denominar técnico-profissional e que fornece à jurisdição constitucional uma legitimação por expressa delegação constitucional (LIMA, 2013, p. 67). Equivale, em linhas gerais, à representação funcional mencionada por Pedro Manoel Abreu (2008, p. 267-269), que, coexistindo com a representação política, alarga a esfera pública e constitui o embrião que poderá vir a formar uma cidadania complexa em nosso país, não restrita a um único locus discursivo-deliberativo.

Conforme leciona Rodolfo de Camargo Mancuso (2011, p. 91), incumbe precipuamente ao Poder Judiciário a aplicação da norma de regência aos casos concretos que lhe são apresentados, tratando-se sempre de atuação a posteriori, dependente de provocação e balizada por esta, o que se explica pelo fato de que a legitimidade dos julgadores não apresenta origem popular, e sim de base técnica. Ademais, como bem registra Luís Roberto Barroso (2012, p. 11), a maioria dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercitada por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atividade é de natureza predominantemente técnica e imparcial.

Com efeito, o juiz, nos sistemas de tradição romano-germânica (Civil Law), não detém grande margem de liberdade criativa na aplicação do Direito, estando jungido ao critério de legalidade, em sentido lato, isto é, deve se ater aos dados objetivos extraídos da Constituição e dos atos normativos em geral (leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos, portarias etc.), exigindo-se dele, por conseguinte, adequado preparo intelectual e técnico-científico e invulgares conhecimento e compreensão do ordenamento jurídico, além de idoneidade moral (LIMA, 2013, p. 67).

Eis porque a Lei Maior mesma, atenta às peculiaridades do labor judicante e à necessidade de se escolherem aqueles que em tese se mostrem mais aptos a exercê-lo, instituiu dois modos essenciais para a seleção e investidura originária de magistrados, quais sejam, no que concerne aos juízes de carreira, o concurso público de provas e títulos, realizado pelo respectivo tribunal (da União, dos Estados ou do Distrito Federal) e com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases (art. 93, inciso I, combinado com o art. 96, inciso I, alínea c), e, no que se refere a membros dos tribunais, a nomeação pelos chefes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e do Distrito Federal, precedida, quando o caso, de aprovação pelo Senado Federal ou pelos Poderes Legislativos estaduais e distrital (artigos 52, inciso III, alínea a, 84, incisos XIV e XVI, 101, 104, 107, 111, §§ 1º e 2º, 119, inciso II, 120, inciso III, 123 e 125) (LIMA, 2013, p. 67-68).

Em ambas as situações, porém, buscam-se os mais qualificados para integrarem os quadros do Poder Judiciário brasileiro, quer pela submissão a rígidos certames, nos quais não só se afere o nível dos conhecimentos jurídicos dos candidatos, como também se investiga a lisura de suas vidas pregressas, quer pelos requisitos do notável saber jurídico, do tempo mínimo de experiência profissional e da reputação ilibada que devem nortear as indicações pelo Presidente da República ou pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal. Em ambas, outrossim, a Carta Magna promoveu expressa delegação para essas escolhas: aos tribunais, na primeira, e aos chefes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e do Distrito Federal, com a aquiescência, quando o caso, do Senado Federal ou dos Poderes Legislativos estaduais e distrital, na segunda (LIMA, 2013, p. 68).

Superada a averiguação da legitimidade democrática da jurisdição constitucional brasileira, cabe indagar quais os seus limites, ou seja, quais as fronteiras que, se transpostas, ensejarão clara invasão e usurpação das esferas de competências reservadas ao Legislativo e ao Executivo, bem como quais as cautelas necessárias para minimizar os riscos de um exagerado protagonismo do Poder Judiciário no trato de temas em princípio mais afinados com a esfera política. Neste ponto, imperioso abordar os contemporâneos fenômenos da judicialização da política e do ativismo judicial.

Luís Roberto Barroso (2012, p. 3) explana que a judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, isto é, o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o que, como intuitivo, envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações marcantes na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.

Para Rodolfo de Camargo Mancuso (2011, p. 76), a fim de que a expressão judicialização da política preserve a devida clareza e a densidade conceitual e não se disperse em indesejável vacuidade ou latitude excessiva, ela há que ter por significado o acesso à justiça de controvérsias relativas às diversas políticas públicas programadas ou implantadas pelo Estado.

Eduardo Cambi (2009, p. 211), ao seu turno, afirma que o Direito Público judicializou a política, posto que esta, representada pelos conflitos sociais e pelos direitos fundamentais, historicamente sonegados, passou a ser um de seus temas, abrindo margem a uma relação de complementaridade entre ambos.

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Três fatores podem ser arrolados como determinantes da judicialização da política no Brasil: 1) a redemocratização do país, cujo ponto culminante foi a promulgação da Constituição de 1988, que fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário e aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira; 2) a constitucionalização abrangente, que incorporou na Lei Maior inúmeras matérias antes deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária; e 3) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais amplos do mundo, combinando aspectos dos sistemas americano (controle incidental e difuso, por qualquer juiz ou tribunal) e europeu (controle concentrado por meio de ação direta) e concedendo a diversos órgãos e entes a legitimação para a iniciativa dos processos objetivos (BARROSO, 2012, p. 3-4).

Em acréscimo, o fenômeno não é gerado espontaneamente, nem é autopoiético, mas radica, remotamente, na recusa, na leniência ou na oferta insatisfatória de prestações primárias que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Público à população. Essa postura ineficiente abre um vácuo que passa a atrair as demandas reprimidas e as insatisfações gerais, as quais, restando sem atendimento e sem canal de expressão adequado, acabam se voltando para a instância que se apresenta quando as demais falham: o Judiciário (MANCUSO, 2011, p. 76-77).


REFERÊNCIAS

ABREU, Pedro Manoel. O processo jurisdicional como um “locus” da democracia participativa e da cidadania inclusiva. 2008. 544 f. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível em: <http:www.tede.ufsc.br/tedesimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=757>. Acesso em: 12 jan. 2012.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf> Acesso em: 26 jan. 2012.

LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. Tutela constitucional do acesso à justiça. Porto Alegre: Núria Fabris, 2013.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

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Sobre o autor
Thadeu Augimeri de Goes Lima

Pós-doutorado em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Pesquisador, autor de livros, capítulos de livros e artigos científicos (publicados no Brasil e no exterior), professor e palestrante nas áreas do Direito Processual (Penal, Coletivo, Constitucional, Civil e Teoria Geral do Processo) e do Direito Penal. Professor convidado em atividades promovidas por Escolas Superiores/Centros de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional de Ministérios Públicos do Brasil e em cursos de pós-graduação "lato sensu" (especialização). Promotor de Justiça de Entrância Final do Ministério Público do Estado do Paraná, titular na Comarca da Região Metropolitana de Londrina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thadeu Augimeri Goes. Processo jurisdicional e política na democracia constitucional: parte 4. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54148. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado como coluna no sítio eletrônico Jurisconsultos (http://www.jurisconsultos.org/), na seção "Transformações no Direito Processual". Também publicado em LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. "Transformações no Direito Processual - Volume I". Saarbrücken, Alemanha: Novas Edições Acadêmicas, 2016. p. 85-88.

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