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Jogos eletrônicos, direito do consumidor e princípio da fraternidade

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29/06/2017 às 16:00

Resumo:


  • A sociedade contemporânea é marcada pelo individualismo e consumismo, com entretenimento digital e jogos eletrônicos assumindo relevância global, o que demanda uma abordagem jurídica que considera o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.656/98.

  • O princípio da fraternidade deve ser juridicamente afirmado como inclusão e reconhecimento, sendo aplicável à tutela do consumidor de jogos eletrônicos, especialmente em relação à proibição de publicidade infantil em advergames e à obrigatoriedade dos planos de saúde cobrirem gameterapia.

  • O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um precedente ao considerar qualquer publicidade voltada para o público infantil como vedada, impactando a legalidade dos advergames, e reconheceu a obrigação dos planos de saúde em fornecer fisioterapia na modalidade gameterapia quando necessária.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Notas

[1] “Tornou-se mister conhecer o neoindivíduo, ou indivíduo líquido brasileiro que aceitou irrestritamente a ideologia neoliberal, que abraçou o capitalismo líquido como o caminho a ser seguido sem questioná-lo, que acolhe acriticamente todas as condições ‘impostas’ pelo modelo de vida voltado para o consumo como única forma de felicidade. [...] Torna-se quase pleonástico a afirmativa de que a contemporaneidade é caracterizada por uma série de mudanças, as mais manifestas, aparentemente negativas, deteriorantes e contraditórias: a da busca de uma sociedade ideal. Os interesses minoritários são a base estrutural de uma sociedade sem características bem-definidas, carregada de contradições e mergulhada no niilismo. Visivelmente, a infelicidade, a massificação, a angústia, o medo, o apego excessivo às coisas materiais têm caracterizado o homem contemporâneo, teoricamente fruto de uma equação perversa do sistema neoliberal, tal qual uma conspiração mundial, e é justamente esse homem contemporâneo que deve ser compreendido em seus anseios e, também num âmbito externo a ele, compreender epistemologicamente as forças que produzem nele o desejo de se enquadrar, a qualquer custo, num padrão pré-estipulado de comportamento, que rompe com as instituições sociais e confecciona uma nova ética privativista. Torna-se justificável, e mesmo urgente, buscar o entendimento desse novo indivíduo, ou neoindivíduo brasileiro, e a ausência da real liberdade individual no seu sentido mais fundamental, ou seja, uma liberdade em essência, desprendida de modelos e conceitos predefinidos, alforriada de padrões que massificam, manipulam, coisificam e enclausuram, excluindo os desajustados a esses psdrões” (SOARES, 2011, p. 51-52).

[2] “O professor reflexivo é aquele que consegue extrair os dados do seu dia a dia em sala de aula, os analisa rumo a uma solução, caso haja necessidade de modificação, obtém respostas para alguma dúvida quanto ao seu modo de agir e tira suas conclusões” (ROCHA, 2012, p. 73).

[3] O modelo vigente não proporciona esse diálogo proposto. Alunos até se perguntam para que serviriam as cadeiras de Sociologia, Filosofia e Economia presentes nos primeiros períodos – sinal de que não estão elas cumprindo as suas funções. Tais ciências interagem com o Direito e é fundamental que sejam estudadas – desde que dentro de uma metodologia adequada.

[4] “[...] Em suma, com o advento da sociedade do animal laborens, ocorre radical reestruturação do direito, pois sua congruência interna deixa de assentar-se sobre a natureza, sobre o costume, sobre a razão, sobre a moral e passa reconhecidamente a basear-se na uniformidade da própria vida social, da vida social moderna, com sua imensa capacidade para a indiferença. Indiferença quanto ao que valia e passa a valer, isto é, aceita-se tranquilamente qualquer mudança. Indiferença quanto à incompatibilidade de conteúdos, isto é, aceita-se tranquilamente a inconsistência e convive-se com ela. Indiferença quanto às divergências de opinião, isto é, aceita-se uma falsa ideia de tolerância, como a maior de todas as virtudes. Este é afinal o mundo jurídico do homem que labora, pelo qual o direito é apenas e tão-somente um bem de consumo” (FERRAZ JR., 2003, p. 28).

[5] “Fazer publicidade por meio de jogos eletrônicos tornou-se um grande negócio durante os anos 80 e 90, na medida em que mais empresas desenvolveram jogos. Aquelas mais interessadas nesse tipo de publicidade eram as empresas que faziam marketing de comida e bebida para um público jovem; empresas de lanches e refrigerantes como 7-Up, Coca-Cola, Cheetos e Pepsi, bem como redes de fast food, a exemplo de Burger King, McDonald’s e Domino’s Pizza. Essa tendência prosseguiu pelos anos 2000, na medida em que jogos promoveram Chex, Cap’n Crunch, Doritos and Skittles. Fabricantes de carros fabricantes como a BMW, Toyota e a Volvo também produziram advergames. Alguns desses jogos, como aqueles destinados a cereais, vinham com uma amostra do produto como incentivo à compra, enquanto outros demandavam ao comprador que enviasse email ou comprasse o produto a um preço relativamente mais baixo comparado ao preço de varejo de outros jogos” (tradução nossa).

[6] Rossetto e Veronese procuram encontrar, para a criança, um espaço de felicidade associado ao conviver e bem viver segundo a lógica de Hannah Arendt. A fraternidade vai ser identificada como uma via de proteção plena desses hipervulneráveis numa sociedade tecnológica: “Para que possamos articular o espaço na cidade fraterna devemos começar pela compreensão de uma nova ordem simbólica, portadora de atributos presentes na fraternidade, dentre os quais, citamos a cidadania e a política no que a fórmula arendtiana é muito rica. Posteriormente, na sequência deste, será examinada a fraternidade, no caso com o intento de apontar uma breve categoria pertinente à cidade fraterna, na qual apontamos nossa observação sobre a infância e o legado que estamos construindo e deixando como herança para as crianças. Portanto serão essas as categorias tratadas neste (política, cidadania e fraternidade/cidade fraterna)” (ROSSETTO; VERONESE, 2016, p. 143).

[7]

“Cuida-se de apelação interposta pelo Estado de Santa Catarina, em ação aforada G. G. V., representado por sua genitora M. R. G, visando à realização de sessões fisioterápicas de gameterapia, dada a moléstia de que padece, mercê de sentença assim ultimada:

[...] julgo procedente o pedido inicial, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o Estado de Santa Catarina a fornecer ao requerente G. G. V., gratuita e regularmente, de forma contínua, 02 (duas) sessões de fisioterapia de gameterapia semanais pelo prazo indicado pelo médico.

Como contracautela, após o trânsito em julgado desta sentença, deverá a requerente comprovar a manutenção das condições, mediante apresentação de laudo/receituário médico atualizado e circunstanciado à gerência de saúde que lhe fornecer as sessões, no qual conste indicação da continuidade do tratamento e da persistência da necessidade e quantidade das sessões, presumindo-se, na omissão, que não há mais interesse no recebimento do tratamento.

Expeça-se alvará em favor da perita.

Ratifico a decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada de fls. 23-25. Sem custas, em razão da isenção de que goza o Estado, por força do preceituado no art. 33 da Lei Complementar n. 156/97, com a redação que lhe deu a Lei Complementar n. 161/97.

Fixo, em desfavor do requerido, honorários sucumbenciais, no importe de R$ 500,00, nos termos do artigo 20 ,§ 4º, do CPC .

Considerando o valor do tratamento, a sentença não se sujeita ao reexame necessário [...] (e-TJ fls. 174 e 175)

Contrafeito, o Estado apelante defende, em suma, a inviabilidade do estabelecimento de multa diária a seu desfavor, pugnando para que seja afastada ou substituída pelo sequestro de valores. Por fim, pugna pelo prequestionamento dos dispositivos legais invocados no recurso (e-TJ fl. 183 a 189).

Foram apresentadas contrarrazões (e-TJ fls. 193 a 199).

O Parquet, pelo Procurador de Justiça Alexandre Herculano Abreu, opinou pelo parcial provimento do recurso, tão só para substituir a multa diária pelo sequestro de verbas necessárias ao cumprimento da obrigação (fls. 7 a 10).

É o relatório.

O recurso interposto (e-TJ fls. 183 a 189) visa apenas à exclusão ou à substituição da multa cominatória diária pelo sequestro de valores necessários ao pagamento das sessões fisioterápicas de gameterapia, conforme prescrição médica acolitada sentencialmente (e-TJ fl. 13 e 21).

Pois bem. Quanto a essa multa, fixada na decisão interlocutória (e-TJ fls. 23 a 25) e confirmada pela sentença (e-TJ fl. 174), no valor de R$ 100,00 (cem reais) diários, embora seja admissível sua aplicação e razoável o valor arbitrado, tenho por adequado acolher o pleito recursal por sua substituição pelo sequestro do valor necessário ao custeio do tratamento prescrito e deferido, caso não seja concedido, haja vista que se revela como providência mais adequada.

Em endosso a essa compreensão colijo aresto deste Tribunal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - PRAZO PARA O CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL INADEQUADO E ÍNFIMO - MAJORAÇÃO - PREVISÃO DE SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL (CPC, ART. 461, § 5º)- POSSIBILIDADE - DIREITO À SAÚDE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - PREVALÊNCIA SOBRE O DIREITO PATRIMONIAL DO ESTADO - URGÊNCIA NA AQUISIÇÃO DOS MEDICAMENTOS - INAPLICABILIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA PÚBLICA (CF, ART. 100).

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O prazo para cumprimento de decisão judicial, que determina providências do Poder Público para tratamento de saúde, deve ser razoavelmente adequado à necessária burocracia estatal, ainda que de emergência, sem risco de dano à vida do enfermo. Muito mais útil e eficaz do que a astreinte, é possível a imposição do bloqueio e/ou sequestro de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Poder Público a portador de doença grave, como medida executiva (coercitiva) para a efetivação da tutela, ainda que em caráter excepcional, eis que o legislador deixou ao arbítrio do Juiz a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto (CPC, art. 461, § 5º). Portanto, em caso de comprovada urgência, é possível a aquisição, mediante sequestro de verba pública, de medicamento necessário à manutenção da saúde de pessoa carente de recursos para adquiri-lo, sendo inaplicável o regime especial dos precatórios (CF, art. 100), utilizado nas hipóteses de execução de condenações judiciais contra a Fazenda Pública, pois, na espécie, deve ser privilegiada a proteção do direito à vida e à saúde do paciente. (AI n. 2012.077381-8, de Rio do Sul, rel. Des. Jaime Ramos, j. 7.2.2013 - destaquei).

Do Superior Tribunal de Justiça, no mesmo compasso, invoco:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS E FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE.

1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.069.810/RS sob o regime do art. 543-C do CPC, decidiu que, "tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação" (REsp 1.069.810/RS, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 6.11.2013).

2. Agravo Regimental não provido. (AgRg no RMS 45872/GO, rel. Min. Herman Benjamin, j. 24.2.2015 - negritei).

É, pois, plausível - além de mais apropriado - o sequestro de verba pública para garantir o tratamento fisioterápico requerido pelo apelado.

EM FACE DO EXPOSTO, dou parcial provimento à apelação, fazendo-o com espeque no art.557 do Código de Processo Civil, tão só para afastar a imposição de multa cominatória (astreinte), substituindo-a, se necessário, pela aplicação da medida cautelar de sequestro do valor necessário ao custeio do tratamento fisioterápico prescrito (sessões de gameterapia)”.


ABSTRACT: The current society’s characteristics are individualism and consumption, and the search for pleasure becomes ferocious in a frenetic capitalism. There’s digital entertainment and video games have become relevant in a global context. One can say video games are no more just used for playing, they have become instrumental in the post-modern society, as they can be used in publicity, in heathcare treatment, and in this way these gadgets become relevant in law.  In Brazil, the Consumer Code makes the regulation of product quality and publicity, while private healthcare services are regulated by Law 9.656/98. Also, the fraternity principle, in the globalization context, must be considered as inclusion and recognition. This paper presents, through an analysis of the juridical literature and the jurisprudence of Superior Tribunal de Justiça, how the idea of fraternity can be associated to the protection of video game consumers.

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Sobre o autor
Thiago dos Santos Rocha

Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Thiago Santos. Jogos eletrônicos, direito do consumidor e princípio da fraternidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5111, 29 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58704. Acesso em: 22 dez. 2024.

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