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O consumo de açúcar e o Código de Defesa do Consumidor.

O Impacto das políticas públicas para redução do consumo de açúcar

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Resumo:


  • O consumo de açúcar tem aumentado significativamente nas últimas décadas, contribuindo para a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e obesidade, o que tem levado a uma preocupação internacional e a adoção de medidas para reduzir sua ingestão.

  • Políticas públicas como o aumento da tributação em alimentos ricos em açúcar demonstram resultados positivos na redução do consumo desses produtos, com exemplos bem-sucedidos em países como França, Hungria e México.

  • A Organização Mundial da Saúde recomenda que os governos aumentem os impostos sobre bebidas açucaradas como estratégia eficaz para diminuir o consumo e combater a obesidade, sugerindo que um aumento de 20% nos preços poderia reduzir o consumo em uma proporção semelhante.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Considerando que o consumo de açúcar por brasileiros está acima da recomendação da OMS, esta sugeriu o aumento da tributação sobre as bebidas açucaradas, pois estudos mostram que a elevação do preço leva a uma redução proporcional do consumo.

1 Introdução

O açúcar, da maneira que o conhecemos, é uma substância relativamente nova na dieta humana; o consumo excessivo não fazia parte da alimentação dos antepassados. Recentemente, devido às mudanças socioeconômicas e demográficas ocorridas no Brasil e no mundo nas últimas décadas, tem provocado importantes modificações nos padrões da alimentação, aumentando a relevância de avalições desse novo padrão de consumo das famílias.

Após o grande aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e obesidade na população, observou-se que o consumo exagerado de açúcar possui ligação direta com tais resultados. Por esse motivo, existe uma cobrança internacional de conscientização sobre os malefícios do consumo de açúcar.

Assim, diversos países vêm adotando medidas para diminuir seu consumo. O Brasil, no entanto, possui bastante resistência em aderir tais políticas, apesar de ser classificado como o quarto maior consumidor de açúcar no mundo[1].

Dentre os principais planos governamentais está o aumento na tributação dos alimentos com elevado grau de açúcar ou até na limitação de venda. Essas políticas demonstram grande resultado, como demonstrado a seguir.

 


2 O consumo de açúcar no mundo

 

O mundo nunca esteve tão inundado de açúcar. Devido à praticidade e principalmente ao gosto agradável ao paladar, o consumo de alimentos industrializados, ricos em açúcares livres[2], vem aumentando gradativamente.

Existe uma preocupação crescente em relação ao fato de que a ingestão de açúcares livres, principalmente na forma de bebidas açucaradas, aumenta a ingestão calórica geral e pode reduzir a ingestão de alimentos que possuem calorias mais adequadas do ponto de vista nutricional, levando consequentemente a um regime alimentar nocivo, ao aumento de peso e a um maior risco de contração de doenças.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)[3], recomenda-se um consumo diário de no máximo 10% de açúcar com relação ao total de calorias ingeridas, ou seja, aproximadamente 50g/dia. No entanto, essa realidade ainda está bem longe do cotidiano da maioria das pessoas. Por isso, existe a necessidade de conscientização dos malefícios causados pela ingestão excessiva de açúcar, além da criação de políticas públicas.

Uma das medidas adotadas por vários países para desestimular o consumo de açúcar na dieta populacional é o aumento de até 20% no imposto sobre diversas bebidas doces, tendo em vista que a grande parte do açúcar consumido atualmente está “escondido” em alimentos processados, ou em bebidas, como caixinhas de suco e refrigerantes.

De acordo com a OMS[4], o aumento de 20% nos preços já reduziria drasticamente o consumo de bebidas doces, e como consequência, os casos de obesidade, cáries e diabetes.

Em alguns países, essas medidas já foram adotadas. Como por exemplo, a França que em 2004 proibiu a instalação de máquinas de refrigerantes nas escolas, em 2011 limitou a venda de batata frita a uma vez na semana em cantinas estudantis, e recentemente, em 26 de janeiro deste ano, editou uma lei[5] proibindo a venda de bebidas açucaradas ilimitadas.

 


3 O aumento de impostos e a diminuição no consumo de açúcar

 

As políticas de intervenção estatal têm se mostrado essenciais para a reeducação alimentar populacional. No entanto, a providência mais comum, e que vem revelando bons resultados é o aumento de impostos sobre os alimentos considerados nocivos.

A tabela abaixo demonstra o aumento adotado por alguns países.

 

Países

Experiência

1. França

Desde 2012, todas as bebidas adicionadas de açúcar e adoçantes artificiais são sobretaxadas. As vendas nos supermercados diminuíram pela primeira vez em muitos anos – 3,3% durante os 4 meses após a incorporação da taxação.[6]

Em 26 de janeiro de 2017 proibiu a venda ilimitadas de bebidas açucaradas.

2. Hungria

Taxou desde 2011 bebidas açucaradas e alimentos energeticamente densos. Eram (US$ 0.10) por litro de bebidas açucaradas. Observou-se queda na venda de bebidas açucaradas de 117 milhões de litros para 69 milhões de litros de 2011 para 2012.[7]

3. Irlanda

Estabeleceu taxação em bebidas açucaradas na década de 80. Foi sobretaxado 0,37 pounds irlandeses (US$ 0,58) por galão de bebida. Observou-se um declínio de 11% do consumo no aumento de 10% do preço. [8]

4. México

Em 2013, o Poder Legislativo mexicano aprovou um imposto especial de 1 peso (US$ 0,08) por litro de bebida açucarada, incluindo refrigerantes, bebidas energéticas, chá, café e bebidas de frutas engarrafadas. A aprovação do imposto se deu a partir de um apoio estratégico e dirigido, focado em primeira instância em dar visibilidade ao problema e alertar para a urgência entre os responsáveis pela formulação de políticas públicas, assim como entre a opinião pública..[9] 

5. Noruega

Em 1981, a Noruega propôs uma taxação para açúcar, chocolate e bebidas açucaradas. A frequência de consumo de limonada e refrigerante diminuiu de 2001 a 2008 de 4,8 a 2,5 vezes pela semana para 2,3 a 1,6 vezes pela semana.[10]

6. Estados do EUA (Missouri, Indiana, Mississipi, Nova Jersey e Rhode Island)

Taxação de bebidas açucaradas em alguns estados.[11] Política vem sendo avaliada. Importante salientar que a indústria de bebidas gastou aproximadamente 70 milhões de dólares desde 2009 para lobby contra a taxação.

 

Como se pode observar, o aumento nos preços possui consequências diretas no consumo de tais alimentos. No entanto, vale salientar a extensão de tal política pública realizada no México.  

Como em resposta ao rápido crescimento das taxas de diabetes e obesidade, o governo mexicano implementou um imposto federal sobre o consumo de bebidas açucaradas de um peso por litro – aproximadamente 10% - em janeiro de 2014. O imposto cobre todas as bebidas açucaradas gasosas e não-gasosas inclusive sucos com açúcares adicionados, assim como xaropes e outros componentes utilizados para fabricar bebidas açucaradas.

Após uma análise feita pelo governo mexicano, observou-se que o aumento dos imposto obtiveram as seguintes consequências[12]: (i) a venda de bebidas taxadas diminuiu 12% ao final de 2014; (ii) as vendas de bebidas não taxadas, especialmente garrafas de água, aumentou 4% em média; (iii) análises realizadas em 2015, ajustadas com relação à crescimento populacional e atividade econômica, mostram uma queda de 8% nas vendas de bebidas taxadas; e (iv) Foram arrecadados mais de  de 2.6 bilhões de dólares durante os dois primeiros anos de implementação, sendo que parte dessa receita está começando a ser investida na instalação de bebedouros em escolas do México.

Trata-se, portanto, de uma política efetiva e que demonstra resultados positivos no combate ao consumo excessivo do açúcar.

 


4 O Consumo de açúcar no Brasil

 

O Brasil vive as transições epidemiológica (diminuição das doenças infecciosas e crescimento das doenças crônicas não transmissíveis -) e nutricional (redução da desnutrição e aumento do excesso de peso, em todas as idades e classes de renda).

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) constituem o problema de saúde de maior magnitude relevante e respondem por mais de 70% das causas de mortes no Brasil, sendo o excesso de peso um dos principais fatores de risco.[13] 

 

Ainda de acordo com a pesquisa, em 2013 a prevalência de excesso de peso em adultos era de 56,9% e de obesidade 20,8%. [14] Já na faixa etária de 5 a 19 anos, a frequência do excesso de peso praticamente triplicou entre os anos de 1990 e 2008, atingindo entre um quinto e um terço dos jovens.[15] Houve um crescimento contínuo do aumento de peso nos últimos 20 anos, em todas as idades, classes sociais e regiões do Brasil, tanto na zona urbana como rural .

A obesidade e as doenças crônicas impactam o Sistema Único de Saúde (SUS), chegando a um custo financeiro anual, em 2011, de quase meio bilhão de reais.[16] Uma análise do Banco Econômico Mundial[17] estima que países como Brasil, China, Índia, África do Sul e Rússia perderam, nos anos 2000, mais de 20 milhões de anos produtivos de vida devido às DCNT e esse número deve crescer 65% até 2030. Foi avaliado que no ano 2000, o Brasil perdeu mais de um milhão de ano produtivo. As DCNTs são a principal causa de perda de tempo no trabalho na população em idade economicamente ativa.

O excesso de peso e a obesidade, causados principalmente pelo consumo excessivo de açúcar, por serem fatores de risco para hipertensão, diabetes e câncer, têm se mostrado como um dos fatores mais preocupantes no que se refere ao risco de morte, como aponta o relatório “Estatísticas da Saúde Mundial 2012” da OMS. [18]

O consumo de bebidas adicionadas de açúcar aumenta o risco de ganho de peso e diabetes, e esse risco aumenta conforme a quantidade consumida.[19]O consumo diário de uma lata (355 mL) de bebida açucarada já seria suficiente para um aumento de cerca de 83% no risco de Diabetes Melitus 2 em relação aqueles indivíduos com consumo ocasional (menos de uma porção ao mês) dessas bebidas.[20],[21]

Segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, o consumo de açúcar por crianças e adolescente passa de 17% do valor diário de calorias, 7% a mais do indicado como razoável pela OMS, o que potencializa o risco de doenças crônicas. Quase um quarto (23,4%) da população brasileira acima dos 18 anos consome refrigerante ou suco artificial regulamente (pelo menos 5 dias na semana).

No Brasil, existe arcabouço jurídico para proteção da saúde e alimentação, que são direitos sociais, conforme a Constituição de 1988 (art. 6º). Ademais, é imposto ao Estado o dever de promover políticas sociais e econômicas com o objetivo de reduzir risco de doença e de outros agravos (art. 196).

O Código de Defesa do Consumidor (art. 9º) obriga o fornecedor de produtos potencialmente nocivos à saúde o dever informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade. Especificamente no que se refere à proposta de vedação de publicidade dirigida ao público infantil, o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva – e, portanto, proibida – toda publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança” (art. 37, § 3°).

Mas, além da divulgação da informação e o controle da publicidade, a taxação de produtos maléficos à saúde, como já demonstrado, vem sendo adotada por vários países.  Isso porque o preço dos alimentos é um importante determinante das escolhas alimentares.[22],[23]

No mesmo sentido, estudo realizado por Harvard[24] estimou o custo-efetividade de intervenções para prevenção e controle da obesidade infantil, identificou que a taxação sobre bebidas açucaradas, entre outras ações, apresentou menores gastos com cuidados em saúde do que o custo para implementação dessas ações.

O consumo per capita de refrigerantes no Brasil é de 90 litros ao ano.[25] O Brasil é o décimo pais no mundo que mais vende calorias per capita por dia (89,74 kcal), havendo um aumento, de 2009 para 2014, nas vendas de 76,52 para 89,74 kcal per capita por dia.

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A partir dos dados da POF (IBGE), avalia-se que um aumento de 10% no preço das bebidas açucaradas conduziria a uma redução de 8,5% de calorias consumidas de bebidas açucaradas (10,3% redução para os mais pobres e 6,3% para os mais ricos). A alta elasticidade-preço de bebidas açucaradas no Brasil indica que um imposto sobre a compra por peso ou volume levaria a reduções no consumo dessas bebidas.[26] Além disso, um aumento no preço de bebidas açucaradas não só resultaria na diminuição de seu consumo diário como também estimularia a substituição dessas bebidas por alternativas mais saudáveis. [27]

O Brasil viveu a experiência de usar a taxação como forma de reduzir o consumo par ao caso do tabaco. Houve redução na proporção de fumantes entre 1989 e 2013 de 34,3% para 14,7% da população.[28],[29] Medidas para regular o uso do cigarros já eram usadas desde a década de oitenta, mas foi na década de noventa em que as medidas se tornaram mais agressivas, como restrições à publicidade, a fumar em espaços públicos fechados e o uso de advertências nos maços de cigarros, mudando os padrões de iniciação e cessação no consumo. [30] Em 2006 houve o aumento da tributação que foi decisivo para a redução da prevalência de fumantes no Brasil, enquanto, ao mesmo tempo, propiciou o aumento das receitas do IPI cigarro mais que duplicaram nesses períodos, passando de R$2,4 bilhões em 2006 para 5,1 bilhões em 2013.[31]

Nesse sentido, no final do ano de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu aos governos que aumentem o imposto sobre as bebidas açucaradas para combater o problema da obesidade no mundo, já que a adoção dessa medida é uma das formas mais efetivas para reduzir o consumo: “A maior tributação de produtos que prejudicam a saúde, como bebidas açucaradas, é uma das estratégias mais efetivas para reorientar a alimentação. ”[32] 

A OMS afirma que existem provas contundentes de que novos impostos cobrados sobre as bebidas açucaradas, como refrigerantes, "reduziria proporcionalmente seu consumo".  Um aumento de 20% dos preços desse tipo de bebida teria uma redução do consumo da ordem de 20% e um aumento de 50% reduziria o consumo pela metade.

 


5 Considerações Finais

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) são um grande problema de saúde pública, respondendo por cerca de 70%  das causas de mortes no Brasil, sendo o excesso de peso um dos seus principais fatores de risco.

O consumo excessivo de açúcar é uma das principais causas do excesso de peso e a obesidade, e uma das principais fontes de açúcar são os alimentos ultraprocessados, como as bebidas açucaradas.  A redução do consumo dessas bebidas passa por uma série de políticas públicas, como divulgação, controle de publicidade e também aumento da tributação. Países que aumentaram os impostos sobre produtos maléficos à saúde verificaram uma redução do consumo. O Brasil também conseguiu reduzir o consumo de tabaco adotando essa prática.

Recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugeriu o aumento da tributação sobre as bebidas açucaradas, pois estudos mostram que a elevação do preço leva a uma redução proporcional do consumo.

Considerando que o consumo de açúcar por brasileiros está acima da recomendação da OMS; que o país perde milhão de anos produtivos acarretados pelas DCNTs; que outras experiências mostraram impacto positivo do aumento da tributação em produtos maléficos à saúde; que a OMS recomenda o aumento dos impostos como forma de reduzir o consumo de bebidas açucaradas e; o bom custo-efetividade dessa intervenção, não há motivos pelos quais não adotá-la, especialmente num cenário de queda de arrecadação e contenção de despesas pelo qual o Brasil atravessa. 

 

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Sobre os autores
Laís Oliveira e Silva

Estudante de direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Munique Barros ; SILVA, Laís Oliveira. O consumo de açúcar e o Código de Defesa do Consumidor.: O Impacto das políticas públicas para redução do consumo de açúcar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5123, 11 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59063. Acesso em: 22 dez. 2024.

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