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Aposentadoria previdenciária do deficiente

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04/01/2018 às 08:00
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A definição de incapacidade para o trabalho não é uma tarefa simples. Há uma prevalência, pela perícia médica do INSS, por exemplo, ao realizar essa análise visando o acesso aos benefícios previdenciários (auxílio doença e aposentadoria por invalidez), de privilegiar o diagnóstico da doença apenas, dentro do enfoque individual, sem considerar o meio e a própria relação com a atividade ocupacional enquanto atividade inserida na divisão social e técnica do trabalho, determinada historicamente. Ao realizar a avaliação de incapacidade para o trabalho da pessoa com deficiência, além dos obstáculos acima descritos, muitas vezes outros conflitos também são externados.

Em relação ao conceito de vida independente, o Decreto no 1.744/1995 é reducionista quando utiliza esse termo como a impossibilidade de desempenhar as atividades da vida diária. Estas deveriam compreender, entre outras: comunicação, atividades físicas, funções sensoriais, funções manuais, capacidade de usar meios de transporte, função sexual, sono e atividades sociais e de lazer. Todavia, o INSS, ao operacionalizar a avaliação do beneficiário, considera a incapacidade de vida independente apenas quando o usuário é incapaz de desempenhar as atividades relacionadas ao autocuidado, focalizando apenas a capacidade em vestir-se, comer, fazer a higiene pessoal e evitar riscos. Nessa lógica, consideram-se, muitas vezes, as atividades diárias voltadas apenas para atender às necessidades de um mínimo biológico de sobrevida. Exemplo: avalia-se a capacidade da pessoa com deficiência em alimentar-se sozinha, mas não a capacidade dessa mesma pessoa de preparar sua própria alimentação.

A definição de atividades de vida diária deve referir-se ao desenvolvimento de ações que garantam um patamar digno de qualidade de vida. Vida diária não deve ser sinônimo de sobrevida. As atividades analisadas não podem restringir-se às tarefas necessárias a garantir apenas a sobrevivência. A incapacidade é definida em decorrência das limitações presentes nas pessoas com deficiência,sem atentar para os fatores sociais que cercam aquele potencial beneficiário.

É importante, ao se caracterizar a incapacidade para a vida independente e para o trabalho, levar em conta não somente a gravidade da doença/deficiência, mas também a qualidade de vida da pessoa em seu contexto sócio-familiar.


Discussão dos resultados

A concessão do beneficio de aposentadoria da pessoa portadora de deficiência requer uma pericia medica a ser realizada pelo medico oficial do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Porem, a veracidade dessas periciais são questionáveis, uma vez que existem inúmeras ações judiciais em face dos seus resultados.         

Estudos científicos observaram que a expectativa de vida das pessoas com deficiência é inferior à da população sem deficiência, bem como seu desgaste funcional, com repercussões na condição de vida laboral e social, ocorre em razão de múltiplos fatores, tais como: maior vulnerabilidade da saúde por acidentes ou patologias, envelhecimento precoce e falta de acessibilidade nos ambientes gerais e no trabalho. Some-se a isso a entrada tardia no mercado de trabalho, que interfere na possibilidade de os trabalhadores com deficiência cumprirem o mesmo tempo de contribuição que os demais. A CIF, aprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), permite classificar, em nível mundial, a funcionalidade, a saúde e a deficiência do ser humano, estabelecendo outros paradigmas em contraposição às idéias tradicionais sobre saúde e deficiência. Foram empreendidos rigorosos estudos científicos, de forma que a CIF pode ser aplicada independentemente da cultura, grupo etário ou sexo, possibilitando o recolhimento de dados confiáveis e susceptíveis de comparação relativamente aos critérios de saúde dos indivíduos e das populações. Ela constitui, portanto, um instrumento apropriado para implementar as normas internacionais relativas aos direitos humanos, assim como as legislações nacionais.

Enquanto os indicadores tradicionais baseiam-se em taxas de mortalidade da população, a CIF focaliza seu interesse no conceito “vida”, considerando a forma como as pessoas vivem seus problemas de saúde e possíveis formas de melhorar suas condições de vida com vista a uma existência produtiva e enriquecedora.

Essa nova classificação tem implicações sobre a prática da medicina, sobre legislação e políticas sociais destinadas a efetivar e melhorar a qualidade do acesso aos cuidados de saúde, bem como à proteção de direitos individuais e coletivos. Considera, ainda, os aspectos sociais da deficiência e propõe um mecanismo para identificar o impacto do ambiente social e físico sobre a funcionalidade da pessoa.


Considerações finais

Há muito a ser feito, há muitas questões a serem resolvidas no que concerne às pessoas com deficiência, o que coloca o Estado (governo e sociedade) diante de um dilema: ou resolve estas questões ou continuará dispensando, de forma dissimulada, o mesmo tratamento dado aos deficientes nas sociedades primitivas. Em se tratando de norma integrante de um conjunto de medidas tendentes a garantir às pessoas com deficiência o pleno gozo dos direitos fundamentais individuais e sociais garantidos às pessoas sem deficiência, sua aplicação e análise jamais pode se dar apenas em tese; há que se considerar a realidade vivenciada pelos profissionais com deficiência e os obstáculos que enfrentam até alcançarem a aposentadoria.

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Nossa sociedade não está pronta para receber as pessoas com deficiência, seja pela falta de acessibilidade ou mesmo pelo preconceito que insiste em permear as relações pessoais. É necessária uma revisão do instrumento de avaliação do grau de deficiência regulamentado, trazendo novas perspectivas de avaliação e caracterização de deficiência para melhorar o atendimento aos princípios legais e constitucionais que alude a nova previsão de aposentadoria aos segurados com deficiência. Questões como a gradação da deficiência para fins de enquadramento às novas regras de aposentadoria e os critérios para a contagem do tempo de contribuição (bem como sua conversão) serão, decerto, objeto de intenso debate jurídico.


Referências

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 10 ed.rev. atual. E ampl. São Paulo. Revista dos Tribunais.

SOARES, João Marcelino. Aposentadoria da pessoa com deficiência. 3 Ed. Curitiba. Juruá. 2015. P. 150.

SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 5 ed. Curitiba. Alteridade. Editora. 2014.

GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por incapacidade e perícia médica. Manual prático. 2 ed. Curitiba. Juruá. 2014.

Lei 13.146, de 06/07/2015. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em 10/03/2017. Acesso em: 10/03/2017

Retratos da deficiência no Brasil: http://www.cps.fgv.br/ibre/CPS/deficiencia_br/PDF/PPD_P%C3%A1ginasIniciais.pdf. Acesso em 18/03/2017

Previdência Social: http://www.previdencia.gov.br/servicos-ao-cidadao/todos-os-servicos/aposentadoria-por-tempo-de-contribuicao-da-pessoa-com-deficiencia/ Acesso em: 02/03/2017

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Fernanda. Aposentadoria previdenciária do deficiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5300, 4 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60821. Acesso em: 19 abr. 2024.

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