4 DA (IM)POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DE PENA APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU: ANÁLISE DO PRECEDENTE FIRMADO NO HC 126.292 DECIDIDO PELO STF
4.1 NOTAS DE CONTEXTUALIZAÇÃO PARA UMA ANÁLISE DO PRECEDENTE
Conforme destacado no primeiro capítulo, da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no HC. 126.292/SP (Rel. Min. Teori Zavascki), julgado em 17 de fevereiro de 2016, ter sido aberto precedente dito, inclusive, como “inconstitucional”. Entretanto, vale dizer, a matéria precisa ser analisada com cuidado à fim de evitar equivocadas conclusões.
Em razão disso, e visto tratar-se, o presente capítulo, de uma análise de precedente, mister se faz, ainda que em linhas gerais, trazer considerações sobre os aspectos teóricos que o ladeiam. Nessa particular empreitada, cumpre dizer, não será necessária a abordagem em tópico separado, de forma que, aqui mesmo, serão registrados os pontos mais significantes relativo à matéria aventada.
A primeira observação a ser feita é a de que a análise de um precedente deve se dar com base no caso concreto de onde ele foi exarado. O precedente por sua vez, é uma norma geral, retirada da fundamentação da decisão, a ser aplicada diante de semelhantes casos concretos. Nesse sentido, inclusive, são as lições Didier Jr. Et. Al. (2015, pág. 389) que, ao tecerem obtemperações sobre a interpretação da decisão judicial, afirmam que “[...] Da sua fundamentação extrai-se a norma jurídica geral, construída à luz do caso concreto, que têm aptidão para servir de modelo para a solução de casos semelhantes àquele - a norma do precedente”.
Cumpre salientar que a definição do mesmo depende bastante do ponto de vista tomado, de forma que, para não fugir aos objetivos do trabalho, não serão abordados estes aspectos. De toda sorte, o que não pode ser olvidado, para o presente trabalho, é o primeiro registro, qual seja: o de que todo precedente é aberto em um caso concreto e a ele deve respeito.
Dessa forma, não poderá ser aplicado a casos que não guardem, com ele, semelhança. Dito de uma outra forma, para melhor fixar o exposto, sendo distintos os casos, não poderá ser aplicado o precedente anteriormente firmado.
Assim, e considerando o alerta de Marinoni (2016, pág. 161), que “o significado de um precedente deve ser buscado nas razões pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram à fixação do dispositivo”, exsurge a necessidade de compreender o significado de ratio decidendi. Não irá se adentrar, por certo, nas nuances relativas às técnicas para sua identificação, mas não prescinde, vale dizer, a tessitura de breves considerações sobre o tema.
Nesse particular aspecto, bastará a conceituação. Conforme ensinamentos de Didier Jr. Et. Al. (2015, pág. 442): “A ratio decidendi [...] são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual não teria sido proferida como foi”. Vale observar, por necessário, que não é a fundamentação (elemento da decisão), mas os fundamentos jurídicos que se constituem em ratio de um dado precedente.
Ademais, vale dizer, não é qualquer fundamento(s), mas apenas aquele(s) que se constitua em suporte para a conclusão constante do dispositivo da decisão. Do contrário serão apenas obter dictum, consistentes, estes, em argumentações de reforço, mas não suficientes, se vistas isoladamente, para sustentar a decisão (MARINONI, 2016).
Postas essas informações, cumpre destacar, nesse ínterim, que os precedentes, em razão das peculiaridades que o circundam, possuem técnicas específicas de aplicação (não exaustivamente arroladas em razão dos objetivos do trabalho). Como dito acima, não cabe a aplicação de precedente quando o caso posterior for diverso daquele do qual se originou.
É com base nisso, pode se dizer, que têm espaço o uso distinguishing, técnica pela qual busca-se analisar se o caso em apreço guarda semelhança com aquele aonde se firmou a tese. À vista disso, e considerando bastantes as obtemperações expendidas, que passar-se-á para o próximo tópico, onde se buscará registrar uma suma do precedente oriundo do caso ora em análise.
4.2 UMA SÍNTESE DO JULGADO: HC 126.292/SP, DO STF
Nas palavras do Relator do HC. 126.292/SP, julgado em 17 de fevereiro de 2016, o falecido Senhor Ministro Teori Zavascki (2016, pág. 2-3), a seguir transcritas, integralmente, em razão de sua importância para a adequada abordagem do tema, asseverou que:
[...] habeas corpus impetrado contra decisão do Ministro Francisco Falcão, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o pedido de liminar no HC 313.021/SP. Consta dos autos, em síntese, que (a) o paciente foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo majorado (art. 157, 2º, I e II do CP), com direito de recorrer em liberdade; (b) inconformada, somente a defesa apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão contra o paciente; (c) contra a ordem de prisão, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que o Ministro Presidente indeferiu o pedido de liminar, em decisão assim fundamentada: “As Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça firmaram o entendimento majoritário de que é inadequado o manejo de habeas corpus contra decisório do Tribunal a quo atacável pela via de recurso [...]. Diante dessa nova orientação, não são mais cabíveis habeas corpus utilizados como substitutivos de recursos ordinários e de outros recursos no processo penal. Essa limitação, todavia, não impede que seja reconhecida, mesmo em sede de apreciação do pedido liminar, eventual flagrante ilegalidade passível de ser sanada pelo writ (HC 248757/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Assusete Magalhães, DJe de 26/09/12). Na hipótese em apreço, no entanto, não se evidencia a aventada excepcionalidade. Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar, sem prejuízo de uma análise mais detida quando do julgamento do mérito pelo Ministro Relator.
Dessa forma, cumpre destacar, a decisão oriunda do Superior Tribunal de Justiça, no HC 313.021/SP, prolatada pelo Ministro Francisco Falcão, dizia respeito à admissibilidade do habeas corpus como substituto de recursos. Não tendo ocorrido situação de flagrante ilegalidade, afirmou o Ministro do STJ que não caberia o deferimento do pedido liminar, devendo, o impetrante, aguardar o julgamento final do mesmo. Em razão disso, e irresignado, fora manejado novo Habeas Corpus (HC 126.292/SP, agora endereçado ao STF. Nas palavras do Relator deste (2016, pág. 3), citado acima.
Neste habeas corpus, a impetrante alega: (a) a ocorrência de flagrante constrangimento ilegal a ensejar a superação da Súmula 691/STF; (b) que o Tribunal de Justiça local determinou a imediata segregação do paciente, sem qualquer motivação acerca da necessidade de decretação da prisão preventiva; (c) que a prisão foi determinada “após um ano e meio da prolação da sentença condenatória e mais de três anos após o paciente ter sido posto em liberdade, sem que se verificasse qualquer fato novo” e, ainda, “sem que a decisão condenatória tenha transitado em julgado”; (d) a prisão do paciente não prescinde, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do trânsito em julgado da condenação. Requer, por fim, a concessão da ordem com o reconhecimento do direito do paciente de recorrer em liberdade. Em 5.2.2015, deferi o pedido de liminar “para suspender a prisão preventiva decretada contra o paciente nos autos da Apelação Criminal 0009715-92.2010.8.26.0268, do TJ-SP”.
E, nesses termos, foi dado por encerrado o relatório. Cumpre destacar, por oportuno, que o enunciado 691 da Súmula do STF trata da admissibilidade do Habeas Corpus manejado para atacar indeferimento de pedido liminar. Consoante a mesma: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
É justamente essa a hipótese do caso. Diante do indeferimento de pedido liminar, proveniente de decisão de Relator de Habeas Corpus, manejado perante Tribunal Superior (STJ), alegou-se a necessidade de superação do mencionado enunciado de súmula do STF. Em suma, assim, a questão estava mais cingida, incialmente, à admissibilidade do writ. Contudo, no voto do Relator, fora afirmado que se tratando de
execução provisória da pena, a decisão está em claro confronto com o entendimento deste Supremo Tribunal, consagrado no julgamento do HC 84.078/MG (Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010) segundo o qual a prisão decorrente de condenação pressupõe o trânsito em julgado da sentença. Essa circunstância autoriza o excepcional conhecimento da impetração, não obstante a referida Súmula 691/STF.
Em razão disso, cumpre dizer, passou-se ao mérito, qual seja, a possibilidade cumprimento de pena após confirmação de sentença penal condenatória em segundo grau de recurso. À vista disso, teve de ser abordado, também, a extensão do princípio da presunção de inocência, dentre outros assuntos que o ladeiam. Registre-se, então, que o intento do julgamento era este. Foi nesse sentido, inclusive, o voto do Ministro Luís Roberto Barroso.
4.3 ENFRENTANDO O MÉRITO
Cumpre destacar, como já assinalado acima, que a matéria há muito que é discutida em sede de Supremo Tribunal Federal. Apenas para se ter exemplo, já foram intentadas duas ações declaratórias de constitucionalidade, perante o mesmo, logo após o julgamento do HC 126.292/SP (Rel. Min. Teori Zavascki), em 17 de fevereiro de 2016. Anteriormente, a realidade não era outra. Não adentrar-se-á, aqui, nesse mérito, pois restringir-se-á a análise da possibilidade de cumprimento de pena após a confirmação de sentença penal condenatória por tribunal de segundo grau.
Nesse particular, cumpre a observação de que não será utilizada a designação “cumprimento provisório de pena”, posto que, trata-se de cumprimento definitivo. A denominação de provisoriedade se dá apenas em razão da inexistência de trânsito em julgado do processo penal em toda sua extensão.
Mas, como assentado no capítulo 2, se analisada a decisão condenatória à luz da teoria dos capítulos de sentença, resta sufragado o absurdo de exigir trânsito total como pressuposto para execução de Acórdão Penal Condenatório. Assim, buscar-se-á, doravante, enfrentar propriamente o assunto.
Para tanto, serão seguidos, basicamente, três eixos de argumentação. O primeiro pertinente à extensão da presunção de inocência. O segundo relativo à teoria dos capítulos de sentença, e o terceiro no que tange aos efeitos dos recursos. Do voto do Relator, acerca da presunção de inocência, inobstante outros tenham reverberado, colhe-se a seguinte passagem (2016, pág. 8):
O reconhecimento desse verdadeiro postulado civilizatório teve reflexos importantes na formulação das supervenientes normas processuais, especialmente das que vieram a tratar da produção das provas, da distribuição do ônus probatório, da legitimidade dos meios empregados para comprovar a materialidade e a autoria dos delitos. A implementação da nova ideologia no âmbito nacional agregou ao processo penal brasileiro parâmetros para a efetivação de modelo de justiça criminal racional, democrático e de cunho garantista, como o do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, do juiz natural, da inadmissibilidade de obtenção de provas por meios ilícitos, da não auto-incriminação (nemo tenetur se detegere), com todos os seus desdobramentos de ordem prática, como o direito de igualdade entre as partes, o direito à defesa técnica plena e efetiva, o direito de presença, direito ao silêncio, o direito ao prévio conhecimento da acusação e das provas produzidas, o da possibilidade de contraditá-las, com o consequente reconhecimento da ilegitimidade de condenação que não esteja devidamente fundamentada e assentada em provas produzidas sob o crivo do contraditório.
Assim, tomando o exposto, a presunção de inocência diz respeito à impossibilidade de se tratar, como culpado, aquele sobre o qual ainda não restou demonstrada a sua culpabilidade.
É dizer, em outras palavras, que vencida a instrução probatória e impossibilitada a via de recurso para rediscussão do assunto, não mais subsiste a presunção. Ela, doravante, se inverte.
Tanto é, ao menos no que tange à esfera da culpabilidade, que o cabimento de revisão criminal, por exemplo, depende de “novas provas de inocência do acusado” para que seja, então, admitida (primeira parte do inciso III do Art. 621 do CPP) (BRASIL, 1941).
Passando ao segundo eixo (teoria dos capítulos de sentença), confirmada em segundo grau a condenação originária do primeiro, o cabimento de recursos excepcionais (excetuado manejo do habeas corpus – que não é recurso, mas às vezes é usado tal como se fosse – em situações de flagrante ilegalidade, consoante a jurisprudência dos tribunais superiores) é restrito às matérias de direito, sendo, em pouquíssimos casos (cabível o distinguishing aliás), passíveis de alterar o juízo de condenação do culpado, de forma que, cumpre dizer, não há outra conclusão lícita que não seja a de transito parcial do jugado. (BRASIL, 2016).
Em outras palavras, o juízo de culpabilidade não teria a possibilidade de ser, em instância superior, posteriormente mudado. Dessa forma, aquele específico capítulo de sentença não mais poderia ser modificado pelas vias excepcionais de recurso. Não se devolverá mais, ao judiciário, a apreciação da matéria.
Ainda que devolvida alguma parte, cumpre dizer: em sede excepcional de recurso o efeito suspensivo não é a regra, sendo esse, aliás, o terceiro eixo de argumentação do presente trabalho. Dessa forma, plenamente possível o mandado de cumprimento de pena logo após a confirmação da sentença penal condenatória em segundo grau de jurisdição. Com isso, então, deve-se sistematizar o assunto.
4.4 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
Em geral, o posicionamento daqueles que entendem pela inconstitucionalidade da possibilidade de cumprimento definitivo de pena após condenação em segundo grau de jurisdição se sustentam da clareza do texto constitucional. A Constituição teria sido clara, exigindo o trânsito em julgado para haver juízo definitivo de culpabilidade, com a respectiva possibilidade de cumprimento de pena. (BRASIL, 2016)
Nesse sentido, vale destacar, são as palavras do Ministro Ricardo Lewandowski (2016, pág. 97), no julgamento do HC 126.292/SP, de Relatoria do falecido Ministro Teori Zawascki, julgado em 17 de fevereiro de 2016.
Assim como fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo eminente Ministro Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim como expressou o Ministro Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo. Voltando a, talvez, um ultrapassadíssimo preceito da antiga escola da exegese, eu diria que in claris cessat interpretatio. E aqui nós estamos, evidentemente, in claris, e aí não podemos interpretar, data venia.
Entretanto, a possibilidade de cumprimento definitivo de pena após condenação em segundo grau de jurisdição não é questão que afaste interpretação pelos motivos expostos. O alegado preceito, aliás, conforme o mesmo reconhece, é obsoleto. Nesse sentido, inclusive, são as lições de Maximiliano (2011), para quem não há que se falar em desnecessidade de atividade interpretativa.
Em reforço, afirma-se que se trataria de um princípio absoluto do sistema processual penal, e que, em razão disso, não poderia ser desconsiderado. Tal argumento, entretanto, é dependente do anterior.
A questão, dessa forma, desloca-se para outro viés, que, consoante já fora demonstrado, dá azo à possibilidade de cumprimento de pena definitivo ainda que pendente recursos excepcionais, pois plenamente constitucional o trânsito parcial de matérias.
4.5 DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO À IDEIA DE TRÂNSITO EM JULGADO COMO OBSTATIVO DE INÍCIO DE CUMPRIMENTO DE PENA
Fora noticiado, com ares de novidade, que o Supremo Tribunal Federal, no HC 126.292/SP (Rel. Min. Teori Zavascki – julgado em 17.02.2016), havia desrespeitado a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, à medida em que possibilitou o cumprimento de pena após confirmação de sentença penal condenatória em segundo grau de jurisdição.
Isso porque, segundo os defensores dessa tese, baseados em uma interpretação restritiva, a presunção de inocência impediria que isso fosse autorizado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois, consoante o Art. 5º, LVII, da CRFB/88, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Vide, por exemplo, a manifestação do Ministro Ricardo Lewandowski (2016, pág. 97), no julgamento do HC 126.292/SP, de Relatoria do falecido Ministro Teori Zawascki, julgado em 17 de fevereiro de 2016.
Inobstante isso, o tema não é novo, o que não significa, entretanto, que destituído de importância. Consta da decisão, inclusive, julgado de 28 de junho de 1991, proferido na Suprema Corte, no HC 68.726 (Rel. Min. Néri da Silveira). Dessa forma, não se pode afirmar que inova na matéria.
De forma alguma, vale salientar, existe o interesse de negar a presunção de inocência como princípio basilar do sistema processual penal. Contudo, algumas coisas precisam serem colocadas em ordem.
Nesse particular, válida a saliência, dois pontos merecem ser destacados logo de início. O primeiro é relativo à natureza jurídica da norma insculpida (regra ou princípio?) no Art. 5º, LVII da CRFB/1988, e o segundo à uma suposta característica de direito fundamental absoluto do direito processual penal. Sobre o primeiro assunto, vale destacar, são de sobressaltada importância os ensinamentos de Barbagalo (2015, pág. 65) para quem:
Não há como aceitar que a presunção de inocência seja uma regra jurídica com normas a serem “sempre satisfeitas ou insatisfeitas”, numa aplicação nos moldes da teoria do tudo ou nada (all or nothing), pois isso inviabilizaria qualquer tipo de persecução penal, “inconstitucionalizando”, como afirmou Hassemer, toda e qualquer investigação (criminal ou administrativa) realizada pelo poder público.
À vista disso, seria então a presunção de inocência um princípio, podendo sofrer, em razão disso, ponderações diante um caso concreto. E é justamente nesse segundo aspecto que se abre o ensejo para sustentar, não só tomando em conta a nota da relatividade dos direitos fundamentais, que é inadequado tratar o princípio da presunção de inocência como um direito absoluto, impassível de ponderações. Dessa forma, cumpre destacar, não se afigura lícito tratar o trânsito em jugado de sentença penal condenatória como um obstativo de cumprimento de pena.
4.6 SISTEMATIZANDO O ASSUNTO
Tomando em consideração todo o exposto, podemos afirmar, com segurança, que o julgado aqui analisado tomou três linhas principais de argumentação, o quê, deveras, buscou-se manter no presente trabalho.
A primeira linha de argumentação, vale dizer, disse respeito à presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro. Em breve síntese, considerou-se que a norma insculpida no Art. 5º, LVII da CRFB/1988 teria natureza de princípio, e por essa razão, poderia vir a sofrer ponderações diante de um caso concreto.
Ademais, e ainda nessa linha de raciocínio, ficará registrado que em razão da impossibilidade de rediscussão de matéria fático-probatória, em sede de recursos excepcionais, bem como em substitutivos recursais, não haveria razão para não se admitir o imediato cumprimento de pena após a confirmação da sentença penal condenatória em segundo grau de julgamento.
Essas, em linhas gerais, foram as razões que fundamentaram a decisão tomada do Supremo Tribunal Federal no HC 126.292/SP (Rel. Min. Teori Zavascki), julgado em plenário em 17 de fevereiro de 2016.
Por outro lado, ainda que não tenha se constituído como ratio decidendi do precedente, pode-se dizer que o argumento levantado pelo Ministro Luiz Fux (2016, pág. 58-59), nos fundamentos de seu voto, possui relevante força argumentativa, sendo provável, vale dizer, que o tema venha a ser novamente abordado no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n° 43 e 44 (relatoria do Min. Marco Aurélio), que buscam, em síntese, discutir a constitucionalidade do Art. 283 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 12.403/2011, que aduz que
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Como se pode depreender, de todo o exposto, é possível que seja fixada interpretação conforme a Constituição, quanto ao dispositivo impugnado. É inclusive o que já consta no voto do Ministro Luís Roberto Barroso (ainda em fase de elaboração). Não se sabe, ao certo, se a teoria dos capítulos de sentença virá a se constituir em ratio das referidas ações, mas, conforme demonstrado, seria de grande valia para o enfrentamento da matéria.
À vista disso, e abordados os principais temas relativos à temática em apreço, é importante destacar que ainda há muito a ser analisado, não se constituindo, entretanto, em objetivo do mesmo, posto que exigirá maior aprofundamento e investigação mais detida em pontos específicos.
Nessa linha, à guisa de exemplo, podemos citar a análise detida sobre todos os fundamentos dos votos, proferidos no HC 126.292/SP (Rel. Min. Teori Zavascki) e julgados em plenário do Supremo Tribunal Federal no dia 17 de fevereiro de 2016, bem como os votos que virão a ser prolatados, ainda, nas mencionadas Ações Declaratórias de Constitucionalidade, podendo ser incluindo, inclusive, o histórico do posicionamento da Suprema Corte com o transcorrer do tempo. Registre-se novamente, foge aos escopos do presente trabalho esgotar a referida matéria, fincando, o mais, para posterior estudo.
5 MÉTODO
Com o objetivo de analisar a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em segundo grau de jurisdição, o presente trabalho fez uso de pesquisa bibliográfica, visto que se valeu da consulta de materiais bibliográficos, tais como livros, artigos, dentre outros. Sobre o primeiro. Sobre o assunto, Lakatos e Marconi (1992, pp. 43-44) que assim aduzem:
[...]. Trata-se de levantamento de toda a bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista "o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações" (Trujillo, 1974: 230). A bibliografia pertinente "oferece meios para definir, resolver somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente. (Manza, 1971: 32).
Em complementação, quanto à pesquisa bibliográfica, mencionando o uso de materiais disponibilizados na rede mundial de computadores, eis os ensinamentos de Gil (2010, pag. 29):
Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos. Todavia, em virtude da disseminação de novos formatos de informação, estas pesquisas passaram a incluir outros tipos de fontes, como discos, fitas magnéticas, CD's, bem como o material disponibilizado pela internet.
Quanto ao método de abordagem foram empregados o hipotético-dedutivo e o dialético. Tal se justifica pelo fato da análise ter sido do tipo qualitativa. Sobre esta eis as lições de Mazzotti e Gewandsznajder (1999, pag. 147) que afirmando que:
Oferecer sugestões para o planejamento de estudos qualitativos não é fácil. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que ocorre com as pesquisas quantitativas, as investigações qualitativas, por sua diversidade e flexibilidade, não admitem regras precisas, aplicáveis a uma gama de casos. Além disso, as pesquisas qualitativas diferem bastante quanto ao grau de estruturação prévia, isto é, quanto aos aspectos que podem ser definidos já no projeto. Assim, por exemplo, enquanto os pós-positivistas trabalham com projetos bem detalhados, os construtivistas sociais defendem um mínimo de estruturação prévia, considerando que o foco da pesquisa, bem como as categorias teóricas e o próprio design só deverão ser definidos no decorrer do processo de investigação.
Por fim, cumpre ressaltar que também se fez indispensável a consulta de julgados, tal por conta do tema. Isso porque, considerando que a temática exsurgiu do julgamento do HC 126.292/SP, de Relatoria do falecido Ministro Teori Zawascki, julgado em 17 de fevereiro de 2016, não haveria de ser diferente.