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Legitimidade neoconstitucional ciberdemocrática e efetividade da iniciativa popular eletrônica de lei

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17/03/2018 às 09:40
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5 O INSTRUMENTO DEMOCRÁTICO DA INICIATIVA POPULAR DE LEI

A Constituição Federal de 1988 traz um valioso instrumento democrático denominado de “iniciativa popular de lei”, consistindo na possibilidade de a própria população interessada, diretamente, elaborar projetos legislativos para regular a sociedade, com regulamentação pela Lei Federal nº 9.708/1988 (apelidada de “Lei da Soberania Popular”).

Na esfera federal, a sociedade poderá apresentar um projeto de lei à Câmara dos Deputados desde que a proposta seja assinada por um número mínimo de cidadãos distribuídos por pelo menos cinco Estados brasileiros. Eis o teor do disposto no artigo 61, § 2º, da Constituição Federal:

A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Um vez atendida a exigência constitucional, o projeto deve ser protocolizado junto à Secretaria-Geral da Mesa da Câmara Federal, obedecendo ao disposto no artigo 252 e seguintes, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Já a nível estadual e municipal também é possível a proposta de iniciativa popular de lei, bastando, em caso de proposta estadual, a subscrição de pelo menos 1% do eleitorado e nos municípios, de 5% do total dos eleitores, como dispõe o artigo 29, VIII, da Constituição Federal.

Em qualquer caso, porém, é necessário que o projeto de lei seja claro e coerente para enfim ser passível de aprovação nas respectivas casas legislativas. Para tanto, há inicialmente uma fase constitutiva onde a proposta elaborada (anteprojeto) é levada ao parlamento para discussões, passando-se, a nível federal, por ambas as Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado), bem como pelas respectivas Comissões como qualquer outro projeto de Lei; superada a fase deliberativa, é levada ao Chefe do Poder Executivo para enfim apor sanção ou veto ao projeto.

Importante observação a ser feita é que a Constituição Federal não prevê a iniciativa popular para apresentação de Propostas de Emenda à Constituição (PEC’s), mas apenas de propostas de Lei.

Nota-se, com isso, que a iniciativa popular de lei reflete um dos pilares democráticos que é a efetiva participação popular na vida política da sociedade e, nos moldes ciberdemocráticos também terá seus reflexos na era globalizante, cabendo-nos questionar, por fim, se no mundo virtual este instrumento democrático da soberania popular encontraria amparo e resguardo constitucional.


6 CONSTITUCIONALIDADE DA SOBERANIA POPULAR PELA CIBERDEMOCRACIA DIRETA

Feita essa abordagem do fenômeno globalizante, onde foi tratado precisamente o ambiente da virtualização das relações, tendo a internet como mote da revolução informacional e culturalista, como também o instrumento da iniciativa popular de lei como importante mecanismo de participação popular no cenário ciberdemocrático, resta definir se a participação popular na elaboração legislativa por meio do ambiente virtual possui guarida na Constituição Republicana de 1988.

Primeiramente, cabe frisar importantes projetos que tramitam no Congresso Nacional, sendo o Projeto de Lei nº 84/2011 e o Projeto de Regulamentação nº 68/2011. Ambos abordam, em linhas gerais, a previsão constitucional de participação direta da população na iniciativa legislativa, utilizando-se da internet como ambiente de coleta de dados, informações, opiniões.

Tais Projetos tomam como fundamentos a crise da democracia representativa, com a deficiência do uso  dos instrumentos populares constitucionais como o plebiscito, referendo e a iniciativa popular como formas de organização direta; e que a iniciativa popular enseja aos cidadãos a oportunidade de apresentar ao Poder Legislativo um projeto normativo de interesse coletivo, o qual pode, após percorrer o devido trâmite, transformar-se em Lei e passar a reger as relações para as quais foi construída.

Os mencionados Projetos denotam a viabilidade de ligação entre o instrumento constitucional da iniciativa popular de lei e o atual estágio realista- virtual que se vivencia, ligação esta que terá como meio virtual o website do respectivo poder Legislativo, bastando que os cidadãos estejam em gozo de todos os seus direitos políticos.

 Em síntese, de acordo com os referidos Projetos, a proposição será viabilizada, ao menos a nível federal, pelos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, onde serão disponibilizados links para elaboração dos anteprojetos de iniciativa popular que tenham sido encaminhados eletronicamente, subscritos por 0,04% do eleitorado nacional, assinados eletronicamente pelos cidadãos devidamente identificados com seus qualificativos pessoais.

Pois bem, questiona-se se esse modo de participação popular pela via eletrônica seria de fato um instrumento de base constitucional ou, melhor dizendo, se há constitucionalidade nessa forma de elaboração legislativa.

Certificar a constitucionalidade de um ato normativo é constatar se o mesmo está em conformidade com os mandamentos contidos na Constituição Federal, esta que serve como parâmetro de controle.

Nesses passos, tomando-se por base o aspecto formal do sentido de Constituição, ou seja, de que a mesma é detentora de superioridade/hierarquização normativa, estando no topo da cadeia legislativa, configurando-se como o Texto Maior, fundamento de validade de todas as espécies infraconstitucionais, logo, no cume do esquema piramidal adotado nacionalmente no artigo 59, da Constituição, aferir a constitucionalidade de um ato é justamente  vislumbrar sua conformidade com os mandamentos constitucionais.

É certo que o instrumento da iniciativa popular de lei possui plena expressão constitucional, por estar contido no artigo 61, § 2º, da Constituição Federal. Porém, nela não consta a possibilidade de este mecanismo poder ser exercido pelo meio eletrônico-virtual, ou seja, no ambiente cibernético ou, como dissemos acima, ciberdemocrático.

 No mesmo diploma Constitucional, tem-se, no seu artigo 1º, I, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a soberania. Ademais, no artigo 3º, II, por sua vez, estabelece como objetivos da República garantir o desenvolvimento nacional. Outrossim, no artigo 218, dispõe que o Estado deverá promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação, tudo a fim de acompanhar o crescimento da sociedade.

Os Projetos nº 84/2011 e nº 68/2011, acima delineados, buscam regulamentar a iniciativa popular eletrônica de lei, pois, como dito, é um meio que melhor reflete o momento globalizado que se vive, vale dizer, o cenário tecnológico instaurado desde a criação da internet na década dos anos noventa.

Tais Projetos almejam tão-somente que o Estado possa acompanhar a evolução tecnológica, oriunda da revolução cibernética, a fim de que os instrumentos democráticos trazidos na Constituição Federal de 1988 não possam restar obsoletos ou inúteis.

A iniciativa popular eletrônica de lei não encontra qualquer óbice ou barreira no Texto Constitucional, pelo contrário, o mesmo reforça sua ideia, como visto nos dispositivos constitucionais supradeclinados.

Logo, o exercício da soberania popular por meio da ciberdemocracia direta, ou seja, através da iniciativa popular eletrônica de lei, possui amparo constitucional e configura verdadeiro instrumento de participação social, refletora dos anseios sociais, cujos Projetos regulamentadores também são detentores de incentivo constitucional e, por tais razões deve ser assegurada sua aprovação e posterior vigência a nível nacional, sem prejuízo da seara regional e local.

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7 CONCLUSÃO

Conforme visto anteriormente, os movimentos Constitucionais no Brasil seguiram fortes influências de correntes externas ao território nacional, perfazendo todo um caminhar histórico-político-social até a chegada do Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo Contemporâneo.

Outrossim, ao passo que o esquema constitucional do Estado brasileiro foi evoluindo, também seguiu-se o desenvolvimento do próprio regime democrático de governo, acompanhando os progressos sociais, adaptando-se mormente às novas tecnologias.

Viu-se, com isso, que a internet surgiu como importante norte para a consecução da atual modalidade comunicativa, criando novas relações, promovendo a disseminação instantânea do conhecimento, propiciando novos espaços participativos mediante rápido acesso a baixos custos de empreendimento.

Diante dessa novel conjuntura cibernética oriunda da internet e seus consectários, o regime da democracia passou a assumir também um aspecto “tecnológico”, o que foi denominado de “ciberdemocracia”, sendo este novo ambiente o responsável pela maior integração dos indivíduos e dos próprios governos, valendo-se da seara virtual de atuação.

Conjugou-se a este aspecto o instrumento constitucionalmente previsto da iniciativa popular de lei, tratando-se de importante mecanismo de participação direta da população na elaboração de propostas legislativas a reger a vida social na qual está inserida.

Em verdade, pôde-se constatar que a iniciativa popular de lei almeja, primordialmente, estreitar o espaço existente entre o povo e o Poder Legislativo, a fim de que possibilite aumentar a participação popular nas iniciativas de cunho legiferante e tal aproximação, pelo atual estágio da ciberdemocracia na era globalizante, há de ser promovida no campo da internet, no campo virtual, como uma alternativa para facilitar o acesso, a celeridade e a forma como as matérias são elaboradas, podendo desenvolver quantitativa e qualitativamente.

Este instrumento, qual seja, a iniciativa popular eletrônica de lei, o qual se vale dos meios eletrônico-virtuais para a participação da população interessada, além de ser um dos reflexos do modelo ciberdemocrático, também possui amparo constitucional, haja vista que desempenha importante papel no desenvolvimento científico e tecnológico, inexistindo qualquer óbice na Constituição Federal à sua concretização, pelo contrário, já havendo Projetos legais para sua regulamentação, como delineado nos tópicos anteriores.

Desta forma, a iniciativa popular eletrônica de lei trata-se de um mecanismo (ciber)democrático, eficaz e de resguardo constitucional, em que o ambiente da internet servirá, indubitavelmente, para demonstrar que tal instrumento é deveras valioso e viável à participação da própria sociedade na regência de sua vida política.


REFERÊNCIAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Trad. Juliana Lemos. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.


Notas

[1] Vide, HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003,

[2] Cf. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007 e ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Trad. Juliana Lemos. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

[3] Vide, CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

[4] Cf. a obra HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IMPERIANO, Hioman. Legitimidade neoconstitucional ciberdemocrática e efetividade da iniciativa popular eletrônica de lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5372, 17 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63169. Acesso em: 26 abr. 2024.

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