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Execução de penas e medidas alternativas: a súmula 493 do STJ e seus aspectos conflitantes

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06/05/2019 às 15:50
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4 ASPECTOS E FUNDAMENTOS CONTRÁRIOS À SUMULA

Na mesma medida em que se encontram firmes e consistentes argumentos favoráveis à Súmula 493 do Superior Tribunal de Justiça, quando da análise dos julgados envolvendo a aplicação das penas restritivas de direitos no regime aberto de cumprimento, verificam-se também consideráveis fundamentos contrários, os quais, da mesma forma que os anteriores, muito bem explanados e coerentes. Não é “à toa” que é sabido não ser o Direito uma ciência exata.

Dentre tais argumentos, observa-se os que visam esclarecer a natureza jurídica das penas restritivas de direito, afirmando inexistir a impossibilidade de aplicação das mesmas em contexto diverso. Também, verifica-se aqueles que negam a falta de previsão legal para a referida aplicação, e pelo contrário objetivam demonstrar haver a devida autorização da lei. Ainda, alguns argumentos direcionam-se no sentido de comprovar que o entendimento da súmula inviabiliza a correção de problemas de incoerência do sistema e da lei, bem como é contrário as finalidades da pena e da Execução Penal. Além disso tudo, denota-se críticas à falta de estrutura e inadequada fiscalização do cumprimento da pena no regime aberto, apontando ainda que o próprio Superior Tribunal de Justiça adotava entendimento contrário há não muito tempo atrás.  

Primeiramente, quanto à legalidade a envolver a questão, é curioso observar que os argumentos contrários a sumula divergem dos favoráveis pela mesma fundamentação, a qual se dá sobretudo pelo texto disposto no artigo 115 da Lei de Execução Penal. Enquanto uma corrente trata a referida norma como uma barreira à aplicação de pena restritiva de direito como complementação ao regime aberto, a outra atribui à norma a função autorizadora. Para estes, o artigo 115 da LEP serviria de base de apoio ao Juiz, que analisando os critérios de adequação e proporcionalidade poderia aplicar as medidas cabíveis a cada caso.

Outra questão levantada que mereço apreço diz respeito a uma crítica já antiga sobre o sistema de política criminal brasileiro, o qual, como já é sabido, deixa em muito a desejar. Em que pese o Código Penal Brasileiro seja de 1940 e a Lei de Execução Penal de 1984, não se verifica até os dias atuais no âmbito da Execução Penal, em geral, um sistema que propicie uma adequada fiscalização do cumprimento da pena do regime aberto. Em verdade, quase não se constata a existência de Casa de Albergado e nem de “estabelecimento adequado” conforme prevê a legislação pátria, sendo que tal fato por si só torna precário o regime aberto, ao passo que confere ao juiz da execução a responsabilidade de adequar o cumprimento da pena.

É pelos motivos supramencionados, inclusive, que, conforme os argumentos analisados nos julgados, constata-se uma grande incoerência no sistema de execução penal, já que o regime aberto tornou-se menos gravoso, ou nada gravoso, em relação ao cumprimento das penas substitutivas. Aquilo que era para ser um benefício ao apenado com os requisitos positivos que a lei estabelece, tornou-se uma forma de penalização ao mesmo.

Ainda no mesmo contexto, observa-se nos argumentos, referencias acerca da teoria da pena, indicando que a situação acima confrontaria as ideias das finalidades retributiva e preventiva especial da pena, como também frustraria os fins da execução penal, que tem como objetivo principal “propiciar condições para a harmônica integração do condenado e do internado”, conforme o primeiro dispositivo legal da LEP. Trata-se do pensamento de que, na prática, aqueles condenados ao regime aberto de cumprimento de pena ficam, na verdade, sem pena à efetivamente cumprir, e tal situação jamais seria passível de servir de exemplo ou ainda ressocializar alguém.

Nessa toada, destaca-se o trecho do voto da brilhante Ministra Laurita Vaz, relatora do julgamento do já referido Recurso Especial nº 1.107.314-PR (2008/0282442-8 – Representativo de Controvérsia), o qual, inclusive, restou vencido:

Com efeito, a imposição de condições complementares ao regime aberto, além de permitida, contribui com a finalidade preventiva e retributiva da pena, porquanto em face da fiscalização precária e da ausência de casa do albergado na maioria dos locais, em termos práticos, a condenação a pena privativa de liberdade no regime aberto torna-se menos gravosa do que a imposição de penas alternativas, cuja fiscalização é mais eficaz, que provoca uma preocupante incoerência legal.[5]

A crítica segue, apontando ainda outro ponto interessante, fazendo-se um paralelo com o regime domiciliar. Os argumentos revelam a irresignação de alguns dos julgadores e demais atores do processo, que afirmam ter o regime aberto se tornado simplesmente um regime domiciliar. Todavia, não se pode desconsiderar o fato de que a Lei estabelece requisitos pessoais e circunstanciais bem específicos para aqueles que porventura poderão gozar do benefício de cumprir a pena na própria residência. Conforme o artigo 117 da Lei de Execução Penal, podem ser beneficiados os condenados maiores de setenta anos, acometidos de doença grave, do sexo feminino com filho menor ou deficiente, ou ainda, gestante. Ocorre que a problemática já exposta acima envolvendo o regime aberto acaba por, mesmo que indiretamente, conceder o referido benefício a todos os apenados submetidos ao artigo 36 do Código Penal Brasileiro.

 Por fim, mas não por menos importância, cumpre destacar determinados argumentos revelados na análise dos julgados, que rebatem a tese da corrente favorável à súmula a respeito da autonomia das penas restritivas de direitos.

Ocorre, que as penas restritivas de direito, em que pese sejam previstas em artigo de Lei específico, também são devidamente observadas como complementos à normas diversas, tudo sob a égide da legislação. A exemplo, nota-se o instituto da Suspensão Condicional da Pena.

Observando-se o que diz o parágrafo 1º do artigo 78 do Código Penal, verifica-se claramente a imposição de duas penas restritivas de direitos àqueles beneficiários da suspensão, quais sejam a de prestação de serviços à comunidade e limitação de final de semana. Diz o referido artigo que “Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz”. E em seu parágrafo primeiro que “No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48).”[6]

Os argumentos neste sentido visam demonstrar que a intenção do legislador nunca foi engessar as penas restritivas de direito, de modo que as mesmas só pudessem ser aplicadas em caráter autônomo e fixo. Ao contrário, em uma análise teleológica, as penas restritivas de direito foram editadas para serem aplicadas também em caráter de complementação, haja vista exercerem função altamente ressocializadora.


5 POSSÍVEL CONFLITO COM A SÚMULA VINCULANTE Nº 56 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Conforme observado acima, o caminho até a edição da Súmula 493 do Superior Tribunal de Justiça foi permeado de bons debates a respeito dos diversos temas já abordados aqui, chegando-se a conclusão que as penas restritivas de direitos não podem ser aplicadas como complemento ao regime aberto de cumprimento de pena.

O entendimento sumulado na Corte Superior de Justiça brasileira obviamente deu uma nova direção para as execuções penais dos sentenciados em regime aberto a partir de 2012, gerando uma certa pacificação do tema.

 Ocorre, que em junho de 2016 o Supremo Tribunal Federal, no ímpeto de regular a manutenção de regime de cumprimento em caso de falta de vagas em estabelecimento penal adequado, editou a Súmula Vinculante nº 56, que versa “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”[7]

Bom, a redação da Súmula Vinculante acima citada em nada afetaria a orientação da Súmula 493 do STJ, não fosse a última parte, que não só faz menção, mas manda seguir os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário 641.320/RS.

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 O Recurso Extraordinário 641.320/RS, por sua vez, julgado em maio do ano anterior, foi, com fundamentos nas garantias constitucionais da individualização da pena e da legalidade, decisivo para definir que a falta de vagas em estabelecimento penal não pode gerar efeitos prejudiciais ao apenado, devendo-se adotar medidas outras para a garantia da progressão do sentenciado.

 O Acordão, no entanto, não se limitou a decidir o mérito e apontar a situação a ser complementada, mas sim, estabeleceu pormenorizadamente os parâmetros a serem seguidos frente à problemática da falta de vagas dos estabelecimentos penais.

 Vejamos:

3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como 'colônia agrícola, industrial' (regime semiaberto) ou 'casa de albergado ou estabelecimento adequado' (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas "b" e "c"). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. 4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.[8]

 O destaque vai para o item “III” do ponto 4 no texto do julgado, que orienta a aplicação de penas restritivas de direito ao sentenciado que progride ao regime aberto, no caso de falta de vagas em Casa de Albergado. Conforme já tratado anteriormente, pode-se dizer que a referida orientação será aplicável a quase todos os apenados com direito ao regime aberto.

Certamente a intenção dos insignes Ministros foi a mais elevada, todavia, data venia, parece ter havido um esquecimento acerca da existência e vigência da Súmula 493 do STJ, que sequer foi objeto de comento do referido acordão parâmetro.

 Tantos consideráveis argumentos e fundamentos levantados e decididos no âmbito de elevados debates parecem ter sido simplesmente colocados em segundo plano.

 Sem dúvida alguma, o Supremo Tribunal Federal tem prerrogativa para tomar a decisão acima mencionada, sobretudo por ser a mais alta Corte do país, entretanto, deve fazê-la de maneira completa, analisando e fundamentando todos os aspectos constitucionais envolvidos.

 Aparentemente, se tem atualmente instalado um conflito acerca do entendimento sobre a aplicação das penas restritivas de direito no âmbito do regime aberto, ao passo que duas normas emanadas pelas duas Cortes de Justiça mais altas do país, e dotadas de grande força cogente, pois tema de súmulas, parecem firmar entendimentos contrários, sem, todavia, diretamente enfrentarem-se.

 Fato é, que certamente a questão irá produzir efeitos sob os apenados, e bem provavelmente será objeto de novas discussões na seara jurisprudencial.

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Sobre o autor
Rodrigo Florindo da Silva

Advogado Criminalista, graduado pela UTP e pós-graduado em Estado Democrático de Direito pela Escola do Ministério Público do Paraná. (47) 98411-8698

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Florindo. Execução de penas e medidas alternativas: a súmula 493 do STJ e seus aspectos conflitantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5787, 6 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72485. Acesso em: 21 nov. 2024.

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