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Execução de penas e medidas alternativas: a súmula 493 do STJ e seus aspectos conflitantes

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06/05/2019 às 15:50
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6 HABEAS CORPUS Nº 2012.02.01.020717-8 - TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2º REGIÃO

Conforme já referida acima, a tese do Superior Tribunal de Justiça acerca da aplicação de penas restritivas de direitos ao apenado do regime aberto de cumprimento, em que pese sumulada, não pôs fim à problemática envolvendo o tema.

E em tal contexto vale expor aqui o que se verifica na análise do Acordão da 2º Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2º Região no julgamento do Habeas Corpus de nº 201202010207178.

Trata-se de decisão proferida e publicada em meados de abril de 2013, relativa ao julgamento do remédio impetrado pela Defensoria Pública da União contra ato da Segunda Vara Criminal Federal de Vitória-ES.

Ocorreu, em suma, a condenação do apenado em dois anos, sete meses e quinze dias de reclusão pela prática do crime tipificado no artigo 168-A do Código Penal, sendo que aquele juízo estabeleceu o regime aberto para o cumprimento da pena e ainda concedeu o benefício da substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, consistentes em prestação de serviços a comunidade e prestação pecuniária.

O sentenciado, no entanto, descumpriu a pena imposta, tendo tido, como consequência, convertido o seu regime de cumprimento, restando estabelecida, após discussão por outro Habeas Corpus, a pena privativa de liberdade no regime aberto, porém com complementação por duas restritivas de direitos.

Tal complementação, conforme fundamentação daquele Magistrado de primeiro grau, se deu em razão da falta de Casa de Albergado ou outro estabelecimento adequado na localidade do cumprimento da pena do sentenciado, pautando-se nas ideias de que não ocorre, no caso, agravamento do regime de pena, bem como também não ocorre bis in idem.

Conforme se depreende do voto do relator do Habeas Corpus ora em apreço, o entendimento é compartilhado em segundo grau de jurisdição, ao passo que afirma-se ser a medida tomada uma nova oportunidade dada ao apenado para o cumprimento da pena da maneira como foi inicialmente posta, não agravando a sua situação mas também não deixando-o impute. 

Observa-se que a preocupação aqui, parece ser a de não deixar com que a falta de ação do poder público governamental em relação as Casas de Albergado coloque em xeque toda a ideologia por de trás da teoria da pena e função da execução penal, esta última prevista no artigo 1º da LEP.

Outra questão que merece destaque é, diferentemente de toda a discussão acerca da Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal, a devida menção direcionada à Súmula 493 do STJ que aqui se fez, tendo o Eminente Relator do Acordão, Juiz Federal convocado Marcelo Pereira da Silva, se utilizado de brilhante fundamentação extraída do parecer do órgão ministerial federal como razão de voto, expondo o que se segue:

De fato, tal entendimento estaria correto nos casos em que o condenado, além de se recolher à prisão noturna da Casa de Albergado, tivesse que cumprir um outro tipo de apenação, como a prestação de serviços à comunidade, durante o dia. Entretanto, é fácil verificar que esta situação não ocorre na esmagadora maioria dos casos, simplesmente porque grande parte das Unidades da Federação não dispõe de Casas de Albergado, como ocorre com o Espírito Santo.

Desse modo, constata-se que a possibilidade de 'bis in idem' indevido que a Súmula pretende evitar é meramente abstrata, visto que, em situações como a dos autos, não ocorrerá, de forma alguma, a dupla apenação.

Neste ponto, insta salientar que, sendo a pena uma medida concreta dirigida ao condenado é no caso concreto que deve ser aferida a ocorrência ou não de 'bis in idem' em seu desfavor, e não no campo do meramente possível, como faz o enunciado, que deveria se restringir aos casos nos quais o cumprimento da pena em regime aberto, no âmbito de Casas de Albergado, se demonstra possível, de modo a não se justificar o agravamento de tal situação pelo Juiz da Execução.[9]

Como se vê, o entendimento é justificado ante o caso concreto, afirmando-se não haver violação à súmula 493 do STJ, já que pela falta de Casa de Albergado não ocorre a dupla penalização do sentenciado, o que tanto pretende evitar o Superior Tribunal de Justiça com edição da já referida norma.


7 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM DIREITO PENAL

Sabe-se que em uma democracia é preciso que haja o devido equilíbrio e a harmonia em todo o sistema de funcionamento do Estado. No Estado do Direito, tais qualidades devem incidir sobretudo no ordenamento jurídico, seja no que toca à edição das normas, seja a respeito da interpretação e aplicação das mesmas.

No campo do Direito Penal não é diferente, sendo que só o equilíbrio da atuação estatal é passível de alcançar o que pauta o princípio da proporcionalidade.

Decorre do princípio da proporcionalidade, todavia, dois pilares de funcionalidade do Estado, sendo um deles o da vedação de excesso e outro o da proibição de proteção deficiente, também conhecido como vedação de insuficiência ou ainda proteção eficiente.

De um lado os princípios de vedação de excesso impõem limites ao próprio Estado, enquanto detentor do monopólio do poder punitivo, a fim de se evitar abusos daqueles que detém, de certa forma, o controle sobre os demais integrantes da sociedade. Abusos estes, que inclusive já se pôde verificar em passado próximo, no período de Ditadura Militar.

Outrossim, os princípios de proteção eficiente cobram do Estado que dê a efetiva resposta que dele se espera, seja através da implementação de políticas públicas, seja pela devida edição, interpretação e aplicação da Constituição e das normas penais por todos os seus poderes e demais órgãos de controle e atividade. Tais princípios buscam evitar que o Estado deixe de, através de prestações positivas, garantir os direitos fundamentais não só de eventuais acusados em processo crime, mas também das respectivas vítimas, bem como de toda a sociedade.

Nesse contexto, vale a pena destacar aqui os comentários do Professor Rodrigo Régnier Chemim Guimarães em artigo publicado no sítio eletrônico do Jornal Gazeta do Povo, intitulado “Lei de Abuso ou de Engessamento”, no qual analisa os entornos do polêmico projeto de Lei recentemente proposto, que visa reformular a normativa acerca do abuso de autoridade no Brasil. Destaca o professor:

O exercício do poder estatal pressupõe limites e controles que evitem abusos. Afinal, quando se fala em Estado é preciso considerar que ele é representado por um de nós, que abre mão de parcela de sua privacidade e individualidade para atuar em nome e em favor de todos. No entanto, seres humanos com poder tendem a dele abusar quando não são submetidos a mecanismos claros de controle. Por isso, uma legislação que preveja crimes para aqueles que abusem do exercício do poder é sempre bem-vinda, dando concretude à proibição de excesso que é um dos pilares de funcionalidade do Estado.

Sucede que caminha, ao lado da proibição de excesso, uma segunda baliza de orientação do Estado: a proibição de proteção insuficiente, a qual implica em se exigir do Estado posturas ativas para garantir aos cidadãos o direito à vida, à propriedade e à segurança, nos termos do artigo 5.º da Constituição. Quem atua neste sentido são as instâncias formais de controle da criminalidade: polícias, Ministério Público e Judiciário. Assim, é no equilíbrio entre estas duas funcionalidades – proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente – que a democracia se concretiza em sua plenitude.[10]

Como visto, em uma democracia tudo deve ser pautado pelo princípio da proporcionalidade, equilibrando-se aquilo que visa proibir excessos por parte do Estado, com o que busca a cobrança de uma proteção eficiente também pelo referido ente.

Por fim, cumpre explicar que traz-se a matéria à tona tendo em vista ser possível estabelecer, conforme se fará a seguir, um possível paralelo entre os argumentos analisados nos julgados acerca da edição da Súmula 493 do STJ e os princípios acima já explanados.

7.1 DA VEDAÇÃO DE EXCESSO

Conforme já analisado, são vários, e bastante consistentes, os argumentos dos votos vencedores dos julgados que deram origem à Súmula 493 do Superior Tribunal de Justiça.

Em uma análise mais aprofundada, contudo, os fundamentos parecem convergir com o pensamentos dos adeptos de uma linha garantista, e portanto ligados à ideia de vedação de excesso, abordada acima.

Para efeitos de complementação do conceito, vale a pena a citação de trecho do artigo “Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência”, do ilustre jurista Ingo Wolfgang Sarlet, que explana:

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Com efeito, para a efetivação de seu dever de proteção, o Estado – por meio de um dos seus órgãos ou agentes - pode acabar por afetar de modo desproporcional um direito fundamental (inclusive o direito de quem esteja sendo acusado da violação de direitos fundamentais de terceiros). Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que, nesta perspectiva, atuam como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). O princípio da proporcionalidade atua, neste plano (o da proibição de excesso), como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais, o que também já é de todos conhecido e dispensa, por ora, maior elucidação.[11]

Pois bem, tomando como exemplo o argumento mais investido pelos participes da discussão, de ocorrência de Bis in Idem na aplicação das penas restritivas de direito ao apenado do regime aberto, é possível notar a preocupação com o fato de o Estado estabelecer mais de uma pena ao condenado pelo cometimento do mesmo fato. Claramente visa evitar um possível excesso do ente público no exercício de seu poder punitivo.

Também, o argumento de que não há disposição legal expressa autorizativa da aplicação das restritivas de direito no âmbito do regime aberto, afirma o Estado de Direito, visando deixar claro que só pode ele lançar mão do poder punitivo caso a Lei expressamente e anteriormente o autorize.

Ainda, aqueles que propõem a possibilidade de apenas se aplicar medidas profissionalizantes ou educativas como complemento do regime aberto, parecem, da mesma forma, buscar afirmar que o Direito impõe limites à atuação estatal no campo do Direito Penal.

Enfim, todos os fundamentos posicionam-se ao lado dos princípios de vedação de excesso no âmbito da proporcionalidade, e em que pese talvez incidam em apenas um dos lados da questão, são dotados de alto valor, ao passo que observam também direitos e garantias fundamentais.

 7.2 DA VEDAÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE

De outro norte, como também já visto, são bastante pertinentes e sólidos os argumentos contrários daqueles que referendam a súmula. Estes, nitidamente ancorados na ideia de proteção eficiente, visam afirmar ao Estado que ele deve atuar de modo a garantir os direitos, sobretudo os constitucionais, a todos os partícipes da sociedade.

Ainda pela obra de Ingo Sarlet acima já citada, vale a pena nova referência a título de complementação do conceito:

Por outro lado, o Estado - também na esfera penal - poderá frustrar o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada (pelo menos em boa parte) à problemática das omissões inconstitucionais. É neste sentido que – como contraponto à assim designada proibição de excesso – expressiva doutrina e inclusive jurisprudência tem admitido a existência daquilo que se convencionou batizar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermassverbot).[12]

Quando para a defesa da aplicação de penas restritivas de direito no regime aberto se invoca, por exemplo, a ausência de Casa de Albergado ou ainda a precariedade da fiscalização do cumprimento da pena, se quer garantir que o Estado não falhe na devida aplicação da pena àquele que rompe com o contrato social. Parece estar buscando não permitir que o transgressor, após devidamente julgado e condenado, seja exonerado do cumprimento da sua pena por falha de implementação adequada de políticas públicas criminais.

Outro não é o entendimento acerca dos argumentos a respeito da incoerência legal entre o regime aberto e as penas substitutivas e ainda sobre a frustração aos fins da execução penal.

Os argumentos todos atrelam-se ao discurso da vedação de proteção deficiente, pois pretendem evitar que o condenado pelo cometimento de um crime fique impune, o que por sua vez retrata uma evidente omissão do Estado no dever que lhe incumbe de proteção aos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos.

Cumpre dizer que, se por um lado os direitos e garantias constitucionais aplicam-se a eventuais acusados ou condenados em processo penal ou de execução penal, devem igualmente aplicarem-se à vítima do fato criminoso, como também à toda a sociedade, que espera, através da proteção do Estado, obter segurança e justiça.

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Sobre o autor
Rodrigo Florindo da Silva

Advogado Criminalista, graduado pela UTP e pós-graduado em Estado Democrático de Direito pela Escola do Ministério Público do Paraná. (47) 98411-8698

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Florindo. Execução de penas e medidas alternativas: a súmula 493 do STJ e seus aspectos conflitantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5787, 6 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72485. Acesso em: 25 abr. 2024.

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