5. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA COMO MEDIDA JUDICIAL PARA COMPELIR O ENTE ESTATAL AO FORNECIMENTO DE FÁRMACO
Conforme decisão constante no REsp 1.069.810-RS, de 23 de outubro de 2013, entende o Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade de bloqueio de verba pública para garantir o fornecimento de medicamentos. Portanto, no caso de demora no cumprimento da obrigação que acarrete risco à saúde, bem como à vida do autor, é possível ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento das partes, o referido bloqueio como medida coercitiva para o fornecimento de fármaco.
O Relator em sede de julgamento do Recurso Especial supracitado, entendeu que:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5º DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/2008 DO STJ.
1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. 2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08/2008 do STJ. (STJ – RESP: 1069810 RS 2008/0138928-4, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 23/10/2013, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 06/11/2013).
O Superior Tribunal de Justiça também entendeu ser possível o bloqueio de verbas públicas, como medida executiva ao julgar o REsp 735378/RS.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO A PESSOA HIPOSSUFICIENTE. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO.1. Recurso especial que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha por objeto a obrigação de fornecer medicamentos a hipossuficiente portador de Cardiopatia hipertensiva, medidas executivas assecuratórias ao cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor de ente estatal, que resultem no bloqueio ou sequestro de verbas deste depositadas em conta corrente. (STJ. 1ª Turma. REsp 735378. Rel. Min. Francisco Falcão. Publicado no DJ de 08/06/2006).
Embora a ementa transcrita não demonstre a real extensão do pronunciamento do STF sobre o assunto, a ministra relatora Ellen Gracie deixou assentado em seu voto o seguinte:
Ademais, verifico que a matéria já se encontra pacificado no âmbito desta Corte, no sentido da possibilidade do bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos. Cito os seguintes julgados: AI 553.712-AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 4.6.2009; AI 597.182-AgR, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ 6.11.2006; RE 580.167, rel. Min. Eros Grau, DJe 26.3.2008; AI 669.479, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 17.12.2009; RE 562.528, de minha relatoria, DJ 6.10.2005; AI 640.652, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 27.11.2007; e AI 724.824, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 23.9.20008.
Completa a Ministra Ellen Gracie em seu voto:
Desse modo, entendo que, com o reconhecimento da existência da repercussão geral e havendo entendimento consolidado da matéria, os Tribunais de origem e as Turmas Recursais podem, desde logo, com fundamento no § 3º do citado art. 543-B, aplicar a citada orientação anteriormente firmada por este Supremo Tribunal Federal.
O Procurador Federal Gustavo D'Assunção Costa, em artigo publicado na internet, infere que: “desse modo, restou admitido pelos Tribunais Superiores o bloqueio de verbas públicas enquanto meio coercitivo atípico apto a garantir o efetivo cumprimento da decisão judicial que determina o fornecimento de medicamento pelo Estado” (COSTA, 2014).
Assim, observando-se os julgados supracitados, verifica-se que resta por mais do que comprovada a possibilidade de Bloqueio de verba pública como medida judicial para compelir o ente estatal ao fornecimento de fármaco.
Abrilhanta o presente trabalho a indicação de alguns dispositivos do Novo Código de Processo Civil, que correlaciona o bloqueio de verba pública à atipicidade dos meios executivos. Logo, o artigo 139, inciso IV, prescreve que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Já o artigo 297, do mesmo dispositivo preconiza que “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”.
Também o artigo 536 assim expõe “no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente”.
Vislumbra-se, desse modo, que no cenário do processo civil contemporâneo, tanto em sede de tutela de urgência quanto em cumprimento de sentença, busca-se primordialmente a satisfação do direito do autor, competindo ao juiz, como representante do Estado e em atenção aos critérios teleológicos de interpretação da lei, determinar a execução de medidas eficazes à garantia de resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação, a fim de viabilizar a realização da verdadeira justiça.
Para atender aos anseios das partes e de resguardar a efetividade das decisões judiciais nos processos que envolvem a concessão de medicamentos pelo Estado a particulares, é praxe a cominação de “penalidades” voltadas a assegurar o resultado prático visado na demanda, qual seja, a entrega do tratamento médico pleiteado.
Execução é um conjunto de meios materiais disciplinados em lei e à disposição da justiça objetivando a satisfação do direito material comprovado por título executivo, e consiste na prática de atos jurisdicionais tendentes à realização material do direito atual ou potencialmente violado.
Execução descreve a atividade jurisdicional voltada à satisfação do direito tal qual reconhecido, a prestação concreta da tutela jurisdicional executiva. Trata-se de um conjunto de atos estatais com os quais invade-se o patrimônio do executado, para que, às suas custas, realize-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito material (VERAS e RICALDE, 2017, p. 15).
Dessa forma, constata-se que a efetividade do provimento judicial é concretizado com a entrega do direito material pleiteado em juízo, valendo-se o jurisdicionado de medidas atípicas executivas para tal feito.
Dentre as medidas atípicas executivas está o bloqueio de verba pública, podendo o requerente receber o direito pleiteado em pecúnia, e assim adquirir o remédio ou o tratamento que necessita.
Embora a resposta do Poder Judiciário às demandas judiciais que buscam o fornecimento de medicamentos se concretize mediante o bloqueio de verba pública, consubstanciado pela judicialização da saúde, tal medida, de outro vértice, gera também um grande impacto orçamentário no erário, sendo este o principal aspecto negativo.
Ocorre que, anualmente a Administração Pública Estadual e Municipal elabora o seu orçamento objetivando a partir de seu fluxo de ingressos e saídas de recursos, desenvolver seus programas, ações e projetos, a fim de garantir a execução de políticas públicas de atendimento às necessidades dos cidadãos.
Nesse sentido, cada vez que o pleito jurisdicional é atendido, principalmente quando o objeto se tratar de medicamentos de alto custo, ou que envolvam tecnologias desenvolvidas em outros Países, há de se rever ou suspender programas e ações direcionados para o atendimento à atenção básica do cidadão, consideração ainda a realidade da limitação orçamentária dos Estados e Municípios.
6. CONCLUSÃO
De acordo com as informações obtidas para a instrução do presente trabalho, principalmente aquelas oriundas de acórdãos, verifica-se que os tribunais superiores têm firmado entendimento de que o Estado, quando condenado ao fornecimento de medicamentos e permanece inerte, é possível a determinação de bloqueio judicial das contas do Ente condenado, para garantir o cumprimento da determinação judicial.
Foram consideradas análise de grande relevância, as medidas judiciais executivas (bloqueio de verba pública para fornecimento de remédios), determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP: 1069810 RS 2008/0138928-4, sendo Relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, bem como do julgamento do REsp 735378, sendo Relator o Ministro FRANCISCO FALCÃO.
Considerando os dados colhidos no gráfico da figura 1, reforça a tese de que a judicialização da saúde representa uma realidade vivida pela sociedade, ficando claramente comprovada em números que, demandas judiciais relativas à saúde cresceram 130% em 10 anos.
Por derradeiro, o presente trabalho constata que o direito fundamental à saúde merece especial proteção do Estado, possuindo previsão expressa nesse sentido, contida no art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nesse sentido, o Poder Público deve protegê-la, promovê-la e recuperá-la, mediante implantação de políticas sociais e econômicas no intuito de reduzir os riscos de doenças e de outras complicações nosológicas, garantido o livre acesso universal e igualitário.
Porém, as políticas públicas atualmente implantadas mostram-se, por vezes, insuficientes ou ineficazes para o fornecimento de fármacos necessários ao tratamento de saúde daqueles que necessitam do medicamento, seja porque não estão contemplados nas listas padronizadas do Sistema Único de Saúde, seja porque o paciente não preenche os requisitos estabelecidos nos protocolos criados para a concessão dos fármacos e/ou serviços.
Ocorre que na maioria dos casos, o acesso à saúde, principalmente quando se trata de uso de medicamento de forma contínua, é obstaculizado pelo próprio poder público, urgindo a necessidade de se socorrer ao Poder Judiciário para compelir o ente estatal, ao fornecimento do medicamento, seja em sede de tutela de urgência, ou em sede de cumprimento de sentença.
Por conseguinte, o magistrado, a fim de dar efetividade ao provimento jurisdicional, utiliza o sequestro de verbas públicas, como forma mais eficaz, para o fornecimento do medicamento pleiteado pelo autor.
Considerando o mundo contemporâneo, bem como a evolução do direito na busca incessante do atendimento dos anseios da sociedade, infiro não haver mais espaço para atos procrastinatórios e impeditivos violadores dos direitos sociais e fundamentais, pois nada pretere à vida.
Diante do exposto, em que pese o aspecto negativo gerado pelo bloqueio de verba pública, ou seja, a interrupção de políticas públicas de longo prazo, na busca de benefício de um número maior de pessoas, resta por concretizada, com a apresentação do presente artigo, valendo-se da atipicidade dos meios executivos, a real possibilidade de compelir o ente estatal ao fornecimento de fármaco, mediante provimento judicial de bloqueio de verba pública.