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O direito à saúde em juízo

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02/02/2006 às 00:00
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8- EFICÁCIA CONCRETA DAS DECISÕES

A questão da eficácia concreta das decisões também é processual, mas, por sua importância, demanda tratativa específica.

Quem vai a juízo com uma pretensão, exercendo direito de ação, não busca meramente uma decisão judicial, mas sim um efeito fático-jurídico concreto. A pretensão relativa a um medicamento ou tratamento não terá seu direito atendido com uma mera declaração judicial acerca de sua existência.

Busca-se uma tutela condenatória ou mandamental, ou seja, uma tutela marcada pelo sancionamento. O problema maior reside em fazer incidir o sancionamento sobre o Estado.

A primeira questão surge no definir a espécie de obrigação, se de dar ou de fazer, pois os meios de coerção já são determinados a partir dessa especificação. A fixação de multa diária, por exemplo, é própria das obrigações de fazer e não de dar coisa certa ou incerta. A obrigação de fornecer um medicamento é, em linha de princípio, de dar coisa certa, mas envolve também a obrigação de disponibilização, que em última análise é de fazer algo. Considerá-la obrigação de dar reduz os meios de coerção e conduz à ineficácia prática da tutela jurisdicional.

Qualquer dos meios de coerção apresenta problemas sérios frente ao Estado. [16] A pena pelo crime de desobediência, mais própria da tutela mandamental, encontra grave óbice na consideração de que a falta de recursos não pode ser diretamente imputada ao administrador e a escolha de atendimento de um caso em detrimento de outro encontra-se em um nebuloso campo próximo ao mérito administrativo.

A multa diária é um mecanismo normalmente eficaz, mas no caso da Fazenda, onera os contribuintes, agravando a carência do Estado, e se fixada em patamar elevado, gera o paradoxo de ser mais vantajoso para o beneficiário o descumprimento da decisão do que a seu pronto acatamento, já que a multa pode lhe fornecer recursos que lhe permitam suprir suas necessidades e ainda restar saldo, gerando verdadeiro enriquecimento ilícito.

Além disso, demora um bom tempo, em regra, para que a intimação da liminar ou decisão seja feita e para que se comprove a mora, a fim de fixar-se o dies a quo da incidência da multa.

Logo, à guisa do que já conclui em outra oportunidade, a melhor solução é o bloqueio de valores do erário a fim de custear tratamento médico ou fornecimento de medicamento, com estrita fiscalização da destinação dos recursos, que podem ser disponibilizados ao próprio beneficiário, seja ela a parte processual ou não, cumprindo-lhe comprovar os gastos nos autos. A medida evita o excesso e permite presteza.


9- CONCLUSÕES

O problema do acesso à saúde, especialmente à saúde pública, se insere em um problema bem maior, que é o da generalizada carência de países em desenvolvimento. Há uma expressiva quantidade de cidadãos carentes e o Estado tem inúmeras necessidades que não encontram recursos suficientes para serem supridas. Esta situação deficitária encontra múltiplas causas, dentre as quais estão problemas de gestão administrativa, mas é erro acreditarmos que somente eles sejam os responsáveis pelo quadro que se descortina.

O problema da efetivação das políticas públicas traz ínsito o problema do papel a ser exercido pelo Poder Judiciário, o que suscita a questão do equilíbrio de poderes, que, por sua vez, desemboca na questão da caracterização do mérito administrativo.

O que se pode afirmar com certeza diante deste complexo problema é que antigos paradigmas, erigidos à luz de outro momento histórico-cultural, não podem ser utilizados para solucionar novos problemas.

Os parâmetros do constitucionalismo liberal-iluminista e os paradigmas hermenêuticos que lhe são próprios, bem como o modelo processual estruturado em vista de direitos puramente individuais e privados, não servem para enfrentarmos os problemas da sociedade atual.

É imperativa uma nova postura dos operadores jurídicos e do administrador público diante do projeto constitucional encartado na Constituição de 1988, de modo que a sua atuação seja consentânea aos novos direitos à a concepção de uma cidadania plena, diante da qual a tutela jurisdicional preocupa-se mais com o fundo do que com a forma.

Neste diapasão, os limites da legalidade formal por vezes tem de ceder à busca do atendimento dos "fins sociais" da lei, concretizados a partir de uma inteligente e cautelosa (a fim de evitar abusos) interpretação do texto legal, sempre tendo por norte a Constituição, seus princípios e os fins por ela colimados.

É com essa perspectiva que o direito à saúde deve ser tratado, porque é um direito fundamental sem o qual não se realiza efetivamente a dignidade da pessoa humana.


Notas

01 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 28ª edição, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 114.

02 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 9ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 579.

03 Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 721.

04 Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, Saraiva, 5ª ed. 1997, p. 22.

05 Recurso Especial nº 577836/SC (2003/0145439-2), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Luiz Fux. j. 21.10.2004, unânime, DJ 28.02.2005

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06 Mandado de Segurança nº 1.0000.03.401817-6/000, 3º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Belo Horizonte, Rel. Maria Elza. j. 18.02.2004, unânime, Publ. 10.03.2004.

07 ADIN 1.458/DF.

08 ADIN 1.484/DF.

09 Apelação Cível Nº 70012012209, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, julgado em 09/11/2005.

10 REsp 146483 / PR; Sexta Turma, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 15.03.2004 p. 307RSTJ vol. 181 p. 495.

11 REsp 171918 / MG, Quarta Turma, Ministro Fernando Gonçalves, DJ 23.08.2004 p. 238.

12 Apelação e Reexame Necessário Nº 70012624482, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, julgado em 26/10/2005.

13 Apelação e Reexame Necessário Nº 70012201760, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgado em 17/08/2005.

14 Apelação Cível Nº 70011403524, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, julgado em 18/05/2005.

15 Disponível nos sites http://ww.ufsm.br/direito e http://www.jurid.com.br.

16 A respeito, ver o meu "A execução das obrigações de dar e de fazer resultantes de liminares contra a Fazenda Pública e seus meios de coerção", disponível no site http://ww.ufsm.br/direito.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. O direito à saúde em juízo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 946, 2 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7894. Acesso em: 18 dez. 2024.

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