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Nova lei italiana sobre crise e insolvência civil

22/04/2020 às 12:40
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A partir de agosto, a Itália terá novo sistema acerca da insolvência, afastando a regulamentação de 1942, com redução dos custos e duração dos procedimento. Nos plúmbeos momentos de crise sanitária ora vivenciada por todos, certamente não serão poucos os cidadãos a se valer do instituto da insolvência civil.

A Itália conta, em seu ordenamento jurídico, com novo texto legal acerca da crise empresarial e insolvência. Trata-se do Decreto Legislativo n. 14, de 12/01/2019[1], a respeito do qual serão escritas algumas linhas[2].

Com exceção de determinados dispositivos (que entraram em vigor a partir de 16/03/2019), a reforma estrutural somente ocorrerá dezoito meses após a publicação, isto é, a contar de 15 de agosto/2020 a Itália terá novo sistema acerca da insolvência, afastando a regulamentação de 1942. O texto legal se destina a regulamentar a insolvência, com redução dos custos e duração dos procedimentos, bem como regula a composição da crise do devedor, apresentando as ferramentas adequada.

A primeira novidade é afastar o obsoleto termo “falência”, substituindo-o por liquidação judicial. O vocábulo falência, de fato, nunca foi bem visto pela sociedade de um modo geral, ideia mantida desde os tempos de Roma, o que se traduz em evidente equívoco. Infelizmente, poucos foram os que conseguiram separar entidade jurídica de acionistas/sócios[3]; poucos foram capazes de perceber que nem sempre o devedor é o “culpado” pela abertura da falência e a situação econômica atual pode servir de exemplo; poucos são os que afastam de seu vocabulário o termo “quebra”[4], ainda muito utilizado por aqueles não afeitos à matéria falimentar.

Em segundo lugar, será colocado em prática o sistema de alerta e prevenção (França bom exemplo, que poderia servir ao Brasil, inclusive[5]), ou seja, cabe ao devedor, detectando os primeiros sinais de crise, apresentá-la aos órgãos de controle interno e alguns credores públicos (algo jamais pensado no Brasil), tais como agencia de receita e INPS, bem como ao OCRI (Órgão de composição da crise nos negócios) e empresas de auditoria. Este órgão é criado para ajudar o empresário a encontrar solução para a crise[6]. A princípio, o comando legal se mostra razoável e interessante, principalmente considerando o aspecto prevenção (diagnóstico precoce da crise), o alerta, não aguardando que a crise se avolume ao ponto de ser insubsistente a lei, torando os procedimentos mais complexos, de difícil solução[7].

Conforme texto legal, o empreendedor individual deve tomar medidas adequadas para detectar prontamente a crise e assumir, sem demora, as iniciativas necessárias para enfrentá-la. Quanto ao empreendedor coletivo, deve adotar estrutura organizada (gestão e hierarquia) com o objetivo de detectar imediatamente o estado de crise e tomar as medidas adequadas.

Em terceiro, os acordos extrajudiciais poderão ser colocados em prática, a exemplo do que dispõe o art. 167 da Lei 11.101/05, do sistema jurídico pátrio, cabendo aos participantes agirem com boa-fé e justiça[8]. O devedor que se utilizar da composição da crise ou outra medida para compromisso acerca das dívidas, terá a redução de juros e multas em relação aos débitos fiscais. Há a previsão da continuidade de negócios, buscando a redução dos custos e duração do processo, como dito.

Apresentadas algumas questões atinentes ao novo texto legal italiano, é de se destacar a situação específica do consumidor endividado[9]. Pode propor aos credores um plano de restruturação da dívida. O art. 67 da lei estabelece todos os requisitos para tal pleito. Entrementes, não se pode valer do procedimento aquele que já recorreu a igual procedimento, o que sofreu revogação, rescisão ou mesmo cancelamento do contrato de reestruturação e, por fim, aquele que apresentar documentação incompleta ou insuficiente para reconstruir a situação econômica. Por outro lado, o credor que determinou culposamente a situação de endividamento ou agravamento da situação do devedor não poderá apresentar oposição ou reclamação à homologação. A legislação italiana, pode-se dizer, é avançada e segue a tendência de prevenção da crise.   

Em termos de Brasil, inexiste, até o momento, possiblidade de reestruturação/recuperação de pessoa física e a insolvência civil ainda está prevista no Código de Processo Civil de 1973[10]. A atual legislação processual civil não contém qualquer dispositivo acerca da insolvência/recuperação de pessoa física, estabelecendo no art. 1.052 que permanecem em vigor os ab-rogados enunciados de 1973[11] no tocante à “falência” do devedor insolvente.

Por fim, considerando a situação atual (aqui não cabe gastar tinta acerca do óbvio ululante), muitas são as pessoas físicas em crise e a elas, até o momento, não é apresentado qualquer instrumento jurídico útil e eficaz para que ocorra sua reestruturação/recuperação; para o devedor civil com dívidas superiores ao valor de seus bens, a insolvência civil é o vetusto remédio processual previsto em 1973, que pode, em tese, ser utilizado

Nos plúmbeos momentos de crise sanitária ora vivenciada por todos, certamente não serão poucos os cidadãos que se poderão valer do instituto da insolvência civil.                       


Notas

[1] Código da crise e insolvência empresarial. O texto legal regula situações de crise do insolvente devedor, consumidor ou profissional ou empresário que exerce, mesmo sem fins lucrativos, atividade comercial, artesanal ou agrícola, operando como pessoa singular, pessoa coletiva ou outro órgão colegiado, grupo de empresas ou empresas públicas, com exceção do Estado e atividades públicas. No que diz com a competência jurisdicional, prevalece a italiana quando o devedor possui o centro dos principais interesses ou dependência.

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[2] Ressalte-se que, considerando a crise mundial em decorrência da pandemia, o governo italiano estabeleceu que o prazo para que as entidades apresentem relatório acerca da situação de crise (procedimento de alerta) e estabeleçam as medidas para resolução do problema foi adiado para 15/02/2021. Consta do Decreto-Lei n. 9, de 02/03/2020: o adiamento para 15 de fevereiro de 2021 dos termos da obrigação de relatório (o chamado "procedimento de alerta") que pesa sobre os órgãos de controle interno e auditores, introduzidos pelo Código de Crises e Insolvências Corporativas (Decreto Legislativo 12 Janeiro 2019, n.14), para permitir uma adaptação gradual a essa novidade, evitando que a emergência implique consequências para quem tem essa obrigação e pode se encontrar incapaz de lidar com ela. http://www.governo.it/it/curaitalia-misure-economiche#DL9. Acesso: 08/04/2020.

[3] O pedido de abertura da liquidação judicial é proposto pelo devedor, pelos órgãos e das autoridades administrativas que exercerem funções de controle e supervisão nos negócios, por um ou mais credores ou pelo Ministério Público. Esta apresenta o pleito em qualquer caso em que haja notícia da existência de estado de insolvência. A autoridade judicial que detecta a insolvência no decurso de um processo relata o fato ao promotor público. Para fins de abertura da liquidação judicial o tribunal, por decreto, convoca as partes no prazo de até 45 dias após a apresentação do recurso.

[4] Com efeito, na correta e indispensável linguagem técnico-jurídica, o vocábulo a ser utilizado, no Brasil, ainda é falência, afastando-se por completo a palavra “quebra”, ainda muito utilizada. Sobre a questão, por todos: REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 1º Volume. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 4.

[5] Os procedimentos previstos em lei visão a prevenir a insolvência, tendo como base o sistema francês. Busca-se, quanto possível, a reestruturação ainda na fase inicial do desequilíbrio, do desajuste, evitando-se a liquidação. É interessantíssimo o texto do art. 13 da lei, onde são apresentados indicadores da crise. Necessário, pois, identificar o momento em que a entidade está na iminência de sofrer crise, existindo avaliação econômico-financeira (análise da adequação dos fluxos de  caixa futuros e avaliação da própria administração. Leva-se em conta (i) o tipo de atividade exercida pelo devedor; (ii)a data de constituição e início da atividade; (iii) sustentabilidade das contas a pagar por pelo menos seis meses e as perspectivas reais de continuidade do negócio para o ano atual ou, caso faltem seis meses para  o fim do período, por tempo igual; (iv) o atraso nos pagamentos repetitivos e significativos também são considerados para fins de indicação de crise.

[6] O art. 13 contém os indicadores da crise, dentre eles: o desequilíbrio de renda, patrimoniais ou financeiros constituem indicadores da crise, relacionados às características específicas da entidade e à atividade exercida pelo devedor, levando em consideração a data de constituição e o início do exercício.

[7] O modelo francês serviu de base ao legislador italiano. A prevenção da crise, em lugar algum consta da lei brasileira, o que se lastima. É realmente importante tentar, quanto possível, a reestruturação da “empresa” na fase inicial do desequilíbrio, quando aparece na tela o sinal de alerta. Há ainda a possibilidade de o devedor acessar o procedimento de solução assistida da crise, que ocorre de maneira confidencial.

[8] O devedor tem o dever legal de explicar sua situação, com sinceridade e transparência, fornecendo aos credores todas as informações necessárias e adequadas para fins de ajusta da crise; deve tomar as iniciativas adequadas para definição do procedimento a ser seguido, a fim de não prejudicar direitos dos credores; cabe-lhe gerenciar os ativos ou a empresa durante o procedimento de regulação da crise ou insolvência, no interesse prioritário dos credores; os credores, por sua vez, têm o dever de cooperar lealmente com o devedor, com pessoas encarregadas dos procedimentos de alerta e solução assistida da crise, com os órgãos designados pela autoridade judicial em procedimentos de ajuste de crise/insolvência e cumprimento da obrigação de confiabilidade em relação ao devedor, sobre as iniciativas por ele tomadas, bem como sobre informações obtidas.

[9] Os credores não têm legitimidade para formulação de pedidos que caibam ao devedor.

[10] A partir do art. 748.

[11] Por que não um único processo em face do devedor insolvente (concurso coletivo) que contemple todas as dívidas, inclusive de cunho fiscais, em vez de dar prosseguimento a várias ações e execuções tramitando sem que ocorra resultado prático, porquanto o devedor é insolvente? Mais uma vez foi perdida a possiblidade de inserir no ordenamento jurídico um texto legal de insolvência consentâneo com a realidade.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Nova lei italiana sobre crise e insolvência civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6139, 22 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81041. Acesso em: 23 nov. 2024.

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