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A (des)necessidade de motivação no ato administrativo de dispensa do empregado público de empresa pública ou sociedade de economia mista

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23/03/2021 às 11:00
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3 O EMPREGADO PÚBLICO E A SUA DISPENSA POR INICIATIVA UNILATERAL DA ADMINISTRAÇÃO

3.1 Conceito e características elementares do Empregado Público

Antes de tratarmos especificamente do ato administrativo de dispensa, precisamos tratar da figura do Empregado Público.

Maria Sylvia Zanella di Pietro diz que são empregados públicos aqueles agentes “contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público” (PIETRO, 2018, p. 744).

Conforme a autora (2018, p. 751), quando foi admitida a contração de pessoal sob o regime celetista por parte da administração, passou-se a utilizar o termo emprego púbico em paralelo ao de cargo público, apenas diferenciado ambos em função do vínculo que o indivíduo possuía com o Estado.

Já segundo Hely Lopes Meirelles (2016):

Os empregados públicos são todos os titulares de emprego público (não de cargo público) da Administração direta e indireta, sujeitos ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT; daí serem chamados também de "celetistas" (MEIRELLES, 2016 p. 519).

O empregado público possui vínculo empregatício ou com empresas públicas ou com sociedades de economia mista, e estas são regidas pelas mesmas regras aplicadas as empresas privadas, sobretudo no que cerne as obrigações tributárias e trabalhistas. Quanto ao ponto, assim diz o artigo 173, § 1º, inciso II da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 

Dessa forma, os empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista se submetem ao regime trabalhista comum, cujas normas estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Neste sentido, de acordo com a lição de Carvalho Filho (2018, p. 606), o vínculo que os empregados públicos possuem com a Administração é de natureza contratual, haja vista estarem atrelados por um contrato de trabalho típico, não diferente caso fossem empregados de alguma empresa privada.

Apesar disso, é preciso destacar que o regime jurídico aplicado às empresas públicas e às sociedades de economia contém uma espécie de “hibridismo normativo”, no qual há um entrelaçamento de normas de direito público e de direito privado.

Isto, pois estes entes fazem parte da Administração Pública e, portanto, estão sujeitos também as regras de direito público.

No que diz respeito aos empregados públicos, a estes são aplicadas diversas normas de direito público, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais: os empregados públicos somente podem ingressar em seus empregos mediante prévia aprovação em concurso público[5], devem respeitar a regra de cumulação de cargos, empregos e funções públicas[6], são considerados funcionários públicos para fins penais[7], são considerados agentes públicos para fins de aplicação das sanções previstas pela lei de improbidade administrativa[8], etc.

Observa-se, portanto, que o empregado público não pode ser simplesmente comparado com o empregado da iniciativa privada, tendo em vista a quantidade de dispositivos normativos que devem ser aplicados a sua situação e isto deve ser principalmente observado quando da sua dispensa por iniciativa unilateral da Administração pública.

3.2 A dispensa do Empregado Público

A dispensa que tratamos no presente artigo diz respeito à resolução do contrato de trabalho que a doutrina classifica como resilição contratual.

Para Maurício Godinho Delgado (2017):

A resilição contratual corresponderia a todas as modalidades de ruptura do contrato de trabalho por exercício lícito da vontade das partes. Neste grupo englobar-se-iam três tipos de extinção contratual: em primeiro lugar, a resilição unilateral por ato obreiro (chamada de pedido de demissão). Em segundo lugar, a resilição unilateral por ato empresarial (denominada dispensa ou despedida sem justa causa ou, ainda, dispensa desmotivada). Em terceiro lugar, a figura da resilição bilateral do contrato, isto é, o distrato (DELGADO, 2017, p. 1279).

Conforme podemos observar, as três possibilidades de extinção da relação empregatícia têm origem ou em comum acordo entre as partes, ou em pedido formulado pelo empregado, ou, ainda, conforme preferência e conveniência do empregador.

Oportuno mencionar que não há no Brasil uma obrigatoriedade de que o empregador justifique os motivos que formaram sua convicção no sentido de dispensar o empregado.

Vale destacar que o constituinte originário até pretendeu delegar ao legislador a possibilidade de edição de norma no sentido de uma proteção mais integral aos empregados contra despedidas arbitrárias, conforme se denota da leitura do artigo 7º, inciso I da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988):

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Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos (BRASIL, 1988).

Todavia, o legislador brasileiro nunca se debruçou sobre a matéria a fim de produzir a normativa correspondente, isto é, uma lei complementar que definisse os termos da dispensa arbitrária.

Destaque-se que o Brasil é signatário da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho de 1982. A referida convenção (1982), em seu artigo 4º, é clara ao definir que não se dará fim a relação de emprego sem uma justificativa relacionada a capacidade ou comportamento do empregado, ou ainda em função das necessidades do funcionamento da empresa empregadora[9].

A dispensa sem as características citadas deve ser considerada arbitrária, conforme o documento. A convenção foi promulgada pelo Decreto Legislativo nº 68/1992, ratificada em janeiro de 1995 e denunciada pelo Presidente da República em novembro de 1996.

Porém, após a entrada em vigora da norma, a mesma foi alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.625 em decorrência de que a matéria não poderia ser legislada a não ser por meio de lei complementar, conforme exigência da Constituição. O julgamento está suspenso desde 2016 no Supremo Tribunal Federal[10].

Dessa forma, segundo Martinez e Borges (2018, p. 783), podemos compreender que, salvo as exceções tocantes às estabilidades provisórias constitucionalmente previstas, é um direito potestativo do empregador o de dispensar o empregado conforme sua vontade pessoal.

No caso dos empregados públicos, ainda que haja previsões constitucionais e legais que garantam às empresas públicas e sociedades de economia mista agir, no que cerne às relações de emprego, conforme a lei trabalhista aplicável ao regime de direito privado, é preciso que se considerem também as normas de direito público que presam, em última análise, pela legalidade dos atos da Administração.

Neste sentido, Douglas Rodrigues (2005, apud SALIM, 2006):

Ainda que as entidades da administração pública indireta estejam submetidas à regência da CLT na relação mantida com seus prestadores, é evidente que não se equiparam, nem se confundem, só por isso, aos ‘entes morais’ tipicamente privados (RODRIGUES, 2005, apud SALIM, 2006, p. 22).

Outrossim, como mencionado no ponto anterior, dentre as diversas características peculiares que são atribuídas ao empregado público, destaca-se seu ingresso no ente empregador por intermédio de concurso público de provas ou provas e títulos.

Neste sentido, e conforme veremos no próximo tópico, as cortes superiores já chegaram a adotar como critério a ser observado o chamado princípio do paralelismo das formas. Quanto ao ponto, vejamos as palavras de Juliana Inahin (2011):

Defender a motivação das demissões nas empresas públicas e sociedades de economia mista não significa atribuir aos empregados estabilidade. Significa dar cor ao princípio do paralelismo das formas, segundo o qual ‘um ato jurídico só se modifica mediante o emprego de formas idênticas àquelas adotadas para elaorá-la’ (BONAVIDES, 1996, p. 182). Assim, diante da dificuldade na admissão do empregado das empresas públicas e sociedades de economia mista, também deve haver certa dificuldade para sua dispensa. O dever de motivar não “engessa” essas entidades, apenas cobra do administrador a exposição dos fatos e fundamentos de sua decisão (INAHIM, 2011).

Afora o princípio do paralelismo das formas, como modo de balancear a relação entre empregado e administração pública, oportuno citar Claudio Dias Limas Filho (2010) quando fala sobre a impossibilidade de equiparação total entre os empregadores estatais e os demais empregadores privados:

Admitir o contrário — ou seja, que a equiparação constitucional entre empregadores estatais e empregadores privados comuns é absoluta — significa cometer, ao menos, três graves equívocos: o primeiro, que parte da Constituição deve ser aplicada e outra parte deve ser ignorada; o segundo, que a Constituição ficaria subjugada à CLT (pois a legislação não impõe expressamente a motivação da dispensa como requisito de validade do ato); e terceiro, que o administrador público teria total liberdade para afastar qualquer trabalhador, de acordo com o seu interesse pessoal, confundindo-se o interesse da Administração com o interesse do administrador, o que torna letra morta os princípios constitucionais da Administração Pública, em especial o da impessoalidade e o da moralidade. Essas três conclusões, diante do manifesto equívoco que apresentam, dispensam outros comentários (LIMAS FILHO, 2010, p. 71).

Após breve apuração dos dispositivos legais e da literatura jurídica sobre o tema, consultaremos o que os tribunais superiores brasileiros podem revelar sobre a questão.

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Sobre o autor
José Eduardo Teles Santos

Bacharel em Direito - Universidade Federal de Pelotas Especialista em Direito Público - UNESA/CERS Advogado atuante nas áreas Cível, Administrativo, Consumidor, Família e Sucessões

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, José Eduardo Teles. A (des)necessidade de motivação no ato administrativo de dispensa do empregado público de empresa pública ou sociedade de economia mista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6474, 23 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89320. Acesso em: 29 mar. 2024.

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