Capa da publicação HC para trancar ação penal e nova ação sobre mesmos fatos: nova visão do STF
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Da nova visão do Supremo Tribunal Federal sobre decisão judicial que acolhe HC para trancar ação penal e a impossibilidade da propositura de ação de improbidade administrativa sobre os mesmos fatos (bis in idem).

Mitigação da independência das instâncias penal e administrativa

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04/11/2021 às 13:40
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IV – CONCLUSÃO

A autoridade da sentença penal absolutória e os seus efeitos em relação ao Direito Administrativo Sancionador, exatamente quando os mesmos elementos fático-probatórios são tratados em ambas as esferas, não pode ser mais ignorado por parte da doutrina e da jurisprudência, pois a multiplicidade de sanções (bis in idem) ou, não raro, decisões conflitantes, ainda prevalecem em um sistema arcaico de interpretação equivocada de independência total das instâncias.

A independência mitigada das instâncias serve para exteriorizar o direito justo e evitar punições injustas e desqualificadas pela realidade dos fatos.

Assim, uma vez decidido através de sentença pelo juízo criminal que não houve a prática de ilícito contra a Administração Pública, e não havendo resíduo que justifique a punição administrativa (mesmos elementos fático-probatórios), prevalece a decisão judicial, mesmo porque cabe ao Poder Judiciário decidir ou não sobre a existência de um crime, observando o devido processo legal e as garantias a ele inerentes.

A independência das instâncias não é sinônimo de indiferença, como averbado por Luís Vasconcelos Abreu:[43]

“Processo Penal e Procedimento Disciplinar não se encontram de ‘costas voltadas para um para o outro’. A conhecida independência não é sinônima de indiferença, nomeadamente da entidade administrativa relativamente à sentença criminal.”

Jean Colbert Dias, Anderson Ferreira e Alexandre Magno Augusto Moreira,[44] em belíssimo artigo que será submetido ao III ENCONTRO VIRTUAL DE CONPEDI (ocorrerá em junho de 2021), com brilho averbam:

“Não há como admitir que o Direito Administrativo Sancionador ultrapasse e subjugue garantias constitucionais baseados numa propalada e insustentável independência absoluta do seu caráter sancionatório.

Neste espeque exsurge a problemática: ‘qual o grau de vinculação da sentença absolutória criminal sobre o mesmo fato objeto de apuração na seara do Direito Administrativo Sancionador (Improbidade Administrativa)?

É possível afirmar, respeitando posições diversas sobre o tema, que havendo identidade de sujeitos, do conjunto fático-probatório e que esses elementos sejam objeto de apuração em esferas sancionatórias inseridas no macrossistema punitivo estatal que realmente haverá independência do Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador, com ascendência do primeiro em relação ao segundo em razão das limitações impostas pelo ne bis in idem, agregada a outros princípios e garantias individuais emoldurados na Carta Magna e em tratados e Convenções Internacionais.

Ademais, ficou demonstrado que o sistema jurídico necessita adequar-se aos parâmetros jurídicos internacionais que o Brasil é signatário, suprimindo modais punitivos excessivos e que valoram duplamente a responsabilidade da pessoa por atos ilícitos, inclusive adotando os parâmetros estruturados em Convenções Internacionais e decisões de Cortes internacionais sobre o tema, evitando sanções penais e sanções administrativas pelo mesmo fato.”

                   Portanto, a absolvição criminal pelos mesmos elementos fático-probatórios da Improbidade Administrativa possui caráter absoluto ou erga omnes da coisa julgada proferida pela jurisdição penal, projetando-se no sistema jurídico como forma a estabilizar as relações.

Em assim sendo, os fundamentos, em que serão analisadas as questões de fato e de direito[45] da sentença/acórdão penal, devem ser observados no âmbito da Ação de Improbidade Administrativa, pois a retirada de dolo ou a negativa do fato possui o condão de retirar a subsunção de conduta do ato ímprobo, inexistindo resíduo punitivo, em respeito ao ne bis in idem.

Na atual fase do direito, pouco importa a análise isolada do dispositivo da sentença, pois, mesmo que ela absolva o Réu por falta de provas, mas se na sua fundamentação negue o fato ou a autoria delitiva, não resta dúvida de sua higidez para fins de Direito Administrativo Sancionador.

Daí porque o trancamento da Ação Penal pela via do habeas corpus, ou ocorrendo o julgamento de mérito da demanda, afastando o fato ou a autoria delituosa, consequentemente, ensejará a rejeição da Ação de Improbidade Administrativa ou a sua improcedência, se presentes os mesmos elementos fáticos probatórios.

Rio de Janeiro, 13 de abril de 2021.

MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS

OAB/RJ 57.739


[1] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada. 6. ed., Niterói-RJ: Impetus. 2012, p. 687.

[2] OSÓRIO, Fábio Medina, Direito Administrativo Sancionador, São Paulo: RT. 2000, p. 17.

[3] NIETO, Alejandro. Derecho Administrativo Sancionador. 5. ed. Madrid: Tecnos: 2012, p. 26.

[4] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada, 5. ed. Niterói – RJ: Impetus, 2010, p. 748/786.

[5] STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., Medida Cautelar na RC nº 41.557-SP, julg em 30.06.2020.

[6] OLIVEIRA. Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador, 2012, p. 190.

[7] OLIVEIRA. Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador, 2012, p. 190.

[8] RINCÓN, José Suay. Sanciones administrativas. Studio Albormotiana. Bolonia: Publicacniones del Real Colegio de Espanha, 1989, p. 100.

[9] “Una técnica que se reproduce simétricamente con el supraconcepto del ilícito comum, en el que se engloban las variedades de los ilícitos penal y administrativo y que se corona, en fin, con la creación de un Derecho punitivo único, desdoblado en el Derecho Penal y en Derecho Administrativo Sancionador.” (ALEJANDRO NIETO, Derecho Administrativo Sancionador, 4. ed, Madrid: Tecnos, 2012, p. 124).

[10] COSTA, Helena Lobo da. Direito Penal Econômico e Direito Administrativo Sancionador. 2013, p. 122.

[11] STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, RCL 41557 MC/SP, despacho liminar deferido em 30.06.2020.

[12] OLIVEIRA. Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador, 2012, p. 240.

[13] HUNGRIA, Nelson. Ilícito Administrativo e Ilícito Penal. RDA, Seleção Histórica. Rio de Janeiro:  Renovar. Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 15.

[14] STF: “Processo administrativo disciplinar. Cassação da aposentadoria. Constitucionalidade. Independência das esferas penal e administrativa. Precedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido da possibilidade de cassação da aposentadoria, em que pese o caráter contributivo do benefício previdenciário. 2. Independência entre as esferas penal e administrativa, salvo quando, na instância penal, se decida pela inexistência material do fato ou pela negativa de autoria, casos em que essas conclusões repercutem na seara administrativa, o que não ocorre na espécie. 3. Agravo regimental não provido, insubsistente a medida cautelar incidentalmente deferida nos autos. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, haja vista tratar-se, na origem, de mandado de segurança (art. 25 da Lei 12.016/09). (STF, Rel. Min. Dias Toffoli, RE nº 1044681AgR/SP, 2ª T., DO  de  21.03.18).

[15] RANGEL, Paulo. A COISA JULGADA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA, Rio de Janeiro: Atlas, 2012, p. 330,

[16] Cf. Paulo Rangel, A COISA JULGADA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA. São Paulo: Atlas, 2012, p. 230.

[17] “Em nossa doutrina e, especialmente, em nossa jurisprudência prevalece ainda o paradigma de ‘independência entre instâncias’,         que além de não apresentar  fundamentação científica convincente, gera diversos resultados paradoxais. Além disso, constrói um modelo que pouco se coaduna com a ideia de unidade da ordem jurídica, como um sistema jurídico estruturado e dotado de racionalidade interna. O ordenamento jurídico não pode ter tido como um conjunto desconexo de normas jurídicas, submetidas somente ao princípio da hierarquia. (...) Portanto, a ideia de independência entre as instâncias apresenta diversas inconsistências , não podendo ser abraçadas como dogma inquestionável, bem ao contrário.” (COSTA, Helena Lobo da. Direito Penal Econômico e Direito Administrativo Sancionador. 2013, os. 119 e 222).

[18] “A adoção de uma noção de independência mitigada entre as esferas penal e administrativa – esta parece ser a posição mais acertada diante dos princípios constitucionais reitores do sistema penal, principalmente da proporcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade – na interpretação da lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), sobretudo do art. 12 (“Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:”), nos leva ao entendimento de que a mesma narrativa fático-probatório que deu ensejo a uma decisão de mérito definitiva na esfera penal, que fixa uma tese de inexistência do fato ou de negativa de autoria, não pode provocar novo processo no âmbito do Direito Administrativo Sancionador – círculos concêntricos de ilicitude não podem levar a uma dupla persecução e, consequentemente, a uma dupla punição, devendo ser o bis in idem vedado no que diz respeito à persecução penal e ao Direito Administrativo Sancionador pelos mesmos fatos.” (STF, Rel., Min, Gilmar Mendes, RCL 41.557 MC/SP, 2ª T., decisão de 30.06.2020).

[19] “A proibição do non bis in idem também é aplicável a todo tipo de sanção e, por conseguinte, não somente a derivada de um processo penal. Esta afirmação conduz ao problema da relação entre as sanções penais e as administrativas.” (QUIROGA, Jacob López Borja. Non bis in idem. Madrid: Dynkinson, 2004, p. 58).

[20] RANGEL, Paulo. A Coisa Julgada no Processo Penal Brasileiro como Instrumento de Garantia.” São Paulo: Atlas, 2012, p. 264.

[21] TUCCI, Rogério Lauria. Habeas Corpus. Ação e Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 6.

[22] “A decisão proferida na ação de habeas corpus faz caso julgado como Toda e qualquer decisão de mérito.” (RANGEL, Paulo. A coisa julgada no Processo Penal Brasileiro como Instrumento de Garantia, São Paulo: Atlas, 2012, p. 265.

[23] COSTA, Helena Lobo da. Direito Penal Econômico e Direito Administrativo Sancionador. 2013, p. 236-237.

[24] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 interpretada e comentada – 5. ed., Niterói – RJ: Impetus, 2010, p. 759.

[25] “No processo civil – como no administrativo – a sentença penal poderá aplicar uma eficácia vinculante relativamente ao fato nessa investigação no limite fixado nos arts. 651, 652, 653, 654 CP.” (Aldo Attardi, Diritto Processualle Civile: parte geral: CEDAM, p. 458, v. 1, tradução Livre).

[26] “O direito de não ser submetido a uma pluralidade de sanções proíbe, em princípio, a acumulação de sanções penais e administrativas, sempre que o pressuposto dessa acumulação sancionatória seja o mesmo, definindo-se a identidade a partir da concorrência de três elementos: identidade de fato, de sujeito e de fundamento.” (MANZANO, Mercedes Pérez. Lá Proibición Constitucional de incurrir en in bis in iden. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2002, p. 23. Tradução livre).

[27] “Identidade essencial – A identidade essencial entre o delito administrativo e o delito penal, é atestada pelo próprio fato histórico, aliás, reconhecido por GOLDSCHMIDT, de que existem poucos delitos penais que não tenham passado pelo estágio do delito administrativo (...) A disparidade entre um e outro repita-se – é apenas quantitativa. Qual oura diferença, senão de grau, v.g., entre o retardamento culposo de um ato de ofício e a prevaricação entre uma infração sanitária e um crime contra a saúde pública, entre uma infração fiscal e o descaminho, entre violações de posturas municipais e contravenções penais.” (HUNGRIA, Nelson. Ilícito Administrativo e Ilícito Penal. Seleção Histórica, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Renovar, 1991, p. 17).

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[28] GIACOMOLLI. Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 2. ed. São Paulo: Atlas, p. 321ss, PASTOR, Daniel R. El plazo razonable em el processo del Estado del Derecho. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, p. 406ss).

[29] “Quando a infração penal já contempla a condição de funcionário público como exigência típica relativa ao autor, então, o princípio nom bis in idem produz efeitos tornando incompatíveis amas as sanções” (QUIROGA, Jacob López Borja de., El princípio: no bis in idem. Madrid: Dykinson, 2004, p. 40).

[30] ABREU, Luis Vasconcelos. Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo. Português Vigente: As relações com o Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1993, p. 46.

[31] VILLALBA, Francisco javier de León. Acumulación de Sanciones penales y administrativos.” (Barcelona, Bosh, 1998, p. 29).

[32] AFTALIÓN. Enrique R. Derecho Penal Administrativo. Buenos Aires: Ediciones Arayú. 1955, p. 14.

[33] CRETONA, Blanca Louzada. “Las Fronteira del Código Penal de 1995 y Derecho Administrativo Sancionador”, in Cuadernos de Derecho Judicial. Madrid: Conselho General del Poder Judicial, 1997, p. 51.

[34] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: RT. 2000, p. 108.

[35] RANGEL, Paulo. A COISA JULGADA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA. São Paulo: Atlas, 2012. P. 161.

[36] LEONE, Giovanni. Tratado de Derecho procesal penal. Tradução de MELENDO, Santiago Santís. Buenos Aires: Ejea, 1989, T. III, p. 321.

[37] “A coisa julgada penal vale, portanto, erga omnes, isto é, não somente esta faz lei entre a parte que interveio, na causa, senão em relação a todos aqueles que, em juízo, não intervierem.” (ROCCO, Arturo. Trattado dela Cosa Judicata, v. 1, Madeira: tipografia Solari, 1904, p. 230).

[38] TJ/RS, Rel. Des. Luis Felipe Silveira Difini, Ap. Cível nº 700807,6812, 22ª CC, julgado em 25.04.2019.

[39] STJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., AgInt nos ADCL no AREsp 1464563/RE, DJ de 7.12.2020.

[40] STJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, REsp nº 1634627/RS, 1ª T., DJ de 15.10.2020.

[41] STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, AgInt no AREsp 1098135/MS, 1ª T., DJ de 02.06.2020.

[42] ROXIN, Claus. Derecho Penal, 25. ed. tradução de CÓRDOBA, Gabriela E. e PASTPR Daniel R. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2000, p. 437.

[43] ABREU, Luís Vasconcelos de. Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1993, p. 117.

[44] DIAS, Jean COLBERT, FERREIRA, Anderson e MOREIRA, Alexandre Magno Augusto, O Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador como Peças do Macrossistema Punitivo e a Rejeição ao Bis in Idem.

[45] Conf. Art. 489, § 2º, NCPC.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Da nova visão do Supremo Tribunal Federal sobre decisão judicial que acolhe HC para trancar ação penal e a impossibilidade da propositura de ação de improbidade administrativa sobre os mesmos fatos (bis in idem).: Mitigação da independência das instâncias penal e administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6700, 4 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89917. Acesso em: 27 abr. 2024.

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