III A Decisão do STF em sede Repercussão Geral
No julgamento do RE 566471 RG, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Pleno do STF sistematizou o fornecimento desses medicamentos em sede Repercussão Geral, conforme a decisão exarada in verbis:
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que fixava a seguinte tese (tema 6 da repercussão geral): "O reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade adequação e necessidade , da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo Na hipótese de pleito judicial de medicamentos não previstos em listas oficiais e/ou Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), independentemente de seu alto custo, a tutela judicial será excepcional e exigirá previamente - inclusive da análise da tutela de urgência -, o cumprimento dos seguintes requisitos, para determinar o fornecimento ou ressarcimento pela União: (a) comprovação de hipossuficiência financeira do requerente para o custeio; (b) existência de laudo médico comprovando a necessidade do medicamento, elaborado pelo perito de confiança do magistrado e fundamentado na medicina baseada em evidências; (c) certificação, pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), tanto da inexistência de indeferimento da incorporação do medicamento pleiteado, quanto da inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (d) atestado emitido pelo CONITEC, que afirme a eficácia segurança e efetividade do medicamento para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde do requerente, no prazo máximo de 180 dias. Atendidas essas exigências, não será necessária a análise do binômio custo-efetividade, por não se tratar de incorporação genérica do medicamento"; e do voto do Ministro Roberto Barroso, que fixava a seguinte tese: O Estado não pode ser obrigado por decisão judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS, independentemente de custo, salvo hipóteses excepcionais, em que preenchidos cinco requisitos: (i) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; (ii) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (iii) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (iv) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura da demanda necessariamente em face da União, que é a entidade estatal competente para a incorporação de novos medicamentos ao sistema. Ademais, deve-se observar um parâmetro procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde tanto para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, quanto, no caso de deferimento judicial do fármaco, para determinar que os órgãos competentes avaliem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS, Plenário, Sessão Virtual de 21.8.2020 a 28.8.2020. (SAÚDE - ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO - FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. (RE 566471 RG, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/11/2007, DJe-157 DIVULG 06-12-2007 PUBLIC 07-12-2007 DJ 07-12-2007 PP-00016 EMENT VOL-02302-08 PP-01685)
O julgamento do STF irá contribuir para a redução de futuras demandas judiciais que agora devem obedecer a um rigoroso sistema de quesitos a serem cumpridos.
Entretanto, parte das ações no judiciário reduziriam drasticamente se os medicamentos fossem autorizados pela Anvisa e incluídos na lista do SUS com maior rapidez, o que efetivamente não está acontecendo. Paliarissi (2017) critica a demora que em muitos casos ultrapassa 600 dias, chegando a 1000 dias no caso de fármacos genéricos. Nada justifica tamanha morosidade. O sofrimento de tantas pessoas e a sobrevida e salvamento de outros depende por ora de um trabalho exaustivo e cauteloso a ser realizado pelo Ministério da Saúde. Portanto, conclui-se que na verdade o duelo entre o individual e o coletivo inexiste. Toda vida é importante, cabendo ao Estado assegurar e efetivar este direito humano, do qual outros se relacionam. Não obstante, os remédios de elevado custo necessitam adentrar à lista de medicamentos do SUS por vários motivos, além da segurança para centenas de pessoas, o incentivo da produção nacional de medicamentos disponíveis no exterior fomentariam a indústria brasileira diminuindo custos para os cofres públicos.
Conclusão
A solução para esta relevante e complexa questão ainda demandará diversas discussões, por tal motivo não se encerra por agora. Não obstante, reiterado o valor da vida e da saúde enquanto direitos humanos fundamentais, este estudo de forma alguma quis aniquilar o direito individual e colocá-lo aos pés do coletivo. O estudo demonstrou por fim que a redução das demandas judiciais relativas ao fornecimento de medicamentos de alto custo pelo SUS passa por uma desburocratização dentro da Anvisa. O tempo hábil para inclusão de novos medicamentos novos já comercializados e aprovados em outros países que proporcionem a cura ou tratamento para diversas enfermidades não pode ser tão arrastado como se observou. Por outro lado, é sabido da seriedade do trabalho da agência, não obstante questões humanas como vida e saúde não deveriam mais submeter-se à burocracia.
Referências
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PIALARISSI, Marli Aparecida Saragioto. O fornecimento de medicamento de alto custo e sem registro na Anvisa: direito fundamental à saúde e à qualidade de vida. In FERREIRA, Pedro Paulo da Cunha e CARVALHO, Thiago Ribeiro (organizadores). Questões atuais do direito brasileiro e a jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 141 166
Notas
1 https://www.femama.org.br/site/br/noticia/governo-nao-pode-ser-obrigado-a-fornecer-remedio-de-alto-custo-fora-da-lista-do-sus-decide-stf?gclid=EAIaIQobChMI4N_74M2M9gIVgw6RCh16Uw5XEAAYASAAEgI4UfD_BwE. Acesso em: 19/02/2022
2 Os cinco medicamentos mais caros do mundo: o Zolgensma, primeira e única terapia gênica para pacientes pediátricos com atrofia muscular espinhal (AME). Com o custo de US$ 2,1 milhões, o equivalente a R$ 8,4 milhões, é o medicamento mais caro do mundo e promete praticamente a cura com apenas uma única dose. A segunda droga mais cara, cujo valor chega a US$ 850 mil. Administrado em dose única, o medicamento da Spark Therapeutics trata problemas de visão.Terceiro colocado, o Ravicti, um líquido comercializado pela Horizon, custa US$ 793 mil por paciente ao ano. O medicamento evita o acúmulo de amônia perigosa no sangue em pacientes com desordem do ciclo da ureia. Na quarta posição está o Brineura, comercializado pela BioMarin Pharmaceutical com um custo de US$ 700 mil ao ano. É a primeira droga do mercado a reduzir os sintomas da lipofuscinose ceroidal neural tipo 2 tardia infantil (CLN2), uma forma da doença de Batten, neurodegenerativa e cujos primeiros sintomas aparecem já na infância, permitindo uma sobrevida de apenas cinco anos. Fechando a lista, vem o Carbaglu, utilizado no tratamento de uma doença rara em que a falta de uma enzima hepática provoca hiperamonemia, uma condição de acumulação elevada de amoníaco no sangue. Administrado por via oral, custa de US$ 419 mil a US$ 790 mil por paciente por ano. O tratamento pode durar em média sete anos. O ranking foi baseado em pesquisas do Valuewalk, Drugs.com e Americas Health Insurance Plans (AHIP). Da lista, apenas o Brineura é comercializado no Brasil, a um valor de R$ 150 mil (caixa com duas ampolas), segundo tabela PMC Preço Máximo ao Consumidor. Fonte: https://besan.com.br/os-cinco-medicamentos-mais-caros-do-mundo/