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As emendas parlamentares em favor dos municípios

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Sobre as transferências financeiras que os municípios recebem por emendas orçamentárias parlamentares: há necessidade de chamamento público quando o dinheiro segue para organizações do 3º setor (ONGs)?

As transferências intergovernamentais ao Município - obrigatórias ou voluntárias

Sabido e consabido que, na imensa parte dos municípios, a arrecadação própria (IPTU, ISS, ITBI, IRRF, taxas etc.) é insuficiente para as diversificadas atribuições dos governos locais, o que torna essencial os repasses financeiros de outros níveis de governo, seja da União ou do Estado-membro.

Segundo o professor François E. J. de Bremaeker, aqueles repasses, obrigatórios ou voluntários, significam, em média, dois terços da receita municipal (in: As Finanças Municipais em 2020” [1]).

Bem verdade que um tributo de elevada magnitude, o ICMS, provém da riqueza gerada no próprio território municipal, mas a prefeitura recebe, por transferência do Estado, apenas um quarto daquele imposto (25%). De ilustrar que o repasse do ICMS é vital em cidades de maior peso na composição do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, na formação da economia brasileira.

Vindos da União ou do Estado, os repasses são chamados intergovernamentais, podendo ser obrigatórios ou voluntários.

Nos obrigatórios, a maior parcela se refere à partilha constitucional de impostos federais e estaduais (FPM, FPE, IPI/Exportação, ITR, ICMS, IPVA etc.), cujo montante não se atrela, na fonte concessora, a tal ou qual despesa municipal, se bem que, na localidade contemplada, fração considerável tem destino marcado: Educação (25%), Saúde (15%) e Câmara de Vereadores (3,5% a 7%). De toda sorte, o dinheiro não chega “carimbado” nos cofres municipais; nem é passível de prestação de contas ao governo concessor.

De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é a principal rubrica na arrecadação de 80% dos 5.568 municípios brasileiros; a maioria de pequeno porte e com base econômica agrícola. É assim porque a distribuição do FPM leva em conta o tamanho populacional do município e a renda média do Estado e, não como no ICMS, a contribuição local à economia brasileira.

Entregue a cada 10 dias (decêndio), o FPM é constituído por 25,5% da arrecadação federal do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produção Industrial (IPI), podendo ser bloqueado, no todo ou em parte, em caso de não pagamento do Pasep e dos parcelamentos previdenciários e, também, do não envio de informações ao SIOPS (Sistema de Informações sobre Orçamentos da Saúde).

Obrigatórias são também as transferências determinadas em leis nacionais, para amparar ações municipais relativas ao Sistema Único de Saúde (SUS), merenda escolar, transporte de alunos, educação de jovens e adultos, entre tantas outras. De dizer que tais repasses podem não se originar na receita federal de impostos, mas, sim, em outras rubricas como a do Salário-Educação.

Atualmente, a Emenda Constitucional 120, de 5.5.2022, criou uma nova transferência obrigatória para a União: o piso salarial dos agentes comunitários de saúde (ACS) e dos agentes de combate a endemias (ACE), não menor que dois salários mínimos mensais (em 2022, R$ 2.424,00), cabendo aos estados e municípios pagar adicionais àqueles servidores, como o de insalubridade.

Além do mais, nosso direito financeiro prevê outra espécie de transferência entre governos - a voluntária - posto que entregue de forma não obrigatória pela União ou Estado e, afora o caso das emendas especiais ao orçamento federal, esses repasses discricionários vinculam-se a determinado gasto, seja de capital (obra, equipamento, aquisição de imóvel) ou de custeio (em parte considerável das vezes, transferidos a entidades não governamentais - ONGs).

A propósito, a transferência voluntária está expressa na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

Em seguida, aquela disciplina fiscal apresenta as condições que habilitam o município às transferências voluntária da União ou do Estado:

  1. Não utilização em despesas com pessoal, o que reitera proibição dita na Lei Maior (art. 167, X);
  2. Estar quite com o governo concedente (tributos, empréstimos etc.);
  3. Cumprimento dos limites fiscais (pessoal e dívida) e dos mínimos constitucionais (educação e saúde);
  4. Previsão orçamentária de contrapartida financeira (valor que o município deve arcar com seus próprios recursos).

De todo modo, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal dispensa tais requisitos quando a transferência voluntária se destina à educação e à saúde, além do que tais condições também não alcançam as emendas impositivas dos parlamentares federais (art. 166, § 16, da Constituição).

Não é demais recordar que o município paga Pasep (1%) sobre as transferências constitucionais e legais, mas, não, sobre as transferências voluntárias; aqui, tal encargo é recolhido pelo ente concessor, seja a União ou o Estado (vide Comunicado 372 [2]).

As emendas parlamentares sobre o orçamento federal

O orçamento público é, antes de tudo, uma lei formal (art. 165, III, CF), e, nessa condição, faculta-se aos legisladores, mediante emendas, propor modificações no projeto formulado pelo Executivo.

São quatro as emendas à lei orçamentária da União: a do relator, a de comissão e as duas impositivas: individuais e de bancada.

Ressalte-se que os especialistas muito têm criticado as emendas parlamentares, argumentando que, não raro, envia-se dinheiro para ONGs de baixíssima efetividade operacional ou para a Prefeitura reformar a rodoviária, enquanto, na mesma localidade, os resíduos sólidos são despejados em insalubres lixões ou boa parte da população indispõe da coleta de esgotos. De igual modo, alegam a desconsideração dos municípios mais populosos, em prol de comunas menores, mas eleitoralmente fiéis ao autor da emenda.

Em boa parte das vezes, tais emendas não se orientam por critérios de eficiência técnica, mas, sim, por interesses políticos.

Prova dessa distorção são as chamadas emendas do relator, formalmente destinadas a corrigir erros técnicos da proposta orçamentária, mas, na prática, reservadas a transferências não obrigatórias, propiciando que o Executivo negocie sua liberação com parlamentares fiéis aos desígnios do governo. Exatamente para evitar esse desvio, foram antes instituídas, por emenda à Constituição, as adiante comentadas emendas impositivas, porém, ao que se vê, deu-se um jeito de manter os dois tipos de emenda orçamentária; as impositivas e as não impositivas.

De acordo com a CNN Brasil, “levantamento realizado pela ONG Contas Abertas, que fiscaliza o orçamento público, exatamente uma semana antes da aprovação da PEC dos Precatórios em primeiro turno na Câmara, o governo federal empenhou R$ 909 milhões apenas em emendas do relator”. E, segundo a mesma fonte, enquanto as emendas regulamentadas pela Constituição (impositivas) somaram, em 2021, R$ 16,9 bilhões, as que ensejam troca política entre os Poderes custaram R$ 18,5 bilhões [3].

Já, a emenda de comissão é aquela apresentada pelas várias comissões temáticas do Congresso Nacional, entre as quais a de saúde, integração nacional, meio ambiente, educação, cultura, direitos humanos e desenvolvimento agrário.

Destarte, resta claro que as emendas de bancada e de comissão despem-se do caráter compulsório, integrando a discricionariedade reservada ao governo concessor.

Diferente delas, o legislador constituinte derivado criou duas emendas impositivas ao orçamento: a individual (EC 86/2015) e a de bancada (EC 100/2019), ambas instituídas porque os parlamentares se ressentiam da não execução de suas inserções na lei orçamentária anual, vez que esta, em essência, é marcadamente autorizativa, quer dizer, o gestor executivo via-se livre de penalidades caso descumprisse sua programação não obrigatória.

Assim e no tocante às emendas impositivas individuais, a Constituição impôs seu cumprimento até 1,2% da arrecadação líquida do ano anterior; metade disso (0,6%) vai para a Saúde, sendo que, no contingenciamento da despesa, a emenda impositiva individual não sofre corte maior que o incidente nos demais gastos orçamentários, regra esta importante, conquanto, no passado, o primeiro gasto congelado era exatamente o das emendas parlamentares.

E, nos prazos fixados na lei de diretrizes orçamentárias (LDO), o Executivo demonstrará a impossibilidade técnica de tal ou qual emenda individual, sendo que, no tempo também indicado na LDO, o Legislativo procederá à substituição por despesa de igual valor.

Além disso, 50% daquelas emendas podem ser inscritas em Restos a Pagar, quer isso dizer, não precisam, necessariamente, ser efetivadas no ano do respectivo orçamento, ainda que, em hipótese alguma, possam ser canceladas em exercícios futuros.

Considerando que as emendas impositivas individuais foram incorporadas como norma geral da Lei Maior, ganharam imediata eficácia nos estados e municípios, independente de regramento local (constituição do estado ou lei orgânica do município).

Quanto ao outro tipo de emenda impositiva - a de bancada - de dizer que são privativas de senadores e deputados federais, limitadas a 1% da receita corrente líquida da União:

Art. 166 – (...)

§ 12. A garantia de execução de que trata o § 11 deste artigo (emenda impositiva individual) aplica-se também às programações incluídas por todas as emendas de iniciativa de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal, no montante de até 1% (um por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.

Sendo assim, o deputado estadual e o vereador estão fora dessa norma, limitada que é a acordos entre os congressistas federais em prol dos interesses financeiros dos respectivos estados.

Em seguida, a Emenda Constitucional 105/2019 melhor normatiza as emendas impositivas individuais dos parlamentares federais, às quais podem beneficiar estados e municípios de duas maneiras:

  1. Com finalidade definida – vinculada à ação determinada pelo parlamentar federal, somente em áreas de competência da União (ex.: ajuda à Junta de Alistamento Militar, ao Cartório Eleitoral etc.);
  2. Na forma de transferência especial - de uso relativamente livre nos municípios beneficiados.

Usamos o advérbio relativamente, pois, malgrado a Constituição dizer que a emenda especial se incorpora ao patrimônio financeiro do Município e, por consequência, eventuais saldos não serão devolvidos ao Governo Federal (art. 166-A, § 2º, I, II e III), a despeito disso, tal emenda, no nascedouro (Congresso Nacional), já sofre vinculação de 50% para a Saúde e, após essa repartição, 70% financiarão gastos que engrandecem o patrimônio, os de capital, enquanto os restantes 30% bancarão o custeio. Além do mais, o município não pode despendê-las em gastos com pessoal, nem no serviço da dívida (juros etc.), prestando contas na Plataforma + Brasil, para que saiba o parlamentar da correta destinação de sua emenda.

E, conforme o § 1º, art. 166-A, da Constituição, o cálculo dos limites fiscais (pessoal, dívida) desconsiderará as transferências provenientes de emendas impositivas do Congresso Nacional, sejam as com finalidade definida, sejam as especiais:

De fato, se as emendas parlamentares federais não podem financiar despesas laborais, natural que sejam excluídas da receita sobre a qual se calcula o freio desse gasto: a corrente líquida (RCL).

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Chamamento Público, sim ou não?

Parte considerável das emendas parlamentares financia entidades do terceiro setor, as agora chamadas Organizações da Sociedade Civil (OSC), popularmente conhecidas como ONGs (Organizações Não Governamentais).

E, conforme o Marco Regulatório do 3º Setor (Lei 13.019, de 2014), a Administração Municipal transfere o dinheiro através de termos de colaboração ou de fomento, ainda que a despesa onere rubricas alusivas a Auxílios, Contribuições e Subvenções Sociais.

E, aqui se interpõe ponto controverso: nesse caso, a Prefeitura precisa, ou não, realizar o chamamento público?

Diferente do que alguns entendem, aquele repasse pode, sim, dispensar o chamamento, tendo em vista o que dispõe sobredito Marco:

Art. 29. Os termos de colaboração ou de fomento que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação serão celebrados sem chamamento público, exceto, em relação aos acordos de cooperação, quando o objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial, hipótese em que o respectivo chamamento público observará o disposto nesta Lei.

Argumenta-se que tal isenção é apenas para as emendas vinculadas, não beneficiando as de uso relativamente mais livre (as especiais), mas, como se vê, o sobredito artigo não faz qualquer ressalva, exceção ou distinção, dando a entender que contempla todo o tipo de emenda parlamentar, seja de relatoria, comissão, bancada, individual com finalidade definida e individual de transferência especial.

De fato, uma máxima do direito assim pontifica: “o que a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”.

Para evitar favorecimentos, ineficiências e críticas oposicionistas, interessante que a Administração proceda ao chamamento público, mas, sob a letra da lei, não precisa realizá-lo.

Além do mais, na Prefeitura contemplada, o repasse às ONGs é empenhado, geralmente, como Auxílio ou Subvenção Social, e nesse contexto, assim preceitua o Marco Regulatório das OSCs, a Lei 13.019, de 204:

Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica, especialmente quando:

(...)

II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar da subvenção prevista no inciso I do § 3º do art. 12 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

De todo modo, vale enfatizar que a ONG beneficiada há de estar bem identificada na lei específica de que trata o sobredito inciso II, evidenciando que, após análise do plano de trabalho, do parecer jurídico da Prefeitura e do laudo de vistoria do Controle Interno, após tais cautelas, o vereador atestou, de forma prévia, o interesse público de transferir a emenda parlamentar federal a tal ou qual entidade do 3º setor, nisso tudo justificado que, no município, a ONG é a melhor habilitada para desenvolver o serviço em questão [4].


[1] http://www.oim.tmunicipal.org.br/abre_documento.cfm?arquivo=_repositorio/_oim/_documentos/77064525-CE70-66D1-45AC6671EC23BE7F09072021123331.pdf&i=3205

[2] https://fiorilli.com.br/372-o-pasep-e-as-operacoes-financeiras-entre-entidades-do-municipio/

[3] Vide https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-julga-suspensao-das-emendas-do-relator-ao-orcamento-entenda/

[4] Vide Comunicado 465 - https://fiorilli.com.br/comunicado-465-as-emendas-parlamentares-especiais-e-o-chamamento-publico-das-ongs/

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. As emendas parlamentares em favor dos municípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6918, 10 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98374. Acesso em: 26 abr. 2024.

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