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Sigilo bancário e fiscal: possibilidade de o Ministério Público determinar a quebra independentemente de autorização judicial

Sigilo bancário e fiscal: possibilidade de o Ministério Público determinar a quebra independentemente de autorização judicial

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O Ministério Público, entretanto, segundo a Constituição Federal e as Leis Orgânicas, pode requisitar diretamente dados acobertados pelos sigilos bancário e fiscal às entidades privadas, muito embora a jurisprudência dominante entenda que é necessária e imprescindível a intervenção judicial.

Sumário: 1. Introdução. 2. Privacidade: Definição – teoria dos círculos concêntricos. 3. Breve nota sobre a evolução do sigilo nas constituições brasileiras e sobre as teorias que o fundamentam. 4. Os sigilos bancário e fiscal.    5. A relativização (quebra) do direito ao sigilo.       6. A legitimação do Ministério Público.  7. Conclusão. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

Hodiernamente, já não se tem dúvidas sobre a necessidade de proteção jurídica do direito à intimidade do cidadão, onde está situado o segredo, o qual deve ser protegido contra e qualquer invasão alheia, já que certas manifestações do indivíduo, enquanto pessoa da comunidade, não devem ser acessíveis ao conhecimento dos demais integrantes dessa mesma comunidade, quer porque o próprio indivíduo assim não deseja, quer porque, uma vez conhecidas, podem-lhe causar danos irreparáveis.

Nesse diapasão, aborda-se o tema de privacidade, noticiando-se uma definição sugerida pela doutrina, assim como se disserta, brevemente, sobre a teoria dos círculos concêntricos (importada do direito alemão), descrevendo-se breves notas sobre a evolução do sigilo nas constituições brasileiras para se chegar a atual posição constitucional sobre o sigilo.

Tecemos, igualmente, algumas considerações sobre as teorias pertinentes ao sigilo para adentrar no tema referente ao sigilo bancário e fiscal e sua posição legal no ordenamento pátrio, tratando, também, da possibilidade de relativização (quebra) do direito ao sigilo, entendido como garantia fundamental do cidadão, evidenciando em que situações esta garantia pode ser relativizada, bem como discorrendo, mesmo que brevemente, sobre a possibilidade de o Ministério Público, sem autorização judicial, determinar a quebra do sigilo (bancário e fiscal) nos procedimentos investigatórios que estejam sob sua presidência.

Sem a intenção de esgotar o tema, a idéia é fomentar o debate acadêmico, pois a corrupção, a improbidade administrativa e o crime organizado são males cada vez mais presentes em nossa sociedade e necessitam de combate célere e eficaz por parte de quem detém atribuições constitucionais para tanto.


2. Privacidade: Definição – teoria dos círculos concêntricos.

Segundo Melissa Folmann[1], o homem é um ser eminentemente social e, derivando desta sua característica, tem-se a essência da sociabilidade: a comunicação. Esta seria uma espécie de ponte de comunicação entre o homem e seus semelhantes. Segundo a mesma autora, as formas de comunicação evoluíram na mesma proporção da evolução humana, começando pelos gestos e palavras (escrita e não escrita), passando pelo telefone, até se chegar à computação de dados. Ao se comunicar, o homem percebeu a troca de conhecimentos e de informações com seus semelhantes.

Todavia, segundo a mesma autora[2], nem sempre as pessoas querem se comunicar com todos e, algumas vezes, trocam determinadas informações somente com as pessoas com as quais estabelecem comunicações. Afirma que daí surgem as informações que se quer para si e as que se quer para todos, emergindo desta constatação as searas pública e privada de informações que pretendem partilhar.

Assim, a diferença entre as esferas pública e privada de informações, sob a ótica da privacidade, equivale à diferença entre aquilo que podemos/devemos/queremos exibir e o que podemos/devemos/queremos permaneça oculto.

Sugerindo um conceito de privacidade, sempre atento para as limitações que os conceitos determinam, Martin Haeberlin e Eduardo Teixeira[3] afirmam que a privacidade é uma fortaleza pessoal, fundada na liberdade negativa do indivíduo, no âmbito da qual lhe é permitido, em um determinado espaço e em um determinado tempo, estar só, alheio a investidas externas, a fim de permanecer o silêncio reconfortante da paz interior e de preservar a estrutura e o equilíbrio psíquico e onde a alteridade é possível apenas se houver real e efetiva concordância daquele que está sob sua proteção.

A Constituição Federal, no inciso X do artigo 5º, assegura (como garantia individual) o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Estes termos, embora sinônimos, apresentam diferenças conceituais, mas que a doutrina utiliza como espécies do gênero privacidade, dentro daquela diferença entre o público e o privado, referida alhures.

Para melhor explicar esses conceitos, os alemães desenvolveram a teoria dos círculos concêntricos, dividindo-se os conceitos em círculos e estabelecendo um maior ou menor âmbito de abrangência para cada um, situando-os, de forma concêntrica, uns dentro dos outros. Nossa doutrina importou tal teoria utilizando quatro círculos que envolveriam a pessoa em confrontação com o mundo que a cerca, numa abrangência do menor para o maior, a saber: o círculo maior como sendo o público, dentro deste o da privacidade e, conseqüentemente o da intimidade e do segredo.

No círculo do público estão aquelas informações passíveis de ser conhecidas por todos, em total transparência, onde as pessoas estão abertas ao conhecimento público. Segue daí o círculo da privacidade, exclusivo do indivíduo, não aberto ao público, onde ele normalmente troca informações com um número limitado de pessoas, não raro aquelas do seio familiar, onde não envolvem apenas sentimentos, mas, sobretudo, confidências e testemunhos.

Nessa linha de pensamento, Tércio Ferraz[4] preconiza que a privacidade, como direito, tem por conteúdo a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por lhe dizerem a ele só respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única decisão. No direito à privacidade, o objeto é, sinteticamente, a integridade moral do sujeito.

No interior do círculo da privacidade, encontra-se o da intimidade, o qual é considerado por muitos como espécie do gênero privacidade. A intimidade corresponde à parcela mais própria do indivíduo, é o encontro dele consigo mesmo, suas aflições, suas angústias, alegrias, abstraído da necessidade de se comunicar com os demais. É a informação daqueles dados que a pessoa guarda para si, de foro íntimo, expressões de auto-estima, avaliações personalíssimas com relação a outras pessoas que a rodeiam. É, como diz Pilar Gómez Pavón, “La intimidad se considera, pues, como la esfera íntima. Em este sentido es clarificadora da definición propuesta por el juez norteamericano COOLEY en 1873 como ‘El derecho a ser dejado en paz’.”[5]

Por último, tem-se o círculo mais restrito de todos, que é o do segredo, também entendido como sigilo. Tem por objeto os atos mais pessoais e íntimos do ser humano, atos esses que não quer compartilhar como os demais membros da comunidade, apenas com um número muito restrito de pessoas, reclamando, por isso, a maior proteção da tutela legal, mormente em função do avanço tecnológico experimentado na atualidade. É nesse pequeno universo de segredo que vamos encontrar a proteção aos sigilos bancário e fiscal, tema do presente ensaio e que começará a ser tratado a seguir.


3. Breve nota sobre a evolução do sigilo nas constituições brasileiras e sobre as teorias que o fundamentam.

Em termos jurídicos, o sigilo tem sido apontando como a liberdade de não emitir o pensamento para todos ou para certas pessoas[6]. Dessa liberdade, segundo Melissa Folmann[7], nasce o direito ao sigilo de correspondência, onde se exerce a liberdade de expressar o pensamento. Assim, derivando da liberdade de não emitir o pensamento, nasce o direito ao sigilo, pois tem o ser humano o direito de expressar o pensamento, como liberdade ativa, e o direito de não expressá-lo, como liberdade negativa, encontrando o direito ao sigilo seus alicerces nos direitos à intimidade, à liberdade e à privacidade.

Nessa quadra, entende-se como segredo não o reservado, a vida interior ou em sociedade, mas os pensamentos e dados em geral que pertencem à pessoa e que ela não os quer ver expandidos para outrem. É o direito de não transmitir o pensamento ou informações para além daqueles que se quer, já que se trata de sua parcela mais particular, relacionando-se com a intimidade e a privacidade.

Na história das constituições brasileiras, já em 1824, se propugnava que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tinham por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, era garantida pela Constituição do Império, asseverando o inciso XXVII do artigo 179, daquele documento, que o segredo das cartas era inviolável, ficando a administração dos correios, à época, rigorosamente responsável por qualquer infração ao citado artigo. Apesar de o sigilo não ser expressamente citado, poder-se-ia admitir que estivesse englobado nos chamados direitos civis e de segurança individual dos cidadãos do Império. A menção somente às cartas, como visto, deve-se ao fato de ser esta a única forma utilizada de comunicação nos idos de 1824.

A Constituição da República de 1891 afirmava, no artigo 72 da Declaração de Direitos, que era assegurado aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, disciplinando o parágrafo 18 que era inviolável o sigilo da correspondência, notando-se já uma evolução quando à disciplina anterior que falava em sigilo de “cartas”. Assim, nasce a embrionária justificação do sigilo bancário, uma vez que o Código Penal de 1890 também tutelava os crimes contra o livre gozo e exercício dos direito individuais. Tal dispositivo constitucional foi mantido na Constituição de 1934, no artigo 113, inciso VII.

Na Carta de 1937, o artigo 122, mantendo a mesma redação do dispositivo anterior previu, em seu inciso VI a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei, sinalizando para o caráter não-absoluto da citada garantia individual. A Constituição de 1946 igualmente disciplinou a matéria no artigo 141, parágrafo sexto, asseverado a inviolabilidade do sigilo da correspondência, que também passou a encontrar guarida no atual Código Penal, editado em 07 de dezembro de 1940, o qual passou a tutelar tal garantia nas Seções III e IV do Capítulo VI, as quais dispõem sobre os crimes contra a inviolabilidade da correspondência e dos segredos.

 Já a Constituição de 1967, mantendo o mesmo dispositivo legal, agora sob o artigo 150, inseriu no seu parágrafo nono que, além da correspondência, eram também invioláveis os sigilos telegráficos e telefônicos, adequando-se à evolução tecnológica, texto mantido na íntegra pela Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969, a teor do artigo 153, parágrafo nono.

A Constituição Federal de 1988, ao seu turno, elevou o sigilo à categoria de direito fundamental, inserindo-o no artigo 5º, incisos X e XII, assinalando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ficando garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, sendo invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação, assim como assegurou a inviolabilidade da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, ressalvado, neste último caso e por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, adequando o dispositivo à evolução social e tecnológica, procurando manter intacta a garantia constitucional conquistada ao longo dos tempos.

Fundamentalmente, a partir do incremento das relações econômicas, vamos verificar o surgimento de determinadas atividades profissionais que dependem, para seu perfeito funcionamento, da preservação do sigilo entre as partes. Isso se deu principalmente com os médicos, que necessitavam guardar segredo sobre as moléstias que acometiam seus pacientes, bem como pelos advogados, os quais dependiam do segredo das confissões dos clientes para o bom desempenho de seus misteres. Com o fluxo de capital e a necessidade de contratar com os bancos, surgiu, na esteira, a necessidade de se resguardar as informações provenientes dos clientes dessas novas instituições financeiras. Era necessário o sigilo. 

Sobre as teorias que fundamentam o sigilo, com as limitações que o presente ensaio nos impõe, podemos citar, brevemente as seguintes: 1) contratualista. Segundo esta teoria, que reúne o maior número de adeptos, afirma que o fundamento do sigilo bancário é o contrato que se estabelece entre banco e cliente. Os defensores desta tese propõem que em todo o contrato bancário existe, a par da obrigação principal, uma obrigação acessória a cargo do estabelecimento bancário, no sentido de manter segredo com respeito aos dados e notícias inerentes à operação realizada, de tal sorte que o cliente informa dados de sua situação patrimonial e de seus negócios, às vezes de sua vida íntima, e espera a discrição da entidade financeira como dever profissional; 2) responsabilidade civil. Esta teoria, tão antiga como a contratualista, também chamada de teoria delitual ou do ato ilícito, consiste na responsabilidade civil do banco, num dever geral de não prejudicar o contratante, cujo segredo é considerado como um interesse do sujeito, provocando a revelação um ilícito que tem como consectário a obrigação de reparar o dano; 3) consuetudinária. Para os que advogam esta teoria, o sigilo se tornou obrigação jurídica em decorrência do uso, tradicional e universalmente observado pelos estabelecimentos bancários ao longo da história, que acabou por ser integrado aos contratos bancários, uma vez que são atos de comércio. Assim, havendo contrato entre as partes, o costume de guardar segredo funciona como uso integrativo. 4) segredo profissional. Argumentam seus adeptos, que o sigilo tem caráter profissional e buscam no direito penal a correspondente fonte de obrigação, uma vez que os estabelecimentos bancários são obrigados a guardar segredo sobre as operações realizadas por seus clientes, estando incluídos no rol das pessoas cuja atividade profissional demanda conhecimento de dados e fatos que estão afetos à intimidade do cliente; 5) legalista. Esta teoria se distingue das demais porque vai buscar o fundamento do sigilo bancário em um dispositivo legal expresso, mesmo que tenha, para isso, de recorrer à interpretação extensiva ou analógica, como é o caso de Países como Espanha e Itália; 6) direito à intimidade dos bancos. Esta é uma moderna teoria desenvolvida na Itália e qualifica o sigilo bancário como uma manifestação do direito à intimidade da empresa de crédito, ao contrário das teorias tradicionais que entendem o sigilo como um mecanismo de defesa do indivíduo, esta teoria sustenta-se no interesse do banco em manter fora do conhecimento de outrem as operações que realiza. Todavia, entendemos, com o devido respeito, que a tese não é aceitável, uma vez que o sigilo existe não para proteger a intimidade do banco, mas, sim, para proteger a intimidade do indivíduo, pois se assim fosse o estabelecimento bancário poderia fornecer informações sobre qualquer cliente, sem qualquer tipo de sancionamento, uma vez que estaria exercendo a faculdade de abrir mão de sua própria intimidade. 7) liberdade de negação. Segundo esta teoria, o indivíduo tem o direito negativo (liberdade negativa) de não permitir que sua privacidade seja devassada, já que em existindo o sigilo, como acima verificamos, surge, como consectário, o direito de o ser humano exercitá-lo, positiva ou negativamente.

Nota-se que, a despeito das várias teorias que tentam explicar o sigilo, este está baseado fundamentalmente no direito de o indivíduo não querer ver devassada sua intimidade, oportunizando o conhecimento apenas àqueles que inspirarem sua confiança, sendo uma manifestação do direito à intimidade, encontrando seu fundamento na própria natureza humana.


4. Os sigilos bancário e fiscal.

Segundo a doutrina de Sergio Carlos Covello[8], o sigilo bancário representa para o indivíduo o direito ao segredo sobre as notícias que lhe são concernentes e, para o banco, a correspondente obrigação de segredo a respeito dessas notícias obtidas no desempenho de sua atividade peculiar.

Tomando o exemplo de outras normas que dão proteção à intimidade do indivíduo, a do sigilo bancário tem por escopo limitar a comunicação de dados pessoais e patrimoniais dos correntistas, os quais integram sua vida privada, praticando com isso uma conduta negativa que passa a ser uma obrigação jurídica, ao revés de simples dever moral de discrição.

Como nos ensina o referido autor[9], a idéias de que as práticas bancárias devem se revestir de caráter de discrição e reserva não é recente na história da humanidade, como conseqüência das circunstâncias especiais em que essa atividade foi praticada desde a remota antiguidade, demonstrando a confiança do banqueiro no cliente e a confiança deste no banqueiro.

Destacam-se três fases do desenvolvimento da atividade bancária, sendo uma embrionária, surgida na antiguidade, mormente na Babilôia, Grécia, Egito e Roma, onde inicialmente só o clero e o Estado se ocupavam de tais atividades, que mais tarde foram se privatizando; uma outra chamada de institucional, surgida na Idade Média, onde o sigilo bancário se consolida como regra de conduta dos banqueiros na convicção de que as atividades bancárias devem permanecer sob certa reserva; e a fase capitalista, da Renascença até os dias de hoje, em que o sigilo bancário inspira a atenção do legislador, deixando de ser um mero costume para alcançar uma positivação legal.

Tem-se entendido que o sigilo bancário resguarda o direito tanto do cliente, desde sua fase pré-contratual com o estabelecimento bancário, bem como do próprio estabelecimento creditício, consistindo na discrição que os bancos devem observar sobre os dados econômicos e pessoais dos seus clientes que tenham conhecimento por intermédio das atividades bancárias.

Segundo a lição de Ary Brandão de Oliveira[10], o sigilo bancário é um “dever jurídico imposto às instituições financeiras consistente em não revelar a terceiros, sem motivo justificado, dados pertinentes à sua clientela, que tenham chegado a seu conhecimento, por decorrência da relação jurídica que os vincula”. Note-se que a definição traz a exceção do motivo justificado, se coadunando com a idéia de que tal sigilo não se reveste de caráter absoluto.

No direito brasileiro, o sigilo bancário vinha sendo regulado pela Lei n.º 4.595, de 31 de dezembro de 1964 (a qual dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias e cria o Conselho Monetário Nacional), que, no seu artigo 38 assim dispunha:

Art. 38.  As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º  As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

§ 2º  O Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.

§ 3º  As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central do Brasil.

§ 4º  Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º deste artigo deverão ser aprovados pelo plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§ 5º  Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§ 6º  O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.

§ 7º  A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis."  

De se notar, que a quebra do sigilo, fora das hipóteses elencadas na lei, acarretava sanção penal de reclusão, evidenciando a importância da observância do sigilo em tais operações. Tal regramento, todavia, foi revogado pela Lei Complementar n.º 105/2001, como se verá do decorrer desta exposição.

No que tange ao sigilo fiscal (também conhecido como sigilo patrimonial), o ordenamento jurídico brasileiro também impõe ao Estado, a semelhança do sigilo bancário, a obrigação da Fazenda Pública em guardar segredo sobre informações pessoais e patrimoniais dos contribuintes, as possua em decorrência de sua atuação fiscalizatória e arrecadatória, haja vista ser o sigilo patrimonial um desdobramento do direito de proteção à intimidade, assegurado pela Constituição da República.

O Código Tributário Nacional, a teor dos seus artigos 198 e 199, assim dispõe:

Art. 198.  Sem prejuízo do disposto na legislação criminal,      é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

Caput com redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU de 12.01.2001, em vigor desde sua publicação.

O caput alterado dispunha o seguinte:

"Art. 198 - Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades."

§ 1º  Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I - requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II - solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

§ 1º acrescido pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU de 12.01.2001, em vigor desde sua publicação.

§ 2º  O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.

§ 2º acrescido pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU de 12.01.2001, em vigor desde sua publicação.

§ 3º  Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

I - representações fiscais para fins penais;

II - inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

II - parcelamento ou moratória.

§ 3º acrescido pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU de 12.01.2001, em vigor desde sua publicação.

O artigo alterado continha o seguinte parágrafo único:

"Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste artigo, unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça."

Art. 199.  A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.

Parágrafo único acrescido pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU de 12.01.2001, em vigor desde sua publicação.

Nota-se, do texto acima transcrito, que a novel legislação complementar trouxe várias hipóteses novas de quebra de sigilo fiscal, sem autorização judicial (até porque não se trata de cláusula constitucional de reserva de jurisdição), permitindo o intercâmbio de informações no âmbito da Administração Pública, o que dá azo à nossa tese final da exposição, como se verificará, no sentido de o Ministério Público ter acesso a dados sigilosos independentemente de autorização judicial, mercê de seu poder requisitório, até porque também, salvo engano, de alguma forma não deixa de fazer parte da Administração Pública.


 5. A relativização (quebra) do direito ao sigilo.

Entendendo o sistema jurídico como aberto, assim como entendido igualmente em vários países do mundo[11], o sigilo bancário e fiscal, apesar de sua grande importância como desdobramento da proteção ao direito de intimidade, não tem caráter absoluto, como, aliás, nenhum direito o tem. Assim, a relativização do direito aos sigilos bancário e fiscal deve ser analisada sob a lente dos princípios orientadores, efetuando-se um processo de hierarquização para que o intérprete, analisando o caso concreto, possa torná-los em legítimos direitos subjetivos[12].

A questão da possibilidade da quebra (relativização) do direito aos sigilos bancário e fiscal foi reacendida com a redação dada ao inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, uma vez que o dispositivo, constante do catálogo dos direitos fundamentais, estatui a inviolabilidade do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, excepcionando, a própria Carta, neste último caso e por ordem judicial, nas hipóteses de investigação e processo criminais. Pela redação defeituosa, parece que apenas o sigilo das comunicações telefônicas poderia ser excepcionado, tendo os demais um caráter absoluto, o que não se coaduna com a relatividade característica dos direitos subjetivos.

Em virtude disso, entende-se hoje que a exceção acima citada caracteriza-se como “cláusula de reserva de jurisdição”, somente podendo ser relativizada por decisão judicial motivada (como, aliás, todas devem ser), permitindo-se ao legislador, quanto aos demais sigilos elencados no inciso XII do referido artigo 5º, normatizar as hipóteses em que tal garantia pode ceder.

O legislador, atento aos fundamentos e objetivos da República, vinculado que está ao princípio da legalidade proporcional, visando ao bem comum, pode estabelecer, via legislação autorizadora, a relativização (quebra) dos sigilos bancário e fiscal, como de fato o fez, no caso do sigilo bancário, a teor do revogado artigo 38 da Lei n.º 4.595/64, acima transcrito.

A despeito de outras normas versarem sobre o assunto referente aos sigilos tratados neste ensaio (Leis n.º 8.021/90, 9.311/96, 10.174/01), o legislador brasileiro editou as recentes Lei Complementar n.º 104 (alterando dispositivos do Código Tributário Nacional, acima citados) e Lei Complementar n.º 105 (a qual dispôs sobre o sigilo das operações de instituições financeiras), com artigos regulamentados pelos Decretos n.º 3.724/2001 e 4.489/2002, prevendo as hipóteses em que tais sigilos podem/devem ser relativizados (quebrados).

A Lei Complementar n.º 105/2001, em particular, estabelece o que são consideradas instituições financeiras e estabelece em que hipóteses não considera violação ao dever de sigilo, a teor do parágrafo terceiro do artigo 1º da citada norma legal. Estabelece, outrossim, que a quebra do sigilo poder ser decretada quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, principalmente quando da ocorrência de crimes como terrorismo, tráfico de entorpecentes, tráfico de armas, extorsão mediante seqüestro, crime contra a Administração Pública, contra o sistema financeiro, contra a ordem tributária e a previdência social, lavagem de dinheiro e aqueles praticados por organizações criminosas, não se revestindo de numerus clausus, podendo o sigilo ceder em outras hipóteses que não somente aquelas elencadas no dispositivo legal citado.

Verifica-se, como já dito anteriormente, que por não se tratar de norma constitucional com cláusula de reserva de jurisdição, bem como porque o comando legal dispõe que a quebra de sigilo poderá ser decretada, sem especificar a autoridade que poderá fazê-lo, sendo o Ministério Público o detentor constitucional do poder de processar criminalmente (nos casos de ação penal pública, por óbvio), detendo poder constitucional requisitório, como se verá adiante, poderá ele, segundo pensamos, independentemente de ordem judicial, determinar a quebra do sigilo em tais casos.

O artigo 5º do citado diploma legal estabelece que o Poder Executivo disciplinará a periodicidade e os limites de valor que serão informados à administração tributária, fazendo circular as informações sigilosas no interesse público arrecadatório.

Já o artigo 6º da referida Lei Complementar estabelece que as autoridades e agentes fiscais, das três esferas de governo, poderão ter acesso ao sigilo bancário quando houver interesse da administração tributária, bem como quando existir processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e essas informações sigilosas sejam consideradas indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Dessume-se daí, salvo engano, que o ato de quebra de sigilo, em tais hipóteses, deverá ser motivado.

O artigo 9º, da mesma LC, determina que se o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério Público, juntando à comunicação dos documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos. Por certo, que tais documentos hão de estar ao abrigo do sigilo, que chegará as mãos do parquet  sem que o mesmo tenha requerido sua quebra, o que reforça a tese de que a Instituição, por dispor de poder requisitório constitucional, poderá quebrá-lo diretamente, como no tópico a seguir se tentará demonstrar.

Alfim, não se pode olvidar que as Comissões Parlamentares de Inquérito, por deterem poderes investigatórios próprios de autoridade judiciária, também poderão, por ato motivado e tomado pela maioria dos membros (por ser órgão colegiado) determinar a quebra dos sigilos bancário e fiscal, já que não se trata, como já dito nesta exposição, de cláusula constitucional com reserva de jurisdição, possuindo, assim, as CPIs o poder de quebra de tais sigilos.

Não obstante a edição de tal Lei Complementar, várias ADI(s)[13] foram ajuizadas junto ao Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade de tal diploma legal, uma vez que estariam sendo violadas as liberdades individuais dos indivíduos, dando-se carta branca para a fiscalização tributária, em detrimento das garantias individuais estabelecidas pela Constituição Federal, com status de direitos fundamentais, como o direito à privacidade, ao sigilo, à inafastabilidade da jurisdição, motivação, presunção de inocência etc., uma vez que em nome da ética e da moralidade se estaria suprimindo garantias fundamentais do cidadão.

Todavia, entendemos, com base no caráter não absoluto dos direitos fundamentais, bem como atento à cláusula de reserva de jurisdição, pode o legislador disciplinar, via comando legal, as hipóteses em que o direito aos sigilos bancário e fiscal pode ceder, em face do interesse público preponderante, cabendo ao Poder Judiciário, uma vez acionado, identificar e coibir as situações que desbordem da autorização legal, punindo, se for o caso, os eventuais responsáveis.  


6. A legitimação do Ministério Público.

O poder requisitório do Ministério Público vem previsto no artigo 129 da Constituição Federal, a qual prevê que é função institucional do parquet expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva, consoante se verifica no teor do inciso IV do dispositivo constitucional citado.

Assim, o acesso do Ministério Público aos sigilos bancário e fiscal (para ficar somente nestes), encontra guarida constitucional, constituindo-se uma de suas principais funções instrumentais, entendendo-se que o artigo 129 da Constituição Federal trata das funções materiais, ou seja, dos bens jurídicos a serem protegidos pela atuação da Instituição, e das instrumentais, que são os mecanismos necessários à consecução das funções materiais.

Em nível infraconstitucional, a matéria vem regulada pelas Leis n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), assim como a Lei Complementar n.º 75/93, a qual dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. A Lei n.º 8.625/93 dispõe no artigo 26, incisos I, letras b) e c), e parágrafo segundo, que no exercício de suas funções o Ministério Público poderá instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos e, para instruí-los, requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, promovendo investigações e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades antes referidas, ficando o membro do parquet responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

A Lei n.º 4.595/64 adotou um regramento restritivo, somente permitindo o acesso a dados sigilosos mediante ordem judicial ou por requisição do Poder Legislativo, conforme seu artigo 38. Não obstante, a Lei n.º 4.728/65, que disciplinou o mercado de capitais, determinou, no artigo 4º, ao Banco Central que represente ao Ministério Público, a fim de ser instaurado inquérito policial, toda vez que viesse a tomar conhecimento da ocorrência de crime de ação penal pública, disponibilizando o material colhido, o que leva à Instituição o acesso a dados sigilosos independentemente de qualquer ordem judicial, fato que levou Walberto Fernandes de Lima[14], ao analisar tais dispositivos legais, afirmar que, contraditoriamente, não desejou o legislador incluir o parquet dentre aqueles entes investidos de autoridade para a quebra do sigilo bancário, porém, logo a seguir, admitiu por lei que a Instituição se constitua no repositário das provas coligidas, a quem as mesmas seriam entregues para a propositura de uma ação penal, revelando, assim, ao órgão ministerial, informações que até então lhe eram sigilosas.

Na Lei n.º 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, autorizou o Ministério Público a requisitar informações sigilosas, a teor do seu artigo 29, abrandando a restrição acima mencionada. A própria Lei Complementar n.º 75/93, assim como a Lei n.º 8.625/93 prevêem responsabilização civil e criminal dos membros do Ministério Público pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

Hugo Nigro Mazzilli[15] assevera que exceto em matéria em que a própria Constituição exija a quebra do sigilo sob autorização judicial, autoridade alguma poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento.

A Lei Complementar n.º 105/2001, que atualmente disciplina o sigilo bancário, não previu a possibilidade de o Ministério Público ter acesso direto aos dados bancários, ao contrário das Instituições por ela autorizadas. Todavia, o artigo 9.º deste dispositivo legal impôs ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários o dever de informarem ao Ministério Público a ocorrência de crime de ação pública, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos.

Entretanto, embora a omissão legal, em razão dos dispositivos constitucionais aludidos, regrados pelas normas infraconstitucionais antes referidas, entendemos que o Ministério Público detém prerrogativas para a quebra dos sigilos bancário e fiscal, mormente na defesa do patrimônio público, uma vez que a própria Carta Constitucional aduz ser função institucional do parquet a instauração de inquérito civil para a proteção do patrimônio público, não podendo esta função estar subordinada a uma decisão do Poder Judiciário, pois, como acentuam Emerson Garcia e Rogério Alves[16], soa evidente que quem comete os fins (defesa do patrimônio público por intermédio do inquérito e da ação civil pública) deve, também, conferir os meios eficazes que garantam a máxima potencializaçao dos preceitos constitucionais.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no entanto, sedimentou o entendimento de que o acesso ao sigilo somente pode ser dar por intermédio de ordem judicial, a teor do Recurso Extraordinário n.º 215.301-CE, sob o fundamento de que se trata de um direito que tem status constitucional e a quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade, tendo este somente a autoridade judiciária.

Mesmo tratamento vem recebendo a matéria junto ao Superior Tribunal de Justiça.

Nessa quadra da exposição, porém, não poderíamos deixar de assentar que as autoridades legitimadas pela Lei Complementar n.º 105/2001, igualmente não têm o dever de parcialidade referido na decisão supra.

Contudo, merece destaque o julgado MS n.º 21.729-4/DF[17], onde restou afirmado pelo STF que em se tratando de dinheiro com origem pública a exceção de sigilo é inoponível ao Ministério Público, em razão do princípio da publicidade inscrito no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988.  


7. Conclusão.

O direito ao sigilo surge como espécie do direito à intimidade, necessidade de proteger o indivíduo ante o desenvolvimento dos meios de comunicação nos dias de hoje.

Esteve previsto em todas as Constituições brasileiras e ganhou destaque como garantia fundamental do cidadão na atual Constituição Federal de 1998. Todavia, a ordem jurídica democrática não é receptiva a direitos absolutos. Sendo assim, a garantia do sigilo bancário e fiscal pode e deve ser afastada por autorização judicial, atentando-se para a razoabilidade da medida e da prevalência do interesse público ou social relevante.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, conforme disposto na Constituição Federal, podem determinar a quebra dos sigilos bancário e fiscal, porquanto a própria Constituição emprestou-lhes poderes investigatórios próprios de autoridade judiciária, desde que atendidos os requisitos da motivação e do quorum necessário para tanto. No mesmo passo, a partir da edição da Lei Complementar 105/2001, a Administração Tributária passou a ter acesso direto a tais dados, ainda que se discuta a constitucionalidade de tal prerrogativa. O Ministério Público, entretanto, segundo a Constituição Federal e as Leis Orgânicas, pode requisitar diretamente dados acobertados pelos sigilos bancário e fiscal às entidades privadas, muito embora a jurisprudência dominante entenda que é necessária e imprescindível a intervenção judicial.

O que não se pode permitir, arrimados no pensamento de Sacha Calmon Navarro Coelho,[18]  é que a ordem jurídica de um país razoavelmente civilizado faça do sigilo bancário um baluarte em prol da impunidade, a favorecer proxenetas, lenões, bicheiros, corruptos, contrabandistas e sonegadores de tributos. O que cumpre ser feito é uma legislação cuidadosa que permita a manutenção dos princípios da privacidade e do sigilo de dados, sem torná-los bastiões da criminalidade. De resto, reza a sabedoria popular de que não deve não teme. A recíproca é verdadeira.

Por certo que a eminente autora proferiu tal assertiva antes da edição da LC n.º 105/2001, a qual veio disciplinar, em parte, as medidas legais contra os problemas por ela sugeridos. Todavia, tal norma, poderia ter conferido tais poderes também ao Ministério Público (embora, frise-se, nos pareça desnecessário, ante o arcabouço jurídico já existente), situação na qual, certamente, contribuiria para a rapidez no deslinde de vários casos de corrupção e improbidade administrativa que teimam em assolar o dia-a-dia da República. 


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Notas

[1] In Sigilo Bancário e Fiscal, à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba:Juruá, 2001, p.41.

[2] Idem.

[3] In A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE, aplicação na quebra do sigilo bancário e fiscal. Porto Alegre:Sérgio Antônio Fabris Editor, 2005, p.76.

[4] In FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado.  Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n.º1. ano1. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1992, p.77

[5] In La intimidad como objeto de protección penal. Madrid:Akal, 1989, p. 14. “a intimidade se considera, pois, como a esfera íntima. Neste sentido é clara a definição proposta pelo juiz norteamericano COOLEY em 1873 como “o direito de ser deixado em paz”. (tradução livre)

[6] Ensinamento de PONTES DE MIRANDA, como acentua Melissa Folmann, in Sigilo Bancário e Fiscal...p. 47.

[7] Op.cit. 47-48.

[8] In O SIGILO BANCÁRIO. 2ª ed. Doutrina, Legislação e Jurisprudência, São Paulo:Liv e Ed. Universitária do Direito, 2001, p. 83.

[9] COVELLO, Sergio Carlos. O SIGILO BANCÁRIO....p. 19 e ss.

[10] In Considerações acerca do segredo bancário, in Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, 1983, vol. 23, pp. 114-124.

[11] Consultar para tanto a obra de Sergio Carlos Covello, O SIGILO BANCÁRIO...,2001.

[12] Vide a respeito a imperdível obra de JUAREZ FREITAS, A Interpretação Sistemática do Direito. 3ª ed. ver. e ampl. São Paulo:Malheiros, 2002, p.113.

[13] Vale referir, como exemplo, as ADIs n.º 2.386, 2.389, 2.390 e 2.406, questionando a validade não só da LC 105/2001, mas, também, da Lei n.º 10.174/2001.

[14] In A Quebra do Sigilo Bancário por Ato do Ministério Público, Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n.º 1, janeiro/junho de 1995, p. 169.

[15] In O Inquérito Civil. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 184.

[16] In Improbidade Administrativa.  Rio de Janeiro:Editora Lúmen Juris Ltda, 2002, p. 471

[17] Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição financeira executora de política creditícia e financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos destinados a instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido. (ementa publicado no informativo n.º 246).

[18] In Caderno de Pesquisa Tributária. Vol. 18, São Paulo:Ed. Resenha Tribuntária, 1993, p. 100. 


Autor


Informações sobre o texto

Artigo publicado originariamente na Revista Jurídica Tributária n.3, Out/Dez 2008, pp. 179-198.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. Sigilo bancário e fiscal: possibilidade de o Ministério Público determinar a quebra independentemente de autorização judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3254, 29 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21895. Acesso em: 20 abr. 2024.