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Harmonização de princípios e normas para a solução de conflitos entre empresários e consumidores

Harmonização de princípios e normas para a solução de conflitos entre empresários e consumidores

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Da mesma forma que não é justo tratar empresários e consumidores como iguais, haja vista a desigualdade de forças entre ambos, o que exige a aplicação de normas protetivas aos consumidores, também não é justo privilegiar estes últimos, deixando de aplicar as normas que tutelam os empresários.

Sumário: 1) O DIREITO COMO SISTEMA NORMATIVO. 2) DA APLICAÇÃO DAS NORMAS POSITIVADAS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS. 3) PRINCÍPIOS E NORMAS CONSUMERISTAS. 4) PRINCÍPIOS E NORMAS EMPRESARIAIS. 5) DA INTERFERÊNCIA DAS NORMAS JURÍDICAS NO CUSTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. 5.1) As normas de relações de consumo e o custo empresarial. 6. CONCLUSÃO. 7. BIBLIOGRAFIA. 


Introdução

Este trabalho propõe analisar a necessidade de harmonização de princípios e normas para a solução de conflitos entre empresários e consumidores de forma justa.

O Direito, enquanto sistema normativo, é composto por diversos princípios e leis, de diferentes ramos, que regulamentam as relações sociais com o objetivo de solucionar os conflitos delas decorrentes de forma justa.

Em assim sendo, a solução de conflitos, para ser justa, deve considerar todo o conjunto de normas, de diferentes ramos do Direito, pois cada uma positiva distintos valores socialmente aceitos, os quais devem coexistir mutuamente.

Esta positivação dos valores socialmente aceitos é importante para diminuir o grau de subjetivismo e proporcionar maior segurança jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados na solução dos seus conflitos sociais.

Diante da desigualdade fática de forças entre os partícipes de determinadas relações sociais, para positivar o valor socialmente aceito de necessidade de proteção ao mais fraco, o Direito passou a abarcar normas protetivas dos consumidores. Tratam-se de normas inspiradas do pensamento ideológico socialista difundido na modernidade.

Ocorre que, pelo menos na maioria dos países do ocidente, especialmente Brasil e Argentina, o Direito continua destinando-se a uma sociedade que adota o capitalismo como modelo econômico.

Por esta razão, o desenvolvimento econômico compete, na prática, aos particulares, principalmente aos empresários, os quais precisam ser tutelados pelo Estado para exercerem suas atividades empresariais com sucesso, vez que isto interessa a toda a sociedade, tendo em vista que a promoção do desenvolvimento econômico garante a manutenção de postos de trabalhos, o atendimento das necessidades dos cidadãos, a arrecadação tributária imprescindível para que o estado exerça as suas atividades, etc.

Vê-se, pois, a necessidade de observância dos valores socialmente aceitos, positivados nos princípios e normas do Direito Empresarial.

Muitas vezes, os princípios e normas consumeristas contradizem os princípios e normas empresariais. Durante muito tempo, a solução proposta pelos doutrinadores, que viam estas contradições como conflito de leis, era afastar a aplicabilidade de uma lei para que a outra vigesse sozinha. Utilizava-se, para tanto, critérios e hierarquia, tempo e espaço para que uma norma se sobrepusesse à outra, conflitante.

Tendo em vista que os princípios e normas consumeristas são, historicamente, mais recentes que os princípios e normas empresariais, estes foram renegados por alguns doutrinadores para solucionar os conflitos entre empresários e consumidores com base, apenas, nos princípios e normas consumeristas.

Entretanto, a criação de princípios e normas consumeristas não afastam a aplicação de princípios e normas empresariais na solução de conflitos em que os empresários são partes, haja vista a especialidade destes dois ramos do Direito.

Haja vista a complexidade e diversidade do sistema normativo do Direito na atualidade, especialmente, em virtude da existência de várias leis regulamentando uma mesma relação social, o jurista deve buscar a harmonia e a coordenação entre as normas que integram o ordenamento jurídico e não a exclusão de uma para que outra prevaleça sozinha.

O Direito do Consumidor e o Direito Empresarial, muitas vezes, reguladores de uma mesma relação social, integra um novo Direito Privado, que atraiu para si princípios novos para atender sua função social. A coexistência dos princípios e normas destes ramos do Direito é fundamental para que o equilíbrio seja alcançado, para que não se passe de um extremo ao outro da balança.


1) O DIREITO COMO SISTEMA NORMATIVO

O Direito não é apenas norma. Porém, a normatização do Direito garante-lhe maior objetividade e cientificidade, possibilitando maior grau de segurança jurídica, fundamental para o alcance dos seus objetivos de realização de justiça e pacificação social.

Entretanto, a existência de várias normas regulando uma mesma conduta humana, contraditoriamente, proporciona maior insegurança jurídica, diante da imprevisibilidade de qual norma será aplicada ao caso concreto, ou seja, de como o conflito será solucionado.

Isto se dá, especialmente, no estágio atual do Direito, subdividido em diversos ramos e/ou micros sistemas que se interrelacionam na regulamentação da conduta humana.

Daí a importância da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. A ciência do Direito destina-se ao estudo do sistema de normas vigentes que dão sentido jurídico à conduta humana. Esta deve ocorrer de acordo com o que as normas determinam, independentemente do seu valor intrínseco.

Ocorre que esta concepção lógica – fechada – de sistema não se coaduna com a teoria moderna de sistemas.

O Direito, como sistema normativo, portanto, não pode ser estudado de forma isolada, desconsiderando os outros sistemas – não normativos – existentes na sociedade, vez que o objeto final do Direito é a conduta humana e esta sofre as interferências da sociedade complexa em que se desenvolve.

Adere-se, deste modo, à concepção de Enrique Aftalión (AFTALIÓN, 2009), segundo a qual “De acuerdo al punto de vista de la moderna teoría de sistemas, el Derecho sería un “subsistema” del sistema más amplio llamado “sociedad”.”

Não obstante este entendimento moderno, a sistematização utiliza recursos da lógica para garantir a necessária previsibilidade da aplicação do Direito, não obstante o subjetivismo característico do processo interpretativo, imprescindível para a referida aplicação do Direito ao caso concreto.

Mais uma vez, válida a transcrição da obra de (AFITALIÓN, 2009):

“Es indudable que el medio del que la sistemática se vale consiste en el recurso a las operaciones de la lógica formal ya señaladas...

En la sistemática se destaca el elemento lógico que señaló, como veremos, Savigny. Este elemento consiste en llegar a construciones jurídicas de máxima generalidad o “teorías” a partir de las normas suministradas por las fuentes para obtener, por vía deductiva, no solamente las normas que se tomaron como punto de partida, sino también otras no explícitas en las fuentes.”

Ressalta-se, todavia, que quando se considera o Direito como um sistema normativo, quer-se destacar mais a sua característica orgânica, enquanto um todo indivisível no seu processo interpretativo do que em sua composição, exclusivamente, normativa, o que não corresponde à verdade.

Neste sentido, válida a lição de Enrique R. Afitalión (AFITALIÓN, 2009):

“Además, la ciencia jurídica no tiene uma función puramente expositiva, sistemática, pues le incumbe, además, uma tarea de interpretación. Justamente, la materia de la interpretación es el punto crucial en que se advierte en forma llamativa el fracaso de la posición racionalista, dogmática, que cae aqui en la carcél que ella misma se há construído: si el Derecho es la ley y ninguma outra cosa, para interpretar a la ley sólo será posible acudir también a la ley, en una vana tentativa de extraer de la misma – y nada más que de la misma – hasta la última gota de su sentido.”

Vê-se, pois, que a norma é o instrumento que orienta a interpretação da conduta social (conflito) para que se alcance um resultado (solução do conflito) justo, de acordo com os valores socialmente aceitos em determinado tempo e lugar. Conforme (AFITALIÓN, 2009):

“Se advierte entonces que el jurista no interpreta la ley sino que interpreta la conducta mediante la ley, y que su comprensión o interpretación de la conduta no es una comprensión libremente emocional, sino una comprensión reglada, conceptual, sujeta ao canon de la comunidad, expresado en la ley o la costumbre.”

Ocorre que os valores socialmente aceitos em determinado tempo e lugar não estão expressos em apenas uma lei ou conjunto de leis de determinado ramo do Direito. Por isso, é preciso solucionar os conflitos sociais considerando todo o conjunto de leis a que estão sujeitos os agentes envolvidos. Daí a necessidade do Direito ser visto como um sistema normativo na atualidade.

Em suma, o Direito, enquanto sistema normativo, aqui é considerado a ciência que interpreta a conduta humana a partir do conjunto sistêmico de todas as normas destinadas à regulamentação da conduta interpretada para que se alcance o resultado mais justo possível.


2) DA APLICAÇÃO DAS NORMAS POSITIVADAS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

O Direito não é uma ciência exata. Por esta razão, seu estudo e aplicação sempre sofrerão as interferências decorrentes das convicções ideológicas daquele que o estuda. Isto faz com que a sua compreensão sempre seja dotada de uma carga subjetiva, em maior ou menor grau.

Dentre outras funções, as normas positivadas objetivam diminuir este grau de subjetivismos para garantir maior segurança jurídica aos jurisdicionados. Neste sentido pondera Roberto José Vernengo (VERNENGO, 1995).

“En organizaciones estatales relativamente centralizadas como la nuestra, el derecho aparece como un conjunto de normas parcialmente expresas; decimos que nuestro derecho es un derecho escrito. Ello implica que los sujetos, cuyo sistema social esse derecho integra, pueden tener un conocimiento anticipado de las normas que regularán determinadas situaciones, y, por lo tanto, que en virtud de ese conocimiento puedan prever la propia actuación y sus consecuencias.”

Não obstante isto, referidas normas sempre se submeterão a um processo interpretativo para ser aplicada a um caso concreto.

É, justamente, neste processo de interpretação da norma – atividade humana – que se verifica maior ou menor grau de subjetivismo na compreensão do Direito, sendo que a própria noção que o intérprete tem acerca da finalidade do Direito influenciará o seu trabalho interpretativo.

Sobre a interferência do processo interpretativo na aplicação das normas positivadas para a solução de conflitos concretos (VERNENGO, 1995).

“En la interpretación de la ley no sólo debemos tomar en cuenta la interpretación del sentido literal del texto legal, sino que también debe atenerse a la interpretación de las valoraciones socieales y políticas que de alguna manera el texto legal conlleva.”

(...)

“Se suele afirmar que la elección que el órgano aplicador realiza entre las múltiples normas particulares que, como posibilidades válidas, ofrece una norma general, se efectúa en mérito a razones axiológicas. De suerte que el fundamento del acto volitivo del órgano, que decide en favor de uma alternativa posible, estaría dado en la afirmación implícita de una determinada valoración.”

Diante destas considerações, para que seja identificada a melhor solução para a resolução de um conflito entre jurisdicionados, é necessário conhecer e observar todas as normas jurídicas aplicáveis a este conflito que se propõe solucionar. Somente assim o Direito cumprirá sua finalidade, seja esta qual for.

Ao fazer uma análise sobre a disciplina da atividade econômica e o cálculo empresarial, o renomado doutrinar brasileiro, Fábio Ulhoa Coelho, corrobora com as considerações acima expostas e enfatiza a necessidade de serem conhecidas as normas jurídicas postas pelo estudioso que se propõe a fazer com que o Direito atinja a sua finalidade (COELHO, 2008).

“Ao se debruçar sobre uma norma jurídica para delimitar as decisões que podem ser adotadas a partir dela, o estudioso desenvolve um conhecimento tecnológico. Ou seja, ele conhece os meios mais ou menos adequados para se alcançarem fins preestabelecidos. Se se considera que a finalidade do direito é a realização da justiça, a tecnologia jurídica fornece o conhecimento acerca dos significados mais ou menos justos que se podem atribuir às normas vigentes. Se se considera que é a administração dos conflitos sociais com o menor nível de perturbação, será novamente o conhecimento tecnológico que poderá apontar quais interpretações das normas jurídicas estão aptas a realizar tal escopo. Se se considera o direito um instrumento de dominação de classes, a exegese normativa fornecerá os meios de reafirmação dos interesses dominantes. Se, enfim, se entrevê no direito um instrumento de insurreição contra a ordem estabelecida, a tecnologia jurídica indicará modos de interpretação crítica das leis em vigor. Em suma, independente da razão de ser vislumbrada no direito, o conhecimento do conteúdo das normas jurídicas postas não pode ser mais que o estudo dos meios aptos (inaptos, mais ou menos aptos, etc.) a propiciarem que o direito cumpra suas finalidade.”

Deste modo, admitindo o Direito como o conjunto de normas postas com a finalidade de solucionar os conflitos sociais de forma justa, sempre será necessário conhecer e aplicar todas as normas que disciplinam determinado tipo de relação social para que a solução dos conflitos decorrentes desta relação social se dê de forma justa.

É certo que o Direito não se restringe a um conjunto de normas positivadas. Todavia, esta delimitação é relevante, pelo menos do ponto de vista didático, para ressaltar a importância da compreensão do sentido destas normas para a solução de conflitos sociais.

Neste sentido, o citado doutrinador brasileiro (COELHO, 2008), ao estudar a obra de Tullio Ascareli, intitulada Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, conclui que:

“Resta claro, a partir das passagens transpostas da obra de um dos maiores comercialistas de todos os tempos, que a doutrina jurídica se preocupa – embora não na mesma proporção – com duas dimensões diferentes do fato social consistente na definição de normas de conduta. De um lado com as razões pelas quais se produziu determinada norma jurídica, e, de outro, os sentidos que se podem atribuir-lhe. À primeira preocupação corresponde um conhecimento científico cujo objeto é a historicidade das normas; à segunda um saber tecnológico voltado às decisões que se podem derivar das normas postas. A tecnologia jurídica, assim, é a parte do conhecimento doutrinário que se propõe a esclarecer o sentido ou sentidos das normas jurídicas.”

Sem adentrar na discussão sobre a caracterização do Direito enquanto ciência e/ou conhecimento tecnológico, fica evidente que conhecer todas as normas jurídicas disciplinadoras de determinada relação social, bem como o(s) seus(s) sentido(s), além de aplicá-las ao caso concreto, é fundamental para que se obtenha uma decisão justa.

Atualmente, a solução de conflitos reais, especialmente entre empresários e consumidores – objeto deste trabalho – além de exigir a aplicação de todas as normas reguladoras deste tipo de conflito, requer seja observada a desigualdade entre os seus sujeitos, diante da igualdade objetiva do Direito.

É certo que em toda relação jurídica há desigualdade entre seus sujeitos. De fato, o sujeito ativo sempre se encontra em posição favorável, vez que cabe ao sujeito passivo o cumprimento das principais obrigações decorrentes da relação jurídica da qual é parte.

Na Idade Média a desigualdade entre as pessoas era amparada pela lei. Com fundamento no princípio do privilégio, a lei reconhecia maiores direitos para determinadas pessoas, assim como, de fora residual, ocorre ainda nos tempos atuais, por exemplo, com o foro privilegiado garantido aos parlamentares.

Na Idade Moderna, o princípio do privilégio foi relativizado. Com o surgimento do princípio da igualdade perante a lei, passou-se a se exigir leis gerais, não dirigidas a determinadas pessoas e/ou casos concretos. Esta igualdade perante a lei não assegurava a igualdade de fato entre as pessoas. Porém, esta generalidade da lei implicava na sua aplicação a casos concretos similares, produzindo o mesmo resultado.

Com isto, o Direito passou a garantir maior previsibilidade aos jurisdicionados na resolução de conflitos.

Ocorre que esta igualdade perante a lei não garante igualdade de forças, de fato, nas relações jurídicas. Assim, para tentar equilibrar as forças das partes nas relações jurídicas, desenvolveu-se a cultura de criação de leis protetivas dos grupos sociais considerados hipossuficientes, dentre estes os consumidores em suas relações jurídicas com os empresários.

Estas leis protetivas dos consumidores, entretanto, não afastam a aplicação das leis reguladoras das relações jurídicas em que são partes os empresários. Ambas devem conviver harmonicamente para que a solução do conflito seja justo, de acordo com os valores sociais positivados e vigentes em determinado tempo e lugar.

Em suma, para a justa resolução de conflitos entre empresários e consumidores é preciso conhecer os princípios e normas consumeristas, bem como os princípios e normas empresariais. Somente assim, se chegará a um resultado equilibrado, já considerando a desigualdade de forças entre os consumidores e os empresários.


3) PRINCÍPIOS E NORMAS CONSUMERISTAS

Os princípios e normas consumeristas decorrem do pensamento ideológico socialista.

Uma vez constatado que os princípios de liberdade e de igualdade não são observados, na prática, em determinadas relações sociais, concluiu-se pela necessidade de criação de normas, cujo objetivo é restabelecer o equilíbrio entre as partes para que uma não imponha a sua força sobre a outra.

Jean M. Arrighi, ao analisar os princípios básicos da defesa do consumidor, destaca que (ARRIGHI, 1991).

“En el derecho clásico, el postulado de la igualdad de las partes, la autonomía de la voluntad y su institución central – el contrato – deberián crear el ámbito más adecuado para el normal intercambio. Pero con el surgimiento del Estado Social de derecho, se protege lo que Savatier denomina el estallidodel contrato, en el que el núcleo principal del mismo – libertad de las partes – se rompe, para ser complementado o sustituido por normas y actividades administrativas que, partiendo de la constatación de que el concepto tradicional de contrato no se ajusta a la realidad económica y social, intenta restablecer el equilíbrio de intereses.”

Vê-se, pois, que no âmbito das relações entre empresários e consumidores é preciso observar normas protetivas destes últimos para fortalecê-los, a fim de garantir um equilíbrio de forças real entre as partes, sem onerar o Estado, tampouco os empresários, como bem observa (ARRIGHI, 1991).

“Y esta proteccióndebe lograrse – desafio para los juristas – fortaleciendo el papel de los consumidores en las relacionaes de consumo, sin generar em ellos uma nueva categoría de incapaces que deban ser tutelados por el Estado em cada uno de sus múltiples actos. Es necesario proyectar un marco legal orientador, protector y que permita un efectivo accionamiento judicial. Debe asimismo tenerse en cuenta que el Estado, si no puede ni debe ser prescindente, tampoco debe sustituir a la sociedad civil organizada em defensa de sus intereses.”

Estas normas protetivas, entretanto, não podem ser aplicadas de forma isolada, vez que existem outras normas que regulamentam a relação entre empresários e consumidores, que não podem ser desconsideradas, sob pena de provocar novo desequilíbrio fático.

As relações entre empresários e consumidores devem ser reguladas, portanto, não apenas pelo Direito do Consumidor, mas também pelo Direito Empresarial, além de outras áreas do conhecimento, como a Economia.

Nos países de sistema econômico capitalista, em que a promoção do desenvolvimento econômico, na prática, cabe, especialmente, aos empresários, é necessária a coexistência e aplicação simultânea de normas que protegem os consumidores com normas que garantem o desenvolvimento das atividades empresariais, diante da sua utilidade, não apenas para os empresários, mas, também, para a sociedade em geral.

Sobre a necessidade de harmonização dos princípios e normas consumeristas com outras normas, inclusive econômicas, destaca-se a observação de Miguel Angel Ciuro Caldani (CALDANI, 1992).

“La situación del consumidor plantea, en general, la necesidad de integrar las exigências de los valores justicia y utilidad, Se trata, así, de una de las importantes áreas de contacto entre Derecho y Economía que se han incrementado en nuestro tiempo. En última instancia, la integración entre justicia y la utilidad debe guardar, a su vez, relación de contribuición com el valor humanidad (el deber ser cabal de nuestro ser). En el marco internacional, las relaciones entre dichos valores se hacen especialmente tensas, sobre todo porque es muy posible que las consideraciones exageradas de justicia o utilidad, com enfoques no circunstanciados, lleven a que uno de estos valores se arrogue el material estimativo que corresponde al outro, subviertiéndose al próprio tiempo contra la humanidad. Com una perspectiva de “justicia” al consumidor exagerada, puede destruirse fácilmente la utilidad que debe caracterizar a la actividad econômica, pero con un punto de vista de “utilidad” desbordada suele ignorarse la justicia que debe adjudicarse al consumidor.”

De igual modo, estas normas consumeristas devem estar de acordo com o estágio de desenvolvimento da produção de bens e serviços e da economia da sociedade à qual é destinada, sob pena de não alcançar o seu objetivo protetivo ou de inviabilizar o desenvolvimento econômico e de produção de bens e serviços daquela sociedade.

A propósito, o referido autor, discorrendo sobre uma proteção equilibrada do consumidor no direito internacional privado, destaca que (CALDANI, 1992).

“Aplicar un régimen de protección al consumidor muy severo, propio de países desarrollados, en un marco de empresas débiles, de países subdesarrollados, puede significar el derrumbe de estas últimas. Utilizar un régimen de protección al consumidor muy suave, más próprio de países subdesarrollados, respecto de empresas proveedoras fuertes, de  países desarrollados, puede ahondar más las penurias de los consumidores de los países subdesarrollados. El régimen de la protección al consumidor es, interna e internacionalmente, una pieza muy importante de la estrategia jurídico-económica.”

Deste modo, os princípios e normas consumeristas devem ser razoáveis, considerando o estágio de desenvolvimento econômico e comercial da sociedade à qual se destina.

Além disto, estas normas e princípios não podem afastar a aplicação das normas gerais, reguladoras das relações jurídicas em que os empresários são partes. Ao contrário, devem se integrar ao sistema e se harmonizarem com as demais regras gerais vigentes.

Mais uma vez, válida é a lição de Miguel Angel Ciuro Caldani (CALDANI, 1992).

“La perspectiva del consumidor vincula especialmente con la justicia “particular”, que se refiere de modo directo al bien de los particulares y con sus exigências sirve para identificar al Derecho Privado. Sin embargo, esa vinculación no excluye el bien particular del proveedor y tampoco la justicia “general”, que se remite directamente al bien común y com sus requerimientos sirve para identificar al Derecho Público. Importa reconocer que la protección del consumidor correctamente desarrollada coincide al fin, como es debido, com la justicia general; em cambio radicalizada puede alzarse contra ésta, por ejemplo, si con miras a la protección a los consumidores se destruyen empresas que hacen al bien común.”

No mesmo sentido, destacando que as normas consumeristas integram um sistema ordenado de direito positivo, no Brasil, Cláudia Lima Marques (MARQUES, 2009) afirma que.

“O ordenamento jurídico brasileiro é um sistema, um sistema ordenado de direito positivo. Sob esta ótica sistemática, o direito do consumidor é um reflexo do direito constitucional de proteção afirmativa dos consumidores.”

Diante do acima exposto não se está querendo diminuir a importância do Direito do Consumidor. A proteção do consumidor é um direito fundamental. Além disso, é princípio de ordem econômica, limitador da autonomia da vontade, que dá nova roupagem ao Direito Privado, imprimindo-lhe uma função social que não era destacada até então.

Mais uma vez, cita-se, para fundamentar o acima exposto (MARQUES, 2009).

“Efetivamente, no Brasil de hoje, a proteção do consumidor é um valor constitucionalmente fundamental (Wertsystem), é um direito fundamental e é um princípio da ordem econômica da Constituição Federal (art. 170, V), princípio limitador da autonomia da vontade dos fortes em relação aos fracos ou vulneráveis (debilis), construindo um novo direito privado mais consciente de sua função social (expressão de Gierke).”

Estes princípios e normas consumeristas são necessários à promoção da justiça na resolução de conflitos sociais entre empresários e consumidores. Somente com a aplicação destas normas, tratando desigualmente pessoas desiguais se alcançará o tão sonhado tratamento paritário das partes.

Isto, entretanto, não significa valorar, exageradamente, este novo ramo do direito, deixando de lado normas tradicionais, vigentes, que asseguram os direitos dos empresários, os quais, também merecem a tutela do Estado, haja vista a importância do papel que desenvolvem na sociedade e, principalmente, na promoção do desenvolvimento econômico de toda uma nação.


4) PRINCÍPIOS E NORMAS EMPRESARIAIS

O Direito Empresarial é um ramo do Direito Privado, assim como são o Direito Civil e o Direito do Consumidor, não obstante, com relação a este último, alguns doutrinadores sustentem que se trata de um direito transversal, entre o Privado e o Público.

Portanto, o Direito Empresarial observa princípios gerais do Direito, especialmente do Direito Privado, os quais orientam, de igual modo, o Direito Civil e o Direito do Consumidor, o que facilita a integração entre as normas destes ramos do Direito na resolução de um caso concreto.

Ocorre que, além de observar os princípios gerais do Direito, as normas empresariais são orientadas, também, por princípios próprios, dentre os quais se pode destacar a onerosidade, a boa-fé e a conservação da empresa.

A onerosidade é um princípio próprio do Direito Empresarial. É sabido por todos que para ser considerada empresarial, a atividade econômica deve ser exercida de forma organizada, com o objetivo de auferir lucro.

Neste sentido, Raúl Aníbal Etchevrry (ETCHEVRRY, 2010), sustenta que:

“... es norma legal que los actos de los comerciantes no se presumen gratuitos, y constituye una regla admitida la que señala que un comerciante o un industrial despliegan una actividad tendiente a realizar buenos negocios, acrecentando su patrimonio com ganâncias derivadas de ellos.”

Não obstante seja consenso que a onerosidade trata-se de princípio norteador do Direito Empresarial, a integração entre as normas num ordenamento jurídico sistêmico é de tal forma intensa, que, ao mesmo tempo que os princípios gerais do Direito aplicam-se a diversos ramos, os princípios próprios de um ramo do Direito pode ter aplicação geral.

Neste sentido, a onerosidade também se aplica no campo do Direito Civil, em matérias patrimoniais, por exemplo, como assinala (ETCHEVRRY, 2010).

“El ánimo de lucro se encuentra em general, em el ordenamiento mercantil, pero no es único o exclusivo de él, ya que em el derecho civil patrimonial surge em diversas instituciones.”

Enquanto a onerosidade é visto como um princípio próprio do Direito Empresarial, a boa-fé é conhecida como um princípio geral do Direito.

Ocorre que no âmbito empresarial a boa-fé assume características próprias. Dadas as peculiaridades da atividade empresarial, as expectativas de condutas e as sanções aplicáveis aos empresários que frustram estas expectativas são distintas da que ocorrem em outros ramos do Direito. Mais uma vez, mostra-se válida a lição de (ETCHEVRRY, 2010).

“La buena fe en materia mercatil se proyecta em una dimensión específica em el quehacer frente al consumidor; así, junto a la tutela del interes general, aparece el concepto de buena fe comercial o moral comercial, que importa un satandard aplicable a la actuación del empresário frente a los consumidores, a sus acreedores y a los terceros.”

Percebe-se, portanto, que o princípio da boa-fé, com características específicas do Direito Empresarial, deve ser aplicado a todas as relações sociais em que o empresário figure como sujeito, inclusive nas relações consumeristas, o que confirma a tese de integração das normas e princípios de diversos ramos do Direito para a solução de um conflito social.

Já a conservação da empresa é visto como um novo princípio próprio do Direito Empresarial.

Especialmente no âmbito do Direito Concursal, a continuidade da empresa, sempre que possível, deve ser garantida para que sejam atendidos os interesses sociais que gravitam em torno da atividade empresarial.

Não obstante isto seja visto como uma idéia nova do Direito Empresarial, conforme assinala (ETCHEVRRY, 2010).

“Estos principios non son más qie la aplicación del principio general del derecho que prefiere la validez a la nulidad, tendiendo al mantenimiento del acto y no a su anulación.”

Vê-se, pois, que nem mesmo no âmbito principiológico o Direito deve ser estudado e/ou aplicado de forma fragmentada. O estudo e aplicação de todos os princípios e normas reguladores de determinada relação social, ou destinados a determinado grupo social, é fundamental para que se alcance um resultado justo e equilibrado.

Em decorrência de novos princípios orientadores do Direito Privado e, especialmente, do Direito do Consumidor e do Direito Empresarial, aos empresários vêm sendo impostas maiores responsabilidades, inclusive, de natureza extracontratual.

Estes novos princípios não podem ser aplicados isoladamente, esquecendo-se os princípios tradicionais, próprios do Direito Empresarial, sob pena de grave desequilíbrio causador de prejuízos para o empresário no curto prazo e para toda a sociedade num prazo maior, conforme leciona (ETCHEVRRY, 2010).

“Sin embargo, dia a dia el hecho de organizarse para actuar en el mercado importa más asumir explícita o implícitamente nuevas formas de responsabilidad cuyas particularidades va estableciendo la jurisprudencia y la doctrina, pero en un futuro habrá de plasmarse en reglas ciertas.

En este avance hay que recomendar prudência y cuidado, porque no siempre se halla apoyo legal, porque creaciones pretorianas pueden causar más daños que beneficios y porque también hay que tener muy en cuenta la realidad emrpesarial y las condiciones del emrcado, no protegiendo única y exageradamente al consumidor o a la parte contractual no dominante.”

Ao contrário do que muitos doutrinadores sustentam, estes novos princípios não foram criados para favorecer o hipossuficiente nas relações privadas, tampouco se operou a publicização do Direito Empresarial ou do Direito do Consumidor. Por esta razão, Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2008) ressalta que.

“Em conseqüência, deve-se inverter a tendência, que contaminou o pensamento jurídico-privatista, de examinar todas as questões atinentes ao exercício da atividade econômica, por um prisma exclusivamente publicístico, isto é, negando qualquer importância à composição dos interesses pelas manifestações de vontade dos diretamente envolvidos com o negócio.”

(...)

Àqueles dois níveis de abordagem da disciplina da atividade econômica, referidos de início, corresponderiam, portanto, dois modelos doutrinários distintos: o público, relativo às obrigações e direitos do exercente da atividade econômica perante o estado, em que as pretensões das partes são desigualadas para privilegiar os interesses curatelados por esse último; e o privado, pertinente às obrigações e direitos do exercente da atividade econômica perante outros particulares, em que as pretensões são desigualadas para que não haja privilégio de qualquer interesse. Em suma, a compreensão da disciplina privada das atividades econômicas deve ser norteada pelos postulados da auto-regulação dos interesses, observados os limites da ordem positiva, e da equalização das condições de atuação das partes.”

Ocorre que o Direito Privado evoluiu de um modelo liberal – onde imperava a vontade das partes – para um modelo neoliberal – onde o Estado passou a interferir de forma mais intensa nas relações entre particulares para substituir a vontade das partes por normas positivadas.

Todavia, não obstante o modelo neoliberal impeça a imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco, este, também, se revela um modelo injusto na medida em que engessa as partes, impedindo-as de prevalecerem as suas vontades, ainda quando não há imposição da vontade de uma sobre a vontade da outra.

Por esta razão, começou a se desenvolver um novo modelo, reliberalizante, que distingue as relações sociais entre iguais das relações entre desiguais, para que a vontade das partes prevaleça naquelas e a tutela do mais fraco se dê quando preciso.

É com foco neste modelo que os princípios e normas empresariais devem ser aplicados às relações em que os empresários são sujeitos. Objetivar a solução de conflitos sociais que envolvem empresários é fundamental para propiciar maior previsibilidade dos custos decorrentes da sua atividade econômica, e, com isto, garantir maior competitividade entre os empresários e os mercados.


5) DA INTERFERÊNCIA DAS NORMAS JURÍDICAS NO CUSTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

A atividade empresarial é atividade econômica exercida, em regra, por pessoa de direito privado (empresário), com o objetivo, dentre outros, de gerar lucro para si.

Ocorre que, além disto, referida atividade atende a relevante interesse social, consistente no desenvolvimento econômico, especialmente nos países de sistema capitalista, onde, via de regra, o Estado não assume esta tarefa, embora se preocupe com ela.

De fato, a atividade empresarial, ainda que privada, está inserida num contexto social. Assim sendo, causa interferências, benéficas e maléficas, para toda a sociedade. As interferências maléficas costumam ser definidas como custos sociais, enquanto as interferências benéficas são benefícios propiciados pelo particular à toda sociedade.

Neste sentido, os custos sociais devem ser suportados pela própria sociedade quando os benefícios que lhe são proporcionados os superam. Caso contrário, os custos sociais devem ser reparados pelo empresário.

Nesta linha intelectiva, observa o já citado comercialista brasileiro (COELHO, 2008). 

“Toda atividade econômica insere-se necessariamente num contexto social, e, assim, gera custos não apenas para o empresário que a explora, mas, em diferentes graus, também para a sociedade. A indústria polui o ar, esgota as fontes de matéria-prima, reclama investimentos públicos em infra-estrutura etc. Gera, por assim dizer, custos sociais, que poderão ou não se compensar com os benefícios que a mesma atividade econômica propicia para a sociedade, como a geração de empregos diretos e indiretos, atendimento aos consumidores, criação de novos negócios etc.”

Portanto, nem todo custo social decorrente do exercício da atividade empresarial deve ser reparado pelo empresário, devendo ser suportado pela própria sociedade os custos que se compensam como os benefícios que lhe são proporcionados pelo desenvolvimento da atividade empresarial.

Deste modo, para garantir o alcance do objetivo de auferir lucro, sem comprometer sua competitividade, o empresário deve calcular o preço dos seus produtos ou serviços oferecidos aos consumidores, levando em consideração, não apenas, despesas quantificáveis com precisão, mas também despesas decorrentes de contingências que não se pode quantificar antecipadamente.

Dentre as despesas que não podem ser quantificadas com precisão, encontram-se as decorrentes da aplicação das normas jurídicas na solução de conflitos advindos das relações sociais nas quais os empresários participam.

As normas jurídicas aplicáveis às relações em que os empresários são partes influenciam, portanto, no custo da atividade empresarial. Por esta razão, qualquer alteração ou aplicação errônea destas normas nas soluções de conflitos em que se envolverem os empresários podem elevar os custos da sua atividade empresarial. Neste sentido (COELHO, 2008).

“Por evidente, também o direito comercial integra esse grupo de ramos jurídicos, cujas normas podem influir nos custos da empresa. Para facilitar o desenvolvimento da matéria, vou me referir a tais normas pela expressão “direito-custo”. Qualquer alteração no direito-custo interfere, em diferentes medidas, com as contas dos empresários e, em decorrência, com o preço dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Isto é, cada nova obrigação que se impõe ao empresário, de cunho fiscal, trabalhista, previdenciário, ambiental, urbanístico, contratual, etc., representa aumento de custo para a atividade empresarial e aumento do preço dos produtos e serviços para os seus adquirentes e consumidores.”

Dentre as normas jurídicas disciplinadoras das relações em que são partes os empresários, algumas lhes garantem direitos e outras lhes impõem obrigações. Todas devem ser observadas e harmonizadas, sob pena de desequilíbrio. Se este desequilíbrio for benéfico ao empresário, a sociedade estará arcando com um custo social indevido. Caso contrário, os empresários serão indevidamente onerados.

Ocorre que onerar indevidamente os empresários significa prejudicar toda a sociedade, pois, evidentemente, os custos que serão indevidamente impostos aos mesmos serão repassados por estes aos consumidores, a fim de garantir o objetivo de lucro. Se o alcance deste objetivo restar inviabilizado, os empresários não mais se dedicarão àquela atividade o que prejudica toda a sociedade, vez que esta não mais receberá os benefícios decorrentes da atividade empresarial, a exemplo do desenvolvimento econômico.

Ao tratar deste tema, Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2008) destaca a importância de uma interpretação e aplicação das normas jurídicas que constituem o chamado direito-custo da forma mais objetiva possível para garantir segurança jurídica e a maior previsibilidade possível aos empresários, especialmente para que os seus custos correspondam aos seus cálculos.

“Em qualquer hipótese, a interpretação das normas do direito-custo exige a maior objetividade possível, com vistas a ensejar a relativa antecipação das decisões judiciais ou administrativas derivadas dessas mesmas normas. O cálculo empresarial é condição da preservação do lucro e este, por sua vez, é a alavanca das atividades econômicas no capitalismo. De fato, se não vislumbrar atraente perspectiva de lucros na exploração de uma empresa, o empreendedor privado dará às suas energias e aos seus recursos outra destinação. Pode-se pretender a superação do sistema capitalista, pelas grandes e inumeráveis injustiças que gera, mas, enquanto ele reger a economia e as nossas vidas, não se poderá negar ao lucro a importantíssima função de móvel fundamental da produção e circulação de bens ou serviços (que, a final, são atividades indispensáveis à sobrevivência de todos). A interpretação o quanto possível e objetiva das normas de direito-custo está ligada ao próprio funcionamento da estrutura econômica do sistema capitalista. E, ressalte-se, a objetividade possível aqui reclamada alimenta tanto o cálculo matemático como o qualitativo. Ambos pressupõem informações confiáveis, embora com graus de precisão diversos.”

Vê-se, pois, que as normas jurídicas que repercutem nos custos da atividade empresarial devem ser criadas, estudadas, interpretadas e aplicadas com a maior objetividade possível para que o cálculo do custo da atividade empresarial se confirme, sob pena de comprometimento dos objetivos dos empresários e/ou, num prazo mais ou menos longo, de prejuízo para toda a sociedade.

5.1) As normas de relações de consumo e o custo empresarial

Dentre as normas que interferem no custo da atividade empresarial destacam-se as normas de relações de consumo.

Com o fenômeno da socialização do direito privado, ocorrido na segunda metade do século XX, surgiram micro-sistemas normativos voltados à defesa dos grupos sociais considerados hipossuficientes técnica e/ou economicamente.

A análise das relações sociais evidenciou que quando há desigualdade de forças entre os seus agentes, o mais forte tende a impor a sua vontade sobre o mais fraco.

Com o objetivo de equilibrar estas relações sociais, o Direito passou a criar normas protetivas daqueles considerados mais fracos, dentre estes os consumidores frente aos empresários.

Neste sentido, surgiram novos princípios norteadores das normas disciplinadoras das relações sociais em que se verifica desigualdade de forças entre seus agentes, destacando-se as normas reguladoras das relações de consumo, das quais são agentes os empresários e consumidores.

Estes princípios e normas protetivas dos consumidores criam obrigações e/ou maior responsabilização dos empresários diante da ocorrência de defeitos nos produtos ou serviços oferecidos aos consumidores, bem como da exposição destes a perigos. Isto eleva o custo da sua atividade empresarial, fazendo surgir a necessidade de adoção de medidas que garantam a competitividade e a obtenção do lucro. De qualquer forma, estas medidas não impedem a elevação dos custos empresariais, o que implica no repasse desta elevação aos consumidores, ainda que a médio ou longo prazo.

A propósito, destaca-se a análise sobre o tema por Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2008).

“Esses direitos reconhecidos aos consumidores se refletem em obrigações a que se sujeitam os empresários, e, para as cumprir, eles têm à sua frente três alternativas não excludentes. A primeira é a de investir no aperfeiçoamento da empresa, na qualidade do fornecimento de produtos ou serviços, para fins de reduzir a margem de defeitos ou de exposição dos consumidores a perigos. A segunda alternativa do empresário, diante da imposição de novas obrigações frente aos consumidores, é a de contratar seguro, transferindo os riscos para as instituições securitárias. A última opção é a constituição de uma reserva própria para enfrentar a diminuição de receita decorrente do atendimento aos direitos dos consumidores, como a gerada por rescisões de contratos ou reexecução de serviços malfeitos etc.

Qualquer dessas opções implica aumento dos custos e conseqüentemente do preço final do fornecimento, de forma que se repassam, ainda que a médio prazo, aos consumidores, os encargos derivados do aprimoramento das relações de consumo. O consumidor paga mais caro os produtos e serviços que adquire, mas recebe, em contrapartida, maiores garantias quanto à sua qualidade.”

Ocorre que esta conseqüência inevitável – repasse do aumento dos custos para os consumidores – ainda que agregada ao benefício de maiores garantias e qualidades dos produtos e serviços adquiridos, de certa forma, é prejudicial para os próprios consumidores, pois, sendo estes os próprios trabalhadores que vendem a sua força de trabalho aos empresários, não conseguem aumento dos seus salários na mesma proporção, vez que este é mais um custo da atividade empresarial, e, por conta disso, também implica em aumento do preço final dos produtos e serviços oferecidos pelos empresários.

Daí a necessidade de harmonização de princípios e normas para a solução de conflitos entre empresários e consumidores. Nem os princípios e normas consumeristas devem ser aplicadas isoladamente, nem os princípios e normas empresariais são suficientes para solucionar, de forma justa, os conflitos entre empresários e consumidores.

Em outras palavras, como elucida Cláudia Lima Marques (MARQUES, 2009), é preciso estabelecer o diálogo destas fontes – empresariais e consumeristas – não obstante referida autora não trate, especificamente das normas empresariais e, apenas, das normas civis, em geral.

Sobre o diálogo das fontes vale destacar, conforme (MARQUES, 2009):

“Erik Jayme, em seu Curso Geral de Haya de 1995, ensinava que, em face do atual “pluralismo pós-moderno” de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo (identité culturelle et intégration: de droit internacionale prive postmoderne, Recueil dês Cours, p. 60 e 251 e ss.).

O uso da expressão do mestre, “diálogo das fontes”, é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, co-existentes no sistema. É a denominada “coerência derivada ou restaurada” (cohérence dérivée ou restaurée), que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só jierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a “antinomia”, a “incompatibilidade” ou a “não-coerência”.

Vê-se, portanto, que a tese de integração de normas, ou melhor, de harmonização de princípios e normas reguladores de uma mesma relação social, se contrapõe à histórica tese de conflitos de normas, a qual procurava sobrepor uma à outra, seja por sua hierarquia, seja por ser posterior.

Haja vista a complexidade e diversidade do sistema normativo do Direito na atualidade, especialmente, em virtude da existência de várias leis regulamentando uma mesma relação social, o jurista deve buscar a harmonia e a coordenação entre as normas que integram o ordenamento jurídico e não a exclusão de uma para que outra prevaleça sozinha.

O Direito do Consumidor e o Direito Empresarial, muitas vezes, reguladores de uma mesma relação social, integra um novo Direito Privado, que atraiu para si princípios novos para atender sua função social. A coexistência dos princípios e normas destes ramos do Direito é fundamental para que o equilíbrio seja alcançado, para que não se passe de um extremo ao outro da balança. Mais uma vez, é válida a lição de (MARQUES, 2009), estendendo-a para outras partes do mundo.

“No Brasil de hoje, a construção de um direito privado com função social está a depender do grau de domínio que os aplicadores da lei conseguirem alcançar, neste momento, sobre o sistema de coexistência do direito do consumidor, do direito civil e do direito empresarial ou comercial das obrigações. A hora é de especialização e rigor, de atenção e estudo, pois a reconstrução do direito privado brasileiro identificou três sujeitos: o civil, o emrpesário e o consumidor, mesmo sendo os princípios do CC/2022 e do CDC – em geral – os mesmos!”

Em suma, os princípios e normas consumeristas somente serão um custo justo para os empresários se a sua aplicação for harmonizada com os princípios e normas empresariais, num processo de integração e coexistência sistemática destes dois ramos do direito para a solução de conflitos entre empresários e consumidores.


6) CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que a atividade empresarial atende aos interesses de toda a sociedade e não apenas dos empresários.

Na sociedade que adota o modelo capitalista, o desenvolvimento econômico compete, na prática, aos empresários. É este desenvolvimento econômico que garante a manutenção dos postos de trabalhos, o atendimento das necessidades dos consumidores, a arrecadação tributária imprescindível para o Estado exercer suas atividades, etc.

É preciso, portanto, não onerar, injustamente, o exercício da atividade empresarial, sob pena de prejuízo imediato para os empresários e mediato para todos.

Dentre os fatores que oneram a atividade empresarial temos as normas jurídicas, especialmente as normas consumeristas.

Portanto, é necessário aplicar as normas na solução de conflitos entre empresários e consumidores de forma correta, sob pena de privilegiar o empresário – o que não é bom para a sociedade que arcará com um ônus maior do que o que deve assumir – ou prejudicá-lo – o que também não é bom para a sociedade, tendo em vista que estes custos serão repassados para os consumidores e provocará retração no desenvolvimento econômico.

Para que se alcance a justiça na aplicação das normas jurídicas para a solução de conflitos sociais, o Direito deve ser visto como um sistema normativo.

Todas as normas que compõem este sistema normativo positivam valores socialmente aceitos, os quais devem coexistir e harmonizarem-se em prol da sociedade.

Assim sendo, da mesma forma que não é justo tratar empresários e consumidores como iguais, haja vista a desigualdade de forças entre ambos, o que exige a aplicação de normas protetivas aos consumidores, também não é justo privilegiar estes últimos, deixando de aplicar as normas que tutelam os empresários.

A superação da teoria do conflito de normas pela harmonização de princípios e normas de diferentes ramos do direito, mas que regulamentam uma mesma relação jurídica e/ou são destinadas a um mesmo grupo de pessoas é fundamental para que os conflitos sociais da atualidade sejam decididos com equilíbrio e justiça.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACRAMENTO, Eraldo. Harmonização de princípios e normas para a solução de conflitos entre empresários e consumidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3443, 4 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23154. Acesso em: 19 abr. 2024.