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O instituto do precedente judicial norte-americano no Direito Processual brasileiro

O instituto do precedente judicial norte-americano no Direito Processual brasileiro

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O Brasil vem se influenciando da teoria do precedente, desde a unificação das decisões idênticas dos tribunais, em jurisprudências, até a formulação das súmulas.

1 Noções sobre o Precedente Judicial

O sistema jurídico por meio de precedente, em sua doutrina moderna, consolidado nos Estados Unidos da América em meados do século XIX, é derivado da corrente do pensamento jurídico denominado realista (quando se considera contestante ao pensamento jusnaturalista) ou conteudística (quando refuta o pensamento positivista).

O realismo jurídico, em seu terceiro momento, teve como precursor o jurista norte americano Oliver Wendell Homes, que no exercício de julgador da Corte Suprema, repudiava o tradicionalismo jurídico das cortes e introduziu uma interpretação evolutiva do direito.

Ao falar em precedente, entendido pelo perpetuado no sistema jurídico estadudinense, a idéia que vem à mente é a de uma decisão proferida em sede judicial, que vincula as posteriores, independente da hierarquia do órgão julgador.

Não se está diante de um sistema jurídico engessado, com ausência de norma escrita. Ao contrário, o precedente é derivado de um princípio normativo inicialmente extraído da lei escrita, mas que, ao interpretá-la, o julgador decide, para aquele caso concreto, um direito singular e vinculante.

O jurista francês ChaimPerelman (1998, p. 189/190), em sua obra “Lógica Jurídica”, ressalta sobre o assunto:

Essa dialética, implicada pela busca de uma solução convincente, instauradora da paz judiciária, por ser ao mesmo tempo razoável e conforme ao direito, coloca o poder judiciário numa relação nova diante do poder legislativo. Nem inteiramente subordinado, nem simplesmente oposto ao poder legislativo, constitui um aspecto complementar indispensável seu, que lhe impõe uma tarefa não apenas jurídica, mas também política, a de harmonizar a ordem jurídica de origem legislativa com as idéias dominantes sobre o que é justo e equitativo em dado meio. É por essa razão que a aplicação do direito, a passagem da regra abstrata ao caso concreto, não é um simples processo dedutivo, mas uma adaptação constante dos dispositivos legais aos valores em conflito nas controvérsias judiciais.

Não é uma decisão vinculada a uma experiência anterior do juiz, nem sentida ou entendida por ele, desta ou daquela maneira, mas um dado autônomo, independente do raciocínio que o originou.

O valor do precedente moderno não está na criação do direito, como inicialmente previa a teoria do direito inglês, mas sim com o fato de o juiz poder decidir a partir de princípios e fundamentos que estão por detrás das próprias decisões judiciais.

A possibilidade jurídica é o início da interpretação do caso concreto diante do julgador, mas que se valoriza com outras fontes, que não a experiência vivenciada pelo juiz:

Se o precedente é visto como uma regra que orienta a autoridade decisória a levar em consideração decisões anteriores, então se segue que o argumento puro a partir do precedente, diferente daquele que deriva da experiência, depende somente dos resultados dessas decisões e não da validade das razões que suportam esses resultados.(MARINONI: 2011 apud SCHAUER, p. 574)

O juiz aplica o princípio jurídico adaptando-o de forma a alcançar a realidade da decisão ao caso que tem diante de si. Dessa forma, contribui para o surgimento do direito extraído do fato singular, que, a partir de então, será considerado precedente para os demais semelhantes, forçando assim, a evolução do direito.

O teórico norte americano Roscoe Pound classifica a figura do juiz como “jurista-sociólogo”, posto que considera, em sua interpretação e aplicação do direito, os fatos sociais dos quais o direito deriva e que deve regular.

Michele Taruffo (2007, p. 798), doutrinador italiano estudioso do tema, define o precedente da seguinte maneira:

O precedente fornece uma regra que pode ser aplicada como critério de decisão no caso subseqüente em função da identidade ou – como acontece na lei – pela analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo caso. Naturalmente, a analogia dos dois casos fáticos (caso concreto) não é dada in reipsa, e é confirmada ou excluída pelo Juiz do caso subseqüente, dependendo se ele considera prevalente os elementos de identidade ou os elementos de diferença entre os fatos (sic) dos dois casos. É, portanto, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou não existe precedente, e em seguida – por assim dizer – “cria” o precedente. (tradução nossa)

No entanto, cabe analisar que, nem toda decisão judicial é precedente. Apenas aquela dotada de potencial paradigma para a orientação dos magistrados. Como definir o precedente é tema controverso, devendo-se estudar as características da decisão, a peculiaridade do fato ou a parte dele que se afigura o precedente, a sua força vinculante, e, o principal, a razão da decisão.

1.1 RatioDecidendi

Uma decisão judicial contém elementos essenciais à sua validade, dentre eles, o que importa para a identificação da existência de precedente ou não, é a fundamentação. Nas palavras de Arruda Alvim (1997, p. 623), quanto à importância dos fundamentos na sentença:

A sentença assenta-se em fato ou fatos, dando aos mesmos uma significação no universo jurídico, com base nos valores contidos na lei. (...) Assim, temos, fundamentalmente, de uma perspectiva lógico-formal, na sentença, a seqüência logística da norma, do fato e da conclusão decorrente da subsunção do fato à norma (primária) e da sucessiva aplicação da norma (secundária) ao fato.

A razão da decisão (ratiodecidendi) é o elemento principal capaz de definir o precedente. Diverge das argumentações gerais incluídas na decisão (obter dictum), pois é a estrutura fundamental do raciocínio que conduz à aplicação do precedente de um primeiro caso ao subseqüente. Ressalta Taruffo:

A doutrina do precedente faz distinção entre ratiodecidendi, que é a regra de direito que é colocada como fundamento jurídico da decisão sobre os fatos específicos do caso, e obiterdictum, ou seja, todas aquelas afirmações e argumentações que estão contidas na motivação da sentença, mas que, por serem úteis para a compreensão da decisão e de seus motivos, não são parte integrante do fundamento jurídico da decisão. (tradução nossa)

Identificar a razão da decisão, ou seja, o precedente nela contido é matéria doutrinária divergente, tanto pelos estudiosos do direito como pelos próprios julgadores. Para fins de esclarecimento, tomam-se por base as principais doutrinas, iniciando-se pelos testes de Wambaugh (1894), logo após, pelo método de Goodhart (1931), para chegar à moderna dimensão do precedente de Taruffo e, por fim, à fórmula utilizada pelo ordenamento norte americano do distinguishing.

Para Wambaugh, a razão de decidir pode ser identificada a partir de um teste em que, se constatada a ausência de determinada proposição, o caso seria decidido de outra forma. Em outras palavras, a razão de decidir é uma regra geral contida na decisão que, se ausente, o resultado da decisão seria diferente. Por outro lado, se a ausência da proposição, em nada altera a decisão, então, está-se diante do denominado obiterdictum.

Este teste é considerado falho para a doutrina moderna do precedente, uma vez que a decisão pode suportar dois fundamentos que, mesmo isolados, podem levar a mesma solução. Ou seja, se um dos fundamentos é invertido, o outro é suficiente para preservar a conclusão da decisão. Dessa forma, o teste é inútil para a identificação da ratiodecidendi, visto que, levando-se em conta os fundamentos, separadamente, sempre se chega à mesma decisão, então as duas proposições devem ser consideradas obiterdictum.

O método de Goodhart propõe que a razão da decisão seja extraída da verificação dos fatos tratados como fundamentos pelo juiz. O ensaio intitulado “Determiningtheratiodecidendiof case”, publicado no Yale Law Journal, em dezembro de 1930, foi o texto que trouxe à baila seu posicionamento sobre o assunto.

Para Goodhart, a razão da decisão pode ser identificada através da consideração de todos os fatos vistos pelo juiz, e, após, reconhecer quais destes fatos foram admitidos pelo julgador como materiais ou fundamentais na decisão. A análise não se limita aos fatos, mas engloba a própria decisão.

É necessário separar os fatos materiais dos imateriais expressamente. Citados todos os fatos do caso na decisão, aqueles que justificarem a conclusão final, são considerados materiais ou fundamentais. Já os omitidos ou desprezados da conclusão do juiz, são os imateriais. Como bem explicado por Marinoni (2011, p. 228):

Como isso nem sempre ocorre, Goodhart sugere vários teste para determinar quais fatos devem ser admitidos como tendo sido tratados como materiais ou imateriais pelo juiz. Assim, os relacionados à pessoa, tempo, lugar, gênero e quantidade são presumivelmente imateriais, a menos que declarados como materiais. Os argumentos e razões da Corte, assim como a declaração da regra de direito que está sendo seguida, igualmente têm importância para a identificação dos fatos que foram considerados materiais e imateriais.

É deste método que surge o princípio do “treatlikecasesalike”, ou então, casos iguais devem ser tratados de forma igual. Assim, a Corte que considerar o precedente deve chegar à mesma conclusão do caso anterior, quando os fatos materiais forem idênticos.

Em crítica à tentativa de identificação da ratiodecidendi, Joseph Francis (1928), um ano antes de publicado o método de Goodhart, se posicionou:

Se for verdade que o caminho para o progresso humano é coberto de princípios e conceitos mortos, então me atrevo a sugerir que o empenho em que se encontrar a ratiodecidendi de um caso em breve será visto sob o mesmo enfoque que aquele de um médico tentando localizar a alma.

Já a doutrina de Taruffo, é tendenciosa a ser ampla e aplicável aos sistemas civilistas romano-germânicos, como em seu país a Itália, e no Brasil. Não se limita a localizar a ratiodecidendi, mas sistematiza o precedente em quatro dimensões: institucional; objetiva; estrutural e de eficácia, como forma de provar a obrigação de respeitar o precedente no sistema jurídico.

A dimensão institucional é relacionada à organização judiciária e às relações de autoridade internas do poder judicial. A hierarquização e estrutura do Judiciário determinam a dimensão do precedente que se subdivide em três: os precedentes verticais; horizontais e autoprecedentes.

O precedente vertical pressupõe hierarquia de autoridade entre os órgãos judiciais. Por conseguinte, os precedentes proferidos nos órgãos superiores serão impostos aos inferiores em virtude da verticalidade da hierarquia institucional.

O precedente horizontal trata da influência da decisão no mesmo nível judiciário, dentro de um tribunal ou órgão jurisdicional. A falta de hierarquia entre os juízes os nivela igualmente, sendo o precedente uma decisão persuasiva. Contudo, o precedente horizontal tende a ser inferior ao vertical, isto quando não se tratar de decisão da Corte Suprema, cuja autoridade é máxima.

O autoprecedente diz respeito à obrigação do juiz de seguir seu próprio precedente, sob a pena de não estar cumprindo a exigência fundamental de coerência e universabilidade usada para decidir o caso concreto.

A segunda dimensão é a objetiva, na qual se verifica qual parte do precedente vincula as futuras decisões. Intimamente ligada ao conceito e diferenciação da ratiodecidendie obiterdictum, uma vez que a eficácia vinculante do precedente está somente na sua ratiodecidendi, sendo que a obiterdictum tem função apenas persuasiva.

Nesta dimensão, Taruffo aponta como critério o método do reporting exercido pelos países anglo-saxões, nos quais existem funcionários encarregados de selecionar os casos a serem publicados em função da idoneidade a constituir um precedente.

A terceira dimensão é a estrutural, ou seja, a possibilidade de o precedente ser adotado por uma decisão sucessiva. Neste caso pode haver: somente um precedente, como ocorre nos países em que vigora o commomlaw e o staredecisis; uma jurisprudência constante, podendo estar consolidada ou ultrapassada; precedentes contraditórios, quando decisões de um mesmo nível judiciário estão em conflito, o que se resolve com a uniformização da jurisprudência; e o caos jurisprudencial, comum nos países do civil law, quando há multiplicidade de decisões contrárias e incoerentes num mesmo órgão jurisdicional.

Por último, e mais importante, a dimensão da eficácia, ligada à natureza e influência do precedente sobre a decisão do caso sucessivo. Para Taruffo, a eficácia não se limita à dicotomia vinculante/persuasivo do precedente, vai além. Classifica a eficácia em escalas intermediárias: bindingprecedent; defeasiblybindingprecedent e; weaklybindingprecedent.

Mas ressalva para o extremo superior da escala, uma decisão obrigatória, absoluta, de se seguir por outro juiz e, para o extremo inferior da escala, uma hipótese de plena discricionariedade do juiz com relação ao precedente, ou seja, o juiz pode utilizar o precedente se convença assim fazê-lo.

O primeiro degrau da escala, o bindingprecedent, surge a partir de um precedente com vínculo verdadeiro e próprio, ele deve ser seguido, a não ser nos casos de exceções determinadas. Um segundo juiz pode não observá-lo se verificar motivos admitidos no ordenamento jurídico. Trata-se de uma eficácia vinculante, obrigatória, desde que não se enquadre nas limitações da exceção.

O segundo degrau traz o defeasiblybinding, um precedente com eficácia vinculante anulável. Há uma expectativa de o precedente seja seguido, mas um segundo juiz pode afastá-lo por livre motivação, desde que a decisão seja justificada e motivada.

O terceiro degrau, mais próximo do extremo inferior da escala, se encontra o weaklybinding, de eficácia vinculante fraca, apenas com efeito persuasivo. No qual seria adequado o respeito ao precedente, mas o segundo juiz não é obrigado a justificar expressamente caso decida por orientação diversa.

Nesta classificação, Taruffo não abrange toda a problemática do precedente, mas é de extrema importância teórica, por alocar em escala a eficácia das diversas formas de precedentes adotadas nos ordenamentos jurídicos comparados.

Sendo assim, é possível entender qual o estágio de eficácia do precedente encontrado para cada país. O Brasil e Itália, naturalmente pela adoção do civil law, possuem precedentes de eficácia vinculante fraca, oposto ao grau superior da escala, aonde se encontra os Estados Unidos, com eficácia vinculante verdadeira.

Embora estas teorias não sejam utilizadas para localizar o precedente em uma decisão judicial no ordenamento jurídico dos Estados Unidos, são de suma importância para o estudo dos precedentes, principalmente nos países em que se iniciam a sua aplicabilidade.

1.2 Distinguishing

A fórmula adotada no país norte americano para definir a vinculação do precedente é a do distinguishing. Como já salientado, é unânime a teoria de que o precedente encontra-se delimitado na ratiodecidendi, separando-se dela a obiterdicta.

A ratiodecidendi é vista numa perspectiva estática, como regra em abstrato, ou seja, na sua imutabilidade. A permanência e vinculação se devem ao grau de eficácia e força normativa, a partir da fundamentação racional da decisão.

Para localizá-la no caso subseqüente e tornar a decisão a priori em precedente, deve haver uma expressa distinção entre os casos para efeito de se aplicar ou não a ratiodecidendi ao posterior. Explica Marinoni (2011):

É intuitivo que, para aplicar a ratiodecidendi a um caso, é necessário comparar o caso de que provém a ratiodecidendi com o caso sob julgamento, analisando-se as suas circunstâncias fáticas. Isso significa uma diferenciação ou distinção de casos, que assuma a forma de técnica jurídica voltada a permitir a aplicação dos precedentes. Nesse sentido fala-se, no commomlaw, em distinguishing.

A análise dos fatos do caso deve ser cuidadosa e sistemática pelo juiz, uma vez que há fatos materiais ou relevantes e os imateriais e irrelevantes, sendo que, é facilmente desmascarado o juiz que tenta distinguir fatos meramente irrelevantes, deixando de aplicar o precedente quando lhe convém.

A distinção do caso deve ser material e justificada para a não aplicação do precedente. Da mesma forma, se na distinção dos casos houver apenas diferenças imateriais, mas relevantes semelhanças materiais, permanece a obrigatoriedade da decisão proferida em precedente anterior.

Cabe ressaltar que a distinção dos casos e a não adoção do precedente, não significa que este tenha perdido o seu caráter vinculante, ou mesmo que esteja equivocado e deva ser revogado. Apenas declara que naquele caso específico é inaplicável o precedente, por diferenças essenciais dos fatos relevantes em comparação.

A higidez do precedente somente é discutível quando ultrapassada a decisão perante a comunidade jurídica e a sociedade, gerando a necessidade do surgimento de um novo direito para regular àquela situação específica. Este procedimento de revogação do precedente é chamado de overruling e exige critérios razoáveis:

Portanto, se é certo que o sistema de precedentes que não admite o overruling não tem mais lugar, uma vez que impede o desenvolvimento do direito, também não há como pensar que a possibilidade de revogar precedentes é excludente da eficácia horizontal dos precedentes ou da obrigatoriedade de respeito às próprias decisões. Não há sistema de precedentes quando as Cortes Superiores não se submetem a critérios especiais para revogar os seus precedentes. E é exatamente esta submissão a critérios que caracteriza a eficácia horizontal do direito contemporâneo. (MARINONI: 2011)

Os métodos de distinguir fatos para justificar a não aplicação de determinado precedente, bem como revogá-los, não demonstra fragilidade do sistema norte americano de precedentes, pelo contrário, reforça o ideal da evolução do direito e da garantia da segurança jurídica.

Um estudo da Universidade de Harvard sobre a eficiência do distinguishing no ordenamento jurídico dos Estados Unidos, concluiu que:

No entanto, mesmo que a eficiência total é difícil de atingir, no caso de distinguishing há uma forte presunção de que o processo de mudança legal levanta bem-estar, uma vez que melhora a qualidade informacional das decisões judiciais, pelo menos, quando o custo de mudar a lei é baixo[1]. (tradução nossa)

Entretanto, o posicionamento contrário à adoção do distinguishing é levantado pela doutrina sob fortes fundamentos, inclusive sobre o desrespeito à isonomia dos precedentes, bem como a sua eficácia quando restrito apenas à ratiodecidendi, no campo fático.

1.3 Críticas

Apesar de consolidados os métodos de reconhecimento da ratiodecidendi, eficácia e vinculação do precedente pela distinção dos fatos materiais, há críticas dos estudiosos do tema quanto há real garantia de isonomia da aplicação dos precedentes pelas Cortes dos Estados Unidos:

Uma versão mais pessimista do mesmo argumento básico é que a prática do staredecisis é essencialmente uma "cascata de informação" em que agentes racionais ignoram suas próprias informações e imitam o comportamento dos tomadores de decisão anterior, muitas vezes levando para resultados incorretos e insuficientes[2]. (tradução nossa)

Tanto é que novos métodos são sugeridos, retirando do campo dos fatos o enigma do precedente, para encontrá-lo também num campo mais amplo, o dos princípios jurídicos e da argumentação jurídica. Assim sugerem os estudiosos do tema:

Sugerimos uma segunda função informativa que pode servir para a doutrina do staredecisis. Esta função envolve comunicação entre tribunais superiores e inferiores. A idéia básica é de desenvolvimento de linhas de casos que podem se comunicar a partir de um princípio legal melhor do que qualquer caso individual pode. Um caso inicial pode invocar uma frase ou princípio geral, como "devido processo", "razoável", ou "interesse convincente"; casos futuros podem desenvolver e dar sentido a essas inerentes frases vagas. (tradução nossa)

Tal medida de interação entre os fatos e os princípios jurídicos é a previsão moderna do sistema do commomlaw, quando reconhece como imprescindível, para a garantia da prestação jurisdicional justa, requisitos essenciais do sistema do civil law.

Assim pode ser observado na citação supra, quando traz para os precedentes a justificação fundadamente jurídica das decisões dos precedentes. Como também sustenta Ronald Dworkin (1999) que, a dignidade da decisão judicial não está na criação do direito pelo juiz, mas na possibilidade de este decidir a partir de princípios e fundamentos.

Ademais, a manipulação dos fatos para que se aplique ou não, determinado precedente, faz com que o distinguishing seja prejudicado, e por conseqüência, a decisão final. Por exemplo, se em determinada ação, os fatos invocados tornam o caso diferente, aparentemente em essência, do aplicado no precedente, este será tratado como novo, ou seja, passível de novo precedente. Esta manipulação dos fatos poderia levar a um caos dos precedentes.

No entanto, a partir dessa aproximação dos sistemas jurídicos, esta manipulação não seria suficiente para permitir a criação de um novo direito para o caso subseqüente. Isto porque, a aplicação do precedente não dependeria apenas dos fatos alegados, mas também das razões jurídicas invocadas pela parte e consideradas pelo juiz.


2Anteprojeto do Código de Processo Civil

A sistemática do atual Código de Processo Civil se vê defasada quando na sua aplicabilidade e, em consequência, para alcançar o fim de garantir, por meio do processo e seus procedimentos, a efetividade do direito ao caso concreto.

Foi necessária a elaboração de um novo Código acrescendo e alterando as inovações sociais e, por conseguinte, os anseios jurisdicionais. Dentre os problemas a serem solucionados estão: a morosidade da prestação jurisdicional, o acúmulo de recursos repetitivos, a obediência aos ditames constitucionais, a falta de eficácia na aplicação das decisões, etc. Vejamos o que relatou a Comissão de elaboração do novo código em sua exposição de motivos:

No afã de atingir esse escopo deparamo-nos com o excesso de formalismos processuais, e com um volume imoderado de ações e de recursos. Mergulhamos com profundidade em todos os problemas, ora erigindo soluções genuínas, ora criando outras oriundas de sistema judiciais de alhures, optando por instrumentos eficazes, consagrados nas famílias da civil law e da common law, sempre prudentes com os males das inovações abruptas mas cientes em não incorrer no mimetismo que se compraz em repetir, ousando sem medo. (BRASÍLIA, 2010)

Uma das principais preocupações foi a de tornar definitiva a adoção dos precedentes em todas as instâncias judiciais, de forma a vincular as decisões, permitindo maior segurança jurídica:

Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. (...)

Essa é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao sistema.

Evidentemente, porém, para que tenha eficácia a recomendação no sentido de que seja a jurisprudência do STF e dos Tribunais superiores, efetivamente, norte para os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, é necessário que aqueles Tribunais mantenham jurisprudência razoavelmente estável.

A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito. (BRASÍLIA, 2010)

Neste raciocínio, reestruturou-SE a uniformização da jurisprudência, com o novo texto do art. 882, que prevê a positivação de obrigação de vincular o precedente.

2.1 Obrigatoriedade legal de respeito ao precedente em sede processual – art. 882 do Projeto do Novo Código de Processo Civil

No Brasil, a elaboração do novo Código de Processo Civil se baseou nas inúmeras situações que ameaçavam o binômio eficácia e segurança jurídica das decisões judiciais, bem como a falta de confiança na prestação jurisdicional do Estado.

A morosidade do andamento processual, muito se deve pelas repetitivas ações propostas, sobre um mesmo tema de direito, que exigiam de cada julgador uma resposta específica. Assim, para cada caso é dado uma resposta à mercê da interpretação do juiz, que geram várias respostas para uma mesma questão fática.

Essa instabilidade de posicionamento jurídico, além da problemática do tempo, também propulsiona a ineficácia da resposta jurisdicional, uma vez que, determinado fato recebe o deferimento do pedido e, o mesmo fato, para outro julgador, o indeferimento. Logo, é preciso recorrer, incessantemente, aos órgãos superiores para uma resposta final.

Entretanto, os tribunais superiores não podem responder a todas as discussões controvertidas, é funcionalmente impossível. É necessário que a resposta final seja dada ao caso logo de início, se possível, ou pelo menos que seja previamente analisável, para que se evitem novos processos escusáveis.

Portanto, foi proposta pela Comissão responsável pela confecção do projeto do novo Código de Processo Civil, a observância do entendimento jurídico dos tribunais para os órgãos se lhes são hierarquicamente inferior, bem como a vinculação vertical e horizontal das decisões proferidas pelos tribunais superiores, in verbis:

Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência:

I – sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;

II – os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;

III – a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados;

IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia;

V – na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica

§ 1º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas.

§ 2º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.

Como se lê do artigo acima, o legislador determinou a supremacia da uniformização das decisões, gerando o ideal do precedente, em seu sentido latu sensu. Para elucidar melhor, exemplificou as situações nos incisos e parágrafos subseqüentes, englobando os diversos graus hierárquicos do Judiciário.

Analisados, sob o prisma da teoria da dimensão do precedente de Michele Taruffo, é possível afirmar que o nosso ordenamento obedeceu a todos os requisitos para se enquadrar nas dimensões e consolidar um sistema jurídico próprio de precedente.

2.2 Os Enunciados - Inciso I

A primeira hipótese prevista no projeto de lei corresponde ao ato do órgão judicial de editar enunciados sobre a súmula, contida o inciso I do art. 882. Importante destacar que, estes enunciados são se confundem com aqueles produzidos extrajudicialmente nos fóruns de estudo, promovidos por determinada classe jurídica.

São enunciados que dissecam o conteúdo do precedente sumulado, para se saber o exato alcance do direito declarado, sem que lhe retire a autoridade da matéria principal.

Com esta previsão normativa, a interpretação da ratiodecidendi do precedente enobrece o alcance da decisão, ao invés de retirá-la a autoridade:

É certo que a interpretação, mais do que dizer o significado, pode ampliar ou reduzir um pretendido significado. Como ampliar e reduzir são atos que convivem com uma porção de significado que exista e que, mesmo com a ampliação ou com a redução, se mantém, não há como concluir que a ratio, depois de interpretada, deixa de ter qualquer autoridade e que o caso de que provém perde significado (MARINONI: 2011, p. 250).

Os enunciados decorrem da obviedade de que os fatos dos casos analisados nunca serão exatamente idênticos. Portanto, sendo o precedente formulado sobre o fundamento principal, as demais razões contidas podem ser objeto de dúvida quanto ao enquadramento do fato em determinada categoria.

É imperiosa uma resposta à dúvida, formulada pelo próprio órgão criador do precedente, cuja interpretação segue uma linha de raciocínio lógico-jurídica, fundada em princípios que se relacionam com o fato. Se permitido qualquer outra orientação, que não a resposta do enunciado, sem sentido teria a própria idéia do precedente.

Este dispositivo corresponde à dimensão objetiva de Taruffo, uma vez que, havendo a separação da ratiodecidendi da obiterdictum no momento da decisão do julgador(es), a súmula vai cristalizar a ratiodecidendi com efeito vinculante, enquanto que os enunciados terão efeito persuasivos da obiterdictum.

2.3 Da vinculação vertical e horizontal do precedente – Incisos II, III e IV

Outro ponto considerável, mais importante inovação desta legislação, se refere à vinculação do precedente. Isto porque, é possível que dentro de um tribunal duas ou mais câmaras tenham entendimento diverso sobre um mesmo assunto, o que permite duas respostas opostas para o mesmo fato. Como também é visto que, os tribunais se divergem quando da interpretação de um direito, dando respostas sucessivas, de acordo com o grau de recurso em que se encontra o processo.

Mas com a nova previsão legal o vínculo do precedente terá papel de destaque. Isso se dá pela interpretação literal do dispositivo II quando não dá margem à dúvida ao utilizar o termo “seguirão”, de maneira imperativa e incontestável. Assim, cumpre corretamente a dimensão institucional de Taruffo, do precedente vertical e horizontal.

Primeiro porque dita que os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário dentro do mesmo tribunal, ou seja, se o pleno decidir determinada questão, não poderá a câmara, turma ou o julgador em decisão monocrática, decidir de forma diversa (precedente horizontal). 

Seguirão, também, a orientação do órgão especial, compreendendo os tribunais especializados. Ou, dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados (precedente horizontal).

Em outras palavras, se decidido pelo pleno de um tribunal hierarquicamente superior, seja por sua câmara ou turma, seja pelo pleno ou por órgão especializado, nesta ordem, os órgãos fracionários inferiores são obrigados, com força vinculante, a obedecerem à orientação jurídica do caso em análise.

Ao examinar o inciso III, é fácil concluir não se tratar de precedente, mas, mesmo assim, garantir a orientação das decisões jurisprudenciais pacificadas de um tribunal aos demais a ele vinculados. Tal dimensão estrutural do precedente, da jurisprudência constante, prevista por Taruffo, garante a adoção da orientação por uma decisão sucessiva.

No inciso IV, o vínculo do precedente é eminentemente vertical, obrigando que haja respeito hierárquico de decisões, sendo, o norte principal a supremacia das orientações do Supremo Tribunal Federal, para, após, garantir a dos tribunais superiores, vinculando as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país. Sobre o assunto:

O ponto tem relevância insuspeita. Não apenas o juiz e o órgão judicial devem respeito ao que já fizeram, ou seja, às decisões que tomaram, mas também às decisões dos tribunais que lhes são superiores, claramente quando estes decidem conferindo interpretação a uma lei ou atribuindo qualificação jurídica a determinada situação. Trata-se de algo que, além de advir da mera visualização da tarefa atribuída aos tribunais superiores, decorre da percepção da lógica do sistema de distribuição de justiça e da coerência que se impõe ao discurso do Poder Judiciário. (DEUSTSCH: 1974)

Ainda justifica o legislador que esse vínculo se deve para concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia, permitindo uma prestação segura, previsível e eficaz.

2.4 Do overruling - §§ 1º e 2º

Para não coibir a evolução do direito, é preciso que este seja revisado e alterado constantemente, de acordo com as mudanças sociais, culturais e comportamentais de uma sociedade. Contudo, a mudança jurídica deve ser ponderada, para evitar a sua banalização a partir de qualquer interpretação judicial que entender melhor para o caso.

Com isso, em analogia e semelhança da seriedade da revogação do precedente, método do overruling, utilizado nos Estados Unidos, prevê os §§ 1º e 2º, do art. 847, do projeto do novo código de processo civil, determinados requisitos para que isso ocorra.

Ao reconhecer a necessidade da mudança de entendimento sedimentado, é imperiosa a fundamentação adequada e específica. O julgador, ou a corte, deve justificar se o precedente deixou de corresponder aos padrões de congruência social e o surgimento de inconsistência sistêmica, negando padrões morais, políticos e de experiência, como também deixando de guardar coerência com outras decisões.

No entanto, para que esta revogação do precedente ou a sua mudança ocorra, prevê a nova norma, que haja procedimento autônomo, permitindo a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.

 


3 Dos principais motivos de inserção do precedente no sistema processual brasileiro

O atual cenário do ordenamento jurídico brasileiro se enquadra na classificação do caos jurisprudencial, proposta por Taruffo. Não há coerência nas decisões proferidas, nem em sede de primeira instância, menos ainda em segunda instância. Não há obediência ou respeito ao entendimento consolidado dos tribunais superiores.

Os juízes de primeiro grau possuem total liberdade interpretativa, para proferir sentenças contrárias às orientações dos tribunais que lhe vinculam. Bem assim, como os tribunais estaduais e federais também possuem em relação aos superiores. Com isso, é possível que o mesmo fato tenha respostas diversas até que chegue ao último grau de recurso, e mesmo assim, ainda corre o risco de, dentro da corte, haver duas turmas ou câmaras que decidem contrariamente, velando as partes para um possível sorteio da câmara ou turma que lhes favoreçam.

Esta situação de instabilidade jurídica permite a incredulidade dos cidadãos em face do Estado, não há como o jurisdicionado prever seu comportamento e as suas ações, menos ainda, entender qual é o direito que lhe assegura a lei e os tribunais.

3.1 Segurança jurídica e estabilidade das decisões

Portanto, a adoção do sistema do precedente pode trazer a segurança jurídica, princípio fundamental, arrolado no art. 5º de forma genérica, e nos seus incisos II (princípio da legalidade), XXXVI (inviolabilidade do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito), XXXIX (princípio da legalidade e anterioridade penal) e XL (irretroatividade da lei penal desfavorável), de maneira específica.

A segurança aguardada pela legalidade do precedente, ainda exige dois elementos que lhe são imprescindíveis:

Para que o cidadão possa esperar um comportamento ou se postar de determinado modo, é necessário que haja univocidade na qualificação das situações jurídicas. Além disso, há que se garantir-lhe previsibilidade em relação às consequências das suas ações. O cidadão deve saber, na medida do possível, não apenas os efeitos que as suas ações poderão produzir, mas também como os terceiros poderão reagir diante delas. (MARINONI: 2011, p. 122)

 Conclui-se que, a previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta e a continuidade da ordem jurídica, são fatores que caracterizam a segurança jurídica, indispensáveis para que se pretenda ser “Estado de Direito”.

Cabe frisar que, o precedente somente versará sobre questão de direito, em sede processual civil. Assim, a previsibilidade do andamento e procedimento processual em nada interferirá na decisão final sobre o fato, mas somente quanto ao processo. Claro que, inevitavelmente, por analogia, poderá ser adotado o mesmo sistema para os demais ramos do direito, principalmente sobre o direito material.

Com a previsibilidade, advém a continuidade de uma ordem jurídica, com respostas plausíveis e coerentes, imperando o respeito à orientação dos tribunais superiores, em especial quanto à especificidade da matéria para a qual foram criados.

A mantença da segurança jurídica das decisões traz a efetividade do sistema jurídico, vez que, é componente indispensável da essência do próprio Estado de Direito. Um sistema que não garante a previsibilidade e a ordem, não permite que o cidadão tome consciência dos seus direitos, impedindo a concretização da cidadania.

A continuidade de impor a ordem jurídica é sinônima de eficácia e potencialidade do Estado perante os cidadãos. É, além de tudo, assegurar a estabilidade do direito. Nas palavras de Norberto Bobbio, “para que se possa falar em uma ordem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si”.

3.2 Limitação ao subjetivismo do juiz

Ademais, a adoção do sistema dos precedentes judiciais, ao contrário de retirar o livre convencimento do juiz, impedindo o acesso à justiça, é aparelhamento contra a arbitrariedade e subjetividade do julgador, que, muita das vezes, se convence de teorias ultrapassadas ou contrárias à moderna visão do direito, em consonância com a sociedade.

É importante combater este abuso de interpretação e decisão promovida pelo juiz eminentemente subjetivista para manter a segurança do próprio cidadão em busca de um direito.

Esta limitação promovida pelo precedente processual alcança suma importância no nosso ordenamento jurídico, a partir do dissonante comportamento judicial, exclusivamente subjetivo, no qual, a maioria dos juízes, se acha investidos de um poder sobre a lei e além dela.

Pode-se observar claramente o exemplo dos enunciados formulados pelo FONAJE, fórum promovido pelos juízes dos juizados especiais, no qual se trocam experiências entre eles, e, em extremo absurdo, formulam, indiscriminadamente, enunciados sobre determinadas questões de direito e os declaram força persuasiva. Em outras palavras, os juízes se reúnem, interpretam a lei sem qualquer procedimento legal específico, e elaboram uma norma de efeito persuasivo, capaz de determinar como uma situação será decidida.

Tanto é que a instituição do FONAJE declara como objetivo: Uniformizar procedimentos, expedir enunciados, acompanhar, analisar e estudar os projetos legislativos e promover o Sistema de Juizados Especiais.

Esses enunciados são formulados somente pelo ponto de vista subjetivista dos juízes, sem a presença dos demais agentes jurídicos, vinculando suas decisões futuras, demonstrando o extremo do absurdo social em que se deixou chegar o poder do julgador sob a bandeira da função jurisdicional.

Não obstante esta aberração jurídica, compreensível se torna a preocupação de limite ao subjetivismo do juiz, que abusa do seu poder de garantidor da paz social, para atravessar o campo da total vaidade descontrolada, como é possível observar em sede de um tribunal superior, o seguinte voto:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja[3].

São casos como estes, em que é possível observar a completa desorganização do Judiciário, que se contradiz incessantemente, deixando a sociedade brasileira sem a menor sensação de segurança ou estabilidade do órgão ao qual designamos o dever de julgar.


Considerações finais

O Brasil vem se influenciando da teoria do precedente, desde a unificação das decisões idênticas dos tribunais, em jurisprudências, até a formulação das súmulas. Mas, como se não bastasse, também reinventaram a súmula com caráter vinculante, para que, sobre a matéria sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, houvesse a obediência dos demais tribunais inferiores, garantindo uma única resposta à determinada questão.

Não sendo suficientes todas as medidas até então tomadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, para que solucionasse a instabilidade das respostas do Judiciário, o novo projeto do Código de Processo Civil, propõe, em seu art. 882, as diversas formas da dimensão do precedente, segundo a teoria de Michele Taruffo.

A interpretação da obiterdictum, já separada da ratiodecidendi por ora transformada em súmula, é fator imprescindível para se saber o exato alcance do direito declarado, enobrecendo o valor do conteúdo da ratio. Bem como a vinculação obrigatória do precedente formulado pelos Tribunais Superiores, quando da utilização do termo “seguirão”, de forma imperativa.

O vínculo tem papel de destaque na nova legislação, posto que previsto em sede vertical, no qual os juízes monocráticos devem seguir as orientações dos tribunais que lhes sucedem, bem como dos tribunais inferiores para os hierarquicamente superiores e os especializados, sem esquecer, da supremacia do Supremo Tribunal Federal.

O respeito ao precedente também adquire eficácia horizontal, ou seja, dentro do próprio tribunal, não permitindo a incoerência entre as decisões das turmas ou câmaras, nem destas com o pleno, nem com as fracionárias dos tribunais que lhes são superiores.

Não obstante, também se preocupou o legislador com as demais questões que não se classificam como precedentes passíveis de vinculação obrigatória, ou seja, com a jurisprudência consolidada do tribunal. Assim, em se tratando de jurisprudência dos tribunais superiores, esta deve nortear as decisões proferidas em instância inferior.

Mas, como todo direito é passível de revogação de acordo com a evolução e graduação social, cultural e comportamental da sociedade, de forma a não petrificar o próprio direito, foi decidido que esta revogação do precedente ou a sua mudança ocorra mediante procedimento autônomo e organizado, salientando o imperativo de estabilidade das decisões.

Ao adotar estas medidas, o nosso ordenamento jurídico poderá avançar teoricamente, na mesma medida que os países do commomlaw, para se chegar à cobiçada segurança jurídica e eficácia das decisões judiciais. Em decorrência disso, a previsibilidade da conduta do cidadão, exorta o exercício da cidadania, sendo possível prever o que é, exatamente, o direito.

A estabilidade do entendimento jurídico gera a ordem jurídica, escalonada dentre vários agentes que a compõem, desde o exercício do advogado e do Ministério Público, dentre outros, até o poder de julgamento do juiz.

Embora tenham juristas que divergem desta opinião, a limitação ao subjetivismo do juiz, em nada altera o seu livre convencimento, uma vez que esta limitação está englobada apenas no campo processual que se transformou em precedente judicial, deixando, os demais casos processuais e a matéria fática para análise e ponderação do julgador.

Ademais, com os extensos abusos perpetuados pelos juízes do nosso país, em se valerem de autoridade judiciária como vaidade máxima, a adoção do precedente poderá moderar este comportamento, para que o julgador cumpra com a sua função dentro do ordenamento de promover a paz social.

Esta função concedida deve ser norteada pelos princípios constitucionais a serem aplicados, bem como o comportamento jurisdicional adequado para atingir o fim esperado pela sociedade, de segurança e estabilidade jurídica, com eficácia das respostas e, no mais perto de pode se chegar, o exercício da justiça.


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Notas

[1] GENNAIOLI, Nicola; SHLEIFER, Andrei. The Evolution of Precedent.rev. University of Stockholm and Harvard University, 2005. p. 35.Disponívelem<http://www.economics.harvard.edu/files/faculty/56_precedent.pdf>Acessoem 20.11.2011

[2]MESQUITA, Ethan Bueno de; STEPHENSON, Matthew.Informative Precedent and Intrajudicial Communication.American Political Science Review. n. 4.vol. 96.Harvard University, 2002.p. 757.Disponívelem<http://www.law.harvard.edu/faculty/mstephenson/pdfs/BDMInformativePrecedent.pdf>Acessoem 20.11.2011.

[3]STJ, AgRg nos EREsp 319997 – SC, Voto Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 07.04.2003.


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MENDES, Bruna Pacheco. O instituto do precedente judicial norte-americano no Direito Processual brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3572, 12 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24158. Acesso em: 24 abr. 2024.