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Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos

Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos

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A orientação sexual do casal adotante é insignificante no preenchimento dos requisitos elencados pelo ECA para o processo de adoção, pois contata-se que isso não implica em nenhum risco ao desenvolvimento psíquico do adotando.

Resumo: O presente trabalho monográfico tem por objetivo analisar a possibilidade jurídica de adoção por casais homoafetivos com fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade, da proteção integral, do melhor interesse da criança e da afetividade. Para o desenvolvimento do assunto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica abrangendo doutrinas, artigos científicos, legislações, revistas, apostilas e jurisprudência. O trabalho foi em dividido em três capítulos, sendo que o primeiro traz um breve estudo sobre a evolução histórica e jurídica dos modelos de famílias, demonstrando que atualmente, a presença dos elos de afetividade se tornou o elemento principal de preservação das novas entidades. No segundo capítulo foi abordado o instituto da adoção, realizando-se um histórico das legislações brasileiras que já versaram sobre o assunto, além disso, trouxe o atual conceito de adoção, os requisitos necessários para deferimento do pedido e os princípios constitucionais norteadores deste instituto. Constatou-se não haver qualquer vedação expressa ao pedido de adoção formulado por casal homoafetivo, ressaltando que, o seu não deferimento importaria na violação de todos os princípios constitucionais abordados, assim, constituindo-se este capítulo o fundamento argumentativo do seguinte. No terceiro e último capítulo, foi apresentado o tema central desta monografia, considerando primeiramente,a união estável homoafetiva, reconhecida pelo Supremo Tribunal de Federal – STF como entidade familiar. Dessa forma, estas uniões passaram a pleitear pelos direitos advindos desta decisão como: pensão, herança,bem como à adoção. Subsequente a isto, foram elencados os principais argumentos favoráveis e, sucintamente, argumentos contra a adoção homoafetiva. Considerando tais argumentos, verificou-se que não existe qualquer prejuízo ao desenvolvimento psíquico da criança/adolescente, conforme o resultado das pesquisas citadas, ademais, diante da ausência no ordenamento jurídico de norma reguladora da adoção conjunta por casais homoafetivos, deve-se aplicar à norma existente, a interpretação de acordo com preceitos constitucionais, portanto, podendo ser aplicada a casais do mesmo sexo, em observância ao princípio da igualdade que veda qualquer forma de discriminação/preconceito. Posterior a isto, apresentou-se brevemente algumas decisões jurisprudenciais favoráveisà adoção homoafetiva, constatando que, mesmo de maneira lenta, o Poder Judiciário caminha na direção do reconhecimento desse direito a casais do mesmo sexo. Por fim, diante de todo o exposto, entende-se que a mera ausência de expressão legal não pode ser impeditiva do direito à adoção conjunta por homossexuais, tendo em vista a devida efetivação de todos direitos fundamentais e princípios expostos.

Palavras-chave: Adoção. Casal homoafetivo.Princípios constitucionais.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 FAMÍLIA. 1.1 SÍNTESE HISTÓRICA E JURÍDICA DOS MODELOS DE FAMÍLIA. 1.2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O NOVO CONCEITO DE FAMILIA. 2 ADOÇÃO NO BRASIL. 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGAL DA ADOÇÃO NO BRASIL. 2.2 CONCEITO E FINALIDADE DA ADOÇÃO. 2.3 REQUISITOS LEGAIS PARA ADOÇÃO NO BRASIL. 2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM A ADOÇÃO. 2.4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2.4.2 Princípio da Igualdade. 2.4.3 Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança. 2.4.4 Princípio da Afetividade. 3 ADOÇÃO HOMOAFETIVA. 3.1 UNIÃO HOMOAFETIVA. 3.2 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DE ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS. 3.3 PRIMEIRAS ABERTURAS DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.ANEXOS


INTRODUÇÃO

O tema da presente monografia versará sobre a possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos, com fundamento nos princípios constitucionais brasileiros.

Sabe-se que o conceito de família evoluiu muito nos últimos anos, influenciado por diversas modificações dos padrões socioculturais. Neste contexto, surgiram novas formas de constituição familiar, como a união entre pessoas do mesmo sexo, reconhecida recentemente pelo Supremo Tribunal Federal - STF como forma de união estável (ADIN 4277 E ADPF 132). Como consequência disso, nota-se que é cada vez mais recorrente a busca de pares homoafetivos em constituir família por meio da adoção.

Hodiernamente,o instituto da adoção não desempenha apenas o papel de dar filhos aos casais impossibilitados de concepção, mas principalmente de proporcionar a crianças e adolescentes a chance de ter uma nova família. Logo, não se pode ignorar o elevado número de 8 milhões de crianças que estão abandonadas, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde – OMS,e as 5,4 mil, segundo o Conselho Nacional de Justiça,que estão disponíveis para adoção, sendo que há pessoas interessadas em adotá-las e que preenchem os requisitos legais necessários para tanto. Identifica-se, portanto, a importância social de pesquisar o tema, pois se trata de uma realidade atual e inegável, que ainda enfrenta muita resistência por uma grande parcela da população.

No campo jurídico, esta questão provoca muitas divergências entre os doutrinadores, pois não existe na legislação brasileira norma jurídica que permita ou impeça, de forma clara e expressa, a adoção por pares homoafetivos.Vale ressaltar que, mesmo sem uma lei específica, já existem casos julgados no país e a jurisprudência têm se posicionado a favor da adoção por pessoas do mesmo sexo, tendo em vista o devido respeito aos princípios constitucionais e às transformações sociais ao longo dos anos. Entretanto, apesar das decisões favorecerem a adoção o tema continua a dividir opiniões e gerar receio por grande parte dos juristas que estagnam ante aargumentos eivados de desinformação, preconceito, conservadorismo e até mesmo medo das repercussões sociais desta decisão.

Estas discussões não deixam de atingir o meio acadêmico e tornam seu debate relevante para despertar a consciência crítica acerca dos direitos constitucionais do cidadão, demonstrar que diferenças existem e cabe ao operador do direito interpretar a lei constitucional, adequando-a às exigências sociais. Também tem o intuito de destacar as transformações que a sociedade sofreu e vem sofrendo, juntamente com modificações jurídicas decorrentes delas. Assim, o estudo, análise e discussão do assunto são fundamentais, poiscontribuem para a compreensão dos conflitos relacionados à adoção por pares homoafetivos, além de fomentar a pesquisa cientifica voltada para os aspectos jurídicos deste tema, considerando que há poucos livros e artigos que o abordem.

Neste enfoque, definiu-se como problema a seguinte questão: Como a aplicação dos princípios constitucionais pode garantir a adoção por pares homoafetivos?

No primeiro capítulo discorrer-se-á sobre a evolução da entidade familiar, com apontamentossobre as suas características no transcorrer da história, bem como sobre as alterações normativas que acompanharam este processo, com foco especial sobre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e sua importância para a nova concepção de família.

No segundo capítulo realizar-se-á um estudo acerca do instituto da adoção, sua evolução histórica, o seu conceito, finalidade e requisitos legais com foco no ordenamento jurídico brasileiro, tratando das duas legislações pátrias que atualmente disciplinam o assunto. Discorre-se-á também acerca dos princípios constitucionais norteadores da adoção, destacando suas características e particularidades, conforme a Constituição Federal de 1988.

E por fim, no último capítulo, estudar-se-á o referencial principal, discutindo-se a questãodo reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal das uniões homoafetivas e suas características. Subsequente a isto, apresentar-se-á os principais argumentos favoráveis à adoção porcasais homoafetivos, destacando brevemente alguns pontos divergentes. Finaliza-se o capitulo com a apresentação de decisões jurisprudenciais relacionadas à adoção por pares homoafetivos.


1 FAMÍLIA

Este primeiro capítulo discorrerá acerca da evolução histórica e jurídica das entidades familiares, destacando no ordenamento jurídico as mudanças advindas com a Constituição Federal de 1988 e sua relevância para a nova concepção de família.

1.1 SÍNTESE HISTÓRICA E JURÍDICA DOS MODELOS DE FAMÍLIA

No decorrer da história da humanidade a ideia de família passou por diversas alterações, visto que o seu entendimento está relacionado comhistórico-social vivenciado por cada povo. Deste modo, para traçar um parâmetro evolucionista é necessário compreender o contexto social no qual os modelos de família se desenvolveram, retroagindo às primeiras formas de organização do ser humano em sociedade.

Historicamente, a família representa a “célula” baseda sociedade e se formouinicialmente com o agrupamento de pessoas a partir de um ancestral comum, o “patriarca”, ou através do matrimônio. Este ancestral comum era normalmente do sexo masculino, considerado o líder entre os membros e representante da entidade familiar. Os “Clãs”, como foram denominadas essas primeiras entidades, tinham como principal elo os laços sanguíneos.Outra razão importante para o agrupamento era que este proporcionava a todos mais segurança e maiores chances de sobrevivência. Além de dividirem os mesmos costumes, construíamtambém uma identidade cultural e patrimonial. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros da tribo (endogamia).A expansão territorial e populacional dos Clãs provocou a aproximação desses grupos e fez surgiras primeiras tribos e organizações sociais (CUNHA, 2010).

Essa organização rudimentar das famílias, baseada no vínculo sanguíneo, é considerada o marco originário das primeiras sociedades humanas, sendo a família a unidade social mais antiga, tendo surgido antes mesmo da constituição do Estado.

Eisler (1994 apud SILVA JÚNIOR, 2010) explica que na pré-história não havia hierarquização na relação de homens e mulheres, tão pouco desigualdade e a propriedade privada. Na visão de Engels (1991), também citado por Silva Júnior,nesta épocahomens e mulheres estavam em situação de igualdade e já existia uma sutil divisão do trabalho. A mulher administrava o lar e desenvolvia um trabalho produtivo considerado importante economicamente, ao passo que o homem se responsabilizava pela caça e pesca. A mudança dessa estrutura inicia a partir da descoberta de metais, como cobre e ferro, e também a expansão da agricultura, tarefas que exigiram um trabalho mais intensivo de exploração de florestas e aumento da produção. Surgiu então, a propriedade privada, e além de se tornar dono de terras o homem passou a possuir escravos.

Segundo a ótica de muitos estudiosos,o surgimento desses dois elementos, a exploração preconceituosa e a propriedade privada, foramos alicerces responsáveis pelo surgimento de alguns preconceitos que se tornaram obstáculos para a livre constituição das relações familiares e resistem até hoje. Ressalta-se que cada sociedade construía seus dispositivos ideológicos de acordo com os interesses políticos, econômicos, religiosos dominantes, a fim de perpetuar o poder exercido nas relações humanas (SILVA JÚNIOR, 2010).

Foi a partir de sociedades mais interligadas que surgiu a expressão “família”, que segundo Prado é proveniente do latim “Famulus”, correspondendo ao conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor, termo usado na organização familiar do Estado Romano (SILVA JÚNIOR, 2010). Diferente dos clãs, no Direito Romano, as uniões chamadas de família natural não estavam fundadas no vínculo sanguíneo, mas sim em uma relação jurídica, a instituição do casamento necessitava preencher dois requisitos para sua validação: a coabitação e a manifestação de vontade de viverem como marido e mulher, chamado de affectiomaritalis (CASTRO, 2002).

O poder do homem sobre a mulher era umas de suas características, como descreve Venosa (2005, p. 41):

O pater exercia a chefia da família como orientador maior do culto dos deuses Lares, acumulando as funções de sacerdote, legislador, juiz e proprietário. Dele era o jus puniendi com relação aos integrantes da família.

A mulher romana apenas participava do culto do pai ou do marido, porque a descendência era fixada pela linha masculina. Durante a infância e puberdade, era subordinada ao pai; após o casamento, ao marido.

Neste entendimento, observa-se que o Direito Romano estava baseado em crenças antigas, onde somente o homem,na condição de ascendente mais velho,detinha o poder sobre seus familiares. Ainda que estemodelo tenha se diferenciado ao considerar o afeto para a convalidação da união, a mulher continuava em uma posição inferior a do marido, seu papel na sociedade estava limitado ao domínio do pai ou marido. Não possuía sequer capacidade social e jurídica. A influência da religião e dos dominantes do poder econômico eram fatores decisivos para a constituição das famílias.

Durante a Idade Média o poder de Roma foi deslocado para as mãos da Igreja Católica,o controle ideológico foi exercido principalmente sobre a família, o casamento tornou-se sacro e indissolúvel,independente da vontade dos cônjuges, formado somente entre um homem e uma mulher.Destaca-se a importância da relação carnal como requisito para a convalidação da união, que possuía como função principal a reprodução(CUNHA, 2010).

Com a supervalorização do matrimônio, qualquer outra forma de constituição familiar era condenada, como as uniões estáveis, concubinato, inclusive as uniões homoafetivas, no entanto, elas nuncadeixaram de existir (SILVA JÚNIOR, 2010).De acordo com Fiuza (2007), a diferença na criação de homens mulheres na idade média gerava uma completa contradição, pois eles eram induzidos ao sexo, enquanto elaseram totalmente censuradas sexualmente. O resultado foi óbvio, com o prazer sexual proibido às mulheres, os homens buscavam o sexo fora do casamento, ou seja, com prostitutas ou outros homens, ambos totalmente contrários aos preceitos religiosos.

O ordenamento jurídico estava baseado nas normas do Direito Canônico, organizado sobre pressuposto ideológicos do Catolicismo. Estes dominaram o cenário politico, religioso e social durante toda a Idade Média (ALVES, et al., 2010).

Esse modelo,estritamente alinhado aos limites morais impostos pela Igreja, se difundiu por vários países sendo legalmente reconhecido como ato jurídico e também como ato religioso.

Nas palavras do autor Orlando Gomes(1998, p. 40):

Na organização jurídica da família hodierna é mais decisiva a influência do direito canônico. Para o cristianismo, deve a família fundar-se no matrimônio, elevado a sacramento por seu fundador. A Igreja sempre se preocupou com a organização da família, disciplinando-a por sucessivas regras no curso dos dois mil anos de sua existência, que por largo período histórico vigoraram, entre os povos cristãos, como seu exclusivo estatuto matrimonial. Considerável, em consequência, é a influência do direito canônico na estruturação jurídica do grupo familiar.

O Brasil foi um dos vários países influenciados pelos princípios Católicos, a evolução da família brasileira aconteceu de forma gradativa, seguida pelas transformações dos direitos de família, conforme cada ordenamento jurídico da época. Cunha (2010, p. 2) explica que “[...] em razão da colonização portuguesa no Brasil, este foi fundado mediante preceitos da Igreja Católica Apostólica Romana, o que se refletia no direito vigente no país, as Ordenações Filipinas, de 1595”. E ainda, que, segundo Alves(et al., 2010, p. 3):

A percepção das manifestações do Direito Canônico no Brasil se faz sentir logo após o descobrimento, quando chegou à nova terra a Igreja Secular, representada por párocos, canônicos e outros dignitários catedralícios, e o primeiro bispo, que por longo tempo seria o único em todo o país. Os sacramentos do batizado e do matrimônio foram as principais preocupações constantes aos religiosos sobre os índios. Foram os indígenas que primeiro sofreram a interferência do Direito Canônico no Brasil, justamente no que se refere ao modo que constituíam suas famílias.

Como explicado por Alves, et al., o Brasil foi fortemente influenciado pelo catolicismo, e dessa feita, a tornou sua religião oficial. Desta forma, somente a entidade familiar formada pelo casamento passou a ser reconhecida. Esta condição jurídica se manteve durante o período imperial, porém, em 1861,com a chegada crescente de imigrantes que seguiam religiões diversas, foi reconhecido o casamento civil aos que pertenciam a outra seita, ressaltando que as demais normas continuavam inalteradas. Somente em 1890, com o decreto de nº 181, foram modificadas as normas relacionadas à indissolubilidade do matrimônio e sua validade, ou seja, foi instituída a separação de corpos aos casais que, por alguma razão, não eram mais capazes de conviver harmoniosamente entre si. Com relação à validade, apenas o casamento celebrado por autoridades civis passou a ser considerado. Vale ressaltar que essas medidas não alteravam os preceitos do casamento religioso(CUNHA, 2010).

Em 1916, com a promulgação do Código Civil, a separação da Igreja do Estado foi consolidada. Consagrou-se o casamento civil como o único instituto formador da família. A instituição e os laços sanguíneos entre os parentes foram protegidos, em detrimento da adoção, do reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos, como explica Venosa(2005, p. 37):

O legislador do Código Civil de 1916 ignorou a família ilegítima, fazendo apenas raras menções ao então chamado concubinato unicamente no propósito de proteger a família legítima, nunca reconhecendo direitos à união de fato. O estudioso tradicional de nosso direito de família sempre evitou, no passado, tratar do casamento ao lado da união concubinária. Muitos foram os que entenderam, até as ultimas décadas, que a união sem casamento era fenômeno estranho ao direito de família, gerando apenas efeitos obrigacionais.

Percebe-se,como sucintamente explanou o autor Sílvio Venosa,que as relações de caráter convencional, de companheirismo, foram ignoradas pelo legislador.

Além disso, o diploma civil conservou parcialmente algumas características das legislações anteriores, como o patriarcalismo e a mulher como relativamente incapaz. Abaixo, um trecho do Capítulo II, do antigo código que tratava das obrigações do marido:

Art. 233.  O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). (Redação da Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

Compete-lhe:

I - a representação legal da família;(Redação da Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial (arts. 178, § 9°, I, c, 274, 289, I e 311);(Redação da Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

III - o direito de fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique;(Redação da Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

IV - prover a manutenção da família, guardada as disposições dos arts. 275 e 277.  (Inciso V renumerado e alterado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

Nota-se com clareza a condição de chefe de família dada ao homem, outorgando-lheos direitos de representar legalmente e administrar os bens, a mulher é tratada apenas como “colaboradora” dentro da relação conjugal, isto é, estava subordinada à autoridade do marido enquanto estivesse casada. Exemplo disso era que, para trabalhar, ela precisava de autorização do marido, como determinava o art. 242, VII, CC de 1916: “A mulher não pode, sem autorização do marido,exercer profissão.”

Ainda havia forte resistência também à dissolução conjugal, sendo admitido apenas o chamado “desquite” que preservava o vínculo matrimonial, pois a pessoa desquitada não poderia constituir um novo casamento, ou seja, punha fim somente às obrigações conjugais. Mantendo-se resistente em regular as uniões não provenientes do casamento, o legislador buscava inibir o surgimento de novas uniões e a preservação dos vínculos originalmente constituídos (CUNHA, 2010).

Compartilhando deste entendimento, Dias (2010, p. 30)comenta:

O Código Civil anterior, que datava de 1916, regulava a família do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia uma estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, numa vã tentativa de preservação do casamento.

 A sociedade continuava bastante conservadora e os vínculos afetivos só ganhavam reconhecimento com o matrimônio, o perfil familiar mantinha-se voltado para a procriação e para a patrimonialização (DIAS, 2010).

A nova Constituição Federal de 1934 inovou ao dedicar um capítulo para a família, no entanto, apesar de garantir proteção especial a entidade familiar pelo Estado, o legislador pouco acrescentou para modificação do direito de família instituído pelo código de 1916. Cunha (2010, p. 4)explica:

[...] as novas cartas constitucionais pouco modificaram as normas do diploma civil de 1916, sendo mantida a estrutura patriarcal, o casamento como forma exclusiva de formação da família, o expresso tratamento discriminatório dado aos filhos nascidos fora do casamento e aos havidos por adoção e a ausência de referências ao companheirismo, seja ela na forma de união estável, seja na forma do concubinato.

Gradativamente este quadro social foi sendo modificado, não resistindo às revoluções modernas do mundo ocidental, neste caso a Revolução Industrial que teve início no século XVIII e a revolução sexual da década de 60. Estes dois momentos históricos, foram os principais propulsores para dar inicio à uma revolução nos formatos de família, especialmente a partir do século XX, quando essas transformações tomaram maiores proporções devido ao ingresso da mulher no mercado de trabalho. Esta passou a questionar os padrões morais impostos pela sociedade (FIUZA, 2007).

A família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. O homem vai para fabrica e a mulher lança-se para o mercado de trabalho. No século XX, o papel da mulher transforma-se profundamente, com sensíveis efeitos no meio familiar (VENOSA, 2005, p. 22).

A concepção de família ultrapassou as barreiras dos laços sanguíneos e passou a valorizar mais a afetividade ao invés do poder econômico entre seus membros.

Acompanhando o desenrolar desses acontecimentoso Brasilcriou leis especificas para regulamentar as situações descritas anteriormente, como a Lei de Adoção, Lei de Divórcio(EC 9/1977 e lei 6.515/1977) que trouxeram alguns avanços para a mulher, como a não obrigatoriedade de adoção do patronímico do marido, e estendeu ao homem o direito de pedir alimentos, antes só assegurado a mulher.O Estatuto da Mulher Casada (lei 4.121/1962) devolveu a ela plena capacidade dentro do casamento e iniciou a quebra da hegemonia masculina. Não era mais necessária a autorização do marido para o trabalho(CUNHA, 2010).

Ainda sim, muitos aspectos da adoção, casamento, concubinato e da união estável continuavam à margem do ordenamento jurídico e só foram abordados de forma mais eficaz a partir da constituição de 1988.

1.2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O NOVO CONCEITO DE FAMILIA

Diante de profundas transformações históricas, sociais e culturais ocorridas durante o século XX, apromulgaçãoda Constituição de 1988 foi a medida aclamada pela sociedade brasileiraperante o novo contexto socialem que se encontrava. Elapromoveu um dos maiores avanços na democratização e no Direito de Família, trazendo uma nova visão deste grupo, agora fundado nos princípios da igualdade (CF art. 5º), dignidade da pessoa humana (CF art. 1º, III), solidariedade (CF art. 229) e do respeito, que são ao mesmo tempo os objetivos do Estado do brasileiro.Segundo Dias 1 (s.d., p. 2), foi essa a constituição que “patrocinou a maior reforma já ocorrida no Direito de Família.”.

Dedicando um capítulo para este ramo do Direito (Capítulo VII do Título VIII), o legislador se contrapôs ao modelo patriarcal, eliminou a desigualdade de direitos entre o homem e mulher na sociedade conjugal (CF art.226, § 5º), consolidando a plena capacidade da mulher garantida no Estatuto da Mulher Casada (lei 4.121/1962), reconheceu como entidade familiar a união estável e os direitos decorrentes do concubinato (CF art.226, § 3º), equiparou o direito dos filhos havidos no casamento ou fora dele, ou mesmo por adoção, vedando qualquer forma de distinção (CF 227, § 6º)(CUNHA, 2010).

Constatou-se com esta constituição que o modelo hierárquico de família cedeu espaço para uma nova concepção, desvinculada do casamento e mais preocupada com a preservação dos laços afetivos que as sustentam atualmente.Destaca-se como o principal pilar desta nova geração de famílias o art. 226, § 3º CF/88, pois a partir dele foi possível reconhecer juridicamente as diferentes formas de constituição familiar, alcançando a ideia de pluralidade de entidades.

Tendo em vista que hoje os modelos estão mais diversificados,já se tornou comum ver famílias formadas somente por um dos pais e os filhos, denominada de família monoparental; família formada apenas por irmãos; por avós e netos; por tios e sobrinhos; por casais homoafetivos com ou sem filhos, todas inseridas sob a tutela do Estado, como determina o caput do citado artigo: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”Logo, compreender-se que o Estado demonstrou estar mais preocupado em preservaro núcleofamiliar e encara-lacomo a base fundamental de formação da sociedade e, portanto, sendo necessário inclui-la no seu âmbito de proteção, sem discriminação, sem preconceitos:

A Constituição de 1988 realizou enorme progresso na conceituação e tutela da família. Não aboliu o casamento como forma ideal de regulamentação, mas também não marginalizou a família natural como realidade social digna de tutela jurídica. Assim, a família que realiza a função de célula provém do casamento, como a que resulta da “união estável entre o homem e a mulher” (art. 226, §3º), assim como a que se estabelece entre “qualquer dos pais e seus descendentes”, pouco importando a existência, ou não, de casamento entre os genitores (art. 226, §4º) (THEODORO JÚNIOR, H. apud GOMES, 1998, p. 34).

Em razão do art. 226, § 3º da constituição que trata da união estável, novos avanços foram dados e duas novas leis foram promulgadas: a Lei nº 8.971/94 - que dispõe sobre o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão - e a Lei nº 9.278/96 – que regula as relações formadas sem o ato solene do casamento os direitos garantidos constitucionalmente. Além dessas, a dissolução do vínculo conjugal, através do divórcio, também foi aprovada(FIUZA, 2007).

Com a Carta Magna de 1988, o Código Civil de 1916 já não mais se adequava aoordenamento jurídico e, tampouco à nova realidade social. Surgiu então, o atual Código Civil promulgado em 2002, instituído pela Lei 10.406/2002, cujo projeto estava previsto desde 1975, e por isso precisou passar por inúmeras alterações para adequar-se as diretrizes ditadas pela CF/88.Ele abarcou várias modalidades de famílias, estendendo direitos às formadas por vínculos sanguíneos, jurídicos e afetivos (DIAS, 2010).

Consoante a isso, Fiuza (2007, p. 946)explica:

Com a constituição de 1998, atentou-se para um fato importante: não existe apenas um modelo de família, como queriam crer o Código Civil de 1916 e a Igreja Católica. A ideia de família plural, que sempre foi uma realidade, passou a integrar a pauta jurídica constitucional e, portanto, de todo o sistema. Reconhecem-se hoje não só a família modelar do antigo Código, formada pelos pais e filhos, mas, além dela, a família monoparental, constituída pelos filhos e por um dos pais; a família fraterna, consistente na vida comum de dois ou mais irmãos; até mesmo as famílias simultâneas, dentre outras, são reconhecidas.

Ademais, consolidou o reconhecimento sem distinção dos filhos adotivos (CC art. 1596), da união estável (CC art. 1723), dos direitos advindos das relações concubinas (CC art. 1727), reafirmou a igualdade entre os cônjuges(CC 1.511) e atualizou a dissolução do vinculo conjugal, através da separação e do divórcio (CC art. 1.571, III e IV), ou seja, assegurou boa parte das mudanças trazidas pela Constituição Federal.

No entanto, ainda com todos estes avanços jurídicos, o novo Código Civil não conseguiu abranger todas as mudanças vistas como necessárias durante os noventa anos de vigência do antigo código. Tentou se adequar ao novo ordenamento jurídico, porém, preservou a estrutura do Código anterior como expõe Dias (2010, p. 32):

[...] é um código antigo com um novo texto. Tenta sem muito sucesso afeiçoar-se às profundas alterações por que passou a família do século XX. Talvez o grande ganho tenha sido excluir expressões e conceitos que causavam grande mal estar e não podiam conviver com a nova estrutura jurídica e a moderna conformação da sociedade. Foram sepultados todos os dispositivos que já eram letra morta e que retratavam ranços e preconceitos discriminatórios. Assim as referencias desigualitárias entre o homem e a mulher, as adjetivações da filiação, o regime dotal, etc.

Muito embora a autora cite os pontos vistos como carentes de regulamentação, ela não deixou de ressaltar o que foi melhorado:

Corrigiu alguns equívocos e incorporou orientações pacificadas pela jurisprudência, como não mais determinar compulsoriamente a exclusão do sobrenome do marido do nome da mulher. Na legislação pretérita, era obrigatória a perda do nome quando da conversão de separação em divórcio. O responsável pela separação não tinha direito a alimentos, mesmo que não tivesse meios de sobreviver. Em boa hora o Código baniu a única hipótese de pena de morte fora das exceções constitucionais, pois assegurou direito a alimentos mesmo ao cônjuge culpado pela separação (DIAS, 2010, p. 32, grifo do autor).

Entre pontos positivos e negativos, a CF/1988 conseguiu reconhecer as profundas transformações na sociedade e principalmente na instituição familiar, que ao longo da história teve suas origens baseada na consanguinidade, no matrimônio e nos preceitos religiosos que compunham um modelo de família rígido e imutável. O progresso mais notável e de suma importância social foi o reconhecimento do afeto como vínculo principal de formação da família que está presente diretamente na adoção e na união estável. Ao tratar da visão afetiva familiar, Mariano(2009, p. 5)expõe:

Modernamente, o afeto que se origina espontânea e profundamente, com significado de amizade autêntica, de reciprocidade profunda entre companheiros, vem sendo a principal motivação para o estabelecimento de uma união entre os seres humanos.

Juridicamente o afeto possuía pouca importância. Porém, como direito busca ser um reflexo do dinamismo social, o novo sistema jurídico não pode manter-se estático, tendo a constituição de 1988, elevado o afeto a direito fundamental.Esta é uma característica do chamado Estado Social, mais focado em participar de setores da vida privada, visando oferecer mais proteção ao cidadão (DIAS, 2010).

Sob este enfoque­­­­­­­ destaca Moreira(2009, p. 6):

O Estado Social, então, limita o poder econômico e tutela mais que os indivíduos, tutela o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente. O Estado passa a atuar justamente para fazer prevalecer o interesse coletivo, e possibilitar publicamente a afirmação da dignidade humana.

A palavraafetonão está expressa no texto constitucional, mas ganhou valor jurídico através do reconhecimento das uniões além do casamento, as famílias monoparentais, uniões estáveis, da adoção, uniões homoafetivas, relações que possuem como base mais do que a formalidade de um contrato, estão sustentadas sobre o afeto entre seus membros.Atualmente este é tratado como um direito individual, inato do ser humano, um sentimento presente em diversos tipos de relações humanas, uma liberdade que deve ser protegida pelo Estado, como expõe Dias(2010, p. 2):

A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal, no inc. III do art. 1º, consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.

Como mencionado pela autora, com a promulgação da Carta Magna de 1998 a família contemporânea passaa ser orientada por princípios, que entre os mais importantes, está o da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, III da CF. Por meio dele, acrescentou-se à família uma nova função, a de instrumento para a plena realização e desenvolvimento pessoal e afetivo dos seus integrantes. Proclama-se desta forma a concepção Eudemonista das famílias, compreendida como aquela onde a afetividade é o elemento essencial que constitui os vínculos interpessoais.

Entende-se por Eudemonismo, conforme o dicionário online Bem Falar, como a “doutrina que considera a busca de uma vida feliz, seja em âmbito individual seja coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade”.

Compartilhando deste entendimento, Dias (2010, p. 55) acrescenta: “O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade”.

Perante o exposto, compreende-se que a concepção eudemonista é a que melhor reflete a atual realidade das sociedades. Ocorreu uma repersonalização das famílias contemporâneas,constituídas por diversos arranjos, com o propósito de atender as necessidades pessoais do ser humano como amor, carinho,lealdade, respeito, a vontade de compartilhar projetos e de construir uma vida em comum.

A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor, de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca. No momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem a excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas (DIAS, 2010, p. 55).

Portanto, não há como delimitar as famíliasa um modelo padrão, pois o que as caracteriza atualmente é a presença dos elos de afetividade e de condições elementares para o desenvolvimento da personalidade e potencialidades dos seus membros, independente da maneira como se constituem. Daí provém a necessidade de proteção do Estado a todas as entidades, haja vista que são a base estruturante de formação do homem para a sociedade.

Realizada esta breve analise sobre a evolução familiar, segue-se ao estudo do instituto da adoção, com o objetivo de demonstrar a sua importância para a constituição das novas formas de família e o papel dos princípios constitucionais para a realização de direito aos casais homoafetivos.


2 ADOÇÃO NO BRASIL

Este capítulo abordará sobre o instituto da adoção, sua evolução histórica, o seu conceito, finalidade e requisitos legais. Discorrerá também acerca dos princípios constitucionais norteadores da adoção, destacando suas características e particularidades, conforme a Constituição Federal de 1988 e demais diplomas reguladores deste instituto.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGAL DA ADOÇÃO NO BRASIL

Diversos estudos relacionados à evolução histórica das civilizações demonstram que a prática da adoção já era encontrada em quase todas as culturas desde as mais pregressas, evoluindo com o passar do tempo. Encontram-se exemplos na fase pré-romana onde a adoção estava prevista no código de Hamurabi; entre os gregos, era um direito concedido somente aos cidadãos atenienses; no Direito Germânico estava ligada à perpetuação familiar ao pater poder. Deste modo, o instituto da adoção é considerado um dos mais antigos do Direito (SILVA JÚNIOR, 2010).

Quanto à situação no Brasil, o instituto da adoção integrou o ordenamento brasileiro por meio das influências do direito português, haja vista que grande parte das leis e regimentos aplicados no período imperial foi recepcionada pelo direito brasileiro após sua independência (BANDEIRA, 2001).

Neste sentido, discorre Ferreira e Carvalho:

O filho de criação é uma instituição mais antiga que o próprio Brasil, trazida ao País pelos primeiros colonizadores. Trata-se de uma herança da família patriarcal portuguesa, cuja influência ia além dos laços sanguíneos, abarcando toda uma cadeia de agregados e dependentes.

Ao longo dos séculos, o filho de criação tem sido um misto de agregado e serviçal (2000 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 29).

Após a independência, as leis portuguesas continuaram a vigorar no Brasil até o momento que foram substituídas por normas nacionais, fato que se concretizou com referência à adoção em meados de 1858 mediante a aprovação da Consolidação das Leis Civis elaborada por Teixeira de Freitas, que determinou aos juízes: “art. 227. Conceder cartas de legitimação aos filhos sacrílegos, adulterinos e incestuosos, e confirmar as adoções.”

Estas normas permaneceram no ordenamento brasileiro até a promulgação do Código Civil de 1916. Ele inseriu a adoção (arts. 368 a 378) e sobre ela firmou evidentes diferenças entre filhos naturais e adotivos. Como pressupostos, podiam adotar apenas os maiores de cinquenta anos, sem filhos legítimos ou legitimados e com diferença de no mínimo dezoito anos entre o adotante e o adotado (PEDROSO, 2010). Esta foi denominada de adoção simples e era concretizada por escritura pública.

Na opinião de Ferreira e Carvalho “O Código Civil de 1916, de certa forma, legitimou o conceito de filho de criação, pois estabeleceu diferenças claras entre filhos naturais e adotivos, especialmente no que se refere ao direito de herança” (2000, p. 142 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 30).

Segundo Venosa (2005, p. 302) “A Adoção no Código Civil de 1916, lei eminentemente patrimonial, visava proeminentemente a pessoa dos adotantes, ficando o adotando em segundo plano (...)”.

Mais adiante, em 1957, foi publicado o Estatuto de Adoção (Lei 3.133/57), cujo texto preservou muitas das terminologias discriminatórias presentes nas normas anteriores. Como mérito, eliminou a determinação de que somente casais sem filhos poderiam adotar, e concedeu ao adotando o direito sobre a sucessão hereditária, porém de forma diferenciada (PEDROSO, 2010).

A lei 4.655/65 estabeleceu a chamada legitimação adotiva, forma mais ampla da adoção. Equiparou os direitos e deveres entre os filhos naturais e adotivos, exceto em casos de sucessão hereditária e dispensou o prazo de cinco anos de casamento entre os adotantes. Apesar das modificações, a discriminação ainda era evidente. Com o advento do Código Civil de 1916 e da Lei 6.697/79 (o Código de Menores), foram criadas duas modalidades de adoção, a simples e a plena, respectivamente (SILVA JÚNIOR, 2010).

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, se alcançou a total igualdade de direitos entre filhos legítimos e adotivos. Ao tratar da Ordem Social, no Título VIII, Capítulo VII, Da família, do Adolescente e do Idoso (arts. 226 a 230) determinou-se no § 6º do art. 227 que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (grifo nosso).

Seguindo esta trilha originada pela CF/88 art. 227 caput e § 6º, criou-se a lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além de revogar expressamente o antigo Código de Menores e eliminar todas as diferenças entre filhos adotivos e biológicos, incorporou uma nova visão do instituto, no qual se definiu claramente que o objetivo da adoção é atender as reais necessidades, interesses e direitos da criança e do adolescente (ECA, art. 43).

Na visão de Santos:

Por muito o tempo o principal objetivo da adoção no Brasil foi atender aos interesses dos casais que não podiam ter filhos biológicos, deixando em segundo plano o interesse da criança. Isso fica claro quando se observa que até a lei de legitimação adotiva (1965), a legislação fazia distinção em matéria de herança, excluindo do direito de sucessão hereditária o filho adotivo (2000 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 31).

As modificações posteriores vieram através da lei 12.010/2009 que buscou resolver os impasses entre as disposições do Código Civil e do ECA, alterando a redação dos arts. 1.618 e 1619 do CC/2002. Desta forma, o ECA passou a regular de modo expresso a adoção de crianças e adolescentes e seus princípios se aplicam a adoção de pessoas maiores de dezoito anos de idade, regulada pelo CC, art. 1619.

Ressalta-se que, seja com enfoque no Código Civil, seja no ECA,  a adoção cumpre a importante função social de dá um lar à uma criança e que deve ser compreendida além das interpretações preconceituosas pertinentes.

2.2 CONCEITO E FINALIDADE DA ADOÇÃO

A conceituação de adoção acompanha todo o processo de evolução social, sendo um reflexo dos valores, crenças e padrões de comportamento construídos pelas sociedades. Como bem explica Ramos (2008, p. 24):

O instituto da adoção, presente nos ordenamentos jurídicos ao longo da história da humanidade, como já dito, e sendo instituto integrante do ramo do Direito, tem como característica primordial o acompanhamento e adequação à cultura e costumes de cada povo ou sociedade.

Tendo em vista todo o desenvolvimento histórico-social brasileiro, analisaremos o atual entendimento jurídico empregado sobre a adoção a partir dos conceitos apresentados a seguir.

Segundo Venosa (2005, p. 295):

 A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade [...]. A filiação natural ou biológica repousa sobre o vinculo de sangue, genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção moderna é, portanto, um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico (grifo nosso).

Depreende-se, como destacado na percepção de Venosa, a importância dada aos vínculos afetivos para concretização da filiação por meio da adoção, demonstrando que o conceito de filiação adotiva não pode estar reduzido a um mero vínculo jurídico. Isto se deve à valorização jurídica do afeto, consagrado a partir da Constituição Federal de 1988 que alterou profundamente o direito de família e a perspectiva sobre o instituto da adoção.

Neste enfoque, o autor Silva Júnior (2010, p. 104)elucida:

O conceito de filiação, devido à valorização jurídica do afeto, não está somente reduzido ao liame entre o ser humano e aqueles que os geraram biologicamente. Com a ampliação constitucional de que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmo direitos e qualificações” (CF/88, art. 227, § 6º), ampararam modos diversos de constituição do vínculo familiar [...]. Deste modo, tal instituto se apresenta como o vínculo legal que cria, à semelhança de filiação consanguínea, um parentesco, pelo valor do afeto (grifo do autor).

Na visão de Figueirêdo(2009, p. 28):

A adoção é a inclusão em uma nova família, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio de filiação de uma criança/adolescente cujos pais morreram, aderiram expressamente ao pedido, são desconhecidos ou mesmo não podem ou não querem assumir suas funções parentais, motivando a que a Autoridade Judiciária em processo regular lhes tenha decretado a perda do pátrio poder.

Diniz (2010, p. 522) define adoção como:

Ato jurídico solene pelo qual, observado os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

Acompanhando este entendimento, esclarece professor Wald:

A adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente. [...]. Mais feliz parece a definição proposta por Dusi quando apresenta a adoção com um ato jurídico solene em virtude do qual a vontade dos particulares, com a permissão da lei, cria, entre as pessoas naturalmente estranhas entre si, relações análogas à oriundas da filiação legítima (2005 apud RAMOS, 2008, p. 25).

Marmitt conceitua adoção como “ato jurídico bilateral, solene e complexo, através do qual criam-se relações análogas ou idênticas àquelas decorrentes da filiação legítima, um status semelhante ou igual entre filho biológico e adotivo.”(1993 apud FURLANETTO, 2006, p. 4).

E, por fim, Dias (2010, p. 476) afirma ser adoção: “ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial, criando um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica”.

Analisando os conceitos supracitados, nota-se que o conjunto de definições é amplo e aberto, não existindo um posicionamento dominante. Portanto, unindo os pontos em comum entre os conceitos apresentados e o contexto social hodierno, entende-se que a adoção é um ato jurídico solene, baseado na criação de vínculos afetivos e de responsabilidade entre adotantes e adotados, gerando uma relação de filiação e paternidade/maternidade para além dos vínculos biológicos, chamada de filiação civil. Trata-se de uma manifestação de vontade, condicionada à aprovação judicial, pois há requisitos estabelecidos por lei especifica e interesses do adotado que devem ser obedecidos, tais como:“A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos” (ECA, art. 43).

Do ponto de vista da legislação vigente, este instituto é tratado pela CF/88 no artigo 227, § 5º, regulado pelos artigos 39 a 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e o Código Civil artigo 1.618 (Lei 10.406/2002). É importante ressaltar que a adoção no Brasil foi reformulada pela Lei de adoção 12.010/09, este dispositivo, em conjunto ao ECA, trouxe mudanças significativas para este instituto, principalmente quanto à sua finalidade social.

No tocante à finalidade da adoção, observa-se com o advento do ECA e das modificações posteriores a ele, que ela inverteu-se, antes privilegiava-se o interesse e a vontade dos adotantes, atualmente a prioridade é oferecer um ambiente familiar favorável ao desenvolvimento de uma criança (princípio do melhor interesse da criança), assegurando a ela os mesmo direitos de um filho biológico, como determina o caput do art. 41 do ECA: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

Segundo Dias (2010, p.477) “A adoção significa muito mais a busca de uma família para uma criança. Foi abandonada a concepção tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e significava a busca de uma criança para uma família” (grifo do autor).

O instituto da adoção adquiriu caráter humanitário dos direitos, focado no bem-estar da criança/adolescente, que, por alguma razão, foi privada de sua família biológica, dando-lhe uma família substituta (ECA, art. 43) que possua o suporte emocional e financeiro necessários e, primordialmente, lhe ofereça um lar com amor, carinho, respeito, proteção que são condições indispensáveis para o desenvolvimento saudável de qualquer ser humano.

Torna-se, portanto, desnecessário questionar a forma de constituição da família substituta, visto que a CF/88 amparou as diversas possiblidades de vínculo familiar, sendo indiferente se esta for composta por casal heterossexual, monoparental ou homoafetiva, pois o que realmente se deseja com a adoção é inserir uma pessoa no seio familiar que apresente reais vantagens tanto para o adotante como para o adotado.

2.3 REQUISITOS LEGAIS PARA ADOÇÃO NO BRASIL

Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), foram estabelecidos requisitos e exigências indispensáveis para que haja deferimento do pedido de adoção. A promulgação da lei 12.010/09 tornou este processo mais rigoroso quanto a estas exigências, visando reforçar os laços na sua família natural ou extensa, como traçado no caput art. 25 do ECA e parágrafo único:

Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único: Entende por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formado por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Este artigo faz parte das alterações incluídas pela Lei de Adoção de 2009. A preocupação do legislador em manter a criança na sua família natural se deve por ser a adoção uma medida irrevogável, na qual se rompe os laços com a família biológica, logo, se trata de uma medida excepcional que deve ser utilizada somente quando findados todos os meios de manutenção da criança/adolescente na família natural (ECA, art. 39, § 1º).

Antes de apresentarmos os requisitos e exigências, vale salientar que as bases delineadoras do instituto da adoção encontram-se na constituição, portanto o princípio do melhor interesse da criança deve ser sempre aplicado, por força do art. 5º, § 2º da CF/88.

Posto isto, será indispensável para o deferimento do pedido de adoção o cumprimento dos seguintes requisitos, conforme a lei 8.069/90:

a) O adotando deve contar com, no máximo, 18 anos de idade à data do pedido, salvo se já estiver sob guarda ou tutela dos adotantes (art. 40): o instituto da adoção é regido por dois diplomas, o ECA e o Código Civil, o primeiro dispositivo aplica-se a adoções de crianças e adolescentes até 18 anos de idade, sendo o pedido julgado pelo Juizado da Infância e Juventude. Enquanto aos maiores de 18 anos, prevalece a aplicação do dispositivo civil subsidiado do ECA, conforme prevê a nova redação dada ao art. 1619/CC:

A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

A este processo judicial cabe a Vara de Família examinar.

b) Ser o adotante maior de 18 anos, independente do seu estado civil (art. 42): em observância maioridade civil de 18 anos alterada pelo Código de Civil de 2002, fixou-se também como sendo esta a idade mínima para a pessoa figurar como adotante. Casado ou vivendo em união estável (adoção conjunta ou cumulativa, art. 42, § 2º), divorciados ou separados (art. 42, § 4º), solteiro (família monoparental), é indiferente o estado civil que se encontre o adotante.

c)Diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotado (art. 42, § 3º): o adotante deve ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho em relação ao adotando, pois como explicita Diniz (2010, p. 529) “não se poderia conceber um filho de idade igual ou superior à do pai, ou mãe, por ser imprescindível que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar cabalmente o exercício do poder familiar”. Caso a adoção for feita por um casal, é necessário apenas que um dos cônjuges ou conviventes seja 16 anos mais velho que o adotando.

d) Consentimento do adotante, adotado, de seus pais ou de seu representante legal (art. 45, caput e CC, art. 1.621, caput): enquanto os pais biológicos possuírem o poder familiar, é fundamental o consentimento deles. Somente é dispensado o consentimento caso os pais do adotando forem desconhecidos ou já destituídos do poder familiar (art. 45, § 1º). Consente pelo adotado seu representante legal (pai, tutor ou curador) quando este for menor de 12 anos ou maior incapaz. Na hipótese do adotando ser maior de 12 anos, será necessário também, além do consenso dos seus pais, o seu consenso (art. 45, § 2º).

Neste sentido, determina a lei 8.069/90:

Art. 28, § 1º. Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. 

O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção (Lei nº 8.069/90, art. 166, § 5º, com redação da Lei nº 12.010/09).

e) Intervenção judicial na sua criação (art. 47): a adoção é um ato jurídico solene, subordinado à apreciação do juiz, por meio do processo judicial, com a mediação do Ministério público, inclusive em caso de adoção de maiores de 18 anos.

A participação do Ministério Público no processo de adoção é essencial, pois auxilia na busca do ambiente familiar mais adequado aos interesses do menor. Na visão de Figueirêdo (2009, p. 79): “Só a leitura atenta e personalizada de cada pretensão pela equipe técnica, Promotor de Justiça e Juiz da Infância é capaz de assegurar a boa aplicação da Lei ao caso concreto”.

Além dos requisitos específicos, para requerer o pedido de adoção exige-se, conforme o art. 165 da Lei 8.069/90:

I - qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste;

II - indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo;

III - qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos;

IV - indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão;

V - declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Parágrafo único. Em se tratando de adoção, observar-se-ão também os requisitos específicos.

Consoante ao excerto Diniz (2010, p. 537) afirma “[...] a adoção só se consuma com o assento da sentença constitutiva, que se perfaz com a sua averbação à margem do registro de nascimento do adotado (Lei n. 6.015/73, arts. 29, § 1º, e, 105), efetuada à vista da petição acompanhada da decisão judicial.”

Ademais, a lei 12.010/09 manteve o impedimento da adoção por procuração (art. 39, § 2º).

f) Irrevogabilidade (art. 39, § 1º): como já dito inicialmente, a adoção é um ato irreversível, pois insere definitivamente o adotando no seio da família substituta, isto é, cessam-se todos os vínculos com a família biológica transferindo o poder familiar para os adotantes. Desta forma, os genitores não poderão mais exigir noticias da criança ou adolescente, nem mesmo quando este alcançar a maior idade ou o adotante morrer (art. 49).

g) Estágio de convivência com adotando: é o período de convivência necessário para a aproximação afetiva entre a criança/adolescente e o adotante e também para investigação do ambiente do familiar, além da convicção pela adoção, visto ser irrevogável. Este período de convívio é fixado pelo juiz, conforme as características de cada caso: “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.” (art. 46).

É extremamente importante este estágio bem como o seu acompanhamento pela chamada equipe interprofissional, formada por psicólogos e assistentes sociais que, por meio de laudos/pareceres, avaliam se há preparo ou despreparo para a maternidade/paternidade, como determina a redação da lei 12.010/2009, art. 197-C:

Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei.

Consoante a isso, Silva Júnior (2010, p. 117)expõe:

A verdade é que os pareceres e pontos de vista técnicos (ECA, art. 151) da equipe interprofissional são imprescindíveis no processo de adoção, pois, pelo estudo psicossocial, há a sondagem e posicionamentos, por exemplo, sobre as estruturas subjetiva e objetiva da família substituta – mono ou biparental –, que poderá acolher a criança/adolescente em caráter irrevogável(grifo do autor).

O resultado desses estudos são extremamente importantes para a formação do convencimento do magistrado sobre a escolha da melhor pessoa ou casal para exercer as funções familiares.

Apesar disso, o § 1º do art. 46 do ECA expressa  a hipótese de dispensa do estágio de convivência, “se o adotante já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a convivência da constituição do vínculo”. Vale ressaltar que, a simples guarda de fato não autoriza a dispensa da realização do estágio de convivência.

h)Acordo sobre guarda e regime de visitas (art. 42, § 4º): trata-se do acordo realizado entre ex-companheiros divorciados ou separados que pretendam adotar conjuntamente, pessoa que com eles conviveu durante a constância do casamento ou da união estável, desde que, comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com o não detentor da guarda e façam acordo sobre o regime do direito de visitas assegurando, assim, a continuidade da convivência familiar.

i) Comprovação de estabilidade familiar (art. 42, § 2º): segundo Silva Júnior (2010, p. 119), “refere-se ao conjunto de elementos objetivos e subjetivos que formam uma base afetiva sólida ou o já referido ambiente familiar adequado ao equilibrado desenvolvimento do adotando”.

A análise do ambiente familiar mais adequado é realizada pela equipe interprofissional através do estudo psicossocial dos adotantes, aplicada aos casados ou conviventes. O ECA define apenas um critério objetivo do que seja um ambiente familiar inadequado: a presença de pessoas dependentes de álcool e drogas (art.19). Porém, a avaliação é mais ampla, os outros elementos estão relacionados à estrutura emocional, comportamento moral dos adotantes, responsabilidades afetivas e materiais. “A estabilidade familiar está ligada à vários fatores, desde um ambiente equilibrado emocionalmente (...), até a verificação da possibilidade do adotante em prover o sustento e os demais deveres que lhe cabem” (MOOR, 2001, p. 148 apud SILVA JÚNIOR, 2010, p. 119).

Na constituição de uma nova família é fundamental proporcionar para as crianças/adolescentes que já sofreram uma ruptura afetiva anterior, um ambiente acolhedor e favorecedor do estabelecimento de novos vínculos amorosos.

Assim sendo, em observância ao princípio da proteção integral da criança/adolescente, só se permitirá a adoção que satisfizer os requisitos legais e oferecer ambiente familiar adequado (arts. 29 e 50, § 2º) e quando se apresentarem reais vantagens para o adotando (art.43).

Por fim, vistos todos os requisitos necessários para a adoção, é importante ressaltar, em razão do foco temático deste estudo, que nenhuma das referidas leis, ECA, Código Civil e a Lei 12.010/2009, dispõem de alguma forma de proibição ou vedação do pedido de adoção por par homossexual, ou seja, não há previsão legal. No entanto, a postura da jurisprudência já aponta um caminho no sentido da viabilidade da adoção por casais homoafetivos. Esta é uma tendência inevitável, diante deste ordenamento jurídico baseado no princípio constitucional que veda a discriminação de qualquer natureza e em razão do sexo, além dos demais princípios igualmente importantes e que abordaremos adiante.

2.4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM A ADOÇÃO

Antes de adentrar-se ao estudo de cada princípio constitucional, se faz necessário realizar a devida conceituação do que é princípio para o direito, explorando a visão de alguns autores e frisando a sua importância para ordenamento jurídico.

Juridicamente, compreende-se por princípio, segundo Bonavides (2006, p. 294) como, “[...] a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição”. Já no sentido etimológico, de acordo com a definição do Dicionário Informal, entende-se como o início, começo, aquilo que vem antes.

Para Plácido e Silva (2001, p. 639):

Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa [...] revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica [...] mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas [...] significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.

Assim sendo, depreende-se dos conceitos citados que os princípios são o alicerce de todo ordenamento jurídico, consagrados a partir da Carta Magna de 1988. Esta nova constituição adotou o modelo de supremacia da norma constitucional provocando significativa mudança na maneira de interpretar as leis, cuja eficácia e validade passaram a estar condicionadas à devida adequação da norma aos preceitos ditados pela lei maior.

Como explica Moraes:

A supremacia das Normas Constitucionais no Ordenamento Jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo Poder Público competente, exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico seja sempre concedida preferencia ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal (2000 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 68).

Portanto, foi atribuído aos princípios constitucionais a função de direcionar todo o sistema jurídico, tornando-se o suporte axiológico, a regra principal a ser invocada em qualquer processo hermenêutico, isto é, são as portas de entrada para qualquer leitura interpretativa, aplicada a todos os ramos do Direito inclusive sobre as normas relacionadas ao Direito de Família. É neste ramo onde mais se sente o reflexo dos princípios e nele focar por ter como parte integrante o instituto da adoção.

Dito isto, entre princípios implícitos e explícitos, destacou-se apenas alguns por considerá-los mais importantes para o estudo deste tema.

2.4.1Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Dentre os princípios mais importantes de nossa Carta Magna aplicáveis à adoção, destaca-se, já no primeiro artigo da Constituição, como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (CF art. 1º, III).

Para fins de conceituação, é interessante o entendimento de Moraes (2012, p. 19):

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais [...].

Dias (2010, p. 62) leciona:

É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito [...]. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se podem elencar de antemão. Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão exclusivamente intelectual e, como todos os outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos.

Tendo em vista a diversidade de sentidos, conceituar dignidade humana é uma tarefa difícil. No entanto, baseando-se nos conceitos citados, pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana refere-se a valores fundamentais intrínsecos em cada ser humano, que incide tanto no seu aspecto material como no emocional, acompanhando-o durante toda a vida, pois faz parte da essência humana. Este princípio assegura a todos contra tratamentos desumanos e degradantes que possam vir a comprometer as condições mínimas para uma vida saudável. Além de promover a autodeterminação de cada pessoa, no que diz respeito ao desenvolvimento da liberdade para pensar, se expressar e tomar decisões essências a própria existência.

Desse modo, este é considerado o princípio mais universal de todos, pois através dele irradiam todos os demais, como o da liberdade, cidadania, igualdade e solidariedade, como afirma Coimbra:

A dignidade humana inscreve-se como um metavalor, um valor dos valores, do qual irradiam outros valores e princípios, inspirando e orientando a substância e o espírito não só da ordem constitucional como de todos os âmbitos do Direito e de todas as esferas da vida social (2005 apud RAMOS, 2008, p. 49).

Em relação ao direito de família, o princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligado, sendo citado em diversos dispositivos constitucionais, conforme se observa em relação à criança /adolescente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifo nosso).

É no seio familiar que este princípio encontra o solo apropriado para surgir e se efetivar. A constituição atribuiu à entidade familiar, especial proteção independente de como se constitui, uma vez que objetiva preservar as qualidades mais importantes entre seus membros, como o afeto, carinho, respeito, solidariedade, confiança que são a base para o desenvolvimento pessoal e social de cada componente.

Constituir núcleo familiar é um direito de todos e exercer livremente a afetividade e sexualidade é um traço subjetivo da personalidade humana, logo, a orientação sexual não pode servir como justificativa para a não concessão do pedido de adoção, pois desta forma o Estado fere profundamente a dignidade existente na união homoafetiva. Além de atentar também contra o direito do menor de ingressar em uma familiar legalmente apta e que lhe ofereça toda a estrutura emocional e material necessário ao seu pleno desenvolvimento.

Por conseguinte, não há razão para indeferir o pedido de adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos, se estes atenderem aos requisitos legais e oferecerem um ambiente familiar adequado, fato que independe da orientação sexual. Assim, o Estado tem o dever de promover meios que garantam o cumprimento deste principio a todos.

2.4.2    Princípio da Igualdade

Fruto de um longo processo de redemocratização do Estado brasileiro, o princípio da igualdade representa um grande avanço perante o histórico discriminatório das leis anteriores. A Constituição Federal de 1988, já em seu preâmbulo, cita a igualdade como um de seus principais objetivos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valoressupremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifo nosso).

Esta igualdade adotada pela constituição deve ser compreendida de duas formas, a igualdade de direitos na lei (igualdade material) e perante a lei (igualdade formal). A primeira consiste em oferecer aos seres, que se encontrem em uma mesma categoria, idêntico tratamento, no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades segundo a sua necessidade. Está ligada à ideia de justiça social e distributiva. Além de promover estratégias de inclusão das minorias, vulneráveis, ou seja, visa garantir a concretização real deste princípio.

Quanto à segunda, igualdade formal, refere-se a um tratamento uniforme de todos perante os textos legais. Consiste em um dever do legislador, que ao editar leis ou qualquer outro ato normativo, os faça sem impor distinções absurdas contra aqueles que se encontrem em situações idênticas. Assim disciplina a CF art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (grifo nosso).

 O mencionado artigo consagrou o princípio da igualdade e vedou toda e qualquer forma de discriminação, "[...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições [...]” (PIOVESAN; PIOVESAN L.; SATO apud SILVA, 2010, p. 17).

Proibiu a discriminação com base no sexo, raça, credo religioso, trabalho e convicções políticas, conforme afirma o art. 3º, IV, CF que dispõe dos objetivos fundamentais da República Federativa: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Além desses, a CF/88 acolhe expressamente o referido princípio em outros dispositivos e alcançou também o direito de família quando declarou a igualdade de direitos entre homens e mulheres (CF art. 5º, I), a igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal (CF art. 226, § 5º), a igualdade de filiação (CF art. 227, § 6º), entre outros.

Vale esclarecer que a CF/88 veda as discriminações arbitrárias, sem fundamento, como explica Moraes (2012, p. 35):

[...] o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça [...].

Deste modo, para que as diferenciações normativas possam ser aceitas em consonância com o ordenamento jurídico, torna-se imprescindível que exista uma justificativa plausível e proporcional em relação ao fim visado.

Neste sentido, voltando-se ao foco deste estudo, entende-se que a negação ao direito de adoção com base unicamente na orientação sexual dos indivíduos, não é razoável, pois se funda em um critério discriminador e incompatível com os direitos garantidos constitucionalmente, bem como viola claramente o princípio da igualdade.

2.4.3        Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança

O Estado consagrou como um dos direitos fundamentais da criança/adolescente, o princípio da proteção integral, inserido pelo art. 227 da CF/88:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso).

A necessidade de proclamar a proteção especial à criança/adolescente se deve por serem considerados seres de maior vulnerabilidade e fragilidade, e ainda por se encontrarem em um estágio de desenvolvimento físico e mental. Logo, precisam de cuidados especiais e da proteção legal, consoante a isso, Mendes (2007 p. 3) afirma que:

A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento implica, primeiramente, o reconhecimento de que a criança e o adolescente não conhecem inteiramente os seus direitos, não têm condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes, principalmente as crianças, de suprir, por si mesmas, as suas necessidades básicas.

Em razão disso, a carta constitucional incorporou vários dispositivos asseguradores deste princípio, delegando à família, à sociedade e ao Estado a função de respeitá-los, defendê-los e promovê-los. Em cumprimento desta obrigação, o Estado fomenta programas de assistência integral à saúde da criança/adolescente, integração social, acesso ao trabalho, à escola entre outros meios utilizados.

Ademais, no âmbito familiar, a constituição vedou as referências discriminatórias entre os filhos (CF art. 227, § 6º), assim esta deve oferecer igualmente aos filhos biológicos e adotivos, um ambiente familiar adequado, do ponto de vista material, emocional e mais do que isso:

É necessária a compreensão dos seus desejos, a possibilidade de estabelecer vínculos afetivos estáveis, o fortalecimento da autoestima e autoconfiança, o estímulo ao convivo social, à comunicação e ao dialogo aberto(PERES, 2006 apud SILVA, 2007, p. 15).

Consolidando este princípio, promulgou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Em consonância aos preceitos constitucionais, assegurou o princípio do melhor interesse da criança/adolescente (art. 27) e da proteção integral (art. 3º), dessa feita “visando a conduzir o menor à maioridade de forma responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais.” (DIAS, 2010, p. 68).

Neste sentido, o princípio da proteção integral à criança/adolescente, aliado aos princípios da dignidade e igualdade, dá total respaldo jurídico à possibilidade de adoção por família homoafetiva, haja vista ser possível a ela atender às necessidades básicas da criança/adolescente. Todavia, o deferimento ou não do pedido dependerá da decisão subjetiva de cada juiz que, analisando os estudos realizados pela equipe interprofissional, definirá quem possui as condições que melhor se adéquem às características e interesses do menor.

O fato da decisão a favor ou não da adoção basear-se estritamente no convencimento de cada juiz, ocasiona um problema na prática, pois o magistrado traz suas experiências e valores éticos que muitas vezes consideram a homossexualidade um qualificador negativo.

Entretanto, o que deve prevalecer como critérios mais importantes, são as características pessoais dos adotantes, o vínculo afetivo criado com o adotando, a capacidade de prover suas necessidades materiais, emocionais, intelectuais, e dessa forma, favorecer um desenvolvimento moral, social e psíquico saudável. Assim, somados todos os aspectos citados acima, entende-se que constituir um ambiente familiar adequado é prerrogativa que pode estar presente em casais heterossexuais e homossexuais, tendo em vista que a orientação sexual em nada impede que o casal exerça satisfatoriamente a função de pai e/ou mãe. Tais fatores somente podem ser constatados através da sondagem da equipe interprofissional.

Por fim, dificultar ou impedir a adoção, com base exclusivamente na orientação sexual dos adotantes, representa uma afronta ao princípio em questão, uma vez que nega a crianças e adolescentes abandonados pelos pais, o direito fundamental de usufruir de uma vida familiar.

2.4.4        Princípio da Afetividade

As inúmeras transformações socioculturais por que passa a sociedade interferem diretamente dentro do núcleo familiar, alterando toda a dinâmica entre seus membros. Em razão disso, a família passou a ser vista como o núcleo de desenvolvimento pessoal e de realização afetiva dos indivíduos. Dessa forma, visto a crescente tendência social de criar vínculos com base predominantemente no afeto, o Estado incluiu no rol de direitos individuais e sociais o afeto. Consagrou-se assim o princípio da afetividade do direito de família (MARIANO, 2010).

Embora a CF/88 tenha inserido o afeto no âmbito de sua proteção, a palavra afeto não está expressa no texto constitucional. No entanto, este princípio encontra-se implícito em vários artigos da lei maior, sendo observado no reconhecimento jurídico das uniões estáveis (CF art. 226, § 3.º), que se constituem sem o elo matrimonial e estão baseadas na afetividade.

Igualmente, é possível identificar este princípio no direito a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF art. 227, § 6º); a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF art. 227, §§ 5º e 6º); a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF art. 226, § 4º); e o direito a convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF art. 227).

Admite-se que o afeto é um fator determinante na composição das famílias atuais, não é somente um laço que envolve seus integrantes, assim como não é uma simples escolha ou opção, não pode ser imposto, pois se trata de um traço naturalmente desenvolvido na personalidade humana, cultivado ao longo da convivência entre as pessoas envolvidas. Portanto, este princípio, visa proteger as relações afetivas, do modo que estas sejam exercidas de forma livre e que promova a felicidade do viver em comum (SILVA JÚNIOR, 2010).

A valorização do afeto transformou a concepção de família, “despontaram novos modelos de família mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas a regra e mais ao desejo” (DIAS, 2010, p. 71).

 Inseridas neste processo de valorização dos vínculos baseados sobre o afeto, estão as relações homoafetivas, reconhecidas recentemente pelo STF como entidade familiar. Este ponto será melhor trabalho no próximo capítulo o que é necessário ressaltar neste momento é a presença da afetividade nessas uniões que as coloca em patamar de igualdade em relação às demais entidades, por isso não sendo menos digna de tutela jurídica.

Portanto, o indeferimento da adoção à família homoafetiva, fere claramente o princípio da afetividade, pois a livre orientação do afeto é um traço inerente da personalidade humana e um direito fundamental protegido pelos princípios constitucionais e que deve ser respeitado. Ademais, como já mencionado, a “união homossexual possui o status constitucional de família e em decorrência disto seus integrantes têm o direito de exercer a paternidade/maternidade através da adoção de crianças e adolescentes.” (SILVA, 2010, p. 23).

Encerrada a abordagem do segundo capítulo, segue-se ao estudo do foco temático desde trabalho, a adoção homoafetiva, partindo da decisão do STF e sua importância para a possiblidade de reconhecimento da adoção por pessoas do mesmo sexo.


3ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Este terceiro capítulo trabalhará o tema central desta monografia, sendo que, primeiramente, discorrerá acerca da união estável homoafetiva. Ao final, apresentará brevemente algumas decisões jurisprudenciais relacionadas à adoção homoafetiva.

3.1 UNIÃO HOMOAFETIVA

Antes de adentrar-se ao foco temático deste trabalho, para melhor compreensão do mesmo, é necessário trazermos alguns esclarecimentos sobre a união homoafetiva, visto ser este o possível núcleo familiar beneficiado pela adoção.

Conforme abordado no primeiro capítulo desta monografia, a sociedade hodierna passa por um progresso de rearranjo do núcleo familiar, sendo o afeto o principal sustentáculo dessas novas entidades. Consequente a isso, o advento da CF/88 inseriu uma nova concepção de família no direito brasileiro, reconhecendo diversas formas de constituição familiar. Encontra-se entre uma das alterações mais importantes o reconhecimento da união estável como família legítima (CF art. 226, § 3º).

Embora já existentes, essas uniões por muito tempo foram repudiadas e ficaram à margem da tutela do Estado, não sendo aceitas como família. Apesar dos avanços sociais e jurídicos significativos, ainda existem muitas barreiras e muito preconceito quando a união envolve pessoas do mesmo sexo. Do mesmo modo que as uniões estáveis em determinada época foram discriminadas, está ocorrendo o mesmo com as uniões homoafetivas na atualidade (DIAS, 2010).

Observa-se que nos últimos anos, há uma grande tendência entre os homossexuais em assumirem publicamente seus relacionamentos de caráter duradouro, informal, nos quais compartilham um mesmo lar, dividindo os mesmos objetivos e demonstrando interesse em constituir uma família. Vale salientar que em muitos desses lares já existem filhos biológicos. Dessa forma não resta dúvida que estas relações sejam configuradas como familiares e que geram direitos e obrigações entre seus companheiros, tais como o direito a alimentos, partilha de bens entre outros (MARIANO, 2009).

O entendimento comumente empregado, sobre união estável, pressupõe que, para sua existência, se faz necessário preencher certos aspectos, considerando-se, em síntese, manter um relacionamento de vínculo afetivo, duradouro, público e contínuo, constituindo um núcleo familiar sem as formalidades presentes no casamento. Constata-se que o instituto da união estável em tudo se assemelha à união homoafetiva, exceto quanto à orientação sexual dos companheiros. (PENNO, 2010).

Apesar disso, as semelhanças não foram suficientes para o reconhecimento jurídico dessas entidades, pois o artigo 226, § 3º estabelece que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (grifo nosso). Não expressando nada em relação às uniões homofetivas, o legislador deixou a norma aberta a várias divergências interpretativas quanto a sua aplicação ou não a estas uniões.

No entendimento da desembargadora Dias(2010, p. 198), a união estável, estabelecida pela CF/88, deve ser interpretada como:

cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexo, atendem a tais requisitos. Têm origem em um vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a merecer a tutela legal (grifo do autor).

E conclui:

A interpretação e uma norma ampla não pode suprimir e seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. A referência constitucional é norma de inclusão, que não permite deixar ao desabrigo do conceito de família – que dispõe de um conceito plural – a entidade familiar homoafetiva. (ibidem, p. 198-199).

A autora interpreta o artigo 226, §3º de forma mais abrangente, pois compreende que a conceituação de família de acordo com a Constituição Federal, não limita sua formação à casais heteroafetivos, à formalidade cartórica ou a celebração civil, ou seja, é plenamente possível estender este direito à casais homoafetivos.

Em consonância a este posicionamento Silva Júnior (2010, p. 96) elucida:

A constituição se caracteriza pela abertura e amplitude (HESSE, 1998, p. 39) permitindo a interpretação como concretização. Assim, o que não se verifica, de forma clara como conteúdo constitucional literal, mediante a adequação a realidade social de cuja ordenação se trata. No que tange à união homoafetiva, como entidade familiar implicitamente tutelada pela constituição, no art. 226 (caput, §§ 4º, 8º), Lôbo (2002, p. 48-49) afirma, com propriedade salutar, que o intérprete se encontra “obrigado à inclusão, em seu âmbito normativo, dos elementos de concretização que permitam a solução (...). a discriminação é apenas admitida quando expressamente prevista na constituição. Se ela não discrimina, o intérprete ou o legislador infraconstitucional não o podem fazer”(grifo do autor).

Ademais, considerando a importância dos princípios constitucionais em nosso sistema jurídico:

A interpretação do artigo 226, da Constituição Federal, deve ser feita de forma extensiva, em conjunto com os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e da não discriminação. A exclusão que muitos entendem existir, no que tange às uniões homoafetivas, não advém dos artigos da Carta Magna, uma vez que o que não está proibido está permitido (STINGELIN, 2012, p. 10).

Silva Júnior e Stingelin, bem como fez Dias, ressaltaram a importância da intepretação em conformidade com a constituição, pois além de não violar as barreiras da constitucionalidade normativa, se adequam a nova realidade social, mesmo não existindo previsão legal, os princípios constitucionais não impedem a adoção por casais homoafetivos.

Neste mesmo sentido, extrai-se:

[...] a Carta Política reconheceu a, também, outrora relegada, união estável como entidade familiar. Todavia ao se ler o dispositivo constitucional, depreende-se que a união estável é recomendada apenas entre homem e mulher, não sendo atribuída em interpretação literal, à relação entre pessoas do mesmo sexo.

Contudo, ressalta-se que a lei deve ser interpretada em sintonia com as demais normas constitucionais, principalmente os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, sem preconceito nem discriminação. (IDEF, 2009, p. 74).

Tendo em vista todos os fundamentos favorecedores ao reconhecimento da união homoafetiva, muitos casais passaram a recorrer ao sistema judiciário para a legitimação desse direito. Em muitos casos a justiça rejeitou a prestação jurisdicional a várias ações justificando a ausência de regulamentação. Entretanto, haja vista os princípios mencionados, timidamente, a justiça brasileira foi julgando os recursos e cedendo espaço ao reconhecimento desse direito.

Assim, em sintonia com a realidade, o Supremo Tribunal Federal - SFT se manifestou, em decisão inédita e com unanimidade, finalmente equiparou a união estável homossexual à heterossexual, como pode ser visto abaixo:

INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "INTERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de "interpretação conforme à Constituição". Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva (Anexo A - ADI 4277 e a ADPF 132).

Em outro trecho determinou:

O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de "promover o bem de todos". Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana "norma geral negativa", segundo a qual "o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido" (Anexo A - ADI 4277 e a ADPF 132).

Esta decisão confirmou que as entidades familiares expressas no artigo 226 são meramente exemplificativas, bem como não há indicação de que o rol da previsão constitucional seja taxativo, assim nenhuma entidade familiar pode ficar a mercê da proteção constitucional.

Apropriando-se das palavras de Moraes(2012, p. 40), entende-se que:

O Supremo Tribunal Federal entendeu que o texto constitucional proíbe expressamente o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre homens e mulheres, afirmando a existência de isonomia entre os sexos, que se caracteriza pela garantia de “não sofre discriminação pelo fato em si contraposta conformação anátoma-fisiológica e de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; além de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo ou não”.

Conclui-se que a partir dessa decisão as uniões homoafetivas devem seguir as mesmas regras e com idênticas consequências da união heteroafetiva, firmando que o dispositivo constitucional trata-se de uma norma de inclusão.

Com esta decisão, o STF devolveu aos homossexuais a condição completa do ser humano, reconhecendo direitos e garantias fundamentais que até então lhe haviam sido negados. Na prática, o tribunal reconheceu “a parceria homoafetiva como uma das modalidades de entidade familiar” (STF – RE 477554/MG – Rel. Min. Celso de Mello), ou seja, é um núcleo familiar como qualquer outro. Neste sentido, poderá pleitear direitos como: pensão, herança, regulamentação da comunhão de bens, previdência, além de poder viabilizar o direito à adoção. Vale ressaltar que esta decisão não é equivalente à uma lei, o artigo 226 da CF/88 estabelece a união estável heterossexual como entidade familiar. O Supremo apenas estendeu este reconhecimento aos casais homoafetivos.

Por conseguinte, com a união homoafetiva consagrada como entidade familiar, não se pode mais conceber que situações de fato, como a adoção por casais homoafetivos, fiquem à margem do ordenamento jurídico, sob pena de completo desamparo legal.

3.2A POSSIBILIDADE JURÍDICA DE ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS

Chega-se neste momento ao ponto de discussão principal desta monografia: a possibilidade jurídica de adoção por casais homoafetivos. Este é um tema cercado de polêmicas, porém, apesar de já ser realizada, continua gerando muitas incertezas e divergências na doutrina e na jurisprudência.

Em razão disso, é importante elucidar que ainda existem muitos posicionamentos contrários quanto a este assunto, não só de pessoas do âmbito jurídico, mas também de psicólogos, assistentes sociais e outros especialistas em campos antagônicos. Os defensores desta corrente contrária argumentam que a concessão de adoção a pessoas do mesmo sexo pode ocasionar danos ao desenvolvimento psíquico da criança, pois:

[...] o adotado teria um referencial desvirtuado do papel de pai e de mãe, além de problemas sociais de convivência em razão do preconceito, condenação e represália por parte de terceiros, acarretando um risco ao bem-estar psicológico do adotado que não se pode ignorar. (BRITO, 2000, p. 55 apud RODRIGUES, 2008, p. 5).

Os demais doutrinadores que acompanham este raciocínio citam também que o convívio poderá influenciar a orientação sexual do adotado, que a união não se caracteriza como entidade familiar e que além disso, possuem tendência à promiscuidade, violência e ao uso de drogas.

Depreende-se que, tais posicionamentos, além de preconceituosos, não possuem qualquer respaldo científico, visto que:

 [...] não há pesquisas cientificas atestando que a orientação sexual dos pais faz diferença significativa na educação de crianças e adolescentes. Ao contrário, os estudos que existem nessa esteira apontam, além da negativa a tal hipótese (interferência da orientação sexual dos pais na dos filhos) a relevância do afeto e da estrutura emocional, como os elementos indispensáveis e preponderantes ao pleno ou saudável desenvolvimento da prole. [...] Por que razão, o temor exagerado de deferimento da adoção (e, pois, da futura educação) de criança/adolescente, a um casal do mesmo sexo, justificada pela possibilidade de a prole se tornar homossexual – como se a orientação sexual fosse um processo de simples “torna-se. (SILVA JÚNIOR, 2010, p. 124).

Percebe-se também uma generalização da violência e do uso de drogas por homossexuais, no entanto, a realidade social nos demonstra que esse é um problema que independe da orientação sexual do indivíduo.

 Importante suscitar as pesquisas mencionadas por Silva Júnior, cujos resultados atestaram não haver prejuízo quanto à criação de crianças/adolescentes por casais homosexuais:

SAMUELS (1990) destaca que, mais importante do que a orientação sexual dos pais adotivos, o aspecto principal é a habilidade dos pais em proporcionar para a criança um ambiente carinhoso, educativo e estável.

MCINTYRE (1994) faz uma análise acerca de pais e mães homossexuais e o sistema legal de custódia. Este autor afirma que a pesquisa sobre crianças serem criadas por pais homossexuais documenta que pais do mesmo sexo são tão efetivos quanto casais tradicionais.

PATTERSON (1997) escreveu um artigo sobre relações de pais e mães homossexuais e analisou as evidências da influência na identidade sexual, desenvolvimento pessoal e relacionamento social em crianças adotadas. A autora examinou o ajustamento de crianças de 4 a 9 anos de idade criados por mães homossexuais (mães biológicas e adotivas) e os resultados mostram que tanto os níveis de ajustamento maternal quanto a auto estima, desenvolvimento social e pessoal das crianças são compatíveis com crianças criadas por uma casal tradicional (2010, p.136-137).

Pesquisas mais recentes também apresentaram resultados semelhantes:

Insituto de Pesquisas Familiares da Universidade de Bamberg, Marina Rupp, encarregada do estudo realizado por encomenda do Ministério da Justiça -Segundo a pesquisa representativa, na qual foram entrevistadas 700 crianças e seus pais, tanto o desenvolvimento da personalidade como o escolar e o profissional podem transcorrer de forma tão positiva quanto entre os filhos de uniões heterossexuais. Tampouco foi registrada uma maior tendência à depressão. Entre os filhos, 53% afirmaram não ser discriminados devido à orientação sexual de seus pais e mães, o que foi confirmado por 63% dos responsáveis entrevistados. Quando ocorre, a discriminação se limita a atos de implicância e insultos. "As crianças se desenvolvem tão bem com dois pais ou duas mães quanto em outras formações familiares", declarou Zypries (Ministra Alemã) (RIMON, 2009, p.1).

Portanto, não há que se falar em prejuízo ao desenvolvimento saudável do adotado, inclusive quanto à conduta afetivo-sexual. É preciso ter em mente que tanto homossexuais quanto heterossexuais podem ter condutas que agridam a formação moral, psicológica e social do adotando, devendo ambos serem previamente investigados de maneira indistinta.

Identificado os pontos psicológicos favoráveis, passemos à análise dos fundamentos dos demais doutrinadores que compreendem ser viável à adoção homoafetiva.

Primeiramente, destaca-se os argumentos da desembargadora Maria Berenice Dias(2004, p. 3).

A maior visibilidade e melhor aceitabilidade das famílias homoafetivas tornam impositivo o estabelecimento do vínculo jurídico paterno-filial com ambos os genitores, ainda que sejam dois pais ou duas mães. Vetar a possibilidade de juridicizar essa realidade só traz prejuízo ao filho, que não terá qualquer direito com relação a quem exerce o poder familiar, isto é, desempenha a função de pai ou de mãe. Presentes todos os requisitos para o reconhecimento de uma filiação socioafetiva, negar sua presença é deixar a realidade ser encoberta pelo véu do preconceito.

E complementa:

Além de retrógrada, a negativa de reconhecimento escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa a proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Rejeitar a homoparentalidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais. Crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, e negar o vínculo de filiação é vetar o direito à família [...] (ibidem, p. 4, grifo nosso).

Quanto ao sadio desenvolvimento da criança, a mesma autora também explica em seu artigo “Adoção Homoafetiva”:

Essas preocupações, no entanto, são afastadas com segurança por quem se debruça no estudo das famílias homoafetivas com prole. As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta do modelo heterossexual acarreta perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologias nos filhos (s.d., p. 1).

Novamente o autor Silva Júnior (2010, p. 114), expondo agora quanto aos aspectos jurídicos:

Diante da vedação constitucional de discriminação de qualquer natureza e em razão de sexo, da qual se extrai a proibição ao preconceito com base na orientação sexual, o ECA e o CC não vedam a colocação de um criança/adolescente em famílias substitutas biparentais homossexuais. Na verdade constituir um ambiente familiar adequado – emocional e materialmente equilibrado - , que proporcione reais vantagens, benefícios efetivos aos adotandos e vindo-lhes ao melhor interesse, não é prerrogativa somente de casais heterossexuais ou de relação efetiva entre homem e mulher, mas de seres humanos realmente motivados, preparados para a maternidade/paternidade (grifo nosso).

Portanto:

Conformando-se a legislação infra-constitucional à Lei Maior, não só é pertinente a consideração da união homoafetiva como família – já ressaltado - , mas a própria viabilidade de os(as) magistrados(as) deferirem o pedido de adoção  a dois(duas) homossexuais, que convivam em união sólida, estável (desde que preenchidos todos os requisitos e exigências legais, para regular o processamento do feito) (ibidem, p. 154, grifo nosso).

Citado por Figueirêdo (2009, p. 90), Silva expõe sobre a adoção homoafetiva em um de seus artigos:

[...] A nosso ver o homossexual tem o direito de adotar um menor, salvo se não preencher os requisitos estabelecidos em lei. Aliás, se um homossexual não pudesse adotar uma criança ou um adolescente, o princípio da igualdade perante a lei estaria abertamente violado. E mais: apesar da omissão legal, o ECA não veda, implícita ou explicitamente a adoção por homossexuais. O que importa, no substancial, é a idoneidade moral do candidato e sua capacidade para assumir os encargos decorrentesde uma paternidade (ou maternidade) adotiva (grifo nosso).

Ao se analisar tais argumentos, percebe-se ser comum a todos o entendimento de que não há,no ordenamento pátrio, vedação expressa ao pedido de adoção formulado conjuntamente por casal homossexual, como foi mencionado no capítulo anterior. Além disso, por não estarem somente preocupados com a literalidade da lei, os autores demonstraram-se seguros e bem informados quanto ao bem estar intergral da criança/adolescente, ressaltando que para isso é indispensável preencher todos os requisitos legais. Quanto ao atendimento a tais requisitos, corroborou-se não ser privilégio somente de casais heterossexuais nem de pares homossexuais, mas o resultado da estabilidade afetivo-emcional de qualquer relacionamento.

Outro ponto de suma importância para o embasamento jurídico desta monografia, e que por isso foi propositadamente destacado nos argumentos citados, são os trechos que se referem aos princípios constitucionais. Igualmente a qualquer outro ramo do juridico, o Direito de Família está norteado por estes princípios, logo, o instituto da adoção também. Voltando para a situação de adoção por casais homoafetivos, como já mencionado, há uma lacuna no ordernamente jurídico quanto à sua possiblidade, sendo esta a principal barreira jurídica ao seu deferimento.

No entanto, de acordo com o que foi abordado anteriormente, os princípios adquiriram força normativa, são normas abrangentes, que podem determinar o cumprimento de outra norma ou, quando esta for ausente, poderá direcionar o caminho interpretrativo a ser seguido. “Nesse sentido, contemporaneamente, passa a surgir a interpretação segundo a qual não mais se concebe os princípios como fonte subsidiária de terceiro grau, cuja função restringe-se a colmatar lacunas.” (PENNO, 2010, p. 499).

Como pressuposto para a sua eficácia, as normas necessitam de interpretação em consonância às exigências sociais, tal interpretação também é denominada de sociológica. Dessa forma, seguindo essa vertente teórica que busca adequar o Direito à realidade social, o STF estendeu os direitos da união estável à união de pessoas do mesmo sexo, tendo em vista que a CF/88 protege implicitamente uniões homoafetivas.

Assim, semelhante à intepretação feita a favor da união estável homoafetiva, os magistrados podem e devem, como forma de sanar tal lacuna, aplicar os princípios constitucionais à situação de adoção por casais homossexuais, garantindo-lhes o reconhecimento deste direito fundamental, visto que a Constituição Federal sustenta como princípios a dignidade da pessoa humana e a igualdade, vedando veementemente, qualquer discriminação e preconceitos por motivos de “origem, raça, sexo, cor ou idade” (CF art. 3º, IV). Desta forma, negar este direito à casais homoafetivos, em razão exclusivamente de sua orientação sexual, seria interpretar contra a Lei Maior.

Ademais, esta forma de interpretação não beneficiaria somente a cidadania de milhões de homossexuais que convivem em união estável  e que estejam interessados em constituir família por meio da adoção, como também, o deferimento interessaria a crianças e adolescentes que aguardam o momento de serem inseridas em um lar que atenda plenamente todas suas necessidade materiais e emocionais. Desta forma, o deferimento do pedido deve priorizar sempre o melhor interesse da criança, afastando-se de preonceitos de forma a resguardar o direito da criança/adolescente de ter uma familia, princípio também expresso na Carta Magna.

Acerca do princípio do melhor interesse da criança, em relação à adoção por casais homoafetivos:

Conquanto se tenha afirmado que, com fundamento na Carta Magna, o ordenamento pátrio tenha sobreposto o interesse da criança aos demais interesses em jogo, não é menos correto o fato de os indivíduos terem constitucionalmente garantido o direito de formar uma família, somado ao fato de que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Ante a incidência desses princípios, caso seja vedado o direito de adoção ao homossexual em razão de, tão-somente, de sua “opção” sexual, se estará diante de um conflito de princípios , pois, conforme mencionado, a Constituição Federal de 1988 assegura o direito à igualdade sem distinção de sexo e de orientação sexual, outra não, senão, a mens legis (PERES, 2006, p.77 apud KRIEGER, 2008, p. 80).

Neste sentido, seguindo a visão dos autores citados neste tópico, o direito à igualdade conbinado com o melhor interesse da criança, devem ser considerados no pedido de adoção por casais homoafetivos, do contráro, se violaria os preceitos constitucionais.

Em relação à aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, este encontra-se inserido nos demais princípios, assegurando o respeito à todas as entidades, independente da forma como se constituem, sendo a afetividade neste contexto, pré-requisito para esta geração familiar. Neste aspecto está inserida a proteção à dignidade da família homoafetiva.

Assim, diante de tais ponderações é forçoso admitir a possiblidade de adoção por pares homoafetivos com amparo no princípios constitucionais da dginidade da pessoa humana, igualdade, melhor interesse da criança e afetividade, sendo dever do Estado incluir todos os cidadãos sob sua tutela, pois esta é uma prerrogativa das garantias constitucionais, apesar da atitude omissa do legislador infraconstitcional.

Isto posto, passa-se a analisedas primeiras decisões favoráveis à adoção por casais homoafetivos no Brasil.

3.3 PRIMEIRAS ABERTURAS DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Diante dos avanços jurídicos, uma parcela considerável do Poder Judiciário, vem se orientando pelo que hoje é denominado de “realismo jurídico” (SILVA JÚNIOR, 2010), ou seja, atentando-se à interpretação conforme as exigências sociais, alguns membros deste Poder que reconhecem as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo como um fato social inegável, confirmaram as primeiras sentenças favoráveis à adoção por casais homoafetivos.

Entre estas decisões mais importantes, está registrada na cidade de Bagé – RS, proferida em 2005 (anexo B):

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.

Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592

COMARCA MINISTERIO PUBLICO APELANTE

ACÓRDÃO

Porto Alegre, 05 de abril de 2006.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

Outra importante decisão (maio/2006) veio da Justiça do Rio de Janeiro, que, pela primeira vez, permitiu a um casal de mulheres, a adoção de uma criança em conjunto (anexo C):

[...]

A afirmação de que criança adotada que vive em lar homossexual será socialmente estigmatizada vem sendo pouco a pouco derrubada por pesquisas nas quais se constataram a inexistência de diferenças na identidade de gênero ou na orientação sexual das crianças e adolescentes. Mas muitas pessoas não concordam com os resultados desses estudos.

Na ação que já dura três anos, a Defensoria Pública do Estado do Rio destaca que a adoção homossexual encontra respaldo na Constituição Federal, “que consagra o princípio da proteção integral e prevê a adoção como forma de atender o direito à convivência familiar e comunitária, não havendo qualquer vedação legal ao pedido de adoção por parte de pessoas que mantenham relação de afeto, independentemente de sexo”.

Sublinha, ainda, que requisitos legais estão sendo seguidos, citando a capacidade civil das companheiras, diferença de idade superior a 16 anos entre adotante e adotado e o quadro geral favorável, “uma vez que há convivência de fato com a criança, assistência afetiva, moral e material” (HERDY, 2006, p. 1).

Por fim, recentemente, na análise feita com Supremo Tribunal Federal julgou favorável o Recurso Extraordinário 615.261 (608) origem: ac – 5299761 (anexo D):

Ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 615.261 (608) ORIGEM : AC - 5299761 - TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL PROCED : PARANÁ .-RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO .-RECTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROC(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ .-RECDO : ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS .-RECDO : DAVID IAN HARRAD ADV: GIANNA CARLA ANDREATTA ROSSI .-DECISÃO

Prossegue mesma Ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RAZÕES - DESCOMPASSO COM O ACÓRDÃO IMPUGNADO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra a sentença proferida pelo Juízo, houve a interposição de recurso somente pelos autores. Pleitearam a reforma do decidido a fim de que fosse afastada a limitação imposta quanto ao sexo e à idade das crianças a serem adotadas. A apelação foi provida, declarando-se terem os recorrentes direito a adotarem crianças de ambos os sexos e menores de 10 anos. Eis o teor da emenda contida à folha 257: [...] 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento. 2. Há flagrante descompasso entre o que foi decidido pela Corte de origem e as razões do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná. O Tribunal local limitou-se a apreciar a questão relativa à idade e ao sexo das crianças a serem adotadas. No extraordinário, o recorrente aponta violado o artigo 226 da Constituição Federal, alegando a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão não debatida pela Corte de origem. 3. Nego seguimento ao extraordinário. 4. Publiquem. Brasília, 16 de agosto de 2010. Ministro MARCO AURÉLIO – RELATOR. (grifo nosso).

Portanto, está evidente que, a partir desses precedentes jurisprudenciais, a justiça brasileira caminha para a solidificação dos avanços em matéria de adoção homoafetiva, apontando para a devida efetivação de todos direitos fundamentais e princípios expostos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta monografia, foi possível realizar o estudo acerca da possibilidade de adoção por casais homoafetivos com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proteção integral à criança/adolescente e da afetividade.

Primeiramente, quanto ao estudo realizado sobre a evolução histórica e jurídica dos modelos de família, constou-se que a nova concepção de entidade familiar rompeu os moldes impostos pelo modelo convencional, cuja principal finalidade estava centrada na procriação e sua constituição se limitava aos laços sanguíneos e ao matrimônio. As famílias do presente, haja vista as mudanças sociais, se constituem de diversas formas, sendo a presença do afeto entre seus membros essencial à preservação dessas uniões. Desta forma, a Constituição Federal de 1988 consagrou como um dos seus princípios a afetividade, reconhecendo a pluralidade de entidades existente, inclusive as formadas por pessoas do mesmo sexo.

Do estudo do instituto da adoção, percebe-se a necessidade da análise dos requisitos necessários ao seu deferimento, sendoindispensável comprovar que o adotando irá obter reais vantagens com ela, bem como de que seja embasada em motivos legítimos. Constatou-se também, que para o preenchimento de tais requisitos, ser indiferente a orientação sexual dos adotantes. E ainda, que o Código Civil cuida da adoção para os maiores de 18 anos, enquanto que o ECA rege a adoção da criança e do adolescente, sendo esta a legislação específica. Ademais, confirmou não haver qualquer vedação a concessão de adoção a casais homoafetivos.

Acerca dos princípios norteadores do instituto da adoção, com enfoque nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proteção integral e do melhor interesse da criança e da afetividade, compreendeu-se que a aplicação destes é fundamental para a correta interpretação da norma, bem como verificou que não há margens para distinções ou discriminações arbitrarias. Portanto, vedadas todas as formas de distinções, ampararam-se as uniões homoafetivas, reconhecendo-se as elas o direito à igualdade, devendo o Estado não impor restrições ao reconhecimento de direitos fundamentais com base na orientação sexual. Aplicando-se este entendimento à possibilidade de adoção por casais homoafetivos, depreende-se ser plenamente cabível, pois do contrário, se violaria a Lei Maior.

Ademais, verificou-se que as uniões homoafetivas foram equiparadas às uniões estáveis heterossexuais, em razão da obrigatoriedade do Estado em interpretar a norma constitucional em consonância aos princípios constitucionais. Por meio dessa decisão do Supremo Tribunal Federal STF, outros direitos decorrentes dessa união puderam ser reconhecidos, entre estes a adoção.

Desta forma, chega-se ao entendimento de que não há no ordenamento jurídico nada que impeça a adoção conjunta por homossexuais, pois, como já mencionado, é possível a estes preencher os requisitos elencados pelo ECA, sendo a orientação sexual insignificante neste processo. Além disso, com base nos estudos apresentados constatou não haver qualquer risco ao desenvolvimento psíquico do adotando, bem como o deferimento da adoção ser favorável a efetivação do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança.

Por todo o exposto, conclui-se que o indeferimento do pedido de adoção formulado por casal homossexual fere a todos os princípios constitucionais analisados neste trabalho. Diante disso, percebe-se na jurisprudência nacional uma tendência ao reconhecimento deste direito aos casais homoafetivos, ainda que de forma lenta.

Constatou-se que a aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proteção integral e do melhor interesse da criança e da afetividade amparam as uniões homoafetivas, garantindo a elas o direito de adoção, e, portanto, corroborando a hipótese deste trabalho.


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ANEXOS

ANEXO A - SUPREMO RECONHECE UNIÃO HOMOAFETIVA

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF.

Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações – o procurador-geral da República e o governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu representante –, o advogado-geral da União e advogados de diversas entidades, admitidas como amici curiae (amigos da Corte).

Ações

A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, o governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro..

STF RECONHECEU A UNIÃO HOMOAFETIVA E SUA INCLUSÃO COMO ENTIDADE FAMILIAR.

Veja a ementa:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.(ADI 4277, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341)."

ANEXO B - Justiça gaúcha autoriza casal homossexual a adotar crianças

Por Lilian Matsuura

Um casal homossexual, em união estável, pode ser responsável legal por crianças adotadas. A decisão unânime é da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que permitiu que um casal de mulheres seja responsável legalmente por crianças adotadas.

As duas crianças, de dois e quatro anos, já tinham sido adotadas por uma das mulheres. No entanto, a companheira queria dividir as responsabilidades e assumir oficialmente os deveres.

Em primeira instância, a Vara da Infância e da Juventude de Bagé (RS) aceitou o pedido. O juiz entendeu que a adoção garante aos dois irmãos direitos de herança, inclusão em planos de saúde e pensão alimentícia.

O Ministério Público recorreu da decisão. Entrou com uma Apelação Cível alegando que em nenhum momento a legislação se refere a um casal homossexual. A adoção, segundo o MP, valeria apenas para união entre homem e mulher.

O desembargador Luis Felipe Brasil Santos se valeu da jurisprudência da Justiça gaúcha, que em algumas decisões, admitiu a união estável de casais homossexuais, e a aplicou no caso atual.

De acordo com o desembargador, que foi relator do processo, a sua decisão se baseou no artigo 1622 do Código Civill que diz que duas pessoas só podem adotar em conjunto quando forem marido e mulher ou viveram em união estável. No caso, o casal vive junto há oito anos.

“Se o casal tem todas as características de uma união estável — vivem juntas com o intuito de constituir família, tem uma relação pública e douradora —, não importa o sexo das pessoas, elas devem ser tratadas com todos os direitos de uma família. Podem adotar em conjunto.”, declarou o Luis Felipe Brasil Santos.

Processo 70013801592

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.

Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592

COMARCA MINISTERIO PUBLICO APELANTE

ACÓRDÃO

Porto Alegre, 05 de abril de 2006.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, irresignado com sentença que deferiu a adoção dos menores P. (3 anos e 6 meses) e J.V. (2 anos e 3 meses) a L., companheira da mãe adotiva dos menores LU.

Sustenta que (1) há vedação legal (CC, art. 1622) ao deferimento de adoção a duas pessoas, salvo se forem casadas ou viverem em união estável; (2) é reconhecida como entidade familiar a união estável, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, entre homem e mulher; (3) nem as normas constitucionais nem as infraconstitucionais albergam o reconhecimento jurídico da união homossexual; (4) de acordo com a doutrina, a adoção deve imitar a família biológica, inviabilizando a adoção por parelhas do mesmo sexo. Pede provimento.

Houve resposta.

Nesta instância o Ministério Público opina pelo conhecimento e provimento do apelo.

É o relatório.

VOTOS

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) -

A requerente L., fisioterapeuta e professora universitária, postula a adoção dos menores P., nascido em 07.09.2002, e J.V., nascido em 26.12.2003. Relata que ambos são filhos adotivos de L., com quem a ora requerente mantém um relacionamento aos moldes de entidade familiar há oito anos.

Em anexo estão os processos em que foi deferida a adoção de ambos os menores, que são irmãos biológicos, a L. Sinale-se que as crianças são cuidadas por L. desde o nascimento.

A r. sentença recorrida julgou procedente o pleito. O recurso é do Ministério Público e se baseia na impossibilidade de ser deferida a adoção conjunta a duas pessoas, salvo se forem casadas ou mantiverem união estável (art. 1.622 do Código Civil), o que não se configura no caso, diante do fato de que a pretendente da adoção e a mãe já adotiva das crianças são pessoas do mesmo sexo. O parecer ministerial nesta instância é no sentido do provimento (ressalvado o erro material evidente na conclusão, ao dizer que opina pelo “improvimento”).

Com efeito, o art. 1.622 do Código Civil dispõe:

Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou viverem em união estável.

No caso destes autos, L. (que já é mãe adotiva dos meninos) e LI. (ora pretendente à adoção) são mulheres, o que, em princípio, por força do art. 226, § 3º, da CF e art. 1.723 do Código Civil, obstaria reconhecer que o relacionamento entre elas entretido possa ser juridicamente definido como união estável, e, portanto, afastaria a possibilidade de adoção conjunta.

No entanto, a jurisprudência deste colegiado já se consolidou, por ampla maioria, no sentido de conferir às uniões entre pessoas do mesmo sexo tratamento em tudo equivalente ao que nosso ordenamento jurídico confere às uniões estáveis. Dentre inúmeros outros julgados, vale colacionar, a título meramente exemplificativo, o seguinte.

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.

É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO.

A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC).

Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.

Com efeito, o tratamento analógico das uniões homossexuais como entidades familiares segue a evolução jurisprudencial iniciada em meados do séc. XIX no Direito francês, que culminou no reconhecimento da sociedade de fato nas formações familiares entre homem e mulher não consagradas pelo casamento. À época, por igual, não havia, no ordenamento jurídico positivo brasileiro, e nem no francês, nenhum dispositivo legal que permitisse afirmar que união fática entre homem e mulher constituía família, daí por que o recurso à analogia, indo a jurisprudência inspirar-se em um instituto tipicamente obrigacional como a sociedade de fato.

Houve resistências inicialmente? Certamente sim, como as há agora em relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo. O fenômeno é rigorosamente o mesmo. Não se está aqui a afirmar que tais relacionamentos constituem exatamente uma união estável. O que se sustenta é que, se é para tratar por analogia, muito mais se assemelham a uma união estável do que a uma sociedade de fato. Por quê? Porque a affectio que leva estas duas pessoas a viverem juntas, a partilharem os momentos bons e maus da vida é muito mais a affectio conjugalis do que a affectio societatis. Elas não estão ali para obter resultados econômicos da relação, mas, sim, para trocarem afeto, e esta troca de afeto, com o partilhamento de uma vida em comum, é que forma uma entidade familiar. Pode-se dizer que não é união estável, mas é uma entidade familiar à qual devem ser atribuídos iguais direitos.

Estamos hoje, como muito bem ensina Luiz Edson Fachin, na perspectiva da família eudemonista, ou seja, aquela que se justifica exclusivamente pela busca da felicidade, da realização pessoal dos seus indivíduos. E essa realização pessoal pode dar-se dentro da heterossexualidade ou da homossexualidade. É uma questão de opção, ou de determinismo, controvérsia esta acerca da qual a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva, mas, de qualquer forma, é uma decisão, e, como tal, deve ser respeitada.

Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem é o amor. São relações de amor, cercadas, ainda, por preconceitos. Como tal, são aptas a servir de base a entidades familiares equiparáveis, para todos os efeitos, à união estável entre homem e mulher.

Em contrário a esse entendimento costuma-se esgrimir sobretudo com o argumento de que as entidades familiares estão especificadas na Constituição Federal, e que dentre elas não se alinha a união entre pessoas de mesmo sexo. Respondendo vantajosamente a tal argumento, colaciono aqui preciosa lição de Maria Celina Bodin de Moraes, onde aquela em jurista assim se manifesta :

O argumento jurídico mais consistente, contrário à natureza familiar da união civil entre pessoas do mesmo sexo, provém da interpretação do Texto Constitucional. Nele encontram-se previstas expressamente três formas de configurações familiares: aquela fundada no casamento, a união estável entre um homem e uma mulher com ânimo de constituir família (art. 226, §3º), além da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º). Alguns autores, em respeito à literalidade da dicção constitucional e com argumentação que guarda certa coerência lógica, entendem que ‘qualquer outro tipo de entidade familiar que se queira criar, terá que ser feito via emenda constitucional e não por projeto de lei’.

O raciocínio jurídico implícito a este posicionamento pode ser inserido entre aqueles que compõem a chamada teoria da ‘norma geral exclusiva’ segundo a qual, resumidamente, uma norma, ao regular um comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação todos os demais comportamentos. Como se salientou em doutrina, a teoria da norma geral exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos ordenamentos jurídicos, há uma outra norma geral (denominada inclusiva), cuja característica é regular os casos não previstos na norma, desde que semelhantes a ele, de maneira idêntica . De modo que, frente a uma lacuna, cabe ao intérprete decidir se deve aplicar a norma geral exclusiva, usando o argumento a contrario sensu, ou se deve aplicar a norma geral inclusiva, através do argumento a simili ou analógico.

Sem abandonar os métodos clássicos de interpretação, verificou-se que outras dimensões, de ordem social, econômica, política, cultural etc., mereceriam ser consideradas, muito especialmente para interpretação dos textos das longas Constituições democráticas que se forjaram a partir da segunda metade deste século. Sustenta a melhor doutrina, modernamente, com efeito, a necessidade de se utilizar métodos de interpretação que levem em conta trata-se de dispositivo constante da Lei Maior e, portanto, métodos específicos de interpretação constitucional devem vir à baila.

Daí ser imprescindível enfatizar, no momento interpretativo, a especificidade da normativa constitucional – composta de regras e princípios –, e considerar que os preceitos constitucionais são, essencialmente, muito mais indeterminados e elásticos do que as demais normas e, portanto, ‘não predeterminam, de modo completo, em nenhum caso, o ato de aplicação, mas este se produz ao amparo de um sistema normativo que abrange diversas possibilidades’. Assim é que as normas constitucionais estabelecem, através de formulações concisas, ‘apenas os princípios e os valores fundamentais do estatuto das pessoas na comunidade, que hão de ser concretizados no momento de sua aplicação’.

Por outro lado, é preciso não esquecer que segundo a perspectiva metodológica de aplicação direta da Constituição às relações intersubjetivas, no que se convencionou denominar de ‘direito civil-constitucional’, a normativa constitucional, mediante aplicação direta dos princípios e valores antes referidos, determina o iter interpretativo das normas de direito privado – bem como a colmatação de suas lacunas –, tendo em vista o princípio de solidariedade que transformou, completamente, o direito privado vigente anteriormente, de cunho marcadamente individualístico. No Estado democrático e social de Direito, as relações jurídicas privadas ‘perderam o caráter estritamente privatista e inserem-se no contexto mais abrangente de relações a serem dirimidas, tendo-se em vista, em última instância, no ordenamento constitucional.

Seguindo-se estes raciocínios hermenêuticos, o da especificidade da interpretação normativa civil à luz da Constituição, cumpre verificar se por que a norma constitucional não previu outras formas de entidades familiares, estariam elas automaticamente excluídas do ordenamento jurídico, sendo imprescindível, neste caso, a via emendacional para garantir proteção jurídica às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, ou se, ao contrário, tendo-se em vista a similitude das situações, estariam essas uniões abrangidas pela expressão constitucional ‘entidade familiar’.

Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988, além dos dispositivos enunciados em tema de família, consagrou, no art. 1º, III, entre os seus princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana, ‘impedindo assim que se pudesse admitir a superposição de qualquer estrutura institucional à tutela de seus integrantes, mesmo em se tratando de instituições com status constitucional, como é o caso da empresa, da propriedade e da família’. Assim sendo, embora tenha ampliado seu prestígio constitucional, a família, como qualquer outra comunidade de pessoas, ‘deixa de ter valor intrínseco, como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de maneira instrumental, tutelada na media em que se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes’. É o fenômeno da ‘funcionalização’ das comunidades intermediárias – em especial da família – com relação aos membros que as compõem.

A proteção jurídica que era dispensada com exclusividade à ‘forma’ familiar (pense-se no ato formal do casamento) foi substituída, em conseqüência, pela tutela jurídica atualmente atribuída ao ‘conteúdo’ ou à substância: o que se deseja ressaltar é que a relação estará protegida não em decorrência de possuir esta ou aquela estrutura, mesmo se e quando prevista constitucionalmente, mas em virtude da função que desempenha – isto é, como espaço de troca de afetos, assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou convivência entre pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos diferentes.

Se a família, através de adequada interpretação dos dispositivos constitucionais, passa a ser entendida principalmente como ‘instrumento’, não há como se recusar tutela a outras formas de vínculos afetivos que, embora não previstos expressamente pelo legislador constituinte, se encontram identificados com a mesma ratio, como os mesmo fundamentos e com a mesma função. Mais do que isto: a admissibilidade de outras formas de entidades ‘familiares’ torna-se obrigatória quando se considera seja a proibição de qualquer outra forma de discriminação entre as pessoas, especialmente aquela decorrente de sua orientação sexual – a qual se configura como direito personalíssimo –, seja a razão maior de que o legislador constituinte se mostrou profundamente compromissado com a com a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, CF), tutelando-a onde quer que sua personalidade melhor se desenvolva. De fato, a Constituição brasileira, assim como a italiana, inspirou-se no princípio solidarista, sobre o qual funda a estrutura da República, significando dizer que a dignidade da pessoa é preexistente e a antecedente a qualquer outra forma de organização social.

O argumento de que à entidade familiar denominada ‘união estável’ o legislador constitucional impôs o requisito da diversidade de sexo parece insuficiente para fazer concluir que onde vínculo semelhante se estabeleça, entre pessoas do mesmo sexo serão capazes, a exemplo do que ocorre entre heterossexuais, de gerar uma entidade familiar, devendo ser tutelados de modo semelhante, garantindo-se-lhes direitos semelhantes e, portanto, também, os deveres correspondentes. A prescindir da veste formal, a ser dada pelo legislador ordinário, a jurisprudência – que, em geral, espelha a sensibilidade e as convenções da sociedade civil –, vem respondendo afirmativamente.

A partir do reconhecimento da existência de pessoas definitivamente homossexuais, ou homossexuais inatas, e do fato de que tal orientação ou tendência não configura doença de qualquer espécie – a ser, portanto, curada e destinada a desaparecer –, mas uma manifestação particular do ser humano, e considerado, ainda, o valor jurídico do princípio fundamental da dignidade da pessoa, ao qual está definitivamente vinculado todo o ordenamento jurídico, e da conseqüente vedação à discriminação em virtude da orientação sexual, parece que as relações entre pessoas do mesmo sexo devem merecer status semelhante às demais comunidade de afeto, podendo gerar vínculo de natureza familiar.

Para tanto, dá-se como certo o fato de que a concepção sociojurídica de família mudou. E mudou seja do ponto de vista dos seus objetivos, não mais exclusivamente de procriação, como outrora, seja do ponto de vista da proteção que lhe é atribuída. Atualmente, como se procurou demonstrar, a tutela jurídica não é mais concedida à instituição em si mesma, como portadora de um interesse superior ou supra-individual, mas à família como um grupo social, como o ambiente no qual seus membros possam, individualmente, melhor se desenvolver (CF, art. 226, §8º).

Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família deve ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de adotar em conjunto.

É preciso atentar para que na origem da formação dos laços de filiação prepondera, acima do mero fato biológico, a convenção social. É Villela que assinala:

se se prestar atenta escuta às pulsações mais profundas da longa tradição cultural da humanidade, não será difícil identificar uma persistente intuição que associa a paternidade antes com o serviço que com a procriação. Ou seja: ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstância de amar e servir.

Na mesma senda, leciona Héritier:

Não existem, até nossos dias, sociedades humanas que sejam fundadas unicamente sobre a simples consideração da procriação biológica ou que lhe tenham atribuído a mesma importância que a filiação socialmente definida. Todas consagram a primazia do social – da convenção jurídica que funda o social – sobre o biológico puro. A filiação não é, portanto, jamais um simples derivado da procriação.

Além de a formação do vínculo de filiação assentar-se predominante na convenção jurídica, mister observar, por igual, que nem sempre, na definição dos papéis maternos e paternos, há coincidência do sexo biológico com o sexo social. Neste passo, é Nadaud que nos reporta:

Indépendamment de la forme de la filiation, on remarque que ce lien de filiation n’est qu’exceptionnellement, au regard de l’étendue des societés humaines, superposable à l’engendrement biologique ou à la procréation: il existe em effet une”‘dissociation entre la ‘verité bilogique de l’engendrement’ et la filiation”. Ce point est essentiel car il explique pourquoi, dans la plupart des societés, l’engendrement et la parenté sont deux choses distinctes. De la même façon, quand on parle de père et de mère, et donc d’un individu masculin ou féminin, il faut differencier ce qui est le sexe biologique de ce qui est le sexe social, lesquels, bien souvant, sont loin de se recouper: bon nombre de sociétés dissocient ainsi le sexe biologique du genre dans la genèse des liens de filiation.

Melhor esclarecendo essa perspectiva, é novamente Héritier quem nos traz da antropologia um exemplo que evidencia que em organizações sociais tidas por primitivas o papel de pai nem sempre é exercido por um indivíduo do sexo masculino:

Num caso particularmente interessante encontrado entre os Nuer, é uma mulher, considerada como homem, que enquanto pai, se vê atribuir uma descendência. Nesta sociedade, com efeito, as mulheres que provam, depois de terem sido casadas por tempo suficientemente longo, sua esterilidade definitiva, retornam a sua linhagem de origem, onde são consideradas totalmente como homens. Este é apenas um dos exemplos em que a mulher estéril, longe de ser desacreditada por não poder cumprir seu destino feminino, é creditada com essência masculina. A ‘bréhaigne’, como mostra a etiologia proposta por Littré, é uma mulher-homem (de ‘barus’ = ‘vir’ em baixo latim), mas, pode-se, segundo a cultura, tirar dessa assimilação conclusões radicalmente diferentes. Para os Nuer, a mulher ‘brehaigne’ acede ao status masculino. Como todo casamento legítimo é sancionado por importantes transferências de gado da família do marido à da esposa, este gado é repartido entre o pai e os tios paternos desta. De volta à casa de seus irmãos, a mulher estéril se beneficia, então, na qualidade de tio paterno, de parte do gado da compensação dada para suas sobrinhas. Quando ela, dessa forma, constitui um capital, ela pode, por sua vez, fornecer uma compensação matrimonial e obter uma esposa da qual ela se torna o marido. Essa relação conjugal não leva a relações homossexuais: a esposa serve seu marido e trabalha em seu benefício. A reprodução é assegurada graças a um criado, a maior parte das vezes de uma etnia estrangeira, que cumpre tarefas pastoris mas assegura também o serviço de cama junto à esposa. Todas as crianças vindas ao mundo são do ‘marido’, que a transferência do gado designou expressamente, segundo a lei social que faz a filiação. Elas portam seu nome, chamam-na ‘pai’, a respeitam e não se estabelece nenhum laço particular com seu genitor, que não possui direitos sobre elas e se vê recompensado por seu papel pelo ganho de uma vaca, por ocasião do casamento das filhas, vaca que é o prêmio por engendrar. Estatutos e papéis masculinos e femininos são aqui, portanto, independentes do sexo: é a fecundidade feminina ou sua ausência que cria a linha de separação. Levado ao extremo, esta representação que faz da mulher estéril um homem a autoriza a representar o papel de homem em toda sua extensão social.

Como se vê, nada há de novo sob o sol, quando se cogita de reconhecer a duas pessoas de mesmo sexo (no caso, duas mulheres), que mantém uma relação tipicamente familiar, o direito de adotar conjuntamente.

Resta verificar se semelhante modalidade de adoção constitui efetivo benefício aos adotandos, critério norteador insculpido no art. 1.625 do Código Civil.

Nadaud, em sua tese de doutorado, realizou estudo sobre uma população de infantes criados em lares de homossexuais, constatando que:

(...) globalement, leurs comportements ne varient pas fondamentalement de ceux de la population générale. Il ne s’agit donc pas d’affirmer que tous les enfants de parents homosexuels “vont bien”, mais d’apporter uma pierre supplémentaire à l’édifice des études qui montrent déjá que leurs comportements correspondent à ceux des autres enfants de leur âge. Ce qui revient absolutament pas à nier leur spécificité.

Não é diferente a conclusão a que chegaram Tasker e Golombok :

Ce qui apparait clairement dans la présente étude, c’est que les enfants qui grandissent dans une famille lesbienne n’auront pas necessairement de problèmes liés à cela à l’âge adulte. De fait, les resultats de la présente étude montrent que les jeunes gens élevés par une mère lesbienne reussissent bien à l’âge adulte et ont de bonnes relations avec leurs famille, leurs amie e leurs partenaires. Dans les décisions de justice que statuent sur la capacité ou l’incapacité d’um adulte à élever um enfant, il conviendrait de ne plus se fonder sur l’orientation sexuelle de la mère pour évaluer l’intérêt de l’enfant.

Idêntica é a pesquisa de CJ. Patterson , da Universidade de Virgínia (USA), ao afirmar que:

Em resume, il n’existe pas de données que permettraient d’avancer que les lesbiennes et les gays ne sont pas des parents adéquats ou encore que le devoloppement psychosocial des enfants de gays ou de lesbiennes soit compromis, sous quelques aspect que ce soit, par rapport à celui des enfants de parents hétérosexuels. Pas une seule étude n’a constate que les enfants de parents gays ou lesbiens sont handicapés, dans quelques domaine significatif que se soit, par rapport aux enfants de parents hetérosexuels. De plus, les résultats à ce jour laissent penser que les environnements familiaux fournis par les parents gays et lesbiens sont suscetibles de soutenir et d’aider la maturation psychosociale des enfants de la même manière que ceux fournis par les parents hétérosexuels.

Na Universidade de Valência (ESP), o estudo de Navarro, Llobell e Bort aponta na mesma direção:

Los resultados ofrecen de forma unánime datos que son coherentes com el postulado de la parentalidad como un proceso bidireccional padres-hijos que no está relacionado com la orientación sexual de los padres. Educar y criar a los hijos de forma saludable lo realizan de forma semejante los padres homosexuales y los padres heterosexuales.

Também a Academia Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics), em estudo coordenado por Ellen C. Perrin, concluiu:

A growing body of scientific literature demonstrates that children who grow up with 1 or 2 gay and/or lesbian parents fare as well in emotional, cognitive, social, and sexual functioning as do children whose parents are heterosexual. Children’s optimal development seems to be influenced more by the nature of the relationships and interactions within the family unit than by the particular structural form it takes.

Como se vê, os estudos especializados não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores.

É, portanto, hora de abandonar de vez os preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal).

Como assinala Rolim:

Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais" ? Ora, tenham a santa paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo? Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela circunstância também não agrega nada de relevante, inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças?"

Postas as premissas, passo ao exame do caso, a fim de verificar se estão aqui concretamente atendidos os interesses dos adotandos.

E também sob esse aspecto, a resposta é favorável à apelada.

Como ressalta o relatório de avaliação, de fls. 13/17 :

Li. de 39 anos e L. de 31 anos, convivem desde 1998. Em abril de 2003 L. teve a adoção de P.H. deferida e, em fevereiro de 2004 foi deferida a adoção de J.V.. Na época Li. participou da decisão e de todo o processo de adoção auxiliando nos cuidados e manutenção das crianças.

Elas relatam que, procuram ser discretas quanto ao seu relacionamento afetivo, na presença das crianças. Participam igualmente nos cuidados e educação dos meninos, porém, é Li. que se envolve mais no deslocamento deles, quando depende de carro, pois é ela quem dirige.

Li., diz que, é mais metódica e rígida do que L. e observou-se que é mais atenta na imposição de limites.

Segundo a Sra. I., mãe de Li., a família aceita e apóia Li. na sua orientação sexual, “ela é uma filha que nunca deu problemas para a família, acho que as crianças tiveram sorte, pois têm atenção, carinho e tudo o que necessitam, Li. os trata como filhos” (SIU). Coloca que Li. e L. se relacionam bem. Observou-se fotos dos meninos e de Li. na casa dos pais dela, eles costumam visitá-la aos finais de semana, quando almoçam todos juntos e convivem mais com as crianças e L.. Com a família de L. a convivência é mais freqüente, pois a mãe de L. auxilia no cuidado a J.V..

Com relação às crianças:

Os meninos chamam Li. e L. de mãe.

P.H. está com 2 anos e 6 meses, freqüenta a Escolinha particular M. S., à tarde. A professora dele, L.B.F., informou que o menino apresenta comportamento normal para sua faixa etária, se relaciona bem e adaptou-se rapidamente. Li. e L. estão como responsáveis na escola e participam juntas nos eventos na escolinha, sendo bem aceitas pelos demais pais de alunos.

Observou-se que, P.H. é uma criança com aparência saudável, alegre e ativo. J.V. faz tratamento constante para bronquite e, apesar dos problemas de saúde iniciais, apresenta aparência saudável e desenvolvimento normal para sua faixa etária. Durante a tarde, ele fica sob os cuidados da mãe de L. enquanto L. e Li. trabalham. A Sra. N. coloca que os meninos são muito afetivos com as mães e vice-versa.

L. coloca que até agora, não sentiu nenhuma discriminação aos filhos e, P.H. costuma ser convidado para ir brincar na casa de coleguinhas da escolinha. São convidados para festas de aniversário de filhas de colegas de trabalho e amigos.

Situação atual:

Li. coloca que sempre pensou em adotar, o que se acentuou com a convivência com L. e as crianças, pois se preocupa com o futuro dos meninos, já que L. é autônoma e possui problema de saúde. E, ela já pensou em uma situação mais estável, trabalha com vínculo empregatício como professora da xxxx, possuindo convênios de saúde e vantagens para o acesso dos meninos ao ensino básico e superior. Coloca “a minha preocupação não é criar polêmica mais resguardá-los para o futuro” (SIU).

Li. relata que, quando não está trabalhando, se dedica ao cuidado das crianças. Refere-se à personalidade de cada um, demonstrando os vínculos e convivência intensa que possui com os meninos. Diz que costuma limitar a vida social às condições de saúde das crianças, principalmente J.V..

(...)

Parecer:

De acordo com o exposto acima, s.m.j., parece que, Li. tem exercido a parentalidade adequadamente.

Com relação às vantagens da adoção para estas crianças, especificamente, conhecendo-se a família de origem, pode-se afirmar que, quanto aos efeitos sociais e jurídicos são inegáveis, quanto aos efeitos subjetivos é prematuro dizer, porém existem fortes vínculos afetivos que indicam bom prognóstico. (GRIFEI)

Por fim, de louvar a solução encontrada pelo em. magistrado Marcos Danilo Edon Franco, ao determinar na sentença que no assento de nascimento das crianças conste que são filhas de L.R.M. e Li.M.B.G., sem declinar a condição de pai ou mãe.

Ante o exposto, por qualquer ângulo que se visualize a controvérsia, outra conclusão não é possível obter a não ser aquela a que também chegou a r. sentença, que, por isso, merece ser confirmada.

Nego, assim, provimento ao apelo.

ANEXO C - Casal homossexual consegue adoção de criança no Rio de Janeiro

Por Ronaldo Herdy

Neste domingo (14/5), quando o Brasil inteiro festejar o Dia das Mães, com trocas de presentes e votos de amor eterno em meio a clima de intensa alegria, uma comemoração especial estará acontecendo em um apartamento na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio.

A jornalista Maria Letícia de Sarmento Mariano Cordeiro e a radialista Arlécia Corrêa Duarte, que vivem uma união homoafetiva há cinco anos, celebrarão a recente inclusão desta última como pólo ativo no processo de adoção de C., de 2 anos e seis meses. A decisão é do juiz Sandro Pithan, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso.

Novos precedentes

O direito à adoção de criança por parceiros ou parceiras do mesmo sexo, em união estável, está se tornando realidade no estado do Rio. Ao contrário do que ocorre no Rio Grande do Sul, o Ministério Público fluminense admite a adoção pelas companheiras. No caso inédito, as duas têm guarda provisória do menor até agosto próximo.

A entrevista à Conjur foi marcada por momentos emocionantes como a declaração de Arlete em relação a C. “Eu tenho amor pelo meu filho. É incondicional. Não preciso de um papel para sedimentar tal sentimento em meu coração. O registro legal é importante para possibilitar que ele, hoje e amanhã, usufrua plenamente os benefícios do meu trabalho”, declara a radialista.

A mãe do menor, V.C.S. foi citada em abril último na Ação de Destituição do Poder Familiar. Ela vive em local incerto. Segundo a Defensoria Pública do Estado do Rio, que pela primeira vez trata de caso do gênero, V. nunca prestou qualquer assistência ao filho.

Tanto, que ao ser deixado no Abrigo Lar Luz e Amor, no subúrbio de Bonsucesso, ele não possuía registro civil de nascimento. A certidão está sendo pleiteada no processo, somando-se ao nome C. os sobrenomes da jornalista e da radialista.

No documento de adoção cumulada encaminhado ao Juízo da Infância, Juventude e do Idoso em março do ano passado, a defensora pública Eufrásia Maria Souza das Virgens – “um dos anjos que cruzou o nosso caminho”, diz Letícia – cita registros do Conselho Tutelar de Ramos, um deles reproduzindo laudo médico quando de uma passagem de C. pelo Hospital Estadual Getúlio Vargas: “criança desnutrida, anêmica, desidratada e com infecção respiratória. Nasceu aos sete meses de gestação, não faz puericultura e nem foi amamentada”.

O processo aberto na Justiça fluminense segue o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 1990, entre outras leis. Embora não haja restrição à adoção por parceiros e parceiras do mesmo sexo, casos como o de Letícia e Arlécia ainda causam polêmica.

Respaldo da Constituição

A afirmação de que criança adotada que vive em lar homossexual será socialmente estigmatizada vem sendo pouco a pouco derrubada por pesquisas nas quais se constataram a inexistência de diferenças na identidade de gênero ou na orientação sexual das crianças e adolescentes. Mas muitas pessoas não concordam com os resultados desses estudos.

Na ação que já dura três anos, a Defensoria Pública do Estado do Rio destaca que a adoção homossexual encontra respaldo na Constituição Federal, “que consagra o princípio da proteção integral e prevê a adoção como forma de atender o direito à convivência familiar e comunitária, não havendo qualquer vedação legal ao pedido de adoção por parte de pessoas que mantenham relação de afeto, independentemente de sexo”.

Sublinha, ainda, que requisitos legais estão sendo seguidos, citando a capacidade civil das companheiras, diferença de idade superior a 16 anos entre adotante e adotado e o quadro geral favorável, “uma vez que há convivência de fato com a criança, assistência afetiva, moral e material”.

Primeira vez

Quando Letícia Sarmento se cadastrou no Juizado de Menores, ela o fez identificando Arlete como sua companheira. Nos encontros que se seguiram com psicólogos e assistentes sociais, um ano depois, ambas estavam sempre juntas, assim como lado a lado percorreram os abrigos. “No início deu para perceber que os entrevistadores tinham despreparo face a situação. Não era um preconceito, mas incapacidade em lidar com o fato” explica.

A intolerância, segundo ela, deu as caras dois anos depois, quando identificaram C.no abrigo. “O juiz Sandro Espindola negou todas as guardas provisórias, com aval da Promotoria, deixando de considerar, que o menino estava com pneumonia dupla, subnutrido, coberto com feridas na pele e com o estado emocional tão abalado que seu cabelo não nascia, apesar dele ter 1 ano e três meses”.

De acordo com Arlécia, o menor ficou cinco meses tratando-se com diversos especialistas. Algumas conseqüências ainda se fazem notar, como a volta da pneumonia, apesar da assistência médica.

Quando se sentiram impotentes para tocar o processo, as duas recorreram a amigos e bateram na porta da Defensoria Pública. “Na instituição encontramos pessoas efetivamente interessadas em ajudar” enfatiza Letícia Sarmento, mostrando na mesa da defensora Eufrásia Souza fotos de C. à época e imagens mais recentes.

Como inúmeras outras pessoas no Estado do Rio, as duas reclamam da extrema lentidão do Judiciário fluminense num processo de adoção. “Quem decide ter um filho que não fecundou tem pressa. A gravidez acontece quando você entra no Juizado pela primeira vez. Não deveria ser algo que levasse mais de nove meses” reclama a jornalista, sublinhando que do grupo de 40 pessoas da qual fazia parte há gente esperando até hoje a Carta de Adoção.

Ela afirma ter esperado um ano pela primeira entrevista e quase dois anos até receber a lista com os endereços dos orfanatos e abrigos a visitar. “E olha que para agilizar o processo, além de deixarmos claro nossa estável relação e condições financeiras para cuidar de uma criança, declaramos aceitar qualquer menor com até três anos de idade”.

Finalmente, de posse da relação, achar C. demorou só um mês. “Foi amor à primeira vista”. O primeiro Termo de Guarda Provisória foi emitido dia 12 de abril do ano passado.

Sincera, Letícia não hesita quando perguntada que conselho daria as pessoas que querem ter um filho adotivo. “Vão para fora do Rio. Só conseguimos na cidade porque surgiram anjos da guarda em nosso caminho. Não fosse isso, a burocracia teria nos derrotado. Quase enlouquece a lentidão do andamento do processo. A desinformação é geral, inclusive nos abrigos”.

Não é por menos que passado já tanto sufoco, as duas terão o que comemorar nesse Dia das Mães. Com C. ao lado, claro.

Processos 2003.710.008125-2 e 2005.710.001858-3

ANEXO D - STF dá ganho de causa à adoção por casal gay

Decisão histórica nega recurso do Ministério Público do Paraná contra adoção conjunta  O Supremo Tribunal Federal discutiu pela primeira vez adoção por um casal gay e negou recurso interposto pelo Ministério Público do Paraná, que visava impedir que Toni Reis e David Harrad pudesse adotar filhos em conjunto. A decisão foi proferida no dia 16 de agosto, só vindo a ser publicada no Diário do Supremo Tribunal Federal no dia 24 (abaixo). O relator do caso foi o ministro Marco Aurélio.

Histórico:

Em julho/agosto de 2005, o casal gay Toni Reis e David Harrad deu entrada na Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, para qualificação para adoção conjunta. Em seguida, o casal recebeu a visita da psicóloga e da assistente social da Vara, participou dos cursos de orientação proferidos pela mesma, respondeu os diversos mandados de intimação e disponibilizou literatura e jurisprudência para auxiliar a análise da promotora e do juiz da Vara. Passados dois anos e meio, o juiz deu sentença favorável à adoção conjunta, com as seguintes ressalvas:“julgo procedente o pedido de inscrição de adoção formulado... com fundamento no artigo 50, parágrafos 1º e 2º do diploma legal supracitado, que estarão habilitados a adotar crianças ou adolescentes do sexo feminino na faixa etária a partir dos 10 anos de idade.”O casal, embora feliz pelo reconhecimento da procedência do pedido, considerou as ressalvas discriminatórias e recorreu da sentença.O Tribunal de Justiça do Paraná, determinou que a “limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da orientação sexual dos adotantes é inadmissível. Ausência de previsão legal. Apelo conhecido e provido.” A decisão foi unânime, em 11 de março de 2009 (anexo).O Ministério Público do Paraná propôs embargos de declaração cível.Os magistrados do Tribunal de Justiça do Paraná acordaram, por unanimidade em rejeitar os embargos de declaração em 29 de julho de 2009 (anexo).O Ministério Público do Paraná interpôs Recurso Extraordinário junto ao Supremo Tribunal Federal, alegando a violação do artigo 226 da Constituição Federal e a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo.O Supremo Tribunal Federal negou o recurso do Ministério Público, com base na argumentação do ministro Marco Aurélio, de que a questão debatida pelo Tribunal de Justiça do Paraná foi a restrição quanto ao sexo e à idade das crianças, e não a natureza da relação entre Toni e David, que já convivem maritalmente há 20 anos. Segundo o ministro, o recurso estava em “flagrante descompasso” com a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná.Com a decisão do Supremo, volta a valer a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, de que o casal pode adotar em conjunto, e sem restrição quanto ao sexo ou à idade das crianças.Toni, que é presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), disse “sinto orgulho do STF ter respeitado os artigos 3º e 5º da Constituição Federal, que afirmam que não haverá discriminação no Brasil e que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” Já David se disse “emocionado depois de cinco anos de espera”. “Agora vou realizar meu sonho de exercer a paternidade e ser feliz ao lado do meu marido e nossos filhos”, acrescentou.  

Diário do Supremo Tribunal Federal, 24/08: 

ADVOGADO: 28621/PR - GIANNA CARLA ANDREA

VEICULAÇÃO: 24/08/2010 00:00:00

BOLETIM: SEM NOTA

ÓRGÃO: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

VARA: SECRETARIA JUDICIÁRIA

CIDADE: COMARCA DE BRASÍLIA

JORNAL: DIÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PÁGINA: 147

EDIÇÃO: 157/2010

RECURSOS

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 615.261 (608) ORIGEM: AC - 5299761 - TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL PROCED: PARANÁ.-RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO .-RECTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROC(ES): PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.-RECDO : ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS .-RECDO: DAVID IAN HARRAD ADV: GIANNA CARLA ANDREATTA ROSSI .-DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RAZÕES - DESCOMPASSO COM O ACÓRDÃO IMPUGNADO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra a sentença proferida pelo Juízo, houve a interposição de recurso somente pelos autores. Pleitearam a reforma do decidido a fim de que fosse afastada a limitação imposta quanto ao sexo e à idade das crianças a serem adotadas. A apelação foi provida, declarando-se terem os recorrentes direito a adotarem crianças de ambos os sexos e menores de 10 anos. Eis o teor da emenda contida à folha 257: [...] 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento. 2. Há flagrante descompasso entre o que foi decidido pela Corte de origem e as razões do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná. O Tribunal local limitou-se a apreciar a questão relativa à idade e ao sexo das crianças a serem adotadas. No extraordinário, o recorrente aponta violado o artigo 226 da Constituição Federal, alegando a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão não debatida pela Corte de origem. 3. Nego seguimento ao extraordinário. 4. Publiquem. Brasília, 16 de agosto de 2010. Ministro MARCO AURÉLIO.-RELATOR.-


ABSTRACT: This monograph aims to examine the legal possibility of adoption by homosexual couples on the basis of constitutional principles of human dignity, equality, and full protection of the best interests of the child and affectivity. For the development of the subject, conducted a literature search covering doctrines, scientific articles, laws, magazines, brochures and case law. The work was divided into three chapters, the first of which presents a brief study on the historical evolution of templates and legal families, showing that currently, the presence of the bonds of affection became the main element of preservation of the new entities. In the second chapter of the institute was approached adoption, performing a history of Brazilian laws already were about the subject, moreover, brought the current concept of adoption, the requirements for approval of the request and the constitutional principles guiding this institute. It was found that there was no seal expresses the adoption request formulated by double homoafetivo, noting that not granting his mind in violation of all constitutional principles discussed thus constituting the basis argumentative this chapter as follows. In the third and last chapter, was presented the central theme of this monograph, considering first the stable homoafetiva, recognized by the Supreme Court - STF as a family. Thus, these unions began to plead for the rights resulting from this decision as pension, inheritance and adoption. Subsequent to this, were listed the main arguments for and briefly arguments against adopting homoafetiva. Considering these arguments, it was found that there is no damage to the psychological development of the child / adolescent, as the result of the research cited, moreover, in the absence of the legal norm regulating the joint adoption by homosexual couples, should be applied to existing standard, according to the interpretation of constitutional provisions, therefore, can be applied to same-sex couples, according to the principle of equality which prohibits any form of discrimination / prejudice. Subsequent to this, appeared briefly some jurisprudential decisions favorable to the adoption homoafetiva, noting that even in a slow, the Judiciary walks towards the recognition of this right to same-sex couples. Finally, before all the foregoing, it is understood that the mere absence of legal expression cannot be impeding the right to joint adoption by homosexuals, with a view to proper execution of all fundamental rights and principles set.

Keywords: Adoption. Couple homoafetivo. Constitutional principles.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rhana Pâmela Lobato. Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3660, 9 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24475. Acesso em: 1 maio 2024.