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Preconceito e exclusão nas relações de emprego como fatores comprometedores da qualidade de vida e do desenvolvimento em escala humana dos homossexuais

um olhar interdisciplinar

Preconceito e exclusão nas relações de emprego como fatores comprometedores da qualidade de vida e do desenvolvimento em escala humana dos homossexuais: um olhar interdisciplinar

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Confronta a exclusão social enfrentada pelos homossexuais com conceitos relacionados ao Desenvolvimento Humano proferidos pela ONU através do PNUD e aos Direitos Humanos e busca identificar se há correlação com a qualidade de vida dessa população.

Resumo: O presente artigo é fruto de revisão bibliográfica sobre temas como exclusão social e preconceito dispensado à minoria homossexual especialmente em âmbito empregatício, conceitos de desenvolvimento humano (especialmente os proferidos pela ONU em seus relatórios anuais para o Desenvolvimento Humano elaborados pelo PNUD) e qualidade de vida. Busca compreender as correlações entre a exclusão e o estilo de vida dessa minoria; identificar até que ponto essa exclusão afeta sua qualidade de vida e o seu desenvolvimento na perspectiva humana sob os ditames dos direitos humanos e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, quais sejam: direitos básicos de ser, ao trabalho, ao lazer, a um padrão de vida digno, à instrução, à liberdade, à participação, entre outros.

Palavras chave: Homossexualidade, Exclusão social, Desenvolvimento Humano, Qualidade de vida, Relações de emprego.


INTRODUÇÃO

Trata-se de reflexões obtidas através de dados coletados na pesquisa intitulada "O homossexual e a exclusão social nas relações de emprego na cidade de campo grande sob um ponto de vista sócio-jurídico" do grupo de pesquisa "Diversidade cultural de grupos em processo de inclusão social no Mato Grosso do Sul: Análise sócio-jurídica interdisciplinar" da Universidade Católica Dom Bosco realizada entre 2011 e 2012 confrontados com conceitos de Desenvolvimento Humano, Desenvolvimento na Escala Humana e Desenvolvimento Social utilizados pelo Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) e publicados em seu relatório anual.

Estuda-se no presente trabalho os aspectos correlacionais entre o preconceito e a exclusão social sofrida pelas minorias homossexuais no mercado de trabalho e o desenvolvimento humano abordando os impactos que tais fenômenos discriminatórios causam na qualidade de vida da mão-de-obra homossexual. Usa-se para tal de ensinamentos de diversas ciências, tais como, a sociologia, direitos humanos, geografia, etc.

Sob esse prisma assinala o professor Vicente Fideles de Ávila (2012, p. 12) que o Desenvolvimento não só é correlato à Inclusão Social, pois e apesar dessa aparente ambivalência o que ocorre na realidade é inerência essencial, ou seja, é inconcebível que o Desenvolvimento não seja de natureza substantivamente inclusiva.

Nesse sentido há de se mensurar também que o desenvolvimento não é apenas sinônimo de riqueza, de industrialização, de acúmulo de bens e de capitais, como idealizou Harry Truman quando do seu célebre discurso presidencial de 1947. Desenvolvimento deve ser também sinônimo de qualidade de vida, de viver bem, sem medo, sem terror, significa dizer que “desenvolvido” enquanto adjetivo do sujeito homem deve caracterizar esse sujeito como possuidor não de riquezas (ou apenas riquezas), mas de plenas condições de vida, não bastando isso, mas, condições de boa vida em sentido amplo, pautando-se nos princípios constitucionais de Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade e Igualdade também presentes na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, o desenvolvimento humano difere-se do desenvolvimento econômico, que vê o bem estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, o olhar do desenvolvimento humano procura ver as pessoas diretamente, bem como suas oportunidades e capacidades. A renda é fator relevante, mas insurge-se como elemento de meio para o desenvolvimento, e não como um fim. Trata-se de uma verdadeira desconstrução do sentido de desenvolvimento, sendo uma mudança brusca de perspectiva, pois, no desenvolvimento humano o crescimento econômico é desfocado em favor da pessoa humana.

O conceito de desenvolvimento humano parte do pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é necessário ir além do viés econômico e considerar outras dimensões, sociais, culturais e políticas que influenciam na qualidade de vida humana.

Feitas tais reflexões, fazem-se necessárias as seguintes indagações: o preconceito dispensado às minorias homossexuais no Brasil reflete de que maneira na qualidade de vida dessas minorias? Seria possível dizer que tais minorias gozam de pleno desenvolvimento em escala humana?

As minorias homossexuais no Brasil, como bem se sabe ainda são vistas como pessoas em árduo processo de inclusão social, ou seja, ainda não são pessoas que se encontram incorporadas à sociedade em plenitude, estando claramente à margem desta.

Nesse ponto é possível refletir que a tal cultura do preconceito instituída na sociedade brasileira, assim como o que se chama de heteronormatividade, além da já mencionada sacralidade da família por intermédio do casamento religioso possuem impactos diretos na vida, ou melhor, na qualidade de vida das pessoas homossexuais.

Assim sendo, imagine-se uma situação onde um indivíduo homossexual assumido se lança no mercado de trabalho em busca de uma vaga. Nessa hipótese ele está sujeito à ampla concorrência, e, certamente se encontra em pé de igualdade aos demais concorrentes no que diga respeito à capacidade laborativa e intelectual; cumpre questionar-se, no entanto, se ele terá exatamente as mesmas oportunidades que os concorrentes visivelmente heterossexuais ou se de alguma forma poderá ter tratamento diferenciado nos processos seletivos e quando contratado no dia-a-dia empregatício.

Propôs-se, portanto, abordar essa dinâmica como objeto de estudo e analisar os fenômenos sociais que nascem das inter-relações entre os sujeitos da relação de emprego, o empregado homossexual, o empregador, outros empregados heterossexuais e a clientela e que impactos tais fenômenos geram na qualidade de vida da população homossexual.

Metodologicamente optou-se por realizar a pesquisa pelo viés bibliográfico, revisando obras que tratem dos assuntos abordados, homossexualidade, exclusão social, desenvolvimento humano dentre outros além de dados de pesquisa de campo anterior, realizada pelos autores. A presente pesquisa também é classificável como sendo pesquisa qualitativa, pois, além da natureza exclusivamente bibliográfica da investigação, os pormenores estudados não são quantificáveis.

Posto isso, debruça-se nesse momento sobre um breve levantamento histórico do assunto abordado e sobre conceituações básicas necessárias para a plena compreensão do proposto, além de breve explanação sobre os direitos assegurados às minorias homossexuais no Brasil.


BREVES ASPECTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS

A história está repleta de exemplos onde homossexuais foram perseguidos, ateados à fogueira, fuzilados, torturados, alguns exemplos são a inquisição católica na Idade Média, o Nazismo de Hitler e o Fascismo de Mussolini, dentre outros.

Historicamente a homossexualidade é compreendida como sendo a mera prática de sexo entre indivíduos do mesmo sexo. O termo significa literalmente “sexo entre iguais”, do grego “homos” que significa “igual” e do latim “sexu” que quer dizer “sexo”.

 “Homossexualismo, termo cunhado somente em 1860” (BONFIM, 2011, p. 77-78) “por um médico húngaro” (MARTOS E VIDAL, 1998, p. 7); apesar de sua conotação clínica inicial passou a ser o significado da realidade de indivíduos (humanos ou não) que o tinham como atributo, característica ou qualidade, sendo um comportamento muito comum nos animais, principalmente nos mamíferos, que sentem atração física, estética ou emocional por um indivíduo do mesmo sexo.

Importante esclarecermos que o homossexualismo era tido pela Medicina como doença. Entretanto, a partir de 1985, o Conselho Federal de Medicina não mais considerou o homossexualismo como um desvio ou transtorno sexual e, com isso, o sufixo “ismo” que designa doença foi substituído pelo sufixo “dade” que significa modo de ser. (BIAGINONI, 2005, p. 628).

BONFIM (2011, p.78) ainda nos informa que na Europa a homossexualidade fora tolerada, ou melhor, amplamente difundida, tanto na Grécia quanto no Império Romano, ocorre que, em algum momento da história ouve tipificação da expressão homossexual como sendo crime e isso se irradiou para o Direito Romano.

Ao continuar explanando sobre o tema, o autor acaba revelando que com o declínio do Império e sua divisão em diversos reinos bárbaros houve uma nova onda de tolerância para com a homossexualidade, situação que somente se modificaria no século XIII com a influência da Igreja Católica, sendo o III Concílio de Latrão, de 1179, o primeiro concílio ecumênico a condenar a homossexualidade, instituindo que qualquer um que fosse flagrado cometendo incontinência contra a natureza deveria ser punido, sendo que o grau da pena aplicada dependeria da qualidade do infrator, se clérigo ou leigo. A perseguição, portanto, se acentuou no decorrer da Idade Média, especialmente na era da Inquisição, que tinha como objetivo o ataque aos homossexuais, judeus, muçulmanos, hereges e quaisquer outras pessoas que não espelhassem a pregação e as regras impostas pelo poder político-religioso.

O poder e influência das religiões monoteístas, diga-se o islamismo, judaísmo e cristianismo em especial este ultimo acaba por ainda mais dificultar a instauração de uma ordem de tolerância à condição homossexual.

Na época das Grandes Navegações, Estado e Igreja eram entidades praticamente fundidas, indissociáveis em poder e riquezas, o que levou os reflexos da intolerância também às colônias. Praticamente todas as metrópoles instituíram suas leis antissodomia (sodomia era o termo utilizado para caracterizar a homossexualidade nesse período) nos domínios levando à criminalização com pena de morte da prática homossexual inclusive no Brasil.

As Ordenações Afonsinas (1446), por exemplo, criminalizavam a homossexualidade no Livro Quinto, Título XVII, intitulado “dos que cometem pecado de Sodomia”, com nítida conotação de “pecado religioso” ao crime, expondo que “sobre todos os pecados bem parece ser mais torpe, sujo, e desonesto o pecado da Sodomia”, asseverando que não há outro que aborreça sobremaneira Deus e o mundo, por ser ofensa ao Criador e a toda natureza criada, tanto a celestial como a humana, para ao final estabelecer: “E porque segundo a qualidade do pecado, assim deve gravemente ser punido: porém Mandamos, e pomos por Lei geral, que todo homem, que tal pecado fizer, por qualquer guisa que ser possa, seja queimado, e feito por fogo em pó, por tal que já nunca de seu corpo e sepultura possa ser ouvida memória.” (BONFIM, 2011, p. 78)

A criminalização da dita sodomia percorreu ainda muito da história do Brasil, sendo percebida também nas Ordenações Manuelinas de 1521, que em seu Livro V, Título XII, condenavam à fogueira os sodomitas confiscando a totalidade de seus bens em favor da Coroa independentemente da existência de herdeiros, pois, nas Ordenações de Dom Manuel também estavam previstas a inabilidade e a infâmia dos ascendentes e descendentes do condenado.

Sua majestade Dom Manuel foi além, visto que àqueles que informassem qualquer prática homossexual caberia um terço dos bens confiscados do condenado e, este não possuindo bens a Coroa assegurava ao delator uma quantia de cinquenta cruzados após a prisão do homossexual. Do contrário, se aquele que tivesse o conhecimento de práticas homossexuais e não delatasse à Coroa perderia toda a sua propriedade e seria desmoralizado por toda a vida nos domínios de Portugal.

Aquele que por sua vez soubesse de alguém que deixou de delatar homossexuais e informasse à Coroa receberia um terço dos bens do acusado pela omissão ou vinte cruzados se dele nada pudesse ser confiscado.

Algo que chama atenção nas Ordenações Manuelinas é que na alínea IV da supracitada regra estava prevista a condenação à fogueira pela prática de sexo com animais (zoofilia), porém, não havia confisco de bens, nem a declaração de inabilidade e infâmia no reino dos ascendentes ou descendentes do condenado, ou seja, praticar sexo com animais era crime menos ofensivo à moral que praticar sexo com pessoas do mesmo sexo.

A mesma regra pode ser verificada nas Ordenações Filipinas de 1603 com o diferencial de que o indivíduo homossexual condenado não tinha direito de antes da fogueira ser estrangulado como era previsto nas Ordenações anteriores, era queimado vivo.

Apenas em 1830 a homossexualidade deixou de ser considerado crime no território brasileiro, visto que o Código Criminal de 1830 não tipificou a conduta sodomita como tal.

Pode-se citar também que na atualidade existem diversas ondas de homofobia e intolerância à diversidade sexual em diversos países, principalmente nas nações de maioria muçulmana, onde alguns condenam à morte o indivíduo homossexual.

Na contemporaneidade a homossexualidade é considerada mera condição humana. Nesse sentido, em artigo publicado em seu site pessoal Maria Berenice Dias reflete que para a Psicologia, a homossexualidade é um distúrbio de identidade, e não uma doença, sendo fruto de um determinismo psíquico primitivo, não se podendo taxar como um desvio de conduta ou escolha pessoal. Não sendo uma opção livre, não pode ser objeto de marginalização ou reprovabilidade social ou jurídica. O legislador não pode ficar insensível à necessidade de regulamentação dessas relações.

Em sede de direitos insta salientar que a Constituição Federal de 1988, não por acaso conhecida como a Constituição Cidadã tem como um de seus objetivos primordiais em seu artigo 3º, III reduzir as desigualdades sociais e regionais. Cabe questionar, esse objetivo foi atingido? Estar para ser atingido? Ou é fruto de uma verdadeira utopia do poder constituinte originário? O estudo do desenvolvimento não pode deixar de responder (ou ao menos tentar) tais questionamentos.

Faz-se sumamente importante realçar outros ideais principiológicos da Constituição Federal, dentre eles, os princípios da igualdade ou isonomia, legalidade, liberdade e principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

A Constituição em ser artigo 3º, inciso IV determina que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de descriminação.

No estado de Mato Grosso do Sul já existe uma lei estadual que trata diretamente do tema, a lei 3157 de dezembro de 2005 que dispõe sobre as medidas de combate à discriminação por conta da orientação sexual no âmbito de sua jurisdição.

A referida lei trás dentre outras garantias no inciso IX do seu segundo parágrafo a proibição de negar emprego, demitir, impedir ou dificultar a ascensão em empresa pública ou privada por conta da orientação sexual do indivíduo, o que deixa o estado numa posição de destaque na defesa dos direitos dos homossexuais.


A EXCLUSÃO NA DINÂMICA EMPREGATÍCIA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Diante do explanado seria até compreensível que uma parcela de empregadores sustentando seus dogmas religiosos e suas crenças pessoais se voltassem contra os homossexuais se estes não tivessem também o direito de manifestar em plenitude sua orientação e viver seu estilo de vida sem serem perturbados, bem como o direito a um emprego digno e à total inclusão social.

Contudo, a despeito de reconhecermos a existência de discriminação contra homossexuais relacionada ao trabalho, qualquer estatística que possa ser feita não é confiável por uma razão muito simples: é comum o fato de o indivíduo não reconhecer sua orientação sexual diante do grupo social e sua convivência. Assim, são raros os casos em que um homossexual assumido é demitido ou não contratado em razão de sua preferência sexual. Contudo, a despeito das dificuldades inerentes na mensuração dessa discriminação, as comunidades homossexuais são as melhores para denunciar uma espécie de homofobia por parte dos empregadores. [...] (CRUZ, 2005, p.86)

Nessa linha de raciocínio há de ser trazer à baila a discussão sobre preconceito e discriminação no ambiente de trabalho em função da orientação sexual do empregado. Não somente por parte do empregador, pois, como bem se sabe preconceito e homofobia são fenômenos muito presentes na sociedade brasileira e, portanto, é preciso verificar também a ocorrência de tais fenômenos em âmbito empregatício.

O preconceito homofóbico em âmbito trabalhista é algo verdadeiramente velado em função da estrutura do sistema contemporâneo de trabalho, tanto a existência de hierarquias, quanto a realidade socioeconômica do povo brasileiro contribuem ainda mais para a manutenção desse sistema de “preconceito no escuro”, o simples temor de perder o emprego torna o indivíduo homossexual presa fácil desse tipo de acontecimento. Se sujeita ao preconceito por temor de perder o emprego.

Assim o é também com as piadas, as chacotas e as brincadeiras revestidas de preconceito. O gay frequentemente é o sujeito principal desse tipo de diversão, ainda que de forma inconsciente ou até mesmo inocente o preconceito contra homossexuais sempre se faz presente.

JOÃO BATISTA PEDROSA (2010, p. 146), trata do assunto como uma questão cultural, quando nos diz que o problema da homofobia, definida como aversão à homossexualidade e aos homossexuais, é que muitos de nós não gostamos de homossexuais, simplesmente porque são homossexuais. Não gostamos deles porque aprendemos desde cedo que a homossexualidade é um comportamento não aceito pela cultura. Assim como aprendemos a ser racistas, declarando nosso desprezo pelo negro. Tudo que aprendemos que é aversivo na comunidade em que vivemos, nós rejeitamos.

O grau de diferença é medido por questões religiosas, políticas, culturais etc. Em todos estes parâmetros, o homossexual é tido como uma aberração social. A religião o rejeita, a política não abre espaço para pessoas como eles e a cultura brasileira é machista. Tamanha aversão gera a violência contra eles. (FILGUEIRAS JÚNIOR, 2009, p. 272-273)

Mauss (1924) sendo citado por OLIVEIRA E PAOLI (2000, p. 216) leciona que:

Nestes fenômenos sociais “totais”, que é como nos propomos a denominá-los, todos os tipos de instituições ganham expressão num único e mesmo momento – religioso, jurídico e moral, as quais se referem tanto à política quanto à família; o mesmo acontece quanto às instituições econômicas, que supõem formas especiais de produção e de consumo, ou antes, de desempenhar os serviços totais e de distribuição.

Partindo desse pressuposto numa análise de probabilidade identificamos os três sujeitos da relação de emprego, o empregador, o empregado e a clientela. De um ponto de vista social e antropológico as variáveis ideológicas, religiosas, políticas e culturais são inúmeras e cabe questionar quais os fenômenos sociais decorrentes das reações múltiplas possíveis se confrontadas tal variedade de ideologias, religiões, visões políticas e culturas?

Muito provavelmente estaríamos diante de algo quase impossível de ser constatado, afinal pode-se deduzir que séculos e séculos de pesquisa árdua seriam necessários para responder a questão proposta. No entanto, se restringidos forem essas variáveis seria possível identificar os fenômenos decorrentes da sua confrontação.

Assim refaz-se o questionamento, quais os fenômenos sociais decorrentes das reações múltiplas possíveis se confrontadas tal variedade de ideologias, religiões, visões políticas e culturas no contexto empregatício, com foco no empregado homossexual num território específico, uma cidade, por exemplo? Certamente seria ainda algo grandioso a ser atingido, mas verdadeiramente possível.

Do ponto de vista da identidade é possível assegurar com fulcro em LOURO (1999, p. 19) que duras penas são enfrentadas pelo homossexual por conta da “cultura do preconceito” como fator relevante para dificuldade de convivência social que o grupo enfrenta no dia-a-dia, inclusive nas relações empregatícias quando a autora diz:

Como se a homossexualidade fosse “contagiosa”, cria-se uma grande resistência em demonstrar simpatia para com os sujeitos homossexuais: a aproximação pode ser interpretada como uma adesão a tal prática ou identidade.

O que nos leva a deduzir que os indivíduos por mais que intimamente não rejeitem o estilo de vida homossexual, por temerem serem incluídos no grupo e, logo, rejeitados  pelos demais acabam agindo de maneira homofóbica.

Nessa vertente de pensamento pode-se, portanto, afirmar que um empregador por mais que não seja homofóbico, por temer ser taxado de “homossexual” ou “simpatizante” se intimida de tal forma no momento de admitir em sua empresa um colaborador gay que acaba por agir de forma discriminante e preconceituosa e criando resistência àquele candidato excluindo-o da seleção apenas por ser homossexual.

A exclusão social definitivamente isola da maioria determinada minoria, que possui identidade própria tendo em vista que compartilham ideologias, modismos e estilos de vida que a identifica perfeitamente. Assim é com os homossexuais, pois, carregam em si e consigo características próprias que os tornam ilha na sociedade e à margem desta.

Os valores e padrões comportamentais, originários na própria minoria, são um fator não menos importante do que diferenças físicas, como a cor de pele, cuja “solução” depende mais da mudança de atitudes da maioria [...]. (PINSKY E PINSKY, 2003, p.79)

Há de se homenagear também a diversidade humana, pois, toda essa análise seria impossível se não fossem as já mencionadas diversidades ideológica, religiosa, política e cultural, típicas do comportamento humano e social, sem as quais a sociedade humana em muito se assemelharia às sociedades das abelhas, formigas ou cupins, onde cada um de seus membros possui um papel social pré-definido e estático por toda sua existência.

Sob esta dimensão, mesurar a dignidade sob o enfoque da orientação sexual oblitera a liberdade e aniquila a autonomia pessoal num momento em que se discute a juridicização do multiculturalismo como resposta do Direito à diversidade e à diferença nas sociedades pluralistas igualitárias. A política do reconhecimento verte-se como ponto fulcral no liberalismo de John Rawls, na teoria da diversidade de Jürgen Habermas, no democratismo de Charles Taylor, todos convergindo em favor da conjugação isonômica da cidadania. (ROCHA, 2011, p.146)

A diversidade cultural refere-se “à multiplicidade de formas em que se expressam as culturas dos grupos e sociedades. Estas expressões se transmitem entre os grupos e as sociedades e dentro deles”.  Esta diversidade cultural “é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para os organismos vivos e constitui o patrimônio comum da humanidade, que deve ser reconhecido e consolidado em benefício das gerações presentes e futuras”. (CHIRIBOGA, 2006, p. 44)

Em dias de campanha assídua em favor da diversidade humana, do respeito aos direitos humanos, aos princípios constitucionais e a individualidade do homem enquanto ente dotado de direitos é inegável que a pertinência temática ora apresentada se enquadra no ideal de pesquisa proposto.

[...] nomeie-se como decisiva contribuição à modernidade democrática brasileira, o Programa Nacional de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB (Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais) e de Promoção da Cidadania de Homossexuais “Brasil sem Homofobia”, aprovado pelo Governo Federal e em vigor desde 2004, por intermédio do qual se instituiu políticas públicas de combate à discriminação, à promoção da cidadania homossexual e à construção de uma cultura de paz e valorização da diversidade humana. (ROCHA, 2006, p. 163)

Como já dito, não se pode imaginar o desenvolvimento como sendo sempre algo econômico, financeiro, visível ou facilmente identificável por qualquer outro dos sentidos humanos. Desenvolver pode ser compreendido como sinônimo de evoluir e, sob essa perspectiva “Desenvolvimento Humano” pode ser expressão que também identifica o desenvolvimento social, moral e intelectual de uma sociedade específica, de uma comunidade, de um grupo social ou “apenas” de pessoas.

Dessa forma, não desmerecendo outras concepções de desenvolvimento, advoga-se pela importância do estudo do desenvolvimento como sendo algo social e humano. Maria Berenice Dias (2008) muito sabiamente leciona que:

As relações sociais são dinâmicas. Não compactuam com preconceitos que ainda se encontram encharcados da ideologia machista e discriminatória, própria de um tempo já totalmente ultrapassado pela história da sociedade humana. Necessário é pensar com conceitos jurídicos atuais, que estejam à altura de nosso tempo.

Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) em seu relatório de 1995 formulou o conceito de desenvolvimento humano que em outras palavras, afirma que “Desenvolvimento Humano” é algo muito mais abrangente que as teorias convencionais de desenvolvimento econômico, que medem o desenvolvimento conforme o crescimento do Produto Nacional Bruto. Desenvolvimento Humano preconiza a melhoria na qualidade da vida humana, considera o ser humano como um insumo do processo produtivo. Defende que o ser humano não é agente de mudança do processo desenvolvimentista, mas sim, beneficiário.

No conceito de desenvolvimento humano entram a produção e a distribuição de produtos, a ampliação e o aproveitamento da capacidade humana. Além disso, enfatiza o caráter sustentável do processo de desenvolvimento e defende a proteção das oportunidades de vida das gerações futuras, das gerações atuais e o respeito pelos sistemas naturais de que depende toda a vida.

Assim sendo, reforça COROLIANO (2000):

O respeito e a proteção aos direitos humanos são bases essenciais para que se promova o desenvolvimento social e se possa construir uma sociedade humanizada. Sociedade humanizada é entendida como aquela que garante o necessário à vida digna de todos os cidadãos, com tranqüilidade no relacionamento social, com possibilidades de intercâmbios entre os povos e com a construção de bases confiáveis para a vida social, e uma sociedade sustentável. Tudo isso, é condição imprescindível para preservação da dignidade humana e da própria sociedade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU,1948) aponta esses rumos e dá diretrizes para a promoção do desenvolvimento na escala humana. Trata do direito de ser, direito ao trabalho, ao lazer, a um padrão de vida digno, à instrução, à liberdade e à participação.

Feitas tais ponderações é razoável concluir que o desenvolvimento humano só é possível com o pleno respeito às particularidades humanas e que a massificação do homem ou a generalização da humanidade   é fenômeno lesivo que vai de encontro aos princípios do desenvolvimento humano, que se pautam sempre na dignidade da pessoa humana.

Cumpre, portanto, para que se possa entender as correlações entre exclusão, desenvolvimento humano e homossexualidade compreender os fenômenos excludentes dispensados aos homossexuais.


TIPOS DE EXCLUSÃO IDENTIFICADOS

Em singelas linhas, pode-se dizer que num senso comum, a maioria da população não compreende o dinamismo das formas de exclusão.

Em trabalho anterior, MAIA LIMA E DORSA (2013) analisando a realidade do homossexual na dinâmica do mercado de trabalho de Campo Grande perceberam que na dinâmica do mundo empregatício em que se envolvem os homossexuais grande parte dos próprios homossexuais admite que sofreu ou sofre algum tipo de ação ou omissão excludente. Os autores identificaram os seguintes fenômenos excludentes: preconceito, discriminação, exclusão social e intolerância, e estes serão o ponto de partida do que será abordado abaixo.

Basicamente afirma-se que o preconceito é a forma genérica que se manifesta esses fenômenos excludentes, mas, no entanto, não é a única possível. Nesse sentido, o preconceito torna-se gênero, ao passo, que as demais formas de exclusão passam a ser espécie. Atreve-se a dizer que isso ocorre por conta da falta de profundidade no conhecimento médio do brasileiro acerca dessas particularidades conceituais.

Dessa forma, se faz importante o estudo dos fenômenos excludentes, ao menos os principais ou mais comuns nas relações de emprego, iniciando-se, claro, pelo preconceito.

TERRY EAGLETON (1999, p. 14) ensina que Marx em sua filosofia eminentemente materialista asseverava que na história humana, o “ser social” determina a consciência e não vice-versa, ou seja, “a vida não é determinada pela consciência, mas a consciência pela vida”.

Implica em dizer que o ser humano nasce sem a noção de preconceito e que o mundo a sua volta, o mundo materialista tempera de tal forma sua consciência que esta passa a existir em função daquele, ou seja, em função do contexto em que se encontra inserido o indivíduo.

As idéias da classe dominante são em cada época as idéias dominantes, isto é, a classe que constitui a força material da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção material detém ao mesmo tempo o controle sobre os meios de produção espiritual, de tal modo que, em geral, as idéias daqueles que carecem dos meios de produção espiritual ficam sujeitas a esta classe. As idéias dominantes são nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes concebidas como idéias. (EAGLETON, 1999, p. 16-17)

Assim, ainda sob a ótica de Marx, EAGLETON (1999, p. 17) afirma que “se os problemas teóricos cruciais estão ancorados em contradições sociais, então só podem ser resolvidos politicamente, em vez de filosoficamente”, o que leva a entender que o ideal para a resolução de um conflito social seja a filosofia, mas que se tal problema emerge de contradições sociais, como o preconceito, por exemplo, o caminho filosófico, a reflexão, portanto, se torna inexequível em face da política. Ou seja, uma medida política/jurídica se impõe frente à complexidade de determinado problema em busca de solucioná-lo.

Homossexualidade, conforme afirma uma gama de autores, como MARTOS (1998, p. 9), por exemplo, é condição humana, no entanto, o preconceito contra homossexuais estabelecido é verdadeiro problema social nascido das ideias de uma classe dominante.

Em linhas simplórias significa dizer que o homem nasce livre do preconceito, mas, com seu desenvolvimento intelectual agrega as ideias dominantes no mundo material em que está imerso. No Brasil, por exemplo, sua educação se dará mediante conceitos judaico-cristãos que o levarão a compartilhar de ideias como, por exemplo, “ser gay é imoral e viola as leis divinas” – eis o desabrochamento de inúmeros sentimentos e valores, seja positivos ou negativos, o preconceito é um deles.

Preconceito é na visão de PINSKY E ELUF (1997, p. 106) “de uma irracionalidade racional, por mais paradoxal que a formulação pareça”. Ele se volta contra as chamadas minorias de qualquer espécie. Os autores se referem aos fenômenos de absorção e suplantação sociais, onde a maioria pressiona as minorias a tal ponto que estas perdem suas identidades e acabam se confundindo com a grande massa e finalmente por essa absorvidos.

Percebe-se, portanto, que o conceito de minoria é ideológico, socialmente elaborado e não aritmeticamente constituído. Daí decorre uma minoria manifestando-se, preconceituosamente, contra outra; é, geralmente uma tentativa desesperada e vã de se identificar como o “majoritário”, ao repetir seu discurso preconceituoso. É o caso do motorista de ônibus negro e mal pago que se sente por um momento, branco e rico ao berrar um sonoro “´Ó, dona Maria porque não vai pilotar o fogão?” a uma senhora dirigindo seu fusquinha. Nesse instante, ao marcar a sua diferença com relação a ela, ele se identifica com a maioria ideológica. Claro que, com essa atitude, o preconceito marca mais um tento, já que é reproduzido e legitimado pela própria vítima.

Contribuindo para o assunto LOPES (2006, p. 68) esmiúça:

J. S. Mill, há quase duzentos anos, chamava a atenção para o perigo de a democracia suprimir as liberdades individuais (a liberdade moral dos indivíduos) em nome do processo representativo das maiorias. Dizia ele: “atualmente, a tirania da maioria é normalmente incluída nos males contra os quais a sociedade precisa ser protegida”. E mais: a “maioria pode ser uma parte que deseja oprimir outra parte”. Por isso, concluía Mill, a única liberdade que merece o nome de liberdade é a de buscarmos nosso próprio bem, à nossa própria maneira, desde que não impeçamos ninguém de fazer o mesmo (Mill, 1974, p. 138). Devlin, ao contrário, diz que o critério é o do “homem comum”, da pessoa honesta (rightminded): a imoralidade é, pois, o que a pessoa honesta considera imoral. Logo, não é a moral da maioria, mas a moral do homem comum que deve inspirar o legislador. No caso dos homossexuais, a questão se resolve com simplicidade: tanto a maioria quanto o imaginado “homem comum” condenam as pessoas e as práticas homossexuais.

BULLA, MENDES E PRATES (2004, p. 35-36) citando Castel apontam que a questão social em suas atuais configurações, transparece na desagregação ou degradação da função integradora do trabalho na sociedade, no quadro do que podemos chamar de uma sociedade salarial, na desmontagem do sistema de proteções e nas garantias vinculadas ao emprego e na desestabilização da ordem do trabalho, que repercute como uma espécie de choque em diferentes setores da vida social. Analogamente pode-se imaginar processo semelhante com homossexuais como atores principais.

Essa realidade é resumida por Castel, segundo as autoras (op. cit.) em três questões: a chamada desestabilização dos estáveis, em que trabalhadores, antes inseridos, perdem seus postos ou são considerados velhos para serem reciclados; a instalação na precariedade, em que são oferecidos empregos temporários, em condições precárias, especialmente para os jovens, que enfrentam o desemprego precoce, e, finalmente, a constatação da existência de um perfil de pessoas que poderiam ser chamadas de sobrantes, as quais Castel, conforme as autoras, define como pessoas que não têm lugar na sociedade, que não são integradas, e talvez não sejam integráveis no sentido forte da palavra a ela atribuída, ou seja, em que estar integrado é estar inserido em relações da utilidade social, relações de interdependência com o conjunto da sociedade.

Conforme atestam as supracitadas autoras Castel definiu a exclusão social como sendo o ponto máximo atingível no decurso da marginalização, sendo este, um processo no qual o indivíduo se vai progressivamente afastando da sociedade através de rupturas consecutivas com a mesma.

As classes ou grupos que sofrem exclusão social automaticamente experimentam o fenômeno social chamado marginalização, que é o processo de se tornar ou ser tornado marginal, no sentido de confinar-se ou confinar a uma condição social inferior, à margem da sociedade. LENOIR (1974) define os indivíduos excluídos como verdadeiros resíduos da sociedade.

Por outro lado, a palavra discriminação com o sentido moderno de tratamento diferenciado, segundo FIRMINO LIMA (2005, p.9) surgiu no século XIX nos Estados Unidos da América.

No célebre dicionário Aurélio, de autoria de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o verbo discriminar tem origem no latim discriminare, entendo tal as atitudes de diferenciar, distinguir, discernir, separar, especificar, extremar, e estabelecer diferença. No verbete discriminação, o referido dicionário aponta para os sentidos de ato ou efeito de discriminar, faculdade de distinguir ou discernir, discernimento, separação, apartação, segregação, e traz definições da física e economia. (LIMA, 2005, p. 12)

O autor ainda ensina que a Consolidação das Leis do Trabalho utiliza várias vezes a palavra discriminação ou discriminar, no entanto, sem o sentido de tratamento diferenciado, mas com o sentido de especificação ou indicação precisa. Com o advento da Lei 9.799 de 1999, acresceu-se à Consolidação a palavra discriminação como tratamento diferenciado, até mesmo descrevendo como tal as condutas reprovadas pela referida norma.

Ademais, insta salientar que tolerância e intolerância são fenômenos sociais próprios da sociedade diversificada. SELAIBE (2009) revela que a tolerância como ato político foi proposta por John Locke em 1689 em sua “A Epístola sobre a Tolerância”, assevera ainda a autora que:

A tolerância é um valor por princípio defendido pelos regimes democráticos, ainda que nem sempre seja devidamente levada em conta nas relações humanas; e a cada vez que o princípio da tolerância é ferido, vozes se levantam para relembrar seu valor. Note-se que a tolerância – como a admissão do direito à diferença – é uma conquista do processo civilizatório, é característica do Ocidente e é fruto do Iluminismo.

Intolerância em contrapartida é o sentimento ou valor contrário, arraiga-se na cultura do ódio e está ligada a certas ideologias. SELAIBE (2009) em seu estudo sobre o binômio ainda ensina que “a violência e a intolerância são praticas coexistentes” e que “são ataques que desconsideram o direito da alteridade”.

Quando temos laços de identificação com o outro podemos reconhecê-lo como semelhante a nós e, ao mesmo tempo, separado e diverso de nós. Nessa dinâmica, a civilização tem de oferecer algo que valha a pena pela inclusão – contrariamente à exclusão e à intolerância das diferenças tão frequentes nos nossos dias. (SELAIBE, 2009)

Levando-se em consideração que intolerância e violência são indissociáveis, SELAIBE (2009) define violência ao homossexual da seguinte maneira:

Entenda-se como “violência ao homossexual” qualquer conflito em que a sexualidade mitiga a própria dignidade humana do gay em suas mais diversas acepções, ou seja, o bullying no local de estudo, a humilhação pública, o assédio moral no ambiente de trabalho. Enfim, a violência, seja física, psicológica, moral ou patrimonial, denigre a condição de “ser humano” que o homossexual, não obstante a sua orientação sexual, é detentor.

Posto isto, facilmente se pode afirmar que em muito os fenômenos excludentes afetam o dia-a-dia do individuo homossexual enquanto trabalhador. Assim sendo, o afeta também diretamente como pessoa, como ser humano e consequentemente sua dignidade.           

EM TOM DE CONCLUSÃO: A MITIGAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DOS HOMOSSEXUAIS – UMA QUESTÃO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

MAIA LIMA E DORSA (2013) analisando a realidade do homossexual na dinâmica do mercado de trabalho de Campo Grande – MS concluíram que apesar do estado de Mato Grosso do Sul possuir uma lei estadual que proíbe diretamente a dificuldade de ascensão de emprego por conta da orientação sexual do indivíduo, bem como qualquer forma de discriminação por conta da orientação sexual em âmbito empregatício, na cidade de Campo Grande existem em proporções elevadas preconceito e exclusão social aos homossexuais no mercado de trabalho. E que, ao longo do dia-a-dia empregatício verifica-se tratamento diferenciado em relação ao empregado homossexual, seja pelo empregador, pelos colegas de trabalho ou pela própria clientela.

[...] O Estado preocupou-se em legislar, são garantidos aos homossexuais plenos direitos de igualdade e liberdade, mas como verificado, na prática, na dinâmica trabalhista não se tem a total garantia desses direitos. De um lado, temos um indivíduo marginalizado precisando auferir seu salário; do outro temos uma maioria, preconceituosa e numa situação de maior conforto sobre aquela, é, portanto, óbvio que o mais fraco e em menor número se sujeitará na maioria das vezes às imposições do mais forte e em maior número. Alguns homossexuais convivem diariamente com heterossexuais que os reduzem à piadas, mas a necessidade de auferir seu sustento os leva à sujeição em relação a estas condições discriminatórias (MAIA LIMA e DORSA, 2013).

Por tudo que foi abordado, ousa-se dizer que não se pode ter qualidade de vida quando diariamente sofre-se o terror do preconceito e da marginalização. Nesse sentido são claramente perceptíveis os reflexos do preconceito e da marginalização, dentre outros fenômenos no contexto do desenvolvimento humano e os impactos eminentemente negativos que tais fenômenos excludentes provocam na vida das pessoas homossexuais.

O desenvolvimento na perspectiva humana (e também social) representa um conjunto de fatores que assegure um bom nível de vida à determinada população, fazendo surgir o bem estar humano. Assim o PNUD (2010, p. 59) menciona o desenvolvimento humano como sendo:

Um processo mediante o qual se oferece às pessoas maiores oportunidades. Entre estas, as mais importantes são uma vida prolongada e saudável, educação e acesso aos recursos necessários para se ter uma vida decente. Outras oportunidades incluem a liberdade politica, a garantia dos direitos humanos e o respeito a si mesmo. [...] é obvio que a renda é só uma das oportunidades em que as pessoas desejariam ter, ainda que certamente muito importante. Mas a vida na se reduz somente a isso. Portanto, o desenvolvimento deve abarcar mais que a expansão da riqueza e da renda. Seu objetivo central deve ser o ser humano.

Usa-se nesse momento as ideias de OLIVEIRA (1998, p. 6):

[...] só se pode compreender o sentido dos Direitos Humanos na medida em que os considerarmos como princípios norteadores da ação pública dos Estados e dos cidadãos, ou seja, eles constituem o horizonte normativo, que articula o conjunto de exigências decorrentes da dignidade do ser pessoal e, pôr esta razão, inspiram projetos históricos que devem conduzir a transformações profundas na vida humana no sentido de humanizar as condições reais de vida das pessoas.

Uma vida calcada nos princípios de dignidade humana é certamente uma vida com qualidade, nesse sentido, segundo concepções de Catherine WALSH (2010), a noção de qualidade de vida é entendida como a possibilidade de satisfazer as necessidades básicas do ser humano. Refere-se ao bem estar do indivíduo que são ser, ter e fazer, além de subsistência, proteção, afeto, compreensão, participação, criação e lazer.

Segundo a autora, a possibilidade do desenvolvimento não repousa na sociedade em si, mas sim nos indivíduos que a compõem, o desenvolvimento depende da forma com que as pessoas assumem suas vidas, quando os indivíduos têm o controle de suas vidas, atuando sobre suas condições de vida, então, tem-se desenvolvimento.

Esse binômio principiológico – o indivíduo e a qualidade de vida, são sustentados por critérios chaves, pontua a autora, quais sejam: liberdade, autonomia, coexistência e inclusão social. As duas primeiras encorajam a ação individual, a força de vontade e a determinação; a capacidade do individuo de exercer controle sobre sua própria vida é central para o desenvolvimento humano e para a expansão das liberdades humanas.

Diante disso, analisando-se sob a perspectiva de qualidade de vida acima descrita a realidade das populações homossexuais em Campo Grande - MS ousa-se sugerir que tais pessoas não podem ser chamadas de “protagonistas de si mesmas”, pois, conforme explanado anteriormente quando se vive numa sociedade onde se é minoria, excluída, marginalizada não se é automaticamente controlador da própria vida.

O direito de ser é violado a todo instante, pois, a todo o momento a regra genérica é imposta: “comportar-se de tal forma, vestir-se de tal forma, falar de tal forma, etc.”. Nesse sentido, restam comprometidos também praticamente todos os outros direitos elencados pela autora, em especial o direito de afeto, de compreensão e de participação.

Logo, é plausível afirmar que nessas condições as populações homossexuais não gozam do pleno controle sobre suas vidas e consequentemente não gozam de uma vida digna, com qualidade, bem como não gozam do desenvolvimento em escala humana, visto que aquela é requisito para este.

MAX-NEEF (1993) fala em economia do ser, fazer e estar, que é uma nova proposta de desenvolvimento que centraliza o homem e prega que os indivíduos possam pensar e assim julgar o que é necessário para a satisfação de suas necessidades em escala individual e coletiva, e utilizar dessa reflexão para encontrar e traçar seu próprio caminho para o desenvolvimento. Ora ninguém melhor que o próprio indivíduo para saber e julgar o que lhe é útil e necessário.

Nessa vertente as minorias homossexuais lutam não por condições econômicas melhores, mas pela igualdade, sendo a primeira mera consequência da segunda. Assim sendo, os homossexuais são tratados de forma igual no momento de cumprir seus deveres como cidadãos, quando votam, quando pagam impostos, quando se sujeitam às leis. Mas porque não são tratados de forma igual quando se analisa a contrapartida do Estado e da sociedade?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é um conjunto básico de diretrizes e exigências no que toque à dignidade do ser humano e aponta o Estado como ente garantidor de tal dignidade para todos, algo, referendado pela Constituição Federal, mas de fato se têm essa garantia para todos?

Atreve-se a dizer que não e advoga-se no sentido de que enquanto não for desvinculada a exclusão dos indivíduos homossexuais, não se poderá falar em qualidade de vida, não se poderá falar em dignidade humana, não se poderá falar em desenvolvimento humano para essas pessoas.

Quando as pessoas em sua totalidade tem assegurada a dignidade na vida cria-se um padrão positivo, pois, assegurados estão àqueles direitos proferidos pelo PNUD e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, quais sejam, o direito de ser, o direito ao trabalho, ao lazer, a um padrão de vida digno, à instrução, à liberdade e à participação e assim diz-se ser uma sociedade desenvolvida. Enquanto perdurarem classes ou grupos sociais à margem dessa constante, impossível é definir uma sociedade como humanamente desenvolvida.

Nessa linha de raciocínio as populações homossexuais carecem quando do preconceito em âmbito empregatício do básico direito da dignidade da pessoa humana, pois, quando não se pode ser o que é em plenitude, sob a constante ameaça de se ver prejudicado por conta de sua condição, simplesmente não se goza de qualquer tipo de dignidade enquanto pessoa. E, quando não se goza da dignidade, não se tem a efetividade dos direitos humanos e constitucionais aqui mencionados.

Finalmente, quando se questiona de que maneira reflete-se na qualidade de vida das minorias homossexuais se o preconceito a elas dispensado, pode-se dizer que simplesmente a compromete em sua totalidade, só não inviabilizando-a porque a qualidade de vida não é um resultado de somente uma variante, sendo necessário o estudo das demais constantes para uma conclusão mais aprofundada.

É possível também dizer que a tais minorias não gozam de desenvolvimento humano, pois, esta é uma qualidade composta necessariamente de uma série de fatores e na inobservância de apenas um deles não se têm o desenvolvimento pleno, e, notadamente uma vez comprometida a qualidade de vida dessas pessoas, comprometido é também seu desenvolvimento em escala humana.  


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Autores

  • Arlinda Cantero Dorsa

    Orientadora e Docente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local e graduação em Direito – Universidade Católica Dom Bosco. Doutora em Língua Portuguesa – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006).

    Textos publicados pela autora

  • Henrique Maia

    Advogado e Cientista Social, Doutorando em Ciências Sociais (PUC/SP) Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB), Pós-Graduado em Psicologia Jurídica (UNIASSELVI). Realiza pesquisa nas áreas de Direitos Humanos, Desenvolvimento Humano, Diversidade de Gêneros, etc.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORSA, Arlinda Cantero; MAIA, Henrique. Preconceito e exclusão nas relações de emprego como fatores comprometedores da qualidade de vida e do desenvolvimento em escala humana dos homossexuais: um olhar interdisciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3920, 26 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27083. Acesso em: 24 abr. 2024.