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Princípios norteadores do sistema jurídico empresarial: análise crítica

Princípios norteadores do sistema jurídico empresarial: análise crítica

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Breves definições, seguidas de comentários acerca dos principais Princípios essenciais ao direito empresarial/societário.

PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

                                   No Brasil,  consagra-se em nossa Carta Maior como símbolo democrático da nossa república federativa e também como garantia de direitos fundamentais, o magnânimo artigo 5º, o qual, no âmbito empresarial brasileiro, temos o princípio da livre associação, explicitando a sua dimensão positiva, qual seja:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; (grifei)

                                  Também expressa sua dimensão negativa, qual seja:

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

                                   Sendo assim, o princípio da liberdade de associação é um dos maiores, se não maior, no tocante as decisões que norteiam não só o âmbito empresarial, como também todo o sistema jurídico brasileiro, a exemplo, muitas discussões a respeito de associação a sindicatos e contribuições descontadas de formas indevidas. Abaixo decisão do C. TST:

PROC. Nº TST-AIRR-2986/2003-076-02-40.6 fls.1 PROC. Nº TST-AIRR-2986/2003-076-02-40.6 A C Ó R D Ã O 6ª Turma MGD/vln/md AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE RE VISTA. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL PA TRONAL. NÃO-SINDICALIZAÇÃO. Segundo a jurisprudência hoje dominante, a liberdade de associação constitucionalmente assegurada impede a imposição de contribuição assistencial a empregados e, também, a empregadores não associados em favor do respectivo sindicato profissional, sob pena de afronta direta ao princípio da liberdade de associação, constitucionalmente assegurado nos arts. 5º, XX, e 8º, V, da CF. Aplicação analógica do Precedente Normativo 119/SDC/TST. e da Súmula 666/STF. A gravo de instrumento desprovido .

                                    Desta feita, o direito de associação consiste em um direito fundamental individual pautado na liberdade, conferindo ao individuo atuar com autonomia de vontade.

                                    A autonomia da vontade na liberdade de associação deve ser plena, não devendo existir, de forma alguma, interferência do Estado, salvo nos casos previstos expressamente na Constituição.

                                   Assevera ainda a esse respeito o art. 5º, inciso ll da Carta Maior:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei

                                    Sendo tal direito de associação algo baseado pura e simplesmente na liberdade, as associações podem existir, permanecer, desenvolver e expandir-se livremente, conforme prega o inciso XVll do art. 5º da CF.

                                     É interessante notar que tais dispositivos, quando interpretados nos remetem a quatro direitos, vejamos:

  1. O de criar uma associação, independentemente de autorização, quando cumpridos obviamente os requisitos legais;
  2. O de inscrever-se em qualquer associação, pois como vimos ninguém é obrigado a associar-se;
  3. O de desligar-se da associação, pois ninguém será obrigado a permanecer associado;
  4. E por fim, o de dissociar espontaneamente a associação, já que não se pode forçar uma associação a existir.

PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL DA SOCIEDADE

                                   A partir da constituição de uma sociedade e o nascimento da pessoa jurídica, mediante registro, se consagra um dos grandes princípios empresariais, qual seja, o princípio da autonomia patrimonial, cuja aplicação está em distinguir o patrimônio pessoal do sócio para com o patrimônio social.

                                   Consoante entendimento do Ilustre Jurista, Ricardo Fiúza:

“A aquisição da personalidade jurídica pela sociedade, simples ou empresária, depende da inscrição de seu ato constitutivo no registro próprio. No caso da sociedade simples, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. No caso das sociedades empresárias, no Registro Público de Empresas Mercantis”.

                                    Tal princípio é a mais importante consequência da aquisição da personalidade jurídica, pois com a formação do patrimônio social (capital social e divisão da quotas), este distinto do patrimônio de seus sócios,  tem-se a redução dos riscos do exercício da atividade empresarial, criando uma segurança jurídica aos sócios.

                                    Nas palavras do Professor Fábio Ulhoa Coelho:

“Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra pelas obrigações da sociedade”. (COELHO, 2010b, p. 16)

                                   Vale observar que, através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, este princípio vem a ser rompido. Porém, em nosso sistema jurídico atual, expressamente vê-se que não raro é tal desconsideração por dolo ou culpa social, isto é, a sociedade age segundo os termos do artigo 50 do código Civil, como também ao artigo 28 do CDC.

                                   O Código civil inova a esse respeito, estabelecendo como motivo suficiente para justificar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica as situações de confusão patrimonial.

A confusão patrimonial em mera síntese consiste na transferência de bens do sócio para a sociedade ou vice-versa, com o intuito de encobrir atos praticados pelo sócio em desencontro com a lei.

                                   Não obstante, no âmbito da justiça do trabalho, contempla-se na atualidade, certa banalização defrontante à este principio nos processos de execução.

PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS PELAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS

                                   Rege o princípio da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, a reponsabilidade de cada sócio perante a sociedade, isto é, o compromisso de cada um para arcar com as obrigações.

                                   Como vimos anteriormente, após a aquisição da personalidade jurídica, sócio e sociedade tornam-se sujeitos distintos, cada um com seus próprios direitos e deveres. Logo as obrigações de um não podem ser imputadas ao outro.

                                   Entretanto essa regra comporta exceções.

                                   Vejamos o que prega nosso Código Civil a esse respeito:

 Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

                                   O benefício de ordem, outra denominação dada ao princípio ora abordado, diz respeito, portanto, ao adimplemento das dívidas da sociedade para com seus credores. Ou seja, os sócios só responderão subsidiariamente à sociedade, após, não adimplida a obrigação, exaurido seu patrimônio. Neste caso, se poderá verificar a possibilidade de ingresso no patrimônio pessoal dos sócios. Ressalta-se que tal princípio é aplicável a todos os tipos societários.

                                   Portanto essas obrigações podem decair em responsabilidade subsidiária dos sócios, quando o patrimônio social não é suficiente para arcar com estas.

                                    Quando isso ocorre, nossa doutrina e jurisprudência proclama a “subsidiariedade”, em observância ao artigo 1024 do Código Civil, exaurindo os bens sociais, os bens particulares dos sócios serão atingidos. Tal responsabilidade subsidiaria atinge também os sócios retirantes, pelo período de 2 anos.

PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS COMO PROTEÇÃO DOS INVESTIMENTOS

                                    A constituição de uma sociedade se embasa no “Affectio Societatis” e na obtenção de lucros em uma certa atividade econômica de risco.

                                   Sendo assim, tal princípio vem com a premissa de proteger o sócio que, diante da macroeconomia do país, que sofre mudanças e variações constantemente, não se pode prever a que constância caminha, por depender do governo e gerencia estatal.

                                  O princípio ora abordado, portanto, foi criado para que os empreendedores tenham certas garantias e, via de consequência, estímulos ao exercício da atividade empresarial.

                                   Vale elevar que mesmo o sócio conduzindo de forma proba e diligente a atividade empresarial, esta está sujeita a acontecimentos fatalísticos. É justo portanto, tal proteção – distinção patrimonial obrigacional – ao sócio.

                                   Salientamos que se não houvesse tal limitação, poucas pessoas entrariam nesse mundo empresarial a fim de se arriscar. Com isso, quanto mais atividade neste âmbito, maior o reflexo social, isto é, gerando riquezas, empregos e crescimento para o país.

                                   Nesse sentido prega Fábio Ulhoa Coelho:

“A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços.”

PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA VONTADE OU ENTENDIMENTO DA MAIORIA NAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS

                                   Este princípio trata das deliberações do sócios para tomada de decisões concernentes a administração, distribuições de resultados, em suma, da regência da sociedade.

                                   As decisões são tomadas pelo quórum da maioria, porém todos os sócios participam, segundo os deveres incumbidos à todos, quais sejam, votar, fiscalizar e receber resultados.

                                   Essas deliberações ocorrem em reuniões ou assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias. A lei atribui as expressões “reunião” e “assembleia” para especificar a denominação do conclave ao qual se comprometem a comparecer os sócios, com o objetivo de deliberar, debater e aprovar deliberações das matérias previstas nos artigos 1071, I a VIII, artigo 1078, I a III e no contrato social (conforme caput do artigo 1071).

                                   O atual código civil adotou no que concerne ao quórum de deliberação, o princípio majoritário, imputando, por outro lado, que determinadas deliberações só poderiam ser aprovadas se constatada maioria qualificada.

                                   A exemplo, observemos o que diz o artigo 1061:

Art. 1.061.  A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização.

                                   Desta feita, o entendimento de que deter parcela correspondente à maioria absoluta do capital é deter os rumos da sociedade passa a constituir uma falsa premissa, que não deve ser corroborada.

                                   Portanto, a decisão prevalecente se dá pela maioria simples dos sócios, se o contrato social não dispuser em contrario, conforme artigo 1076, inciso III do CC, ou por quórum diferenciado, se determinado em lei, não podendo outro sócio ir defronte à decisão da maioria ou agir contra esta, sob as penas de ser excluído do quadro social e ainda responder com seus bens pelos danos causados.

                                   A exegese do legislador pátrio, na redação do novo Código Civil, no que tange aos quóruns diferenciados acaba por engessar a tomada de decisões quando das reuniões e assembleias.

PROTEÇÃO DOS SÓCIOS MINORITÁRIOS

                                   Verificamos que as normas reguladoras da sociedade limitada, onde os sócios minoritários não possuem prerrogativas positivadas nos dispositivos do código que os protejam, no tocante aos seus interesses, perante o sócio majoritário.

                                   Em contra partida ao que ocorre nas sociedades anônimas, que são protegidos pela Lei 6404/1976, porém, podem os sócios minoritários negociarem seus interesses com os sócios majoritários, para que estes sejam preservados.

                                   Conforme abordado no tópico anterior, com o advento da redação do novo Código Civil com a estipulação do quórum diferenciado, conclui-se que o legislador restringiu o direito dos sócios de estipularem o quórum que achassem conveniente para deliberação, o que certamente protege os sócios minoritários, dando-lhes maior autonomia no processo de tomada de decisões e maior efetividade no exercício do voto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial - Direito de Empresa. São Paulo: Saraiva,   2012   Vol. 1 - 16ª Ed.

FIUZA, Ricardo; TAVARES da Silva, REGINA Beatriz. Código Civil Comentado. São Paulo:  Saraiva,  2012    8ª Ed.

REQUIÃO, Rubens.  Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva,  2011  Vol. 1 - 30ª Ed.

ROVAI, Armando Luiz.  Curso de Iniciação Ao Direito de Empresa. São Paulo:   Elsevier - Campus,  2011  2ª Ed.


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