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DOS CRIMES HEDIONDOS: CASOS PRÁTICOS

DOS CRIMES HEDIONDOS: CASOS PRÁTICOS

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O presente trabalho tem por objetivo expor considerações relevantes a respeito dos crimes denominados de hediondos, demonstrando a ocorrência da dinâmica de tal delito através de casos práticos.

DOS CRIMES HEDIONDOS: CASOS PRÁTICOS

Heloísa Natalino Valverde Castilho

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo expor consideraçõesrelevantes a respeito dos crimes denominados de hediondos, demonstrando a ocorrência da dinâmica de tal delito através de casospráticos.

Palavras-Chave: crimes hediondos, casos práticos, hediondez

ABSTRACT: The present work aims to expose relevant considerations regarding crimes denominated as heinous, demonstrating the occurrence of the dynamics of such crime through practical cases

Key words: heinous crimes, practical cases, hideousness

  1. PREVISÃO DOS CRIMES HEDIONDOS E OS CRITÉRIOS PARA SUA CLASSIFICAÇÃO

Devido ao alto índice de crimes como roubo, sequestros e estupros, praticados com emprego de massiva violência, entre as décadas de1980 e 1990, a sociedade passou a exigir uma maior rigidez no tratamento de tais delitos a fim de aumentar sua repressão. A solução legislativa buscada foi a criação da Lei 8.072de 25 de julho de 1990, exasperando o tratamento de tais crimes violentos. À essalei foidada o nome de “Lei de Crimes Hediondos”.(ROSA, 2015)

Os crimes hediondos possuem sua disposição constitucional noartigo 5°, XLIII, da Carta Magna de 1988, a qualdispõe que "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crime hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que podendo evitá-los, se omitirem".

Conforme exposto por Guilherme de Souza Nucci (2015), esse dispositivo pode ser interpretado mediante duas acepções: a restritiva e a extensiva.

Na ótica extensiva, o constituinte teve a preocupação de salvaguardar com especial zelo certos bens jurídicos, como a vida, a saúde pública, a dignidade humana e sexual, entre outros, aodispô-los no título de garantias e direitos fundamentais. Nessa lógica, a inafiançabilidade e a insuscetibilidade de perdão por parte do Estado, inferem-se em uma interpretação extensiva visto que, o acusado de tal crime não deve permanecer em liberdade, muito menos ter sua pena perdoada, logo, a lei 8.072/90 teria por objetivo trazer uma inflexibilidade no trato dessa espécie de infração. (NUCCI, 2015)

Por outro lado, diante de uma interpretação restritiva, perceber-se-ia a inutilidade do dispositivo constitucional, diante da desnecessidade de fazer constar no texto constitucional a vedação à fiança pelo fato da possibilidade da concessão da liberdade provisória sem o pagamento de fiança. Do mesmo modo, nas palavras de Nucci(2015, p. 449), a proibir constitucionalmente a graça e da anistia, mas autorizar o indulto seria "chover no molhado".

Os critérios para a classificação de um crime em hediondo na concepção de Nucci (2015) são os seguintes: enumerativo, judicial subjetivo e legislativo definidor.

O critério enumerador, seria o utilizado pela lei 8.072/90, em que há simplesmente enumeração do rol de delitos considerados pelo legislador como hediondos, sem para tanto,fundamentar as razões pelas quais são considerados mais graves. Nucci (2015) vê como ponto positivo dessa classificação a segurança jurídica, visto que só os delitos dessa lista poderão ser considerados hediondos, e como negativo a discricionariedade do Parlamento em elevar a categoria de hediondo qualquer tipo penal, diante de repercussão.

O critério judicial subjetivo consiste em "atribuir-se ao magistrado a possibilidade de emoldurar um crime como hediondo" (Nucci, 2015, p. 450). O ponto positivo dessa sitemática seria a do não engessamento e a maior flexibilidade da classificação de cada crime como hediondo, em contrapartida, o ponto negativo consiste na insegurança dos critérios subjetivos utilizados pelo juiz, maculados pelos valores pessoais.

O critério referente ao legislativo definidor se fundamenta na definição do legislador dada ao viria a ser crime hediondo e o entendimento dos operadores do direito diante os tipos penais e os casos concretos, fundadosno conceito prévio do legislador. Nesse critério, o ponto positivo seria relativo a prevenção dainjustificada enumeração de crimes. Antagonicamente, o ponto negativo seria a insegurança gerada pelas inúmeras interpretações, restando àjurisprudência a definição do que é e do que não é hediondo (NUCCI, 2015).

Conforme o entendimento de Nucci(2015), a união dos critérios seria viável, ao passo que o legislador enumeraria os delitos fornecendo um conceito de hediondez e permitiria que o juiz no caso concreto os adequassena classificação de hediondo.

       Quanto ao rol taxativo do art. 1° da Lei 8.0a interpretação do juiz diante do caso concreto, Renato Brasileiro de Lima  disserta preciosamente que no Brasil vige o sistema legal, ou seja, o magistrado não possui a faculdade de definir o que é crime hediondo ou não, visto que estes são estipulados taxativamente no rol do art. 1° da Lei 8.079/90:

O critério adotado pela legislação brasileira para rotular determinada conduta como hedionda é o sistema legal. De modo a saber se uma infração penal é (ou não) hedionda, incumbe ao operador tão somente ficar atento ao teor do art. 1° da Lei n° 8.072/90: se o delito constar do rol taxativo de crimes ali enumerados, a infração será considerada hedionda, sujeitando-se a todos os gravames inerentes a tais infrações penais, independentemente da aferição judicial de sua gravidade concreta. Lado outro, se a infração penal praticada pelo agente não constar do art. 1° da Lei n° 8.072/90, jamais será possível considerá-la hedionda, ainda que as circunstâncias fáticas do caso concreto se revelem extremamente gravosas. Afinal, por força da adoção do sistema legal, os crimes hediondos constam do rol taxativo do art. 1° da Lei n° 8.072/90, que não pode ser ampliado com base na analogia nem por meio de interpretação extensiva. Na prática, a adoção desse sistema legal, associada à consequente impossibilidade de apreciação judicial acerca da gravidade concreta do fato delituoso, acabam dando ensejo a certas injustiças, como se dá com um beijo lascivo, que, em tese, tipifica o crime de estupro (CP, art. 213, caput, com redação dada pela Lei no 12.015/09), etiquetado como hediondo por força do art. 1°, inciso V, da Lei n° 8.072/90. Como o juiz não tem liberdade para aferir a natureza  hedionda do crime à luz das circunstâncias do caso concreto, é muito comum a manipulação do juízo de tipicidade por parte do magistrado de modo a evitar todo esse rigor decorrente da adoção do sistema legal. Por isso, no exemplo citado, ao invés de tipificar o beijo lascivo como crime de estupro, sujeitando o agente aos ditames gravosos da Lei dos Crimes Hediondos, é muito comum que o juízo de subsunção seja feito com a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (Dec.-Lei n° 3.688/41, art. 61) ou de perturbação de tranquilidade (Dec.-Lei n° 3.688/41), a depender da execução da conduta em local público ou acessível ao público (2016, p. 31)

2. CRIMES HEDIONDOS EM ESPÉCIE

Conforme o art. 1° da Lei n° 8.072 de 25 de julho de 1990 que dispões sobre os crimes hediondos são considerados crimes hediondos:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984)

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (a·t. 121, § 22, I, 11, 111, IV, V, VI e VIl); (Redação dada pela Lei n. 13.142/15)

1-A - lesão corporal de natureza gravíssima (art. 129, §2º) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, §32). quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguínero até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei n. 13.142/15)

II -latrocínio (art. 157, § 3º, in fine);

III- extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)

IV- extorsão mediante sequestro e na forma qualificada :art. 159, caput, e§§ lo, 22 e 3º); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)

V- estupro (art. 213, caput e§§ 1º e 22); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º. 2º, 3º e 4º); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) VIl- epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º). (lndso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)

Vil-A- (VETADO) (Inciso incluído pela Lei nº 9.695., de 1998)

                                                  VII-B- falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e§ 12, § 1º-A e§ 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 1998)

VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, E§§ 1º e 2º). (Incluído pela Lei nº 12.978, de 2014).

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei no 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ouconsumado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)

3. CASOS PRÁTICOS DE CRIME HEDIONDO

Para elucidar a matéria referente aos crimes hediondos, é pertinente o vislumbre dos seguintes casos práticos:

Caso prático nº 01: Tício, mediante violência, imobilizou Mévia e manteve com mesma conjunção carnal. Tício foi denunciado pelo Ministério Público como incursos nas tenazes do art. 213 (estupro) do Código Penal, c/c art. 1º, inciso V, da Lei 8.072/90 (crime hediondo). (BARROS, 2011)

Caso prático nº 02:Tício, mediante violência, imobilizou Mévia, acariciou e a beijou. Tício foi denunciado pelo Ministério Público como incursos nas tenazes do art. 213 (estupro) do Código Penal, c/c art. 1º, inciso V, da Lei 8.072/90 (crime hediondo)"(BARROS, 2011).

Quanto ao segundo, resta problemática a figura do beijo lascivo, sobre o tema Renato Brasileiro de Lima discorre:

                                      (...)beijo lascivo, que, em tese, tipifica o crime de estupro (CP, art. 213, caput, com redação dada pela Lei no 12.015/09), etiquetado como hediondo por força do art. 1°, inciso V, da Lei n° 8.072/90. Como o juiz não tem liberdade para aferir a natureza hedionda do crime à luz das circunstâncias do caso concreto, é muito comum a manipulação do juízo de tipicidade por parte do magistrado de modo a evitar todo esse rigor decorrente da adoção do sistema legal. Por isso, no exemplo citado, ao invés de tipificar o beijo lascivo como crime de estupro, sujeitando o agente aos ditames gravosos da Lei dos Crimes Hediondos, é muito comum que o juízo de subsunção seja feito com a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (Dec.-Lei n° 3.688/41, art. 61) ou de perturbação de tranquilidade (Dec.-Lei n° 3.688/41), a depender da execução da conduta em local público ou acessível ao público?" (2016, P. 31)

Outro caso prático possível de vislumbrar a ocorrência de hediondez, é no caso do delito de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine, Código Penal) como pode-se extrair do acordão doTribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação : APL 00002205820128260428 SP 0000220-58.2012.8.26.0428. No caso em questão restou demonstrado nos autos que o apelante M.L.J , no dia 08 de setembro de 2012, no interior do Sítio Bonfim, localizado na Rodovia Zeferino Vaz, altura do km 128, no Bairro Bonfim, na cidade de Paulínia/SP, Comarca de Campinas/SP, mediante violência exercida com o emprego de instrumento contundente, subtraiu, para si, a quantia de R$ 400,00 (quatrocentos reais) em dinheiro, de propriedade da vítima Manoel Joaquim, que, em razão da vis absoluta empregada, veio a óbito. (BRASIL, 2015).

O delito de estupro de vulnerável também é coberto pelo caráter da hediondez, conforme pode-se visualizar na Apelação Criminal interposta pelo Apelante J.A.Mirresignado com a decisão do Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Igarapé Grande/Ma, que o condenou como inserto no crime do art. 217–A do Código Penal, a uma pena de 12 (doze) anos de reclusão, que deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado no Centro de Ressocialização de Pedreiras-Ma.

Percebe-se a ocorrência da figura típica do delito de estupro de vulnerável, pelo trecho da   Denúncia referente ao processo da mencionada apelação:

... avitima A.F.U.S., nascida em 15.09.1996, com apenas 13 anos foi estuprada pelo denunciado. Os autos dão conta de que acerca de dez meses atrás a vitima passou a freqüentar a casa do denunciado, que é vizinha à sua, foi quando o mesmo passou a lhe fazer proposta de namoro, afirmado que a vitima era linda e que tinha vontade de morar com a mesma. A mãe da vitima recebeu um telefonema anônimo lhe informando que o denunciado estava assediando a vitima, inclusive já tinha mostrado sua genitália. A partir de então a genitora da vitima proibiu esta de freqüentar a casa do denunciado. O denunciado então decidiu visitar a vitima quando seus pais estavam trabalhando. O certo que o denunciado passava pelo quintal e entrava na casa da vitima, e obrigada a deitar-se no quarto e mantinha relação sexual com a mesma, sempre dizendo que gostava da vitima e queria namora-lhe. Isso se repetiu durante meses, e, quase todos os dias, sempre pela manhã e no inicio da noite. E segundo relato da própria vitima o ultimo dia que manteve relação sexual com o denunciado foi dia 20 de fevereiro, por volta de 19:30 horas, o denunciado entrou pelo quintal e encontrou a vitima no alpendre de sua casa, oportunidade que lhe deu apenas um beijo e lhe acariciou, sempre prometendo a vitima que iria comprar uma casa e casar com a mesma.” (BRASIL, 2013)

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que Crimes Hediondos no nosso ordenamento jurídico são os presentes na Lei n° 8.072/90, não abrangendo os comumente denominados de forma incorreta na nossa sociedade.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Francisco Dirceu. Analise Jurídica do beijo do jogador do Sport. 2011. Disponível em: www.euvoupassar.com.br/artigos/detalhe?a=analise-juridica-do-beijo-do-jogador-do-sport.  Acesso em 10 out. 2017

BRASIL, Lei N. 8.072, de 25 de julho de 1990. Lei dos crimes hediondos. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.html  Acesso em 10 out. 2017.

Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:  www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm   Acesso em: 08 out. 2017.

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação : APL 00002205820128260428 SP 0000220-58.2012.8.26.0428. Apelante: M.L.JApelado: Ministério Público. Publicação 12/12/2015. 1ª Câmara extraordinária. Disponível em: tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/268566663/apelacao-apl-2205820128260428-sp-0000220-5820128260428 .  Acesso em: 10 out.. 2017.

Tribunal de Justiça do Maranhão TJ-MA - Apelação : APL 0055052013 MA 0000206-30.2010.8.10.0092 - Inteiro Teor. Apelante: J.A.M. Apelado: Ministério Público. Publicação 21/05/2013. Disponívelem:  tj-ma.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/172140725/apelacao-apl-55052013-ma-0000206-3020108100092/inteiro-teor-172140740?ref=juris-tabs  Acesso em: 10 out. 2017.

DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada, volume único, 4. ed.  Salvador: Juspodivm. 2016. 976p.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais comentadas, 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 836p.

ROSA, Rafaela Miareli. Crimes Hediondos, 2015. Disponível em: www.conteudojuridico.com. br/artigos/crimes-hediondos. Acesso em 10 out. 2017.


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