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A independência funcional do delegado de polícia paulista

A independência funcional do delegado de polícia paulista

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Com alterações na Constituição do Estado de São Paulo, a polícia civil passa a exercer atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

I - AS NOVAS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA

Mudanças. Quaisquer que sejam, trazem dúvidas. E agora, após anos de ordeira luta, conseguiram os Delegados de Polícia um “status” que, doravante, os tornarão melhores garantidores dos direitos dos cidadãos. Assim, o diário controle da legalidade dos atos de prevenção e repressão criminal, será, daqui por diante, deveras otimizado.

Os efeitos práticos da inovação, num primeiro momento, serão melhor sentidos pelos Delegados de Polícia que, de fato, exercem a atividade-fim da polícia judiciária, quais sejam, aqueles que atendem os plantões permanentes, presidem inquéritos policiais e capitaneiam as investigações criminais. Assim, beneficia-se, também, a sociedade, a qual terá, doravante, um agente político do Estado próxima de si.

As autoridades policiais, de certa forma, “judicam” sem toga. E, mesmo para isso, são necessárias garantias mínimas para que a população tenha um bom guardião. Agora, em razão da nova redação da Constituição Estadual, surgiram novos rumos a nossa nobre carreira, combalida por anos, mas que, destarte, parece finalmente começar a reencontrar o seu foco original, qual seja, o de defender a comunidade sem o temor da espada de Dâmocles que, por vezes, teima em nos acossar.

O Delegado de Polícia, dia e noite, personifica a arbitragem das querelas delituosas, ínfimas ou não. Ele recepciona, avalia e dá rumo aos diversos casos que lhe são levados a coleção e, não raro, é ele constantemente sabatinado por isso, como se a sua autoridade fosse precária, passível de convalidação “superior”.

Mas esse cenário, finalmente, parece estar se alterando, afinal, a nossa Secretaria da Segurança Pública reconheceu que as reformas hoje auferidas com a alteração da Constituição Estadual eram de fato necessárias para dar maior segurança aos Delegados de Polícia no exercício das suas funções[1]. Ou seja, a nossa Chefia de Polícia defendeu que, com garantias, ficaria muito mais fácil gerirmos a repressão criminal que nos cabe. E isso, admitamos, tem um peso institucional muito forte.

A primeira novidade trazida é a prevista no novo art. 140, parágrafo 2º da Carta Paulista. Doravante, no escorreito desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura das ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

Já o parágrafo 1º da Lei Complementar n° 1.152/11 (com a redação alterada pela Lei Complementar n° 1.249/14), estatui ser garantia institucional da carreira de Delegado de Polícia a independência funcional, a qual é assegurada pela autonomia intelectual para interpretar o ordenamento jurídico e decidir, com imparcialidade e isenção, de modo fundamentado.

A Polícia Civil é um órgão permanente, bem sabemos todos. Isso alude a uma estabilidade contínua, sem interrupção e, agora, instrumental, ou seja, prestar-se-á ela, expressamente, como meio de ação para a propositura das ações penais. Aproximamo-nos, assim, dos já consagrados agentes políticos (tornamo-nos um deles) e, paulatinamente, tenderemos a nos afastar da casta ordinária dos demais organismos de polícia administrativa do Estado.

Essa nova atribuição, num primeiro momento, passa a ser essencial à chamada função jurisdicional do Estado. Outrora, apenas o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado tinham tal “status” em nossa Constituição. A Polícia Civil, hoje, passou a ser o terceiro órgão público bandeirante a ostentar tal múnus, qual seja, o de contribuir, de forma direta, para que sejam dirimidos os conflitos de interesses através do devido processo legal.

Nestes termos, além das funções de polícia judiciária e da apuração de infrações penais, hoje, no diapasão destas duas, nós auferimos, em termos constitucionais, mais dois novos pilares, a saber:

  • Somos essenciais a função jurisdicional do Estado e;
  • Somos essenciais à defesa da ordem jurídica.

Pois bem, e dentre esse novo rol de garantias institucionais, veio outra, de ímpar relevância, talvez a que mais reflexo trará no dia a dia dos Delegados de Polícia: a tão esperada independência funcional, prevista no novo art. 140, parágrafo 3º da Constituição do Estado, “in verbis”:

“Aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária”.

Através dessa nova “independência funcional”, passamos a ter garantias (enquanto autoridades policiais) de não nos subordinarmos, em matéria de polícia judiciária, a nenhum outro órgão, poder ou chefia, mediata ou imediata, mas, tão somente, a nossa consciência técnica e jurídica, desde que, ao certo, fundamentemos os nossos atos de ofício em conformidade com a lei, o Direito e suas fontes[2].

Assim, em razão dos seus atos de ofício (leia-se, seara técnico-funcional), não está o Delegado de Polícia sujeito a um controle hierárquico, não tendo ele, em razão disso, como ser genericamente sabatinado em razão de uma decisão motivada exarada no exercício das suas funções, salvo nas hipóteses de culpamá-fé ou latente abuso. Fora disso, em razão desse novo imperativo constitucional, tem o Delegado de Polícia, hoje, independência para defender a ordem jurídica e exercer as funções de polícia judiciária e investigação das infrações penais, independente da sua transitória graduação administrativa, a qual não lhe subtrai, na prática, um grão sequer da autoridade que a própria legislação lhe emprestou.

Convalidou-se aqui, destarte, a hierarquia “sui generis” entre os Delegados de Polícia, estando estes, entre si, apenas sujeitos a um controle meramente administrativo, isto é, o de supervisão do serviço sob o aspecto formal, sem que exista, nesse processo, qualquer ação que objetive imiscuir-se no seu poder decisório, o qual, agora, passa a ser, de fato, independente. Ademais, é bem certo que o conceito de “série de classes”, costumeiramente usado como critério de graduação entre membros de uma mesma carreira, alude tão somente ao escalonamento hierárquico relacionado ao grau de complexidade das atribuições e nível de responsabilidade, como, por assim dizer, a direção de unidades e a divisão de serviços policiais[3].

Isso não quer dizer que não exista hierarquia entre os Delegados de Polícia. Ela existe, mas não de forma absoluta, como nas forças militares. Aqui, como vimos, vigora a hierarquia por supervisão administrativa, onde membros de uma mesma carreira, mas de classes diversas, alternam-se na direção de unidades, supervisionando e fiscalizando a estrutura humana e administrativa que lhes são dispostas. Exercem eles a gestão vertical de pessoasserviçosmateriais e finanças, não lhes sendo lícito, debalde a posição diretiva, imiscuir-se na convicção jurídica de um, por assim dizer, “subordinado”, o qual, perante a lei e a Constituição Estadual, tem, independente da classe, integral liberdade funcional nesse particular[4].

Em razão disso, não é demais dizermos que a efetiva autoridade de polícia judiciária do Delegado de Polícia paulista não é medida pela classe que ele, transitoriamente, ocupa. Ela é, legalmente, inerente ao cargo que ele titula, pois o que se mede pelo nível da classe é a atribuição de poder ele chefiar ou não determinado serviço ou unidade, o que, isso sim, requer certa graduação como requisito para titulação[5].

Tal significa assentar que, doravante, inclusive os exames correcionais dos atos decisórios e motivados dos Delegados de Polícia paulistas deverão ser feitos com extrema cautela, sob pena de burla a um preceito constitucional que, agora, lhes estende independência funcional. Assim, caso sabatina interna advenha (fora dos casos de culpa, má-fé ou abuso), cremos ser ela indevida, passível, inclusive, de regresso, aí sim, por inobservância de norma legal, a qual todos os policiais civis, independente do local de classificação, estão sujeitos. Por isso conclamamos que, para a nossa boa defesa, todos os Delegados de Polícia passem a motivar todos os seus atos de polícia judiciária, pois somente assim teremos elementos probos e idôneos a fulminar, através dos remédios adequados, qualquer pretensão indevida de desmerecer um despacho galgado numa norma ou fonte admitida de Direito.

A nossa vinculação hierárquico-administrativa vertical, como visto, continua intacta. Ela otimiza, por assim dizer, o real funcionamento do Órgão. O que se altera, em razão da emenda aprovada, é a chamada independência funcional nos atos de polícia judiciária. Esta, agora, tem base constitucional.

Os parágrafos 4º e 5º, ao seu turno, fincam a bandeira do cunho jurídico da carreira do Delegado de Polícia, ao assentarem que o ingresso na carreira terá participação da OAB, exigindo-se o bacharel em Direito, no mínimo, dois anos de atividade jurídica, a qual somente poderá ser dispensada para os que contarem com igual prazo de efetivo exercício em cargo de natureza policial-civil.

A nossa inamovibilidade ainda continua relativa. Relativa mas existente. E se for ela ultimada ao arrepio da nossa Constituição e da lei que a disciplina, tem o Delegado de Polícia, sim, instrumentos legais a disposição para fazer valer esse seu direito. Verificando-se que a mesma se deu em razão de desacato a sua independência funcional, termos, sempre, que buscar guarida jurisdicional.

Concluindo, enfrentemos, agora, dois tabus que, não raro, causam grandes dissabores aos Delegados de Polícia, dada a irresponsabilidade com que, por vezes, são eles lançados sob esses profissionais. A prevaricação e o abuso de autoridade, em verdade, costumam ser imoderadamente arremessados às costas das autoridades policiais, causando-lhes, por atacado, dissabores. Quer nos parecer que muitos desconhecem a real essência dessas figuras e, de forma irresponsável, acabam maculando pessoas de bem.

A prevaricação é deveras difícil de ser comprovada, dada a necessidade de efetiva demonstração de dolo específico, qual seja, o agente deve ter agido mirando satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Ora, o sentimento de não ver encarcerada uma pessoa sob a qual não recaia fundada suspeita é público, constitucional inclusive, e nunca de cunho pessoal, já que esse tipo penal, sabemos, é exclusivamente doloso, não admitindo, sequer, culpa. E caso seja motivada a ação, torna-se praticamente impraticável a acusação, pois estará ela fadada ao fracasso. O mesmo se diga com relação ao abuso de autoridade. Este, a exemplo da prevaricação, também é tão somente doloso, ou seja, só o comete, sem estar amparado no interesse da sociedade, aquele que age com a consciência de estar exorbitando o seu poder, isto é, claramente imbuído no propósito de perseguição, vingança, capricho e maldade.

Em razão disso, entendemos que não comente abuso quem, momentaneamente, coloca em custódia pessoa sob a qual recaia suspeita fundada de participação pretérita em determinada infração penal grave enquanto é requerida a sua prisão temporária à Justiça, pois, quem assim age, não está imbuído, conforme já vimos, em perseguição, capricho, vingança ou pura maldade, mas sim, em apenas buscar a proteção da sociedade através das vias adequadas. Prender, imoderadamente, sem qualquer imputação idônea, é crime grave. Deter, para a adoção imediata de medidas de ofício visando a aplicação da lei é dever, acima de tudo, moral de qualquer policial. O pretenso abuso, assim, acaba sendo fulminado em razão da inexistência do elemento subjetivo. Pena que muitos ignoram isso.

Destarte, é chegada a hora de nos ombrearmos para impormos, de fato, a nossa independência funcional e, para isso, não devemos admitir qualquer iniciativa de anular essa nossa pretensão, o nosso direito e, se tal houver, não podemos abrir mão de usarmos todas as armas legais para nos defendermos, não enquanto pessoas, mas sim, enquanto Delegados de Polícia, detentores de prerrogativas consubstanciadas em direitos inerentes a nossa investitura profissional “intuitu personae”.

Desmerecer o mérito dessa nova conquista é não reconhecer o trabalho daqueles que, em verdade, envergam o peso da Instituição, quais sejam, os Delegados de Polícia Judiciária. E são, para eles, estas palavras de força, apoio e prestígio, pois, doravante, são eles funcionalmente independentes.


II – AVALIAÇÃO TÉCNICO-JURÍDICA PARA A LAVRATURA DE UM AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE (PRERROGATIVA EXCLUSIVA DA AUTORIDADE POLICIAL)

Para edificarmos o auto de prisão em flagrante, temos que fundamentá-lo. O Delegado de Polícia, hoje, deverá dar boas mostras dos motivos técnicos e jurídicos que o levaram a convalidar a captura efetuada por um dos seus agentes, civis ou militares.

Primeiramente, sem prejuízo dessa nova independência funcional ora jungida à categoria de garantia dos Delegados de Polícia, a lei pátria já dizia que só é recolhido ao cárcere aquele contra quem pesa fundada suspeita. Ou seja, para avaliar esse estado é necessário um exame de legalidade da captura, a fim de que as garantias individuais do cidadão sejam preservadas. E esse trabalho, hoje, é feito pela autoridade policial, a qual, ainda, sopesa se a situação apresentada é ou não flagrancial, conforme o art. 302 do Código de Processo Penal.

Recomendamos, assim, o seguinte trâmite:

Em primeiro lugar, deve a autoridade policial analisar se o fato se inclui, aparentemente, num dos quatro incisos do art. 302 do Código de Processo Penal (flagrante próprio, impróprio ou ficto). Procede-se, então, a oitiva das partes. Se das respostas resultar fundada a suspeita contra o conduzido, ele será recolhido à prisão. É o que se exume, assim, do art. 304, parágrafo 1º do Código de Processo Penal.

Importante que, no auto de prisão, deve ficar latente a fundada suspeita exigida pela lei, sob pena de questionamento do auto (vide item III).

Nesses termos, poderá a autoridade policial adotar o seguinte modelo de despacho no auto de prisão:

AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

(Art. 304 do CPP c/c Recomendação DGP-01, de 13 de junho de 2005)

“Às (...) horas do dia (...) de (...) de (...), na sede do Plantão Policial do (...) Distrito Policial de (...), onde presente se achava a autoridade policial de plantão, Doutor(a) (...), comigo, Escrivão(ã) de Polícia, aí, compareceu o CONDUTOR, (...) qualificado junto ao RDO nº (...), conduzindo CAPTURADO(S) (...), suspeito da prática do(s) crime(s) do (...).

Após preliminarmente convencer-se da existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade de crime em tese, deliberou a autoridade policial presidente do auto em epígrafe, por convalidar a captura levada a cabo pelo condutor e, doravante, esclarecer o(s) ora PRESO(s) em flagrante quanto aos seus direitos individuais previstos na Constituição Federal Brasileira, do que ora toma(m) expressa ciência, dentre os quais: a) Receber assistência de familiares ou de advogado que indicar; b) Não ser identificado criminalmente senão nas hipóteses legais; c) Ter respeitada sua integridade física, moral e mental; d) Manter-se em silêncio; e) Declinar informações que reputar úteis à sua autodefesa; f) Não ser obrigado a fazer prova contra si mesmo; g) Conhecer a identidade do autor de sua prisão e, h) Em sendo admitido, prestar fiança e livrar-se solto.

Feito isso, DETERMINOU a autoridade policial a lavratura deste auto constritivo, não sem antes, em estrita conformidade com o disposto no art. 7°, parágrafo 2o da Portaria DGP no 18, de 25 de novembro de 1998 e também, aos princípios administrativos da legalidade e da motivação, lançar, nesta peça formal, os fundamentos fáticos, técnicos e jurídicos que edificaram tal deliberação:

(...LANÇAR, DE FORMA PORMENORIZADA, A MOTIVAÇÃO DA PRISÃO...)

Registre-se que, tão logo o signatário convalidou a prisão captura feita pelo condutor, foi determinada, em obediência ao item XI da Recomendação DGP-01/05, a recepção do(s) preso(s) em dependência própria desta Delegacia, dotada de suficiente vigilância acauteladora, a fim de que fosse ultimada a emissão do competente “recibo de entrega do preso”, nos termos da legislação processual em vigor. Após isso, ainda em observância ao que dispõe o item XIV da epigrafada Recomendação superior, providenciou-se a guarda do(s) preso(s).

Assim, pelos elementos de convicção jungidos, surdiu FUNDADA a SUSPEITA de que o ora autuado, conforme já dito, perpetrou as condutas descritas no art. (...), motivo pelo qual, em obediência ao disposto no art. 304, parágrafo 1° do CPP, a autoridade policial MANDOU RECOLHÊ-LO A PRISÃO, dando-lhe, em seguida, integral ciência dos motivos de sua segregação, através de regular e pormenorizada nota de culpa.

Providencie-se, após:

a) Encaminhamento do preso a Cadeia Pública, recebendo-se a contrafé;

b) Expeça requisição para que o conduzido passe por exame de corpo de delito;

c) Comunicação da prisão ao Poder Judiciário, recebendo-se a contrafé;

d) Comunicação da prisão a Defensoria Pública, recebendo-se a contrafé;

e) Juntada de folhas teletipadas alusivas a consulta sobre os antecedentes criminais do(s) preso(s);

f) Recepção de todas as assinaturas das pessoas ouvidas;

g) Em obediência a Portaria DGP 8/93, forneça ao exibidor cópia do respectivo auto de exibição e apreensão;

h) A. e R. o presente auto, instaurando-se, por coercitiva cognição, inquérito policial.

Nada mais havendo, determinou a autoridade policial o encerramento deste auto que assina com o indiciado, ora expressamente ciente de todos os seus direitos e garantias, e comigo, Escrivão de Polícia, que o digitei e imprimi”.

Em se tratando de flagrante esperado, sugerimos um despacho simples, sem prejuízo de eventual complementação:

“Trata-se, “in casu”, de hipótese de flagrância esperada, onde a atividade policial se resumiu ao estado de alerta, sem influenciar o mecanismo causal do evento, limitando-se os agentes a espreitar o autor e apanhá-lo durante a execução do crime, que se perfez tentado. Não houve qualquer provocação ou induzimento à prática do fato delituoso, mas sim, simples espera a ação do agente que, espontaneamente, deflagrou o processo de execução. Legítima, destarte, a custódia do conduzido, nos termos do art. 302, I do Código de Processo Penal”.

Nos casos de flagrante impróprio, com prazo estendido entre a prática do delito e a captura:

“Trata-se, “in casu”, de hipótese de quase-flagrância, contemplada pelo art. 302, III do Código de Processo Penal. Entendemos que a expressão “logo após” compreende o tempo que decorre entre a prática da infração penal e a colheita de informes a respeito dos respectivos autores, os quais passam a ser ordenada e incontinente procurados – ou seja, perseguidos –, pelos órgãos de segurança do Estado, pouco importando que essa ação se inicie no próprio local dos fatos ou após uma comunicação telefônica e/ou radiofônica dirigida a Polícia, dada a desenfreada evolução que, bem sabemos, acompanha a própria sociedade.

É de se considerar que a Lei adjetiva não define os métodos em que, pormenorizadamente, se deve dar tal perseguição, sendo certo que hoje, extensivamente, tem se entendido que pode ser ela deflagrada por ciência direta ao agente (apelo popular) ou por via telemática, ainda que ultimada por policiais, civis ou militares, que não assistiram o fato delituoso.

O que interessa é que logo após ter sido cientificada do fato, a Polícia, de posse das características dos autores, passou a, em rede, procurá-los, tanto que, mercê profícua diligência, logrou ela [...descrever o lapso...], detê-los. O vocábulo “perseguição”, por admitir sensato elastério interpretativo e não exigir demasiada rigidez na exegese, coaduna-se, de igual forma, com o vocábulo “busca imediata”.

Discordamos da tese de que as chamadas diligências policiais “post delictum” não se adequam a perseguição. É obvio que, ciente da prática de um fato criminoso que acabara de ocorrer, a Polícia, nas ruas, exerce, de pronto, certa atividade persecutória, baseada nas características físicas dos autores, nos seus meios de locomoção e no rumo tomado após a prática do crime. Diante disso, passa ela a “perseguir”, ou seja, sair no encalço dos criminosos com o escopo de capturá-los num espaço de tempo em que, por certo, a atualidade do crime ainda repercute. O delito, assim, já foi cometido e a sua fixação visual, ao certo, ficou para trás. Entretanto, a captura se opera, ainda que nos últimos lampejos da ardência do fato. É, como se diz, o fogo quase apagado que ainda expele fumaça”.

E nas hipóteses de flagrante ficto ou presumido:

“Trata-se, “in casu”, de hipótese de flagrância ficta, contemplada pelo art. 302, IV do Código de Processo Penal.

Não há que se falar, agora, em “perseguição”. Para a configuração da flagrância presumida, nada mais se exige do que estar o pretenso delinqüente na posse de coisas que indiquem ser ele o autor do crime que acabara de ocorrer.

Diante do interesse público na repressão dos crimes em geral, é óbvio que deva existir maior discricionariedade na apreciação desse elemento temporal, principalmente quando o agente é surpreendido com instrumentos, armas, objetos ou papéis indicativos do crime, permitindo-o estender a várias horas ou, conforme já se entendeu, até o dia seguinte.

A expressão “logo depois” deve ser aquilatada, em cada caso concreto, conforme o prudente arbítrio da autoridade policial, a qual não pode empregar, em sua interpretação, excessiva rigidez, bastando que reste demonstrada aceitável cronologia – que não deve ser matemática – entre o momento da prática do crime e o encontro do seu possível autor.

Assim, essa amplitude deve amoldar-se ao senso jurídico, desde que inequívocos os indícios de autoria.

É de se considerar, ainda, que para a caracterização da flagrância presumida, nada mais exige a Lei do que estar o possível autor na posse de coisas que o indigitem como executor ou partícipe de um delito que acabara de cometer, pouco importando que a Polícia o encontre após diligências ou simplesmente ao mero acaso”.


III – AVALIAÇÃO TÉCNICO-JURÍDICA PARA A NÃO LAVRATURA DE UM AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE (PRERROGATIVA EXCLUSIVA DA AUTORIDADE POLICIAL)

Se para edificarmos o auto de prisão temos que fundamentá-lo, o que dirá para não fazê-lo.

A rigor, sempre se questionou sobre a possibilidade do Delegado de Polícia assim agir, principalmente em razão das várias denúncias feitas por promotores em desfavor de autoridades policiais que, mesmo fundamentando, foram indevidamente acusadas de prevaricação.

Bem, sem prejuízo da avaliação do estado de flagrante, deve ainda a autoridade policial atentar para a existência ou não da já estudada fundada suspeita. Sem ela, não há como ser a prisão em flagrante delito ultimada.

Um evento envolvendo um indivíduo sob o qual recai a suspeita de ser preso deve sempre ser apresentado à autoridade policial. Para a convalidação (ou não), recomendamos o seguinte trâmite:

Após a oitiva dos implicados, caso não fique latente a fundada suspeita exigida pela lei (art. 304, parágrafo 1º do Código de Processo Penal), deve a autoridade policial desprezar a elaboração do auto de prisão em flagrante.

Importante que, no auto de prisão, deve ficar latente a fundada suspeita exigida pela lei, sob pena de questionamento do auto, a saber:

Mera suspeita é o “talvez seja”Suspeita é o que “parece ser”. Ambas são frágeis, indicam suposições ou simples desconfianças. De outra banda, a fundada suspeita (exigida pela nossa lei) é o “tudo leva a crer”. Assim, sem se houver apenas suspeita, entendemos não estar autorizada a lavratura do auto. Já a “fundada” baseia-se em elementos concretos e seguros, idôneos, não se confundindo, sequer em tese, com a simples suspeição (parece ser, acredito que seja, acho que seja etc).

A fundada suspeita necessária para a recolha à prisão é aquela justaobjetivarazoável, galgada em bases sólidas e, sobretudo, muito bem fundamentadas. Ninguém pode ser preso em flagrante por mera dedução de cunho subjetivo, exigindo-se, até para que impere a segurança jurídica, que elementos de prova concretos, técnicos e jurídicos, existam. E essa é a função da autoridade policial nesse primeiro momento, ou seja, é dela o múnus de fazer essa avaliação e decidir, fundamentadamente, se o caso é ou não de encarceramento. Não se trata, frise-se, de bel prazer, mas sim, de exame das circunstâncias objetivas que fundem, de fato, essa suspeita.

O art. 4º da Lei Federal n° 4.898/65 diz ser crime ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder. Assim, é importante que a autoridade policial saiba que, nesse particular, essa dita “formalidade legal” exigida para a elevação do auto de prisão é a boa demonstração da fundada suspeita – exigida pelo art. 304, parágrafo 1º do Código de Processo Penal –, sob pena de, em isso não sendo feito (se prender por prender), emergir eventual abuso.

Deve ela, nas hipóteses da não convalidação da prisão, agir nos moldes da Recomendação DGP-01, de 13 de junho de 2005 (item XVI), ou seja, deverá registrar o fato em boletim de ocorrência, sem emitir o recibo de entrega de preso, em seguida adotando as providências de polícia judiciária cabíveis, inclusive para responsabilização criminal dos autores da detenção indevida, se for o caso.

Note-se que esse ato da Delegacia Geral, antes mesmo da nova Emenda Constitucional, já sugestionava que cabia exclusivamente a autoridade policial formar, soberanamente, sua convicção jurídica e, então, determinar, ou não, a lavratura do auto de prisão, inadmitido qualquer tipo de ingerência relativamente ao enquadramento típico e a existência de estado flagrancial (item I).

Em razão disso, a autoridade policial, hoje, tem absoluta liberdade para avaliar se o caso apresentado é ou não caracterizador de flagrante e, caso seja ela inadvertidamente admoestada em razão disso, cremos ser cabido o regresso, correcional inclusive, a fim de que o algoz seja instado a justificar:

a) Os motivos que o levaram a ignorar a Constituição do Estado, que dá ao Delegado de Polícia, de forma clara e objetiva, independência funcional;

b) Os motivos de desmerecimento ao Código de Processo Penal, que dá ao Delegado de Polícia o mister de avaliar se, contra o detido, emerge ou não fundada suspeita, e;

c) Os motivos de desprezo aos termos da Recomendação DGP- 01/05, que dá a autoridade policial o dever de, em lugar do auto constritivo, registrar os fatos em boletim de ocorrência, sendo estabelecido, inclusive, a absoluta impossibilidade de ingerência no que tange ao enquadramento típico penal e ao estado de flagrância (aplicável, “in casu”, a correção interna).

Para tanto, ou seja, para ter a guarida desse manto, deverá o Delegado de Polícia paulista agir em extrema consonância com o regramento imposto, a fim de, justificadamente, ter direito ao manto de proteção que a própria lei lhe estende, a saber:

a) Justificar toda e qualquer decisão de polícia judiciária, item a item, pautando os fundamentos técnicos e jurídicos que deram base a sua decisão e;

b) Demonstrar, sempre, a existência ou não de fundada suspeita contra um conduzido, pois, se assim não agir, poderá incorrer em eventual abuso, por ter deixado de observar formalidade legal (art. 304, parágrafo 1º do Código de Processo Penal).

Vejamos um exemplo em que o Delegado de Polícia, de forma motivada, deixa de lavrar um auto de prisão em flagrante e, de maneira técnica e juridicamente fundada, motiva a sua decisão num boletim de ocorrência.

Adotando as cautelas doravante sugeridas, cremos ser impraticável, sob o ponto de vista correcional, um questionamento por quem quer que seja e, ainda que ele exista, deverá ser de pronto espancado em razão dos itens acima descritos.

“Segundo consta, a guarnição (...), da (...), em ação de polícia de preservação da ordem, localizou, em busca pessoal a (...), um cartucho de arma de fogo similar ao calibre 38, o qual se encontrava em sua esfera de custódia, ou seja, numa pochete que portava.

Instado, (...) afirmou que se trata de um objeto dotado de valor meramente emocional, outrora titulado ao seu finado pai, sendo que, em verdade, ele, abordado, não possui ou sequer possuiu arma de fogo. Asseverou, ainda desconhecer o poder vulnerante, se é que ele existe, do citado objeto, o qual, há anos, carrega apenas em decorrência da alegada razão.

Conforme os membros da guarnição, a busca se deu em razão de mera rotina, em razão de objetivado acesso a praça desportiva ora sob policiamento estadual.

Estes os fatos trazidos a coleção da autoridade policial de serviço nesta circunscrição, a qual:

Considerando, que o estado de flagrância não comporta, dentro da relatividade dos juízos humanos, dúvidas quanto a autoria, sugerindo, sempre, a evidência clara e absoluta de um fato conhecido e prova e que, por força disso, a mínima certeza argüida desautoriza a lavratura do auto constritivo;

Considerando, que todo preceito que fere ou atinge a liberdade individual de alguém, deve ser interpretado de maneira mais restrita possível e que, se do teor das versões inicialmente ofertadas aos órgãos da Polícia Judiciária, emergirem fatos que denotem dúvidas e, por força disso, exijam maiores esclarecimento e investigações outras, em seara apropriada;

Considerando, que para recolha à prisão, exige a Lei que, sobre o conduzido, resulte efetivamente demonstrada uma suspeita fundada, a qual deve convergir para um conjunto de provas e evidências cabais que o apontem, de forma clara, idônea e induvidosa, como o potencial autor de uma infração penal, não bastando, para tanto, a mera suspeição e a vaga conjectura, sob pena de não se fazerem cumprir, para tanto, as formalidades legais e, em tese, emergir eventual abuso punido pelo art. 4º, “a”, da Lei nº 4.898/65;

Considerando, que a partir do advento da Lei nº 11.113, de 13 de maio de 2005, a Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo, passou a recomendar às suas autoridades policiais que, em decidindo estas pela inexistência de situação jurídica caracterizadora de flagrante, deverão as mesmas registrar o fato em Boletim de Ocorrência (RDO), sem emitir recibo de entrega de preso, em seguida adotando as medidas de polícia judiciária cabíveis (item XVI, da Recomendação DGP-001/05);

Considerando, que as Recomendações são instrumentos hábeis à consecução das finalidades institucionais, que estabelecem condutas a serem adotadas pelo Poder Público com o escopo de evitar a ocorrência de danos futuros, possibilitando, assim, resguardar a correta aplicação dos atos da administração e, ainda, estimular os atos discricionários dos agentes públicos que se encontram tendentes a realizá-los;

Considerando, por fim, que se às autoridades policiais é dada independência funcional para decidir sobre essas exigências legais, não lhe é lícito, por outro lado, agir sem se justificar, nos termos dos arts. 111 e 140, parágrafo 3º da Constituição do Estado de São Paulo;

Decidiu pelo registro do presente Boletim de Ocorrência, objetivando, assim, uma melhor individualização de condutas, a fim de que a autoria e a materialidade, estas sim, restem bem delineadas e desprovidas de dúvidas, a fim de que possa o Poder Judiciário declarar ou não a existência de responsabilidade criminal e impor eventual sanção penal, nos termos seguintes:

A munição, a bem da verdade, se constitui em parte funcional da arma de fogo, tanto que, sem ela, um revólver ou uma pistola tornar-se-iam apenas uma ferramenta metálica, sem qualquer aplicação ofensiva.

Em termos técnicos, a munição é composta de quatro partes distintas, quais sejam, o estojo (constituído de latão), o projétil (em liga de chumbo), a espoleta (mistura iniciadora) e a pólvora (a base nitrocelulósica), sendo que, na falta de um deles, o cartucho, conseqüentemente, perde a sua idoneidade vulnerante. E tanto isso é verdade, que o Decreto Federal n°3.665/2000 (ainda em vigor até a edição de norma que o substitua, cf. art. 49, parágrafo único do Decreto Federal n° 5.123/04), define “munição” como um “artefato COMPLETO, PRONTO para ENCARREGAMENTO e DISPARO de uma arma” (art. 3o, LXIV).

Assim, caso a munição não esteja apta ao imediato “encarregamento” e “disparo”, não podemos considerá-la – ante a manifesta falta da presunção de periculosidade abstrata –, apta a materializar qualquer um dos crimes previstos pelo novo Estatuto do Desarmamento. Ademais, é certo que tal Diploma, ao tratar da munição, deixou de dar-lhe escorreita definição, cabendo ao intérprete socorrer-se do Regulamento no 105 (Decreto Federal no 3.665/2000), já mencionado.

Quanto à dinâmica dos fatos, é certo que o cartucho ora exibido fora encontrado em circunstâncias atípicas, desprovido de qualquer tipo de acondicionamento apropriado (v.g., caixas ou embalagens herméticas), o que, em princípio, poderia lhe dar um caráter de suposta efetividade para pronto encarregamento e disparo, haja vista a presunção de que os mesmos, naquelas condições fáticas, estariam aptos ao pronto emprego exigido pelo ainda vigente Decreto n° 3.665/2000, o qual, ao seu turno, completa (integra) as normas incriminadoras da Lei 10.826/03.

Destarte, em virtude das circunstâncias em que foi arrecadado, não pode esta autoridade policial, através de mero exame visual, constatar se os cartuchos em tela detém, formalmente, todos os componentes que o estruturam, principalmente a base nitrocelulósica interna, sem a qual, por certo, o mesmo a nada se prestaria.

Em virtude disso, deliberou-se pela inicial apreensão do mesmo, para que seja ele submetido à escorreita perícia técnica, a fim de que nos seja revelado, de maneira precisa, se o cartucho ora apresentado se enquadra no conceito trazido pelo Decreto Federal n° 3.665/2000 (com perigo de lesão ao bem jurídico), principalmente no quesito “artefato COMPLETO, pronto para ENCARREGAMENTO e DISPARO de uma arma”, sob pena de, em caso negativo, nos depararmos com a hipótese fática descrita no art.17 do Código Penal (CRIME IMPOSSÍVEL).

Outra hipótese é a alusiva ao instituto da apresentação espontânea. Bem sabemos que, com a recente reforma operada no Código de Processo Penal, essa figura deixou de ter previsão expressa. Entretanto, cremos que a autoridade policial está, ainda, habilitada a analisar tal situação, desde que de forma motivada.

A redação do art. 304 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da revogação dos artigos 317 e 318, esclarece que “apresentado o preso a autoridade competente...”. Ou seja, “apresentado o preso” dá uma idéia de que fora ele levado, contra sua vontade, à presença da autoridade policial, ou seja, “apresentado” é uma coisa, “apresentar-se”, outra. E, em razão disso, entendemos que, se a pessoa apresentar-se a Delegacia de Polícia (ou à Polícia, de uma forma geral, está o Delegado de Polícia licenciado a deixar de prendê-la e investigar os fatos, de forma pormenorizada, em inquérito policial.

“Diante do caso presente, considerou o signatário não o pretenso estado de flagrância, mas sim, a espontaneidade da apresentação, a qual, em sendo verificada, fulmina, com base direta no art. 304 do Código de Processo Penal, eventual medida constritiva em desfavor do imputado.

Essa aferição – qual seja, a da espontaneidade – não detém regras fixas, tais como as das ciências exatas, tudo dependendo da análise do caso “in concreto”. Aludem as nossas fontes de Direito que o que veda a lavratura do auto de prisão não é a inexistência de uma das situações previstas no art. 304 do CPP, mas o interesse político criminal do Estado em não retirar o valor de todos os gestos do imputado, principalmente os de relevância moral e jurídica. Seria, conforme já se disse, ilógico que a legislação tratasse com similar rigor tanto aquele que, com odioso ardil, escapa e busca dificultar o mister dos órgãos de persecução, quanto aquele que, modo próprio, se apresenta e contribui para o esclarecimento dos fatos.

Assim, se a apresentação se der sem que coação estranha existia, não surdem motivos para deixarmos de reconhecer a espontaneidade.

Convém lembrarmos que, nos dias de hoje, o termo “apresentação espontânea” deve ser interpretado de forma progressiva, com lógica razoável diante das novas concepções ora ditadas pelas transformações científicas e tecnológicas, como o são as telecomunicações.

Nesse passo, o ato daquele que, ainda que por via indireta, se dirige ao Estado com o escopo de lhe dar conta de um evento danoso que deu causa e, na mesma oportunidade, dele ainda roga a presença no sítio dos acontecimentos, deve ser, por via teológica, entendido como livre e espontâneo.

Por derradeiro, o ato daquele que provoca ou aguarda a chegada do Estado e/ou de seus agentes no local dos fatos, equivale, destarte, a “apresentação espontânea” estatuída, “contrariu sensu”, no art. 304 do CPP, cuja regra, com fulcro nos fundamentos de fato e de direito acima lançados, ora esposamos. Essa ação, de imediata ciência, faz com que se repudiem as hipóteses da própria lei, quando esta usa as expressões “encontrado” ou “surpreendido” e que fazem sentir a involuntaridade da prisão.

Em tempo, considerando-se que a restrição a liberdade é exceção em nosso regime e, ante a ausência, S.M.J., de imprescindível “periculum in mora” no caso em tela, deixamos, por ora, de representar pela custódia preventiva do imputado”.


IV – O BOLETIM DE OCORRÊNCIA E A OBRIGATORIEDADE DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL

Tema árduo e constante entre os Delegados de Polícia é o relacionado à necessidade de que sejam instaurados tantos quantos inquéritos forem os boletins de ocorrência registrados na Delegacia.

Já vimos, em épocas passadas, várias correições, internas e externas, questionado os motivos que levaram a autoridade policial titular a não instaurar determinado inquérito sobre tal boletim de ocorrência. E lá se iam apurações internas, sindicâncias e processos em desfavor do já assoberbado Delegado de Polícia, que embora defensor da sociedade, não tinha quem o defendesse do tecnicismo de lhe pesava na jugular.

Temos, para nós, que essa polêmica questão é muito simples de ser respondida, encontrado ela, conforme aludimos, previsão no art. 3º, parágrafo 5º, do Código de Processo Penal, o qual diz que qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá (a lei não alude a qualidade dessa pessoa, se apenas do povo ou até mesmo a vítima), de forma verbal ou escrita, dar parte à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará, aí sim, instaurar inquérito policial. Não se trata, como visto, de mera denúncia anônima, mas sim, de notícia formal levada a pessoa da autoridade policial, pois a lei nada diz àquele respeito.

É a chamada “verificação de procedência de informações”, que é hoje largamente usada em algumas polícias (federal e estaduais), Assim, cremos que, caso não se verifique a procedência dos tais informes, seja através de investigação de campo, seja através da colheita de elementos mínimos de convicção, não está a autoridade policial constrangida a, de pronto, instaurar inquérito policial sobre todos os registros da sua unidade, até porque a lei, de forma tácita, autoriza isso.

Exemplo é o despacho “À INVESTIGAÇÃO” lançado em grande parte dos boletins de ocorrência sem muitos dados indicativos, os quais as autoridades, por boa cautela, submetem às equipes de investigação para um levantamento prévio de elementos mínimos de indícios. Não raro, dada a enorme demanda atendida pela Polícia Civil, alguns desses registros retornam com um relatório negativo, sem que os investigadores conseguissem levantar quaisquer dados relevantes que dessem base sólida a procedência do informe.

Nesses casos, as autoridades policiais não arquivam esses boletins de ocorrência, mas sim, os “acautelam” até o surgimento de fato ou informação nova. Se isso não fosse possível (ou fosse ilegal), tal redação jamais existiria no nosso Código de Processo Penal, o qual, de forma cristalina, licencia as autoridades policiais a assim agir, nos casos de ação pública.


V – LEGISLAÇÃO ALUSIVA À INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO DELEGADO DE POLÍCIA

Emenda Constitucional n° 35/12.

Artigo 1º - Os parágrafos 2º a 5º do artigo 140 da Constituição do Estado passam a vigora com a seguinte redação:

“Artigo 140 -......................................................................

Parágrafo 1º......................................................................

Parágrafo 2º - No desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura de ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

Parágrafo 3º - Aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária.

Parágrafo 4º - O ingresso na carreira de Delegado de Polícia dependerá de concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, dois anos de atividades jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.

Parágrafo 5º - A exigência de tempo de atividade jurídica será dispensada para os que contarem com, no mínimo, dois anos de efetivo exercício em cargo de natureza policial-civil, anteriormente à publicação do edital de concurso.” (NR)

Artigo 2º - Os atuais parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 140 da Constituição do Estado são renumerados para parágrafos 6º, 7º e 8º, respectivamente.

Artigo 3º - Esta emenda constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Código de Processo Penal – Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941

(...)

Art. 5° Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

(...)

Parágrafo 3° Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

(...)

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.

Parágrafo 1° Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

Portaria DGP 18, de 25.11.98

Dispõe sobre medidas e cautelas a serem adotadas na elaboração de inquéritos policiais e para a garantia dos direitos da pessoa humana.

(...)

Artigo 7º - Na lavratura do auto de prisão em flagrante, a autoridade policial fará constar, no instrumento flagrancial, de maneira minudente e destacada, a comunicação ao preso dos direitos que lhe são constitucionalmente assegurados e, ainda, se este compreendeu-lhes o significado e se desejou exercê-los.

Parágrafo 1º - A comunicação do preso com seu familiar, pessoa por ele indicada ou advogado, será efetuada na forma determinada pela autoridade policial, que deverá autuar com total presteza e máximo empenho, a fim de não frustar a garantia constitucionalmente assegurada.

Parágrafo 2º - A tipificação da conduta inicialmente atribuída ao preso no auto de prisão em flagrante sera objeto de fundamentação autônoma na respectiva peça flagrancial, expondo a autoridade policial as razões fáticas e jurídicas de convencimento.

Parágrafo 3º - Na nota de culpa entregue ao preso, a autoridade policial descreverá a conduta incriminada e indicará o tipo penal infringido.

RECOMENDAÇÃO DGP-1/2005, DE 13 DE  JUNHO DE  2005.

Recomenda medidas para uniformização dos atos de polícia judiciária relativos à autuação em flagrante delito em face da alteração do artigo 304 do Código de Processo Penal

Delegado Geral de Polícia, nos termos das alíneas “f” e “p” do inciso I, do artigo 15, do Decreto nº 39.948, de 08-02-1995,         

CONSIDERANDO que, no processo penal, é o Juiz de Direito o guardião das liberdades individuais do cidadão e, por conseqüência, constitui-se a Autoridade Policial o primeiro garantidor desses direitos inalienáveis da pessoa humana, eis que investida constitucionalmente como dirigente de serviço auxiliar do Poder Judiciário;

CONSIDERANDO, ainda, que a celeridade exigida dos atos de polícia judiciária não deve implicar na formulação de juízos apressados e adoção de medidas açodadas que comprometam a serena apreciação da situação jurídica da pessoa presa em flagrante delito, com lesão ou perigo aos direitos e garantias individuais desta;

CONSIDERANDO, também, a necessidade de a Polícia Civil exercitar, na plenitude, a missão constitucional de polícia judiciária, com a sedimentação de procedimentos que tornem legítimos os meios de prova tendentes à comprovação da autoria e materialidade da infração penal;

CONSIDERANDO, finalmente, a alteração essencial do auto de prisão em flagrante delito, por força de derrogação do artigo 304 do Código de Processo Penal, pelo advento da Lei nº 11.113, de 13 de maio de 2005, em vigor a partir de 30 de junho de 2005,

RECOMENDA às Autoridades Policiais que, ressalvado seu entendimento jurídico, na lavratura do auto de prisão em flagrante delito, observem os seguintes procedimentos: 

I -  Entrevistadas as partes (condutor, testemunhas presenciais ou não e o conduzido) caberá exclusivamente à Autoridade Policial formar, soberanamente, sua convicção jurídica e, então, determinar, ou não, a lavratura do auto de prisão, inadmitido qualquer tipo de ingerência relativamente ao enquadramento típico da conduta e à existência de estado flagrancial;

II – Ocorrendo a deliberação positiva quanto à configuração de situação legal de flagrante delito, deverá a Autoridade Policial, com obediência à seguinte ordem:

1o) ouvir o condutor, entregando-lhe cópia do seu termo de depoimento;

2o) elaborar o “recibo de entrega do preso”, fornecendo uma via ao condutor;

3o) colher depoimentos de testemunhas e declarações de vítimas, em peças independentes, dispensando cada parte após a respectiva oitiva e a coleta isolada da assinatura no termo próprio;

4o) proceder ao interrogatório do preso, em termo próprio;

5o) redigir o auto de prisão em flagrante delito, conglobando as peças antecedentemente produzidas;

6o) adotar as demais providências de praxe, conexas à formalização da prisão em flagrante.

III - Entende-se como condutor, com exclusão de quaisquer outros, a pessoa que efetua a prisão-captura do autor do fato em estado de flagrância e encaminha este à presença da Autoridade Policial,  inadmitindo-se a transmissão do preso a terceiro não participante da detenção para que faça este, por delegação, a apresentação da ocorrência à Polícia Civil;

IV - O auto de prisão em flagrante delito somente será redigido após a oitiva e dispensa do condutor e testemunhas e do interrogatório do preso;

V - O auto de prisão em flagrante delito consistirá de um termo sintético, assinado pelo Delegado de Polícia, Conduzido e Escrivão de Polícia, onde estejam objetivamente descritas as medidas de polícia judiciária adotadas como decorrência da apresentação do preso pelo condutor, eventuais intercorrências e demais atos deliberativos complementares julgados pertinentes pela Autoridade Policial (anexo I).

VI - A ordem de oitiva das partes na formalização da prisão em flagrante permanece inalterada: 1o) condutor; 2o) testemunhas (eventualmente a vítima); 3o) preso;

VII - As partes serão inquiridas separadamente em termos próprios e destacados entre si, de livre redação pela Autoridade Policial, compondo, ao final, um todo de natureza modular unido pelo auto de prisão em flagrante delito (anexos III a V);

VIII - Deve ser preservada, quanto possível, a incomunicabilidade entre as testemunhas, de tal sorte que uma não saiba o teor do depoimento da outra, motivo por que não se admitirá que condutor e testemunhas já ouvidos mantenham contato com as pessoas que aguardam a inquirição;

IX - A Autoridade Policial poderá aguardar o resultado de exames e constatações requisitadas se forem estas imprescindíveis à formação de seu convencimento jurídico e para emissão de decisão quanto à existência da infração penal, do estado de flagrância e da imputabilidade do preso, caso em que serão sobrestados os demais atos de polícia judiciária,  sem a expedição de “recibo de entrega do preso”;

X – Não constitui justa causa para retardamento do início da formalização da prisão em flagrante a dúvida que recair unicamente sobre a real identidade e qualificação pessoal do maior imputável conduzido, asseverada sempre a possibilidade de posterior enquadramento criminal, no próprio auto de prisão em flagrante delito, daquele que, criminosamente, declara dados qualificativos falsos, não correspondentes à sua real identidade;

XI - Para fins de exigibilidade de emissão do “recibo de entrega do preso”, entende-se entregue o preso à Polícia Civil quando, com exclusividade, a Autoridade Policial competente para lavratura do auto de prisão em flagrante delito, após ratificação da voz de prisão em flagrante delito dada pelo condutor, recepciona o preso em dependência própria, por ela designada, dotada de suficiente vigilância acauteladora;

XII - O recibo de entrega do preso consistirá de singelo documento, devidamente assinado pela Autoridade Policial, Condutor e Escrivão de Polícia, entregue exclusivamente ao condutor, ao final de sua inquirição, juntamente com seu termo de depoimento (anexo II);

XIII - No caso de apresentação do preso por agentes não integrantes da Polícia Civil, providenciará a Autoridade Policial, por seus próprios meios, eventualmente com solicitação de recursos suplementares por seu superior imediato, o encaminhamento de pessoas e coisas a exames periciais e constatações, ressalvada a hipótese de espontânea cooperação de agentes de outras instituições;

XIV - Posteriormente à emissão do “recibo de entrega do preso”, incumbirá à Polícia Civil providenciar a guarda do preso e a segurança de suas dependências, com recursos próprios, eventualmente complementados mediante solicitação, ressalvada a hipótese de colaboração espontânea de outras instituições;

XV - O emprego da palavra “apresentado”, no artigo 304, CPP, não equivalente a “apresentando-se”, afasta a possibilidade de prisão em flagrante daquele que, comparecendo espontaneamente perante a Autoridade Policial, comunique a prática de uma infração penal até então ignorada desta;

XVI - Decidindo pela inexistência de situação jurídica caracterizadora de flagrante, deverá a Autoridade Policial registrar o fato em boletim de ocorrência, sem emitir recibo de entrega de preso, em seguida adotando as providências de polícia judiciária cabíveis, inclusive para responsabilização criminal dos autores da detenção indevida, se for o caso;

XVII - Permanece inalterada a sistemática de autuação em flagrante delito de pessoa que pratica o fato na presença da Autoridade Policial, ou contra esta, no exercício de suas funções, caso em que serão integralmente observadas as disposições do artigo 307, do Código de Processo Penal;

XVIII – As medidas de polícia judiciária preconizadas nesta recomendação serão adotadas a partir da entrada em vigor da Lei Federal nº 11.113/2005, portanto à zero hora do dia 30 de junho de 2005;

XIX – Os Diretores de todos os departamentos da Polícia Civil promoverão, até a data limite de 24 de junho de 2005, reuniões de trabalho entre Autoridades Policiais e destas com seus agentes, no mínimo em nível de divisão policial ou seccional de polícia, para conhecimento e aplicação da sistemática ora implantada, providenciando-se distribuição de cópia da lei modificadora, desta recomendação e de modelos de termos e autos previamente confeccionados, preferencialmente difundidos por mídia eletrônica em aplicativos e formatos de acesso universalizado;

XX – Eventuais casos omissos ou qualquer promoção do Ministério Público e/ou decisão do Poder Judiciário porventura conflitantes com os termos desta recomendação deverão ser reportados pelas Autoridades Policiais a seus superiores imediatos que, julgando conveniente e necessário, providenciarão seu encaminhamento, pelas vias hierárquicas, à Delegacia Geral de Polícia Adjunta, visando à propositura de eventuais adequações porventura imponíveis.

Recomendação DGP-4, de 21 de julho de 2011

A liberdade provisória mediante fiança em face do limite estabelecido no art. 322 do Código de Processo Penal.

O Delegado Geral de Polícia,

Considerando que compete ao Delegado de Polícia a análise do fato que lhe é apresentado, a adequação típica e a consequente decisão sobre a possibilidade de colocação em liberdade do conduzido;

Considerando que, nos termos do art. 322, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, o Delegado de Polícia tem o poder-dever de conceder liberdade provisória mediante fiança ao preso que tenha praticado infração cuja pena privativa de liberdade não exceda a quatro (4) anos; considerando que os Tribunais já se manifestaram no sentido de que o somatório das penas deve ser considerado para a aplicação dos institutos trazidos pela Lei 9.099/95 (Súmula 723, STF; Súmula 243, STJ e Súmula 82, TJSP), demonstrando a compreensão do tema que deverá guiar as inovações trazidas pela Lei 12.403/2011;

Considerando, finalmente, que o Delegado de Polícia é o agente a quem o Estado instituiu competência para analisar a relevância do fato apresentado, sob a ótica jurídico-penal, decidindo imediatamente a respeito sempre em a defesa da sociedade e tendo como norte a promoção dos direitos humanos, recomenda:

As Autoridades Policiais, ao decidirem sobre da liberdade provisória mediante fiança prevista no art. 322 do Código de Processo Penal, poderão analisar, de acordo com seu convencimento jurídico, concurso material e outras causas de aumento e/ou de diminuição de pena, decidindo motivada e fundamentadamente, a respeito da possibilidade ou não da concessão do benefício legal.


Notas

[1] Vide Exposição de Motivos da PEC n° 19/11, agora convertida na Emenda Constitucional n° 35/12.

[2] Não é demais lembramos, nesse passo, que nem a regra da obrigatoriedade, S.M.J., seria plena, afinal, o art. 5º, parágrafo 3º do vigente Código de Processo Penal, autoriza que a autoridade policial, nos delitos de ação pública, antes de mandar instaurar inquérito, verifique a procedência das informações, para, só então (e se for o caso), adotar tal medida.

[3] Essa supervisão, por assim dizer, tem reflexos no instituto da avocação, o qual, a nosso ver, ainda persiste, desde que em consonância com a natureza alusiva, aí sim, ao próprio poder hierárquico da administração, sem que, nesse processo, exista uma ação de interferência no ato da autoridade policial que originalmente tinha a presidência do feito, cujos atos continuam válidos. A avocação é o meio pelo qual uma autoridade policial com “status” administrativamente superior toma para si a atribuição de dar continuidade a determinado procedimento que, a princípio, recaía a outro servidor em posição inferior, sendo apenas permitida em casos excepcionais e relevantesdesde que motivados. Este, em consequência, fica desonerado da responsabilidade pelo expediente avocado, que passa a ser de inteira titularidade do novo presidente, que nele deverá lançar um despacho de assunção apropriado. Agora, avocar não se confunde com sabatinar. Em havendo excepcional relevância, a primeira se justifica. Caso contrário, não. Em termos legais, a avocação encontra espeque na Lei Federal n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração federal. Por via analógica, tem ela refletido nos demais procedimentos administrativos pátrios, dentre os quais, o inquérito policial. O tema hoje está pacificado, pois de acordo com a Lei Federal n° 12.830/13, art. 2º, parágrafo 4º, o inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

[4] No que tange a disciplina, independente da carreira policial civil, deve ser ela consciente e proativa, a fim de que o interesse público e a base do Órgão policial civil sejam protegidos de credos individuais, mirando-se, assim, a boa continuidade do serviço público. Quem quer respeito, deve antes, respeitar. O art. 63º, item XXXIX, da nossa Lei Orgânica, estabelece esse princípio, ainda que de forma indireta.

[5] Ao referir-se a distribuição hierárquica dos cargos da carreira de Delegado de Polícia, o art. 2º da nova Lei Complementar n° 1.152, de 25 de outubro de 2011, fez clara alusão ao grau de complexidade das atribuições e o nível de responsabilidade dos mesmos, próprios dos encargos diretivos das unidades policiais de classe mais elevada, as quais, hoje, são reservadas aos Delegados que estiveram ocupando a primeira ou a classe especial. Isso, em verdade, visa manter a base do Órgão “Polícia Civil”, reservando-se aos de maior graduação a direção e a coordenação das repartições policiais, remanescendo aos demais a legítima “autoridade policial” para exercer, agora com independência, todas as atribuições de polícia judiciária ordinárias, as quais não requerem grau hierárquico algum.


Autor

  • Marcelo de Lima Lessa

    Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo de Lima. A independência funcional do delegado de polícia paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5682, 21 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70401. Acesso em: 26 abr. 2024.