Processo nº 4002734-96.2013.8.26.0001, de 10 de março de 2015.
É sempre bom lembrar que todo contrato de promessa de compra e venda de imóvel "na planta", além de ser típico Contrato de Adesão, possui cláusulas nitidamente "leoninas" e abusivas, em flagrante desrespeito às normas de proteção do consumidor.
Tendo em vista essas premissas e consolidando entendimento anterior, o Tribunal de Justiça de São Paulo reafirmou que a incorporadora não pode onerar demasiadamente o comprador/consumidor, devendo-se impor a devolução de grande parte dos valores pagos.
A situação analisada veio da Cidade de São Paulo, envolvendo imóvel na planta da incorporadora Cyrela.
Um casal de compradores de imóvel residencial "na planta", por não mais suportar a continuidade de pagamentos, decidiu por assinar um instrumento de distrato perante a incorporadora.
Após a assinatura do distrato, perceberam que a vendedora havia retido parte substancial dos valores pagos (mais de 50%!) e decidiram procurar o Poder Judiciário para condená-la à restituição de grande parte desses valores.
Os adquirentes haviam pagado a importância de R$ 96.235,00. Porém, com distrato assinado, a incorporadora devolveu somente R$ 50.000,00, retendo praticamente metade das quantias pagas e pior, sem nenhuma correção monetária, o que é flagrantemente ilegal.
Em primeira instância, o juiz decidiu pela improcedência da ação, sob o fundamento de que teria ocorrido prescrição trienal, sendo essa decisão reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por ocasião do recurso de apelação dos compradores.
Para a Desembargadora Relatora Lucila Toledo, a postura apresentada pela Cyrela, na retenção, foi abusiva:
“No caso concreto, a desproporção entre o valor pago à construtora, R$ 96.235,75 não controvertido - e o valor restituído aos compradores, R$ 50.000,00 - ou seja, mais de 50% de retenção demonstra a conduta abusiva da vendedora, que se vale de sua supremacia perante o consumidor para impor, unilateralmente, a retenção de percentual que melhor lhe convém.”
E, sobre a vulnerabilidade do comprador de imóvel "na planta", afirmou a Relatora:
“É princípio basilar do direito do consumidor sua vulnerabilidade. Que pode relativizar cláusulas abusivas que não levem em consideração a disparidade de poder entre consumidor e aquele que atua no mercado, independentemente do nível de instrução de quem adquire produtos ou serviços. A vulnerabilidade traz, ínsita, a impossibilidade de discussão ampla de determinadas condições do negócio jurídico.”
E a Desembargadora, rechaçando a decisão, ainda afirma que: “a alegação de prejuízo da apelada, decorrente do desfazimento do contrato, convence apenas quem não entende a dinâmica desses negócios jurídicos. O julgador sensível não pode ignorar o ritmo de aquecimento do mercado imobiliário nos últimos anos, justamente após a celebração do compromisso de compra e venda do imóvel em construção. O prejuízo dos compradores com o desfazimento do contrato é real, e muito maior do que o da construtora, que pode revender o imóvel, pelo valor atual de mercado, superior ao da época. Já os compradores, nos dias atuais, não conseguirão adquirir outro imóvel, pelo mesmo valor do anterior, ante o aquecimento do mercado imobiliário.”
Sobre a perda demasiadamente agressiva em 50%, a Desembargadora concluiu:
“Consideradas essas circunstâncias, a perda de mais 50% das prestações pagas, a título de indenização pelo desfazimento do negócio, é inválida porque abusiva, na medida em que impõe obrigação extremamente onerosa aos compradores, gerando, por outro lado, enriquecimento ilícito do credor. Patente, pois, a nulidade da cláusula do distrato que prevê a devolução de apenas R$ 50.000,00, aos compradores. Razoável a retenção de 20% do valor pago para ressarcir a construtora das despesas administrativas. O montante a ser restituído aos compradores será apurado em cumprimento de sentença, acrescido de correção monetária a partir do efetivo desembolso e juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado do Acórdão, quando então a prestação se torna exigível. Admitida a compensação do numerário já pago por ocasião do distrato.”
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (Especialista em Direito Imobiliário)