Recurso Ordinário Constitucional

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VIII - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA DOS PACIENTES - ALEGAÇÕES SEM APONTAR ONDE ESTARIAM OS ELEMENTOS DE PROVA/INDÍCIOS QUE SUSTENTARIAM AS ALEGAÇÕES

 

Analisando a decisão que decretou a prisão preventiva dos Pacientes, verifica-se que tal decisão não tem fundamentação onde se possa verificar as razões de fato e de direito utilizadas para se estribar tal decisão. Ou seja, a decisão não tem fundamentação que corresponda ao rigor da mesma. Data venia, alusões genéricas a fatos, e referências a textos de lei, não servem como arrimo de uma decisão judicial onde se vai decretar a prisão preventiva de alguém, sem que nem mesmo haja acusação formal, e tendo em vista que a investigação criminal já foi encerrada.

Saliente-se ainda que todos os supostos elementos de prova que constam contra os Pacientes, são frutos de inquérito policial, colhidos, por tanto, sem o contraditório, e cuja valoração foi dada segundo entendimento do órgão policial.

Ora, toda a decisão judicial deve ser muito bem fundamentada, mormente aquela que entenda pela segregação cautelar de qualquer pessoa, devendo ser fundamentada a ponto de deixar claro quais os argumentos que originaram a respectiva medida cautelar. Neste caso em espeque, porém, data venia, a decisão combatida tem nítida natureza de decisão de mérito, e não interlocutória. Aliás, uma leitura da fundamentação da decisão mostra que tal fundamentação é na verdade uma fundamentação do mérito da demanda, quando sequer demanda existe.

Mesmo que não aponte os arrima sua decisão pela prisão preventiva dos Pacientes, porém é indubitável que a MM magistrada federal já entende que os Pacientes são criminosos, integrantes de uma organização criminosa, quando sequer tem processo judicial contra os mesmos. As provas colhidas pela Polícia Federal devem ser confirmadas em juízo, salvo as exceções legais, no entanto, ao que parece, a MM juíza federal já as toma como provas cabais, perfeitas e irrefutáveis, que torna digno de toda aceitação os pedidos da Polícia Federal.

A fundamentação utilizada na decisão que decretou a prisão preventiva dos Pacientes, pode muito bem ser usada para o recebimento da denúncia, e até mesmo para uma sentença de mérito condenatória, ficando faltando apenas a dosimetria das penas dos Pacientes. E certamente o será. No entanto, a verdade é que no que pese a segregação cautelar, a decisão carece sim de fundamentação, posto que não há elementos empíricos que demonstre a necessidade da prisão preventiva, havendo apenas alegações genéricas e alusões a textos de lei.

Não se trata de fundamentação sucinta, de forma alguma, pois a fundamentação é altamente robusta, porém apenas no que pese o mérito dos fatos, pois no que diz respeito à prisão preventiva, a fundamentação inexiste.

Assim, em seu item “2.3. Da imprescindibilidade da decretação da prisão preventiva no coso concreto”, no subtópico “2.3.1. Materialidade delitiva e indícios de autoria”, a decisão afirma que o pedido de prisão embasa-se “em dois fundamentos, quais sejam, a necessidade de manutenção da ordem pública e econômica, além da conveniência para a instrução penal”.

Pois bem, onde se pode vislumbrar nos autos a prova, ou mesmo o mero indício, que os Pacientes em algum momento tumultuaram a ordem pública e economia? Ou seja, os fatos alegados pela Polícia Federal, ocorreram entre xxxxxxxxxxxxx, logo pergunta-se onde nos autos do inquérito policial, ficou constatado que os Pacientes, desde então, foram uma ameaça à ordem pública e econômica?

Se houvesse algum prova de que os Pacientes estivessem delinquindo, ou se os mesmo continuasse no comanda da Prefeito de XXXXX, então talvez até fosse plausível o argumento de garantia da ordem pública e econômica.

A decisão ainda afirma que, além da garantia da ordem pública e econômica, a prisão preventiva também se fundamenta na “conveniência para instrução penal”. Ora, como a prisão preventiva dos Pacientes deve ser decretada em prol da “conveniência para instrução penal”, se o inquérito policial já foi concluído, e não existe qualquer processo judicial, posto que sequer a denúncia foi oferecida.

A decisão ainda alega que o fato se trata de uma verdadeira organização criminosa. Ora, como dito, onde estaria a comprovação que os Pacientes são integrantes de uma organização criminosa? A decisão apenas faz uma alusão altamente genérica, mas não diz onde estão os elementos probatórios que arrimam suas alusões.

Afirma ainda que “verifico que investigação leva a crer que os recursos federais recebidos pelo Município de XXXXX, os quais deveriam ter sido aplicados na educação do município, foram indevidamente apropriados pelos ex-gestores municipais”.

Mais uma vez pergunta-se, onde estariam as provas/indícios que os Pacientes tenham se apropriado dos milhões recebidos pelo Município de XXXXX. Não há prova alguma. Ademais, quando foi afastado do cargo de prefeito, a maior parte dos valores ficou bloqueado pelo Poder Judiciário, inclusive também pelo Eg. Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, e tais valores só foram desbloqueados pelo Eg. TCE-AL quando o Município de XXXXX era gerido pelo vice-prefeito XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.

Infelizmente a decisão se utiliza de conjecturas, presunções de culpabilidade, e sequer faz referência a qualquer meio de prova robusto o suficiente.

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A decisão ainda alega que “há provas da ocorrência de crimes licitatórios, com a dispensa indevida de licitação”. Novamente a decisão faz uma alegação, mas sem dizer onde encontra arrimo para sustentar tal alegação. A verdade é que, em nenhum momento, nem a Polícia Federal, nem o Ministério Público, seja o Estadual ou o Federal, nem mesmo o próprio Poder Judiciário, solicitaram a apresentação dos processos licitatórios. Ou seja, o Delegado Federal, afirma que não houve a realização de procedimentos licitatórios, porém nunca oficiou o Município de XXXXX para que este pudesse apresentar tais procedimentos. E, infelizmente, a MM juíza federal, seguindo na trilha da Polícia Federal, também afirma que há provas de ocorrência de crimes licitatórios, porém não aponta onde tais provas estariam.

As alegações da decisão não apontam onde está nos autos da representação, os elementos colhidos que possam ser utilizados como meio de prova/indício. Porém sempre faz apenas a alusão genérica que “há provas”. Indaga-se, onde estaria tais provas?

No entanto, a título apenas de situação hipotética, imaginemos que as alegações da decisão atacada houvessem sido arrimadas em provas irrefutáveis. O fato é que, ainda assim, não serviriam para a decretação de segregação preventiva dos Pacientes, posto que, como já dito várias vezes, são todas alegações de mérito.      

Cai como uma luva, o teor da decisão deste Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 1849/PE, cuja relatoria (para o Acórdão) ficou a cargo de Sua Excelência o Desembargador Federal Francisco Wildo, sendo seu o Voto Condutor, que de uma forma esclarecedora, irretocável e pedagógica, vaticinou que:

Tem-se assistido, no cenário jurídico nacional, a uma progressiva desnaturação do instituto da prisão preventiva.

Com contornos jurídicos bem definidos e marcada pela nota da excepcionalidade, essa modalidade de prisão tem sido, na prática, indevidamente transmudada numa consequência automática do recebimento da denúncia, descaracterizando-se, dessarte, como medida cautelar.

Retrocede-se, assim, ao período anterior ao longínquo ano de 1967, quando adveio a Lei n. 5.349, que, dentre outras providências, deu nova redação ao artigo 312 do Código de Processo Penal, para suprimir a chamada prisão preventiva obrigatória. Tudo ao inteiro arrepio da cláusula constitucional onde se determina que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (art. 5 , LXVI, da CF/88).

Uma tendência preocupante, sem dúvida; possivelmente embalada pela sensação generalizada de impunidade, diariamente alimentada pelo estrépito dos veículos de comunicação.

Os magistrados parecem inibidos em reconhecer o caráter essencialmente instrumental - típico da tutela de urgência -, da prisão preventiva, que, por representar um inominável gravame, já que suprime a liberdade do acusado antes de uma sentença condenatória transitada em julgado, não constitui um ato discricionário, somente se justificando em situações especiais, previstas no art. 312 do CPP: havendo prova da materialidade do crime e indícios suficientes da autoria, o juiz pode decretar a medida para garantia da ordem pública; da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Não basta, para tanto, uma mera remissão genérica aos termos do art. 312, destituída de base empírica. É necessário que o Juiz o faça motivadamente, apontando, nos autos, elementos seguros de convicção a ensejar a segregação antecipada do acusado, tal qual determina o art. 315 do CPP, e em consonância com o art. 93, IX, da Magna Carta.

Lamentavelmente, quando não se encontra fundamentação adequada para tais medidas, tem-se lançando mão, ora de simples conjecturas, ora de fórmulas vazias, algumas consagradas na jurisprudência, tais como, “o clamor popular”, “a gravidade do crime”, “o estardalhaço causado pela imprensa”, “a necessidade de preservar a credibilidade da Justiça”, etc.; expressões supostamente inseridas no conceito de “ordem pública”, mas que, em verdade, não passam de fundamentos apócrifos, lugares-comuns da praxis judiciária, traduzindo, isso sim, fator de verdadeira insegurança jurídica.

Converte-se, desse modo, a prisão preventiva em punição antecipada.

A ausência de motivação das decisões judiciais no processo penal chega, por vezes, às raias da tautologia, como ilustra o eminente Ministro Sepúlveda Pertence no acórdão que segue:

“Sentença condenatória: o acórdão que improvê apelação: motivação necessária. A apelação devolve integralmente ao Tribunal a decisão da causa, de cujos motivos o teor do acórdão há de dar conta total: não o faz o que – sem sequer transcrever a sentença – limita-se a afirmar, para refutar apelação arrazoada com minúcia, que ‘no mérito, não têm os apelantes qualquer parcela de razão’, somando-se ao vazio dessa afirmação a tautologia de que ‘a prova é tranqüila em desfavor dos réus’: a melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial – que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso concreto e singular – é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum.” (STF, HC 78.013/RJ, DJU 19.03.99).

O caso em tela subsume-se, a meu ver, no contexto acima descrito.

Basicamente, a prisão foi decretada em vista da necessidade de se garantir a ordem pública - considerando-se, para isso, a repercussão negativa do delito - e por conveniência da instrução criminal, vez que o paciente, uma vez em liberdade, tenderia a comprometer a produção de provas e demais diligências processuais. Leia-se o cerne da decisão vergastada:

“... Fundamento esta decisão, portanto, não somente na grande repercussão negativa obtida pela organização criminosa composta pelos representados, gize-se, extremamente organizada, que vem causando sobressalto à ordem pública e, em particular, à Previdência Social, como ainda na conveniência da instrução criminal, vez que em liberdade podem interferir na produção de provas e na realização de diligências processuais. ”.

Merece ser ressaltada, desde logo, a impropriedade da suposta repercussão social da ação delituosa como fundamento da medida constritiva, consoante reiterada jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, da qual colho o precedente que encontro mais à mão, da relatoria do eminente Min. Março Aurélio:

“PRISÃO PREVENTIVA - EXCEPCIONALIDADE. Ante o princípio constitucional da não-culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção, cumprindo interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos, especialmente aqueles prontos a colaborarem com o Estado na elucidação de crime. PRISÃO PREVENTIVA - LEI Nº 9034/95 - MAGNITUDE DA LESÃO - MEIO SOCIAL - CREDIBILIDADE DO JUDICIÁRIO - A magnitude da lesão é elemento do tipo penal, sendo neutra para efeito de segregação preventiva. O clamor social, na maioria das vezes a envolver visão apaixonada, não serve ao respaldo da custódia precária e efêmera, o mesmo devendo ser dito quanto ao prestígio do Judiciário, a quem incumbe, independentemente de fatores atécnicos, da capa do processo, da repercussão do crime, guardar a mais absoluta eqüidistância, decidindo à luz da ordem jurídica. ” (STF, 1 Turma, HC 82909/PR, DJU 17.10.2003) – destacamos.

Na mesma linha, já se pronunciou o Colendo STJ:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

- A prisão preventiva, espécie do gênero prisão cautelar, é medida excepcional, dada a relevância do princípio constitucional da presunção de inocência, devendo ser decretada tão-somente nos estritos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

- O risco à garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal deve estar amparado em elementos concretos e objetivos, não atendendo às exigências legal e constitucional a prisão preventiva embasada em repercussão e clamor sociais e no temor abstrato das testemunhas em sofrer retaliações.

- Impõe-se a revogação da prisão preventiva tendo em vista a inexistência dos requisitos autorizadores previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, relevando, ainda, em favor dos pacientes, a primariedade, os bons antecedentes, a residência fixa e a ocupação lícita.

- Ordem concedida.” (STJ, 6 Turma, HC 29098/PB, rel. Min. Paulo Medina, DJU 03.11.2003, p. 353) – destacamos.

Igualmente impertinente a remissão à conveniência da instrução processual como supedâneo ao encarceramento antecipado do paciente quando o magistrado não se dá o trabalho de apontar um único elemento que evidencie onde a liberdade do paciente poderia influenciar negativamente no desenrolar dos atos instrutórios.

Convenço-me de que, no caso dos autos, a fundamentação da prisão preventiva é tautológica, como o refere o Ministro Sepúlveda Pertence, porque se limita a alegar – em expressões que, desde logo, se tem por verdadeiras – sem nenhuma demonstração nos autos – como “... obtida pela organização criminosa composta pelos representados ...”, sem ter sequer aludido porque razão concluiu que havia essa “organização criminosa” ou baseado em que fatos ela era “composta pelos representados”, nem qual o fundamento existente nos autos, que lhe firmou o convencimento de que “... em liberdade podem interferir na produção de provas e na realização de diligências processuais ...”.

Esse o quadro, mostra-se razoável privilegiar o princípio da presunção de inocência, mercê da relevância dos argumentos postos na impetração, permitindo que o paciente responda ao processo em liberdade.

Por tais considerações, CONCEDO a ordem, decretando a nulidade da decisão atacada, e determinando a expedição do competente alvará de soltura.

É como voto.

 

Sendo assim, diante deste Voto Condutor, esclarecedor, irretocável e pedagógico, não resta outro coisa senão entender que a decisão ora atacada não tem fundamentação suficiente para, afastando vários Direitos Fundamentais dos Pacientes, tais como contraditório, presunção de inocência, direito de liberdade, decretar a prisão preventiva dos Pacientes.

 

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Sobre o autor
Agnelo Baltazar Tenório Férrer

Advogado militante. Servo de Jesus Cristo.

Informações sobre o texto

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