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Até onde chegará a negação delirante?

Agenda 10/12/2022 às 21:25

O poder da desinformação é tão grande que a sociedade moderna se encontra oprimida pela bestialidade e se vê completamente despida de um senso crítico.

Estamos chegando ao final de um ano cheio de surpresas, acontecimentos e fatos atípicos que movimentaram o Brasil, como a tragédia de Capitólio, as eleições, a Copa do Mundo, o grave estado de saúde do Rei Pelé, entre outros. No entanto, nenhum fato marcou tanto a história política do país, além das Diretas, como as manifestações populares, que refletem a fissão social estabelecida na corrida presidencial.

Ainda que carentes de ideologia, nem tanto ao céu nem ao inferno, a população brasileira apresenta uma característica típica de países do terceiro mundo que é a paralisia encéfalo-intelectual, ou seja, a grande maioria das pessoas não se esforça minimamente para pensar. Ao revés, se tornam gigantes repetidores e espalhadores digitais, através de imagens, áudios, vídeos, os tais memes, etc, com o condão único de repassar indistintamente, notícias que se quer foram verificadas quanto à sua veracidade. Tanto quem se autodenomina de direita, quanto os de esquerda, embora radicalmente polarizados e divididos em seus pontos de vista, ambos os grupos detém uma característica peculiar e idêntica: são autores contumazes da desinformação.

E vocês podem estar se questionando e dizendo: mas a mídia faz isso, as redes sociais através de inteligência artificial também o fazem. Muito bem, num país onde impera o deslate, o analfabetismo funcional e exortação das coisas mais fúteis e abjetas, como os pancadões, os fluxos, os narguilês aos menores, os influenciadores digitais e criadores de conteúdos sem o menor conteúdo, os reality-shows como verdadeiros rinhedeiros, além de tantas outras aberrações modernas, se torna tão fácil manipular as cabecinhas atrofiadas e não pensantes da população.

O poder da desinformação é tão grande que a sociedade moderna se encontra oprimida pela bestialidade e se vê completamente despida de um senso crítico. Não se desconfia de nada, ao contrário, o cenário que encontramos é de inúmeras vítimas intelectuais, que chegam ao ponto de entrarem em colisão e travarem discussões acaloradas entre amigos, familiares, colegas de trabalho, contudo ambos os lados, seguem sustentando pontos de vista com base na maioria das vezes, em informações errôneas, distorcidas, inventadas, montadas e falsas.

O mais interessante disso tudo é que para a manutenção de um sistema político, seja lá para qual inclinação pretenda direcionar, seja de cunho liberal, socialista, conservador ou até mesmo radical anarquista, é de bom tom que se mantenha o status social da desinformação, pois dessa forma não há como se instalar uma instabilidade política e social verdadeira e assim, os detentores do poder seguem com a mesma enganação popular à moda Odorico Paraguaçu, ou seja, exercendo a mais nobre e deturpada política, fingindo se importar com a população quando na verdade se pretende alcançar os interesses próprios exclusivamente.

Por tudo o que tem ocorrido no pós-guerra, quer dizer pós-eleição, alguns fatos chamam deveras a atenção, senão vejamos: o país lutou contra uma ditadura instituída, clamando pela liberdade, no movimento das Diretas Já. Após conseguir o êxito na derrubada da ditadura militar através de um novo processo político, em meio a um oceano de liberdade, o povo ao longo de vinte anos se perdeu nesse mar de liberdades.

A carta republicana estabelecida com viés garantista de direitos e liberdades públicas, tornou-se também o maior instrumento de promoção de injustiças. Hoje, o povo livre quer a intervenção militar, pois não encontra na liberdade, a paz social. O arquétipo do plano político e filosófico de Charles Secondat, o barão de Montesquieu, sobre o sistema da tripartição dos poderes, que devem funcionar independentes e harmônicos, sem que jamais haja usurpação de um poder pelo outro, está estampado em todos os Estados democráticos.

Nessa linha, a própria Constituição forneceu trilhos como paradigma de administração da coisa púbica, da qual, se respeitados, haverá a harmonia perquirida no modelo tripartite de poderes. Frisa-se que o poder é uno e seu legítimo detentor é o Povo.

Um país prescinde de território, povo e governo (poder interno e soberania internacional). Para a administração do Estado e a promoção do convívio social, o exercício da soberania e defesa de suas fronteiras, o governo se utiliza de ferramentas, por exemplo, estrutura militar com poderio bélico, instrumentos de produção de inteligência e estratégia para mitigar os conflitos, pacificar ou ainda impedir ameaças estrangeiras, além da proteção da economia.

A estas ferramentas, devemos entender como órgãos do Estado, que são núcleos de execução de tarefas específicas, pois segundo Otto Von Gierke criador da teoria do órgão, a administração pública, funciona em caráter semelhante ao corpo humano, pois detém certos órgãos que executam funções próprias para a sobrevivência do sistema como um todo.

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Todavia, quem comanda estas estruturas são os três poderes instituídos, que caso hipoteticamente colocados na balança, terão o mesmo peso.

Agora que identificamos os poderes do Estado e os órgãos de competência especializada para que o governo possa ser exercido, vamos tentar entender de onde surgiu a idéia de que as Forças Armadas possam vir vestidas de super-heróis e salvar os cidadãos que clamam por uma intervenção no processo eleitoral.

Creio que a resposta resida exclusivamente no desconhecimento sobre a estrutura política e jurídica do país, pois enquanto não houver presente a insatisfação popular que prejudique o exercício de qualquer um dos poderes, nada podemos esperar das forças armadas.

Podemos passar o resto das nossas vidas de fronte aos quartéis e nada mudará. Não adianta enviarem vídeos de movimentação de tropas ou veículos militares e acreditar que estão preparando a logística de uma intervenção. Essas movimentações ocorrem diuturnamente há anos e você nunca enxergou porque não estava na frente de nenhuma base militar. É o mesmo que ficar um dia em frente a um hospital e passará a reparar na quantidade de ambulâncias que chegam trazendo casos de emergência.

Sem pretender incitar nenhum levante, mas se um povo quer uma revolução, ainda que a resistência civil tenha cunho pacifista, tal como a marcha do sal de Mahatma Gandhi, este mesmo povo tem que estar preparado para as retaliações que na maioria das vezes são bem violentas.

No Brasil o povo pleiteia a intervenção pelas forças armadas, mas e se as próprias forças armadas forem usadas para acabar com estas manifestações, este povo está disposto a pegar em armas para enfrentá-las?

Tudo bem, penso que divaguei demais e talvez você não tenha entendido, explico, caso o Presidente eleito tome posse e mesmo assim, o povo continue insatisfeito acreditando que houve fraude no processo eleitoral. Então o novo presidente, chefe das Forças Armadas determine que eles atuem na retirada do povo das ruas para acabar com as paralisações. Caso isso aconteça, este povo patriota estará disposto, veja, ainda que hipoteticamente, a pegar em armas e enfrentar as forças do Estado? Ser preso ou morrer pela luta político-ideológica? Pense a respeito.

Continuando, caso não haja consenso entre as opiniões político-ideológicas e essa fissão social que existe hoje no país ainda persista. O povo seria capaz de lutar pela separação de um ou alguns estados membros em detrimento do país, fazendo nascer uma nova nação? Abra-se um parêntese que já perdemos o que hoje é o Uruguai. Sabiam? Creio também que a maioria das respostas seria negativa. Com o acréscimo do argumento covarde de sermos um povo pacífico. Queremos ter armas em casa para mostrar para os amigos em um dia de churrasco, mas não as usaremos para nos defendermos do próprio Estado.

Sem nenhum direcionamento político, mas para aclarar as ideias, e a sua percepção de realidade, quero que enxergue que se há alguma desproporção ou desigualdade entre um dos três poderes, a manifestação popular deve ter foco diretamente ao poder que está extrapolando ou usurpando competências.

Se um destes poderes tem agido de maneira a escarnecer o país no cenário mundial, a insatisfação popular deve ser diretamente direcionada a este poder. Somente assim, se cria uma instabilidade política e só assim se impele a ação da defesa nacional, captaram?

O movimento de esquerda que existiu no Brasil, o qual defendia verdadeiramente uma ideologia, decidiu enfrentar a ditadura, o fez com emprego bélico. Carlos Marighella escreveu até um manual de guerrilha urbana e seu movimento colocou em prática as ações para desestabilizar o Estado, e só assim conseguiu colocar o país em estado de atenção.

Não te quero tornar reacionário, pelo contrário, quero trazer ao seu conhecimento que, enquanto estão transmitindo noticiais falsas, ao mesmo tempo estão acabando com a sua democracia e o seu poder de reação.

Hoje muito se fala das tais quatro linhas da Constituição, como sinônimo da existência de quatro poderes (sendo um deles as Forças Armadas), que absurdo. Não se permita ser manipulado, pois as quatro linhas são os objetivos da Constituição, quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Sobre o autor
José Gustavo Marques

Ingressou nos quadros da Polícia Civil do Estado de São Paulo em 2006 na carreira de Agente de Telecomunicações Policial sendo posteriormente investido em outro cargo da Polícia Civil, admitido em concurso público para a carreira de Investigador de Polícia. Trabalhou na Delegacia Especializada sobre Extorsões Mediante Sequestro DEAS, onde teve atuações nobres. Passou pelo Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, também pela Delegacia de Polícia do Município de Arujá, exerceu suas funções na Delegacia Geral de Polícia - na Proteção VIP do Delegado Geral de Polícia do ano de 2013 até janeiro de 2015. Atualmente exerce suas funções no Departamento de capturas e delegacias especializadas DECADE, na Divisão de Atendimento ao Turista - DEATUR, terceira Delegacia de Polícia - AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS. Policial cadastrado para atuação em Grandes Eventos, em razão disso, ministrou palestras para policiais estadual sobre os aspectos técnicos da Abordagem Policial em grandes eventos. Durante os jogos da Copa do Mundo de Futebol - FIFA, executou operações de proteção pessoal do Chefe da Polícia Civil de São Paulo - Delegado Geral de Polícia. Possui graduação - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo - Faculdades Integradas de Guarulhos (2010) - UNIMESP/FIG e PÓS-GRADUAÇÃO - ESPECIALIZAÇÃO pelo NÚCLEO DE ESTUDOS SUPERIORES DA POLÍCIA CIVIL - onde defendeu Tese sobre o CONTROLE DE ARMAS NO BRASIL, tendo sido aprovado com nota 95,00, e sua obra recomendada para publicação institucional. Ademais, participou da elaboração de relatório técnico sobre aquisição de armas munições e equipamentos pela Polícia de São Paulo. Atualmente é Professor de Armamento e Tiro da Academia de Polícia Civil de São Paulo e Investigador de Polícia do Governo do Estado de São Paulo. Tem formação acadêmica em Direito, com ênfase em Direito Público. Instrutor de ARMAMENTO e TIRO credenciado pelo SETOR DE ARMAMENTO E TIRO - SAT\IAT - SINARM\DPF. Explosivos - Cabo de Fogo - BLÁSTER - certificado registro n. 214-2014. Na área acadêmica, exerce seu magistério no âmbito da Academia de Polícia, onde participa da formação de todas as carreira policiais, como Investigadores,Peritos, Médicos e Delegados de Polícia, além de participar durante a formação complementar dos policiais civis de São Paulo ministrando cursos de capacitação em armas específicas, explosivos, técnicas e táticas policiais. Participou ativamente da segurança VIP do membro da família Real Inglesa - Príncipe Richard, Duque de Gloucester, quando da sua vinda ao Brasil no dia 25 de maio de 2015.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, José Gustavo. Até onde chegará a negação delirante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7101, 10 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101542. Acesso em: 23 nov. 2024.

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