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Parâmetros para o controle judicial do fornecimento de medicamentos

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Agenda 26/01/2011 às 12:31

Notas

  1. Sobre o tema é interessante observar os seguintes trabalhos: MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo. A invasão da Constituição, São Paulo: Método, 2008; BARCELOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, abril/junho 2005 e; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), Revista de Direito Administrativo, abril/junho 2005.
  2. Disponível em <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>. Acesso em 22 dez. 2010.
  3. Sobre o princípio da participação vide Juarez Freitas. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. Malheiros: SP, 3 ed., 2004, pp. 17, 28, 87.
  4. A contribuição de Peter Häberle pluralizou o debate sobre o direito constitucional brasileiro, popularizando o Supremo Tribunal Federal, que já promoveu inúmeras audiências públicas com a finalidade de permitir a intervenção da sociedade em processos submetidos à sua apreciação. O trabalho de Peter Häberle pode ser conferido em: Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, reimpressão 2007 e Pluralismo y Constitución. Estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Trad. Emilio Mikunda-Franco. Madrid: Editorial Tecnos, 2008.
  5. A Audiência Pública foi convocada pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, foram ouvidos 50 especialistas, entre advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde, nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009. Os esclarecimentos prestados pela sociedade na Audiência Pública balizaram o julgamento dos processos de competência da Presidência que versavam sobre o direito à saúde, destacando-se os Agravos Regimentais nas Suspensões de Liminares nºs 47 e 64, nas Suspensões de Tutela Antecipada nºs 36, 185, 211 e 278, e nas Suspensões de Segurança nºs 2361, 2944, 3345 e 3355.
  6. A decisão, ainda que monocrática, reflete significativo entendimento materializado, resumidamente, nos seguintes fundamentos:
  7. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

    [...]

    Não obstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República.

    Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional:

    "DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.

    O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.

    Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.

    A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental." (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

    É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

    Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

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    Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

    Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

    É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

    [...]

    Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.

    Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos.

    Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.

    [...]

    Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.

    No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.

    A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social.

  8. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54, 2006, p. 34/37.
  9. AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2 ed., 2010.
  10. Estudos sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 111/112.
  11. Há vários trabalhos jurídicos que abordam a crise do Estado, destacando-se: CASSESE, Sabino. La crisis del Estado. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2003; JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Constitucionalismo em tempos de globalização. Trad. José Luis Bolzan de Moraes, Valéria Ribas do Nascimento. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009 e MORAES, José Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
  12. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 219.
  13. Os direitos fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Processo, n. 175, 2009, p. 30.
  14. Introdução à teoria dos custos dos direitos - direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.
  15. Evolução e involução no sistema jurídico. Belo Horizonte: Líder, 2005, p. 09.
  16. Na doutrina menciona-se, v.g., Robert Alexy. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 276 e seguintes; Jorge Reis Novais, Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 49 e José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 4 ed, 2009, p. 265. O mesmo posicionamento também é adotado pelo Supremo Tribunal Federal, e.g., HC 93250/MS, Segunda Turma, Relatora Min. ELLEN GRACIE, j. 10/06/2008, DJe-117 26-06-2008; RE 455283 AgR/RR, Segunda Turma, Relator Min. EROS GRAU, j. 28/03/2006, DJ 05-05-2006, p. 39 e ADI 2566 MC/DF, Tribunal Pleno, Relator Min. SYDNEY SANCHES, j. 22/05/2002, DJ 27-02-2004, p. 20.
Sobre o autor
Clenio Jair Schulze

Juiz Federal. Mestre em Ciência Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair. Parâmetros para o controle judicial do fornecimento de medicamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2765, 26 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18357. Acesso em: 18 mai. 2024.

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