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Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11

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Agenda 29/05/2012 às 16:43

5-PRISÕES: REGRAS GERAIS

Do que se infere da nova redação do artigo 283 do CPP, agora existem somente três espécies de prisões cautelares: a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária. As prisões decorrentes de sentença de pronúncia e de sentença penal condenatória ainda não transitada em julgado passam a ser prisões preventivas decretadas por ocasião destes atos processuais. À exceção do flagrante, as demais modalidades todas carecem de ordem escrita de autoridade judicial.

O artigo 289, que antes tratava da possibilidade de deprecar-se a prisão, teve acréscimo de dois parágrafos. Agora os parágrafos segundo e terceiro inseridos impõem ao juiz a obrigação de averiguar a autenticidade da ordem de prisão (juízo deprecado), bem como de promover a remoção do preso em prazo máximo de 30 dias (juízo deprecante).

Esta obrigação de promover a remoção certamente que se volta à tomada de todos os atos necessários, pois sua efetivação é coisa diversa, que não depende somente do julgador, estando atrelada a questões administrativas relativas à existência de vaga e ao traslado.

O artigo 289-A, igualmente inserido, cuida da possibilidade de que qualquer agente policial possa efetuar a prisão decorrente de mandado, havendo duas possibilidades. A primeira diz respeito a mandados registrados pelo juiz no cadastro do CNJ[15], no qual devem ser inseridos todos os mandados. A segunda diz respeito a mandados não registrados, em vista dos quais o agente, ao tomar conhecimento, deverá tomar as precauções necessárias para aferir sua autenticidade, e, uma vez realizada a prisão, deverá promover o registro no cadastro. Para tanto, comunicará o juiz da comarca onde realizada a captura, o qual além de providenciar a certidão de registro do mandado, também comunicará ao juízo de origem da ordem. Em caso de dúvida, seja quanto a respeito da autenticidade da ordem, seja quanto à pessoa do executor da prisão, as autoridades locais devem colocar o preso sob custódia até que se apurem devidamente os fatos.

Assim como ocorre com o preso em flagrante, o preso decorrente de execução de mandado também deverá ser informado de seus direitos, notadamente o de permanecer calado sem que lhe cause prejuízo direto esta atitude, e de receber assistência da família e advogado. Não declinando, ele, nome de causídico que o acompanhe, a prisão deve ser informada à Defensoria Pública.[16]

Outra alteração, que quase passa despercebida ao menos atento, está no artigo 300 do CPP. Ela diz respeito ao local de prisão dos presos provisórios, vale dizer, dos presos cautelares. Na redação anterior, os presos provisórios deveriam ser mantidos em locais separados dos condenados definitivamente (assim entendidos os com sentença transitada em julgado), “sempre que possível”. A expressão sempre que possível foi suprimida, sendo a separação absolutamente cogente. Acresceu-se a locução “nos termos da Lei de Execução Penal”. A título de lembrança, a lei de execução prevê celas individuais para todos os presos, verdadeira utopia.

Outro artigo que recebeu alteração é o 306, que trata das providências a serem tomadas após a prisão. Na redação do caput do artigo foi incluída a figura do MP como um dos que, além do juiz e de membro da família ou pessoa indicada pelo preso, deverá ser comunicado da prisão. Na prática, quase sempre isso já acontecia, comunicando-se o MP para preparar-se para a chegada de auto de prisão em flagrante a ser apreciado logo após. Agora além da obrigatoriedade da comunicação, estão igualmente abarcadas as prisões decorrentes da execução de mandados.

O parágrafo primeiro do dispositivo foi mantido com uma tênue, mas significativa, mudança em uma locução adverbial de tempo. A redação anterior dizia que dentro de 24 horas depois de efetuada a prisão deveria ser encaminhado o auto de prisão em flagrante ao julgador e em igual prazo entregue a nota de culpa tendo em vista da redação do parágrafo segundo do mesmo artigo. Agora a redação fala em “até 24 horas”. Qual a diferença? A anterior redação poderia ser interpretada como concedendo certa discricionariedade à autoridade policial quanto ao momento em que enviaria o auto de prisão em flagrante à autoridade judiciária. Agora, falando-se em “até 24 horas” há indicativo de que esta remessa deva ser feita incontinenti, e impreterivelmente dentro de 24 horas.


6- PRISÃO EM FLAGRANTE

No que tange à prisão em flagrante, a alteração remonta ao artigo 310 do CPP. Este artigo era (e é) extremamente importante na sistemática da prisão em flagrante. Na redação anterior, ele continha duas linhas de disposições. O seu caput determinava que fosse concedida liberdade provisória ao acusado que tivesse praticado o ato sob o manto de uma excludente da ilicitude, o que deveria ser feito com prévia oitiva do MP e com termo de comparecimento do acusado a todos os atos processuais, sob pena de revogação da benesse.

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O parágrafo único determinava que igual providência, vale dizer, a concessão de liberdade provisória mediante termo de comparecimento todas as vezes em que não houvesse motivo para decretação da preventiva, ainda mesmo que o ato não fosse praticado sob abrigo de excludente da ilicitude.

Escusado referir, pois na prática tal fato é notório, que esta redação acabou por sepultar a fiança. Realmente, se o preso tinha contra si circunstâncias que ensejariam a prisão preventiva, não faria jus à concessão de fiança ou de liberdade provisória ex artigo 310, parágrafo único, do CPP. Ele teria mantida sua prisão, fosse a título de decretação da preventiva, fosse a título de manutenção da prisão em flagrante.

Por outro lado, se não estivessem presentes os requisitos da preventiva ou o acusado tivesse praticado o fato sob cobertura de excludente da ilicitude, fatalmente lhe seria concedida a liberdade provisória, sendo o crime afiançável ou não. A única diferença é que se o delito fosse apenado com detenção, podia o delegado fixar fiança. O juiz o faria sem impor fiança com base no parágrafo único do 310.

Conseqüência deste fato somado à obsolescência dos valores da fiança é que ela caiu em completo desuso[17].

A nova redação do artigo 310 preconizada pela Lei nº 12.403/11 compõe-se de três incisos e um parágrafo. Segundo o preceptivo em sua nova redação, recebendo o auto de prisão em flagrante, deve o julgador fundamentadamente deliberar na forma dos incisos e parágrafo que seguem. A menção à necessidade de fundamentação é superlativa, pois todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, consoante determina o artigo 93, inciso IX, da CF/88.

A primeira providência que pode ser tomada é o relaxamento da prisão se ilegal. Será ilegal a prisão em que não tenham sido observados os requisitos formais ou na qual não estejam presentes as circunstâncias que ensejam a flagrância.

A segunda possibilidade consiste em converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 e 313 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Este inciso veio por fim a longa celeuma que existia quanto à duração da prisão em flagrante durante o processo ou sua conversão em preventiva. Esta questão surgiu pela anterior redação do artigo 310, parágrafo único, que atrelava a manutenção da custódia do flagrante à presença dos pressupostos da preventiva. Há alguns parecia que a utilização dos requisitos da prisão preventiva implicava em que a prisão em flagrante se converteria, caso não deferida a liberdade provisória, ipso facto em prisão preventiva. A outros, dentre eles me incluo, parecia que a utilização dos mesmos critérios não desnaturava a continuidade da custódia como prisão em flagrante. A controvérsia não era meramente acadêmica ou semântica, tendo repercussões práticas. Mantida a prisão como e flagrante, a ulterior concessão de liberdade se daria ou por relaxamento ou por concessão de liberdade provisória[18]. Alterada a natureza da medida para prisão preventiva, a concessão de liberdade se daria ou por relaxamento ou por revogação. Agora, por expressa opção legal, a imposição da continuidade de prisão se dará pela conversão da medida de prisão em flagrante em prisão preventiva.

A terceira hipótese será conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança. E para tanto, não mais há previsão de oitiva prévia do MP.  

Por fim, o parágrafo único do artigo 310 agora passa a tratar da possibilidade de concessão de liberdade provisória ao acusado que praticar o fato ao abrigo de excludente da ilicitude, mediante termo de comparecimento ao todos os atos do processo, obrigação cujo descumprimento implicará em revogação do benefício e decretação de prisão preventiva.


7- PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva teve várias alterações introduzidas pela nova legislação.

A prisão preventiva antes poderia ser decretada pelo juiz de ofício tanto na fase inquisitorial como durante o processo. Agora, por força da redação do artigo 311 do CPP, somente poderá ser decretada de ofício, em regra, se já existente processo, vale dizer, se já houver sido recebida denúncia.

Tanto na fase inquisitorial como processual, poderá ser decretada em vista de requerimento do MP, do querelante (ação privada) ou do assistente, ou, ainda, por representação da autoridade policial. Os casos de requerimento de querelante são extremamente raros, pois a maioria das infrações sujeitas à ação privada é daquelas que não admite prisão preventiva, sendo infrações de pouca gravidade. De outro lado, mesmo na fase processual, pode a prisão se dar por representação da autoridade policial, embora isso seja muito mais comum quando ainda na fase de investigações.[19]

A exceção ao princípio da demanda, permitindo a decretação de ofício da prisão ainda na fase de investigações poderão se dar em caso de descumprimento de outra medida cautelar imposta, nos termos do artigo 312, parágrafo único, do CPP, ou de retorno dos motivos que ensejaram a decretação de prisão anterior.

Os requisitos e pressuposto da prisão preventiva encontram-se nos artigos 312 e 313. No artigo 312 do CPP, continuam previstas as finalidades a que deve ser direcionada a custódia: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Também foram mantidos os pressupostos da presença de comprovação da existência do crime e indícios de autoria.

O artigo 313 traz significativas inovações. Anteriormente, a prisão poderia ser decretada nos crimes dolosos punidos com reclusão, não importando quantum de pena abstratamente cominada. Agora somente os delitos punidos com penas de reclusão máximas superiores a quatro anos admitem a medida. Delitos punidos com detenção ou penas máximas menores de quatro anos, não mais sujeitam o acusado a prisão preventiva, salvo se invocados outros fundamentos constantes do inciso e parágrafos seguintes.

A hipótese de decretação motivada por reincidência em crime doloso, ressalvada a reabilitação, continua prevista sem alteração.

A terceira hipótese consiste em uma ampliação do que antes constava do inciso IV do artigo 313 CPP. Anteriormente, este preceptivo trazia os casos de violência doméstica contra a mulher, quando a prisão prestar-se a garantir a efetividade de medidas protetivas decretadas com base na lei de violência doméstica. Na nova redação, o agora inciso terceiro amplia esta possibilidade para os casos de violência doméstica e familiar envolvendo criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência.

A medida é de muito bom alvitre, pois, conforme ressaltei eu em dois trabalhos doutrinários[20] a nota diferencial nos casos de violência doméstica não é o sexo da vítima (fator tomado em linha de conta pela inconstitucional e pouco inteligente lei de violência doméstica), mas sim a condição de que vítima e agressor convivem em ambiente familiar, o que traz grande possibilidade de repetição da situação que ensejou a prática, em tese, de violência. Assim, a especialidade da situação abrange qualquer pessoa vulnerável que possa estar sendo vítima de violência doméstica ou familiar, seja homem ou mulher.[21]

O parágrafo único do mesmo artigo 313 assertoa que “também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.” Como anteriormente esta circunstância estava relacionada aos delitos apenados com detenção e como não foi repetida na redação a menção à espécie de pena como pressuposto, surge a questão de se saber se mesmo em delitos apenados com detenção ou mesmo com reclusão em penas máximas inferiores a 04 anos seria possível a prisão.

A verificar-se a topologia do dispositivo, sendo parágrafo único de um caput que se reporta ao artigo anterior, é de se ter que a prisão por conta deste fundamento será possível em qualquer espécie de delito, seja apenado com reclusão seja com detenção, cuidando-se de uma prisão cautelar funcional, somente cabível quando imprescindível à elucidação da identidade do acusado.

Por força do artigo 314, remanesce a determinação de que não seja decretada a prisão preventiva quando o agente tiver praticado o ato ao abrigo de excludente de ilicitude, mas, conforme é cediço, esta vedação carece de que esteja a circunstância caracterizadora da excludente cabalmente comprovada. São casos relativamente raros.

Já o artigo 315 do CPP traz disposição de que as decisões relativas à prisão sejam fundamentadas. A disposição é apenas reforço ao artigo 93, inciso IX, da CF/88, mas é uma exortação que nunca é demasiada[22].

Vele lembrar que, conforme a disciplina geral das medidas cautelares, a prisão é aplicável somente na impossibilidade de aplicação de outra das medidas cautelares agora criadas. Desta forma, está criada a obrigação de o julgador sempre fundamentar o motivo de a prisão e não outra medida ser aplicada. Isso poderá ser feito rechaçando-se cada uma das demais medidas frente ao caso concreto e suas circunstâncias, ou indicando, de forma direta, fundamentos sólidos pelos quais indiretamente se afaste o cabimento de outra medida que não a prisão.

Outros aspectos da prisão preventiva serão vistos no tópico 11.


8- PRISÃO DOMICILIAR

A Lei nº 12.403/11 trouxe significativa inovação ao introduzir a prisão domiciliar. A disciplina do instituto agora consta dos artigos 317 e 318 do CPP. A prisão domiciliar ocorre quando o indivíduo resta preso em sua residência, dela só podendo sair mediante ordem judicial.

Ela somente terá azo quando:

O acusado for maior de 80 anos, presumindo-se que sua idade o coloca em situação de vulnerabilidade em um ambiente prisional, e que sua periculosidade é reduzida.

For extremamente debilitado por motivo de doença grave.

For pessoa imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência.

Em vista de gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Obviamente que as circunstâncias elencadas devem encontrar cabal comprovação para que seja deferida a prisão, e a que parece mais se prestar à fraudes é a terceira, vale dizer, a que trata dos cuidados a criança menor de 06 anos ou deficiente, merecendo redobrados cuidados.

Sob o ponto de vista prático, trata-se visivelmente de uma medida absolutamente fadada à completa ineficácia por falta de meios de fiscalização. Veja-se que o Estado é absolutamente incapaz, por exemplo, de prover segurança às vítimas de violência domestica, beneficiárias de medidas protetivas, as quais, não obstante a concessão da medida, acabam sendo vitimadas.[23] Ora, se em situações emergenciais e, muitas vezes, de risco de vida, não logra o Estado dispor de meios de fiscalização e efetivação de comandos judiciais, o que se dirá em situações como esta, de prisão domiciliar. Quem fiscalizará o seu cumprimento? Mais utopia.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3254, 29 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21891. Acesso em: 22 dez. 2024.

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