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Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11

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29/05/2012 às 16:43
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9- OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES

Aqui chegamos ao que se pode chamar de núcleo da reforma preconizada pela Lei nº 12.403/11. São criadas, sob a denominação de outras medidas cautelares, nove espécies de medidas alternativas à prisão. Vejamos cada uma delas.

A primeira consiste em “comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades”. Esta imposição já consta associada a outros institutos, como, por exemplo, ocorre em relação ao artigo 89, inciso IV, da Lei nº 9.099/95, em relação à suspensão condicional do processo e também em relação ao sursis (art. 78, parágrafo 2º, alínea “c” do CP). A medida é mais de monitoramento, e isolada parece ter pouca eficácia prática no âmbito da cautelaridade. Agregada a outras medidas, pode ter relativa eficácia.

A segunda medida se materializa na imposição de “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.”Aqueles que labutam junto à justiça criminal bem tem conhecimento que significativa parte das infrações envolvendo violência contra a pessoa, notadamente as lesões corporais e o homicídio, tentado ou consumado, originam-se associadas ao consumo de bebida alcoólica ou à freqüência a locais com aglomerações de pessoas. A bebida ou mesmo o uso de drogas debilita os freios inibitórios e as aglomerações de pessoas, ainda que pequenas, propiciam o estopim para o conflito, origem do ato criminoso. A partir desta premissa, a proibição de que o sujeito freqüente certos ambientes pode ser de extrema valia no impedimento de que novas infrações ocorram, sobretudo quando dito local pode servir de ponto de encontro com desafetos ou amigos e familiares da vítima, o que ensejaria, certamente novos atos de violência.[24]

O problema nodal na aplicação desta medida reside na sua efetivação concreta, ou melhor explicitando, na possibilidade de fiscalização. É induvidoso que oficiais de justiça não poderão fiscalizar os casos um a um, e tampouco a polícia o poderá. Todavia, se a existência da medida proibitiva puder ser inserida em cadastro ou banco de dados que possa ser acessado facilmente mediante concurso de mídias eletrônicas que possam acompanhar os agentes nas ações de patrulhamento ostensivo de rotina, é possível que alguma efetividade fosse conferida a ela. Também o monitoramento eletrônico pode auxiliar. Será de toda utilidade em conflitos originados de rixas.

A terceira medida cautelar alternativa à prisão se materializa em “proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante.” A medida inconcussamente volta-se aos casos de violência doméstica, tendo, aliás, em seara muito mais adequada, a mesma eficácia de medida protetiva.[25] Mas a medida não se volta exclusivamente a casos de violência doméstica. Resta claro que também pode ser aplicada nas situações versadas na tratativa da medida antes vista, ou seja, situações onde seja necessário manter o afastamento do acusado de pessoas determinadas, ainda que não familiares.

Mais uma vez o problema central reside na fiscalização. Somente através de sistemas eletrônicos de monitoramente se poderá dar efetividade a medidas deste jaez, pois o acionamento da polícia em caso de violações não raras vezes tem se mostrado expediente que acaba por apanhar uma situação de violência consolidada. E pensar em efetivos policiais destacados para fiscalização permanente é algo absurdo.

A quarta medida diz respeito à “proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução”. Volta-se a assegurar o comparecimento do acusado, bem como, embora não o diga o dispositivo, a aplicação da lei penal em eventual caso de condenação.

Sob o prisma estritamente jurídico, a medida constitui boa alternativa à prisão preventiva decretada por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Mas sob o pronto de vista prático, é inútil. Se a risco de o sujeito deixar o distrito da culpa, o caso é de prisão preventiva. Se não há, mera exortação é de valia alguma. A única utilidade prática decorreria da possibilidade de a medida cautelar em comento ser imposta em infrações que não admitissem, por força do artigo 313, prisão preventiva direta, e uma vez descumprida, se pudesse, mesmo elas não se enquadrando, a infração, nas hipóteses do artigo 313, ensejar a prisão. Isso será adiante visto.

A quinta medida é o “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos.” Valem, aqui, os argumentos antes expendidos acerca da freqüência a certos locais ou exposição à certas circunstâncias como potenciais catalisadores para infrações. Mas valem, igualmente, as objeções acerca da dificuldade de fiscalização.

A sexta medida é de “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.” Esta medida já consta, em parte, como pena alternativa, ex vi do artigo 47 do CP, porém, a redação da medida cautelar é mais ampla por um lado, já que a pena alternativa se reporta somente a atividades que dependam de autorização especial, e menos em outro, pois a pena alternativa abarca cargo, função ou atividade pública, inclusive mandato eletivo.

A medida volta-se a delitos cometidos no exercício da função ou atividade, ou valendo-se de condições deles advindas. Exemplos temos nos delitos funcionais, nos delitos contra consumidor, ou quando determinada a atividade é utilizada como ato executivo de delitos, exemplificativamente o transporte envolvido com tráfico ou contrabando, ou a movimentação financeira como meio de lavagem de dinheiro. É imperativo que a decisão que a decreta traga a lume fatos que ensejem crer-se que a continuidade do exercício de atividade ou função efetivamente implicará na possibilidade de novo cometimento de infrações, por outras palavras, fatos perceptíveis devem ser utilizados para comprovação do “justo receio”.

A sétima medida surge da possibilidade de “internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável.” Esta é, de fato, uma medida muito pertinente. É fato dos mais notórios a quem quer que não feche os olhos propositadamente para sua evidência, que não somente o Brasil, como boa parte do planeta sofre os males de uma epidemia de novas drogas, mais baratas, acessíveis, prejudiciais e agressivas[26]. No caso do Brasil, desponta o crack, um subproduto da produção de cocaína. No período em que estive à frente das jurisdições criminal e da infância e juventude pude testemunhar vividamente a avassaladora expansão do crack como motivador de crimes violentos e contra a pessoa, em especial, no primeiro caso, os ocorridos no seio familiar.

A equação é simples. Cuida-se de um entorpecente que tem preços acessíveis, exatamente por ser subproduto. Por conta disso, acaba tendo larga penetração nas camadas sociais de menor renda, embora hoje já esteja disseminado por todos os estamos sociais. De outro lado, é sabidamente dos entorpecentes mais viciantes. O resultado é que em curto espaço de tempo se formam legiões de viciados que, em não menos breve tempo, exaurem por completo suas parcas rendas com o vício. O aspecto visível manifesta-se, imediatamente, em um primeiro momento, no aumento de delitos de furto de pequena monta, que logo são seguidos de roubos e finalmente de latrocínios.

Na outra extremidade do fenômeno, jovens desesperados por dinheiro para nutrir seu vício consomem todos os bens que guarnecem suas casas e acabam por reagir violentamente à interferência de pais ou parentes, avós, tios ou irmãos. Cada vez mais costumeiros tem sido os crimes de extrema gravidade envolvendo ascendentes e descentes, ou parentes, estando o ofensor ou sob influência do entorpecente ou na condição de verdadeira síndrome de abstinência, que os conduz a atos desesperados. E não para ai. Formadas comunidades de usuários, hoje já conhecidas como “cracolândias”, há a violência de usuários contra si próprios.[27]

Neste contexto que hoje é uma realidade nacional, parece-me de muito bom alvitre que se crie uma medida cautelar penal que possa abarcas estas situações. E, no caso específico, deverá haver vivacidade dos operadores jurídicos, julgador, MP ou Defensoria, para suscitar o incidente a fim de aferir a inimputabilidade, tomando-se em conta a conclusão positiva, ainda que provisoriamente, para permitir que, quando necessário, a internação seja tornada efetiva, para proteção da sociedade em si, e principalmente do usuário de droga que delinqüiu, desde a fase inquisitorial, com máxima brevidade. A redação, aliás, deveria prever que havendo indício de associação com a droga em vista do delito, poderia ser determinada a internação, e não condicioná-la à constatação de inimputabilidade conclusiva.

A oitava medida é a fiança, que será tratada separadamente adiante.

A nona medida é o monitoramento eletrônico. Esta sim, se implantada, realmente é a medida de maior impacto concreto, pois permite efetivamente o controle do acusado e mesmo assegura a eficácia de outras medidas já tratadas anteriormente. Como visto, algumas das medidas são vocacionadas a afastar o acusado ou de outras pessoas ou de certos locais, e o monitoramento eletrônico fornece forma eficaz de efetuar um controle da execução das medidas. Sua efetivação esbarra em aspectos práticos, relativos à aquisição de equipamentos e implementação da tecnologia necessária, de forma a ser eficaz com o mínimo de exposição do atingido, até porque, quando aplicada a acusado e não condenado, não podemos esquecer que estamos diante de alguém presumidamente inocente em vista de quem as seqüelas e potenciais vexações de uma medida cautelar devem ser ao máximo minimizadas.

Adiante, nas conclusões, teceremos mais algumas avaliações às medidas.


10- FIANÇA

A fiança esteve em desuso por muitos anos no Brasil. Três fatores contribuíram decisivamente para que isso acontecesse. O primeiro fator é cultural. Nunca foi da tradição do direito penal de ascendência romano-canônica seu uso, ao menos não com a força com que se vê o instituto no Direito anglo-saxão, em especial o norte-americano, onde encontra largo emprego.

O segundo fator é mais recente, e decorre da defasagem dos valores constante do diploma de 1940, principalmente pelas freqüentes mudanças que se haviam promovido nas diretrizes econômicas nas décadas seguintes até que se lograsse, em meados dos anos noventa, obter a estabilização econômica.

O terceiro aspecto foi a redação do artigo 310, parágrafo único, do CPP, conferida pela Lei nº 6.416/77. A partir dela, a situação era a de que, se estivessem presentes os requisitos da preventiva, o indivíduo preso em flagrante não teria direito à liberdade provisória. Por outro lado, estando ausentes os requisitos da preventiva, duas situações podiam ocorrer. Na primeira, o delito era apenado com detenção, e, então, a autoridade policial poderia fixar a fiança. Ao revés, se o delito fosse apenado com reclusão, a fixação cabia ao magistrado. Como o expediente deveria, e deve, ser remetido o mais rápido possível ao juízo, a única diferença aparecia se o delito em tese cometido fosse apenado com detenção, pois neste caso o próprio delegado poderia fixar fiança e o acusado, se pagasse, seria liberado incontinenti ao pagamento. Mas se o delito fosse apenado com reclusão e chegasse ao juízo, este aplicaria o parágrafo único do artigo 310, que se reportava ao caput in fine deste mesmo artigo, de forma que a liberdade provisória era concedida apenas com o compromisso de comparecer a todos os atos do processo.

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Resumindo, se o delito fosse apenado com reclusão, cabia ao juiz fixar fiança, mas este sempre acabava por conceder a liberdade, se cabível, sem fiança, nos termos do artigo 310, parágrafo único do CPP. Se o delito fosse apenado com detenção, a autoridade policial não fixava fiança pela defasagem dos valores legalmente estipulados, e o juiz acabava por liberar igualmente aplicando o parágrafo único do 310 do CPP.

A nova lei tenta reavivar, em boa hora, o instituto da fiança.

Primeiro ponto em que operou modificação foi na flexibilização acerca da possibilidade de sua concessão pela autoridade policia. Outrora, a autoridade policial somente poderia conceder fiança nos casos de delitos apenados com detenção. Agora, pode em todas as infrações, sejam apenadas com detenção ou reclusão, desde que a pena máxima cominada não seja superior a quatro anos. Em caso de penas acima de 04 anos, somente a autoridade judiciária poderá conceder fiança, e deverá decidir em prazo de 48 horas, contadas, embora a lei não o diga, do recebimento do expediente policial.

O dispositivo do artigo menciona que a fiança deverá, neste ultimo caso, ser requerida ao juízo, mas na verdade o julgador deve, em não estando presentes os requisitos da prisão preventiva, conceder liberdade ao acusado e ala só não será mediante fiança nos casos onde a garantia seja dispensada legalmente. Por outras palavras, o juiz deve de ofício sempre fixar fiança, somente deixando de fazê-lo quando a lei o dispensar, ainda mesmo que ausente pedido a respeito.

Os artigos 323 e 324 trazem as hipóteses de impossibilidade de concessão de fiança. A primeira diz respeito aos crimes de racismo. É importante distinguir entre racismo e delito de injúria racial. Esta confusão é ordinariamente praticada, sobretudo por pessoas leigas, embora não só por elas. Quando elemento racial é usado para ofender pessoa ou grupo de pessoas certo e determinado, estamos diante, em tese, do delito de injúria racial, que não é racismo. Racismo somente há quando elementos étnicos ou raciais são utilizados para ofender grupo indeterminado de pessoas, com menção genérica ao elemento étnico ou racial. Ai sim estamos diante de racismo que impede a fiança. A injúria racial, prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do CP, admite fiança, inclusive fixada pela autoridade policial.

Outra hipótese de vedação diz respeito aos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, nos definidos como crimes hediondos e nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Note-se bem, são inafiançáveis, mas isso não significa que não se possa conceder liberdade provisória em relação a eles.

Não pode ser concedida fiança aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP.[28]

Ainda não será concedida fiança nos casos de prisão civil ou militar. A prisão civil hoje somente pode existir em vista do devedor de alimentos. Já as prisões militares referem-se a crimes militares ou infrações disciplinares de ordem administrativa.

Por fim, a ultima hipótese de descabimento de fiança contempla as hipóteses de cabimento de prisão preventiva, quando esta deverá ser decretada em substituição à prisão em flagrante, se o acusado tiver sido preso por este motivo.

Outro aspecto de suma importância para trazer efetividade ao instituto da fiança foi a atualização de valores, que hoje se encontram associados ao quantum de pena máxima abstratamente cominado. Conforme o artigo 325 do CPP, se a pena não for superior a quatro anos, hipótese em que a autoridade policial também pode fixar fiança, o valor será entre 01 e 100 salários mínimos. Se acima de quatro anos a pena máxima abstratamente cominada, será entre 10 e 200 salários mínimos.

O mesmo artigo também traz hipóteses de exclusão ou aumento do valor conforme a situação econômica do acusado. A redução poderá ser de até 2/3, ao passo que o aumento poderá atingir mil vezes.

O artigo 335 com a nova redação, mantém a possibilidade de que seja pedida a fiança ao juízo caso a autoridade policial não o faça, mas inovando, estipula o prazo de 48 horas para que o juiz decida. Caso isso não ocorra, a situação é passível de corrigenda via habeas corpus.

O artigo 336 acresceu a possibilidade de, além de responder pelas custas, indenização e dano causado, também poder ser utilizado o valor da fiança para saldar prestação pecuniária (pena alternativa), o que poderá ocorrer, em qualquer das hipóteses, mesmo que já prescrito o delito desde eu não prescrita a cobrança.

O descumprimento das obrigações impostas alternativamente à fiança, quando ela for dispensada, poderá ensejar a aplicação de quaisquer das outras medidas cautelares, inclusive a prisão. O mesmo vale para o seu quebramento, que também implica perda de metade de seu valor.

O artigo 341 do CPP também teve redação alterada, ampliando as hipóteses de quebramento da fiança. Agora as hipóteses contemplam cinco situações: I) Regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo. II) Deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo. III) Descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança. IV) Resistir injustificadamente a ordem judicial. V) Praticar nova infração penal dolosa.

O artigo 345 agora estipula como destino do valor da fiança quebrada o Fundo Penitenciário.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3254, 29 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21891. Acesso em: 22 nov. 2024.

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