Artigo Destaque dos editores

Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11

Exibindo página 4 de 4
29/05/2012 às 16:43
Leia nesta página:

11- PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES E OUTROS ASPECTOS

Como se pode verificar, muitas das medidas cautelares criadas não apresentam mecanismos eficientes de coerção. Restará como medida a lhes assegurar cumprimento a permanente ameaça de que sejam substituídas por outras, quiçá por aquela que ostenta maior coeficiente de coercitividade, qual seja a prisão. Surge a questão: quais os limites para a prisão preventiva no caso de substituição por outra medida?

A questão é pertinente porque é visível na nova legislação a tentativa de reduzir o espectro de aplicação da prisão cautelar. Veja-se que a prisão ficou reservada em regra aos delitos apenados com reclusão e penas máximas superiores a quatro anos. Mas e se for aplicada medida cautelar diversa da prisão em delitos de pena máxima menor e houver o descumprimento da medida, será possível a prisão substitutiva? E se o delito for apenado com detenção?

A rigor, a redação do artigo 312 do CPP, mais especificamente de seu parágrafo único, é confusa, pois se limita a afirmar o cabimento da prisão preventiva em caso de descumprimento de outras medidas cautelares, sem fazer qualquer limitação. No artigo 312 do CPP, encontram-se as finalidades ou motivos que admitem a prisão preventiva.

Por outro lado, o artigo 313 do CPP trás as hipóteses que, respeitado o artigo 312, admitem a prisão. Da interpretação conjunta dos dois artigos, tem-se que a prisão preventiva em relação a delitos com penas menores de quatro anos ou apenados com detenção somente será possível nas hipóteses dos incisos II e III e parágrafo único, ou seja, casos de crimes com réu reincidente e envolvendo violência doméstica. No caso do parágrafo, ou seja, caso de não haver elementos de identificação, a priori até mesmo em delitos culposos ou de menor pena poderá ser decretada a prisão, pois nada obsta e a identificação correta do acusado é absolutamente imprescindível para que se possa avaliar se o acusado pode ou não ser liberado.

De fato, a nova redação do artigo 313do CPP não repete a limitação que existia no  caput do anterior, o qual estipulava somente em vista de delitos dolosos ser cabível a prisão preventiva.


12- CONCLUSÕES

Ironicamente, o problema da criminalidade não é resolvido por leis penais, ou ao menos não principalmente por elas. As raízes da criminalidade, isso é fato sabido, encontram-se em problemas sociais e culturais. Não menos certo, porém, é que jamais poderemos prescindir de leis penais e processuais penais adequadas, pois sempre haverá crime, não importa o quanto se avance socialmente ou culturalmente. A transgressão faz parte da natureza humana.

A questão passa a residir na adequação dos diplomas às realidades às quais eles estão voltados a regrar em nas quais devem operar em busca das finalidades a que se destinam.

Os sistemas prisionais, de seu turno, seja onde for, sempre apresentam sérios problemas. A violência, a brutalidade e a desumanização são sempre, em alguma medida, componentes inafastáveis do encarceramento, estigmatizando o preso. No Brasil, ainda há o problema da carência de material e da superlotação. Por conta disso, nos últimos anos, no que concerne à prisão cautelar, tem sido tomada uma política de colocação da medida como excepcionalidade absoluta.

As correções a serem operadas no sistema dizem respeito, principalmente, à obrigações que são dos Poderes Executivos Federal e Estadual, diretamente relacionadas à construção de novas unidades e melhoria das já existentes para que possam ter padrões mínimos. Não havia problema na legislação processual relativa à prisões identificável como motivo de problemas.

Porém, mais uma vez assistimos à jurisdicionalização de problemas que não são principalmente judiciais. A Lei nº 12.403/11 vem no escopo de favorecer ao esvaziamento das prisões, para desafogar os presídios. Parece que o legislador desconhece o fato de que as prisões cautelares já vinham sendo aplicadas, salvo raríssimas exceções, como último recurso. Assim, uma tratativa mais branda no regime de prisões cautelares codificadas pouca ou nenhuma repercussão irá ter para reduzir o número de prisões cautelares, pois estava preso quem, antes como agora, apresenta motivos para tanto.

Logo, ao invés de atingir a pretendida meta de diminuir a quantidade de presos cautelares, a nova lei poderá, na verdade, aumentar este número. De fato, ao criar novas espécies de medidas cautelares alternativas à prisão, as quais são aplicáveis à situações onde o acusado restaria livre com somente a vinculação de comparecer aos atos processo, medidas estas que por sua dificuldade fiscalizatória serão descumpridas em massa, e criando a prisão como alternativa a este descumprimento, está a nova lei criando potencialmente um aumento da quantidade de prisões que serão decretadas doravante.

Ainda é de se destacar que esta aparente maior benevolência que traria a nova legislação é coisa questionável. Veja-se que, se por um lado as prisões preventivas agora são reservadas em regra aos delitos com pena máxima acima de quatro anos, não pode passar despercebido que antes os delitos apenados com detenção somente por exceção seriam passíveis de prisão preventiva, ao passo que agora esta limitação inexiste. Outrossim, a antiga redação do artigo 313 do CPP falava em crimes dolosos, em seu caput, limitação que agora foi abolida.

Já no que diz respeito às medidas cautelares criadas, a única em vista da qual se pode pretender alguma eficácia concreta mais palpável é o monitoramento eletrônico. As demais, ressoam utópicas e de pouca exeqüibilidade na realidade de extrema carência do país em relação à políticas e recursos de segurança e aparelhamento. Juridicamente algumas delas apresentam-se como boas alternativas, e permitiriam maior flexibilidade ao julgador, fornecendo medidas que podem ser melhor adequadas à realidades intermediárias, aonde a prisão cautelar se revele desproporcional, mas aonde seja necessária alguma medida de contenção ou controle em relação ao acusado. Se elas irão ou não repercutir em efeitos práticos? Sinceramente sou um tanto cético quanto a isso. Tenho que serão mais medidas para encher papel, como as medidas protetivas da lei de violência doméstica, que ainda hoje não encontram uma estrutura que as operacionalize.

De positivo há o resgate do instituto da fiança, por anos condenado ao ostracismo. Não é um instituto que tenha larga aceitação em nossa tradição jurídica, mas talvez a sua aplicação possa reverter esta perspectiva. Em um quadro de valorização cada vez maior do papel da vítima e das reparações a que ela faz jus também no campo penal, a fiança pode representar um papel importante de fornecer meios, ou, ao menos uma garantia, desta reparação.

Ao fim e ao cabo desta apreciação crítica e expositiva, a sensação é que mais uma vez se perdeu uma boa oportunidade de produzir algo que efetivamente funcionasse e pudesse modernizar a legislação para torná-la mais eficiente. Mas o que se tem são mais normas para ficarem mais no papel do que na realidade, nota característica da produção legislativa dos últimos dez anos. Agora se inicia a luta dos operadores jurídicos para tornar a nova disciplina de aplicação a melhor possível, pela compreensão e pelo esforço exegético, extraindo dela o que se puder de útil.


Notas

[1] Exemplo: Lei de Tóxicos. Tivemos duas recentemente, aliás.

[2] O procedimento do Júri foi o que mais recebeu alterações significativas. Os demais tiveram modificações de menor monta.  

[3] No início de 2012, o STF deu pela constitucionalidade da lei de violência doméstica, valendo-se, para tanto, do surrado bordão da igualdade material versus igualdade formal. Ocorre, no entanto, que a razão da inconstitucionalidade da dita lei não se encontra na vedação, a priori de se utilizar o conceito de igualdade material em detrimento da igualdade formal. Ninguém nunca questionou a necessidade de promoção de uma igualdade material, com eventual tratamento desigual dos desiguais. A questão é que isso deve ser feito dentro dos lindes da Constituição. No caso da lei de violência doméstica, há uma desigualdade entre homens e mulheres, e ela afronta o artigo 5º, inciso I, da CF/88, que, sendo cláusula pétrea, estipula que a igualdade como regra, e estatui que as desigualdades serão somente aquelas previstas na própria CF/88 (“nos termos desta Constituição”), onde não consta autorização para a tratativa desigual promovida por esta lei infraconstitucional. Como a matéria é cláusula pétrea, somente nova Constituição poderia autorizar a desigualdade preconizada a Lei de Violência Doméstica. Como este argumento não foi aventado na ADC julgada, ele continua absolutamente válido.

[4] Veja-se o número de mulheres assassinadas que contavam com medida protetiva a seu favor. De que valeu a decisão judicial à mingua de quem lhe pudesse dar efetividade? No RS recente pesquisa aponta que em 91% dos homicídios praticados contra mulheres havia conhecimento da polícia acerca do risco ou medida protetiva. 

[5] O executivo federal fez questão de dar todo o destaque para a implementação da legislação no plano formal, visando obter a simpatia da população leiga. Mas na hora de fazer sua parte, fornecendo estrutura para implementação concreta da lei, fez-se retumbantemente ausente. Os leigos impressionam-se com os anúncios de aumentos de registros de ocorrências relativas a violência doméstica, como se isso significasse que a lei está sendo eficaz. Ledo e grosseiro engano. Este aumento pode ser decorrente do abuso da invocação da lei (um de seus maiores males, propiciado pela ausência de contraditório nas medidas protetivas), e não significam que o registro, com desdobramentos criminais e cíveis (medida protetiva) efetivamente atue resolvendo ou mitigando concretamente o problema. Ao contrário, o aumento pode ser tomado como indício de ineficácia com tanta razão como é tomado para qualquer outra conclusão.        

[6] Exatamente por lhes ser difícil ter acesso, em vista de sua condição financeira, a situações que propiciem a prática de delitos ditos de “colarinho branco”.

[7] Aliás, o fato de hoje a maioria dos encarcerados ter praticado infrações com violência contra a pessoa ou tráfico, e não os denominados “crimes do colarinho branco”, é exatamente indicativo da relativa benevolência da legislação processual, ou, ao menos, da interpretação correntia que a ela se tem dado.  

[8] Quem sabe investimentos que poderiam ser feitos com os valores destinados a uma Copa do Mundo cuja realização ao que parece não é vontade da maioria da nação. Quem e com que legitimidade assumiu este compromisso custoso e inútil ao País?

[9] E quando irão eles romper o silêncio e passar a expressar criticamente suas posições e impressões, deixando de lado o cômodo silêncio? Na ausência de manifestação de quem lida diretamente com o problema, o espaço é tomado por pessoas com visões distantes e deturpadas da realidade sobre a qual opinam ou legislam, nem sempre embuídas do escopo de buscar a melhor solução.   

[10] Esta ultima hipótese foi inserida pela (inconstitucional) lei de violência doméstica. A necessidade de um mecanismo coercitivo que pudesse assegurar o cumprimento das medidas protetivas era evidente (independentemente de discutir-se o mérito da constitucionalidade ou das fraudes que ela, a lei, propicia). Mas  a lei incorreu em uma grave falha, materializada na ausência de uma previsão de prazo máximo para a prisão cautelar. O problema grave reside no fato de que, em muitos dos casos de atos que ensejam medidas protetivas, a prisão decorrente de condenação criminal não é uma alternativa possível, seja porque o quantum de pena, associado às condições pessoais do pretenso ofensor, de antemão fazem ver da impossibilidade, em caso de condenação, de aplicação de prisão, pois haverá, em tese, aplicação de pena alternativa. Temos, assim, uma situação onde poderá ser aplicada prisão cautelar a quem sequer poderá ser punido com pena de prisão, ainda que ela seja abstratamente cominada. Haveria desproporcionalidade e irrazoabilidade. A situação era ainda mais grave quando era possível deixar de movimentar-se demanda criminal por falta de representação. Tinha-se, então, prisão associada a uma medida protetiva, mas processo criminal não haveria, em caso evidente de notória desproporcionalidade. Vale registrar que julgamento do STF no ano de 2012 passou a considerar a ação penal dos casos de violência doméstica como pública incondicionada. Com isso, é inafastável a presença de uma investigação e eventualmente de uma ação penal, onde, felizmente, o acusado poderá apresentar sua versão. Esta possibilidade de defesa do acusado não existe no âmbito da medida protetiva porque os juízes, por desconhecimento ou medo de angariar antipatias, deixam de aplicar o CPC a elas (coisa que eu como magistrado fazia), o que asseguraria que  na medida protetiva houvesse contraditório e que encontra respaldo legal na própria legislação de regência.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

[11] A respeito da sistemática das prisões cautelares antes da reforma processual, ver, de minha autoria na internet: “Descortinando a Custódia Cautelar, dos Pressupostos à Cessação.”

[12] Uma breve consulta aos oficiais de Justiça por todo o Brasil revelaria um sem fim de casos onde acusações falsas são encetadas e formuladas no escopo de obter afastamentos do lar ou pensões, privando o atingido pela medida de contraditório e lhe impondo o ônus de ter de ele acionar o Judiciário em demanda própria.

[13] As partes, especialmente o acusado, por puro desconhecimento, acabam deixando de buscar defesa, especialmente nas medidas protetivas. Como não há contraditório, não há quase atuação de defensores nelas e os casos de medidas protetivas que chegam aos tribunais por recurso contam-se nos dedos.  

[14] Seria de extrema valia que a lei tivesse disposto a obrigatória revisão das medidas concedidas em certo termo de tempo, evitando perpetuação jurídica de situações que faticamente não mais existem. 

[15] Extremamente salutar a criação deste cadastro, desde que seja bem administrado.

[16] Confesso-me um fã incondicional da Defensoria Pública. Aqueles que, como eu, tiveram oportunidade de labutar à frente de um órgão jurisdicional tem a exata dimensão da imprescindibilidade e da importância do trabalho levado a cabo pelas Defensorias Públicas, trabalho este que hoje é ainda maior que o do MP. Infelizmente estes órgãos receberam por muito tempo tratamento diferenciado no que concerne ao aporte de recursos para seus serviços. Felizmente esta situação vai se alterando e a Defensoria Pública passa a ganhar o devido espaço nas atenções orçamentárias. Como a maioria dos réus são pobres, acaba quase sempre por desembocar a demanda de representação judicial sobre este órgão. 

[17] A respeito desta condição proporcionada pelo artigo 310, parágrafo único, do CPP, ver, de minha autoria, na internet: “Um panorama da fiança criminal à luz do parágrafo único do artigo 310 do CPP”.

[18] Observado o rigor técnico, a concessão da liberdade provisória tem margem quando a prisão é flagrante e não decorrente de ordem judicial. A obrigatoriedade da prisão, e, por conseguinte, a provisoriedade da liberdade decorrem do flagrante.

[19] Exemplo desta hipótese seria a autoridade policial continuar investigações que poderiam estar sendo obstaculizadas por um dos réus. 

[20] Disponíveis na internet: “Compreendendo a Inconstitucionalidade da Lei de Violência Doméstica” e “Lei de Violência Domestica, Constitucionalização Hermenêutica e Aplicação do CPC”. 

[21] Sempre defendi uma lei de violência familiar, seja quem for a vítima.

[22] Conforme já referi em trabalhos doutrinários, a determinação de fundamentação das decisões judiciais deveria constar do rol de direitos fundamentais do artigo 5° da CF/88. É através dela que todas as demais  garantias processuais constitucionais se fazem observadas.  

[23] Iludem-se com a propaganda eleitoreira ou provinda de pessoas mal informadas, que jamais entraram em uma sala de audiência para assistir uma audiência, muitas vezes pessoas com formação técnica em outras áreas que nada sabem de Direito, e apregoam a dita lei como apanágio de todos os males. Saem do Fórum com um pedaço de papel na mão e sem nenhuma proteção real. 

[24] Uma das hipóteses de aplicação desta medida é a situação da violência de torcidas organizadas em estádios, situação que se alastra a cada dia.

[25] Aqui, como medida cautelar, fica assegurado o contraditório e há impossibilidade, agora, de desistência por parte da pretensa vítima. Daí ser mais adequado do que conceder medida protetiva, pois a recalcitrância dos magistrados em aplicar o CPC a elas lhes subtrai, como já ressaltei, o contraditório, dando margem a severas injustiças e fraudes. 

[26] Exemplo emblemático é o México, tomado por cartéis de drogas que ensejam uma onda de violência sem precedentes. 

[27] Quando exercia jurisdição em um município do noroeste gaúcho, tive oportunidade de conduzir a instrução de um feito onde um jovem menor de idade havia assassinado, sob influência de crack, amigo com várias dezenas de facadas, exemplo emblemático dos maléficos da epidemia das drogas.  

[28] Estas obrigações referem-se à obrigação de comparecer a todos os atos do processo e de não mudar-se da comarca ou dela se ausentar por mais de 08 dias sem autorização judicial. 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3254, 29 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21891. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos