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Penhora de salário e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade:

breve análise da jurisprudência brasileira à luz de aportes críticos pós-positivistas

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Agenda 18/09/2013 às 08:08

5. Conclusão

O direito é fenômeno cultural e, portanto, sujeito a constante reflexão e (re)construção. Mesmo no campo processual, o direito continua a merecer incessante incursão crítica25.

Um dos pressupostos para que isso ocorra é o rompimento do paradigma liberal de juiz “boca da lei”, passando o julgador a assumir, de uma vez por todas, a sua carga de responsabilidade no refinamento do ordenamento jurídico e na realização da justiça do caso concreto, sempre lastreando seu pensar não de acordo com suas convicções pessoais, mas na esteira de uma argumentação que conduza à concreção dos anseios constitucionais e que se paute por vetores de proporcionalidade e razoabilidade, na qualidade de princípios plenamente dotados de força normativa e incidência prática.

A jurisprudência brasileira, com seus naturais avanços e recuos, têm procurado, em linhas gerais, a realização do justo em cada caso concreto – na maior parte das vezes até mesmo alheia à infindável discussão teórica que envolve o tema da conceituação e da aplicação dos vetores axiológicos da proporcionalidade e da razoabilidade –. E os aportes pós-positivistas, assentados grandemente na força normativa dos princípios, aqui e acolá têm dado uma relevante contribuição nessa rica empreitada de conduzir o fenômeno jurídico da estreiteza da lex para a amplitude do jus.

Apesar das idas e vindas, das tintas e das teses, mercê da elevada polêmica que envolve o assunto, pelo menos uma coisa parece ganhar algum foro de unanimidade: não há direitos absolutos. Daí o despontar de uma tendência, ainda que tímida, no sentido de se reconhecer algum grau de flexibilidade no concernente à expressa diretriz legal de absoluta impenhorabilidade de créditos de natureza salarial (CPC, art. 649, IV), sobretudo em demandas onde há confronto entre duas verbas salariais e a ameaça à dignidade humana está sensivelmente mais avivada junto a quem figura no polo ativo da lide executiva, na qualidade de credor.

O fio da meada, nesta seara, está em se convencer de que de nada valerá todo o esforço judicante se, ao fim e ao cabo, permanecerem incólumes, dentro de cada processo, as condições que lançam algum grau de afronta aos valores constitucionais – ainda que essas condições sejam impostas pela incidência cristalina da própria letra da lei.


BIBLIOGRAFIA

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Notas

1 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília : Escola Nacional da Magistratura – ENM, p. 26.

2 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luís Roberto Barroso (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 27-28.

3 Sobre tão complexa temática, focando na extrema importância atribuída aos princípios nessa nova instância de reflexão, Paulo Bonavides também nos oferta excelentes reflexões, verbis: “É na idade do pós-positivismo que tanto a Doutrina do Direito Natural como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, sofrendo golpes profundos e crítica lacerante, provenientes de uma reação intelectual implacável, capitaneada sobretudo por Dworkin, jurista de Harvard. Sua obra tem valiosamente contribuído para traçar e caracterizar o ângulo novo de normatividade definitiva reconhecida aos princípios. (...) A construção doutrinária da normatividade dos princípios provém, em grande parte, do empenho da Filosofia e da Teoria Geral do Direito em buscarem um campo neutro onde se possa superar a antinomia clássica Direito Natural/Direito Positivo. (...) Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19ª Edição, São Paulo : Editora Malheiros, 2006, p. 265, 276 e 294).

4 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília : Escola Nacional da Magistratura – ENM, p. 35.

5 A respeito, confira-se: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª edição. São Paulo : Malheiros, 2012, p. 142-202. Vale o registro de que a distinção entre os vetores da razoabilidade e proporcionalidade, bem como a própria pertinência da partição tricotômica das normas (em regras, princípios e postulados), são temáticas dotadas de alta conflituosidade teórica, cujo enfrentamento e resolução demandariam um inevitável desvio dos propósitos deste trabalho.

6 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 6ª edição. São Paulo : SRS Editora, 2009, p. 91.

7 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT, v. 798, São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 24.

8 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. 2ª edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 175.

9 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3ª edição. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 244.

10 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3ª edição. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 223.

11 A respeito, confira-se: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª edição. São Paulo : Malheiros, 2012, p. 173-182.

12 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª edição. São Paulo : Malheiros, 2012, p. 176.

13 Daí o acerto das contundentes colocações pós-positivistas de Humberto Ávila: “Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª edição. São Paulo : Malheiros, 2012, p. 33).

14 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. Vol. 1. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p. 59. É o que Eduardo Ribeiro Moreira chama de “derrotabilidade da norma”. Confira-se sua interessante lição: “O terceiro sentido da interpretação conforme a Constituição é verificado somente no caso concreto, quando, excepcionalmente, os efeitos da regra são retirados, por uma situação excepcionalmente não prevista (post factum). [...] Esse é um dos grandes avanços sustentados pelo neoconstitucionalismo, pois afasta as exceções que combatem a ponderação, sobretudo de regras que se afirmam em uma (errada) ponderação das regras. [...] A derrotabilidade [...] dá à norma a possibilidade de conviver no ordenamento, sem que perca sua carga de regra, porque importou em uma exceção. [...] A regra sofrerá efeito excepcional e não incidirá, casuisticamente, pela sua derrotabilidade factual – após a inferência no caso concreto, mas nunca abstrata. [...] Não se trata de ponderar regras – efeito exclusivo dos princípios –, mas de aceitar, via o terceiro sentido da interpretação conforme a Constituição, a sua derrotabilidade” (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo : Editora Método, 2008, p. 89 e 94-95).

15 Fonte: Portal do STJ. Notícia de 27.10.2011. http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103706&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=penhora%20de%20sal%E1rio Acesso em 27.06.2013.

16 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 342.

17CLT, art. 769: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

18 TST-RO-37800-94.2011.5.13.0000, Subseção II – Especializada em Dissídios Individuais, Relator: Ministro Emmanoel Pereira. Data de julgamento: 30.04.2013. Data de publicação: 03.05.2013.

19 Para uma enunciação clara e didática dessas três dimensões, confira-se: MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4ª edição. São Paulo : Atlas, 2013, p. 365-377.

20 As diretrizes gerais para os questionamentos ora lançados foram extraídos da obra: MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4ª edição. São Paulo : Atlas, 2013.

21 GIORDANI, Francisco. O princípio da proporcionalidade e a penhora de salário. Revista do TST. Brasília. Vol. 72, nº 01, jan/abr 2006, p. 33 e 35.

22 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. Vol. 1. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p. 87-88.

23 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3ª edição. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 79, 92 e 93.

24 MACHADO, João Baptista. Introdução ao estudo do direito e ao discurso legitimador. Coimbra : Almedina, 1989, p. 56.

25 Segundo Guilherme Botelho, “o direito é um processo de adaptação social. Verdadeiro produto da cultura que reflete os valores éticos, morais e históricos de uma sociedade, sendo tal desiderato ainda mais evidente no direito processual, como ramo jurídico mais rente à vida” (BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do Estado Constitucional. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 179).

Sobre o autor
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: ney.maranhao@gmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney. Penhora de salário e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade:: breve análise da jurisprudência brasileira à luz de aportes críticos pós-positivistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3731, 18 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25329. Acesso em: 22 nov. 2024.

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